José Pacheco
Pereira, Maria Pinto Basto, do CCB, e Guilherme de Oliveira Martins
Ainda sabemos quem foi
António José Saraiva?
Homenagem. O Centro Cultural de Belém recordou este pensador
maior numa sala onde todos os ouvintes tinham cabelos brancos
JOANA EMÍDIO MARQUES
Era um dos mais radicais e influentes pensadores
portugueses
e um marxista convicto quando,
em 1962, se preparou para falar na
Conferência da Paz no Kremlin
com um discurso que Álvaro Cu-
nhal tinha rasurado
e alterado.
Mas depois de ouvir a intervenção
de Pablo Neruda, levantou-se,
abandonou a mesa e, consequentemente, o PCP. Esta e outras histórias foram ontem contadas no
Centro Cultural de Belém, num
dia dedicado à vida e obra de António José Saraiva, quando passam 20 anos sobre a sua morte.
Na sala cheia do pequeno auditório do CCB estavam Eduardo
Lourenço, Maria Barroso, José Pacheco Pereira, Rui Ramos, Vicente
Jorge Silva, Teresa Rita Lopes, Isabel Pires de Lima, Guilherme de
Oliveira Martins, alguns familiares, como o filho, José António Saraiva (diretor do jornal Sol) ou os
irmãos Fernando e Maria José Saraiva e muitos outros; professores
universitários, investigadores ou
apenas admiradores. Gerações
que se formaram a ler e a pensar
com António José Saraiva (AJS),
mas que hoje têm seguramente
todas mais de 40 anos. "As novas
gerações esqueceram AJS?" perguntou o DN ao professor Pacheco Pereira. "Sim, e este desconhecimento estende-se aos políticos,
à elite política. E isso é tanto mais
trágico quanto mais o País se afunda e não há uma capacidade de
compreender a realidade, porque
não se leu nada, porque não se conhece nada. Conhecer o intelec-
Saraiva o souberam recordar e
que, num ápice transformaram o
autor da História da Cultura Por-
tual que foi AJS é conhecer um
pouco de Portugal."
Se algo transpareceu neste dia
onde faltaram os jovens escritores,
os jovens políticos, os jovens intelectuais, foi o entusiasmo com que
os que conheceram António José
tuguesa, História da Literatura
Portuguesa (em parceria com Oscar Lopes), O Crepúsculo da Idade
Média, Maio e a Crise da Civilização Burguesa, num homem de
carne e osso de pensamento vivo
e radicalmente livre.
Ávida e obra de AJS contam-se
mais pela sua capacidade de fazer
ruturas do que por fazer consensos. Foi expulso do cargo de assistente de Vitorino Nemésio, na Faculdade de Letras de Lisboa, "por
desligar o telefone na cara do escritor devido à nota que este dera
a um aluno e que Saraiva considerava injusta. E por essas e por ou-
LIVRO
Ver Portugal através
de um enamoramento
A editora Gradiva acaba de
lançar o livro Cartas de Amor
de António José Saraiva e
Teresa Rita Lopes, organizadas
por Ernesto Rodrigues.
Sabemos que António José
Saraiva foi um hábil e entusiasta escritor de cartas.
Durante anos correspondeu-se com Oscar Lopes, numa
troca intelectual que Pacheco
Pereira considera serem "documentos fundamentais para
compreender o País". Agora
surgem as cartas trocadas por
Rita Lopes durante os anos
em que mantiveram uma relação amorosa. Essa relação
entre uma bela jovem no exílio e um homem muito mais
velho que era também de
mestre e discípula dá sobretudo a conhecer fragmentos da
história portuguesa recente
e daqueles que a fizeram.
>
tras vivia, aos 50 anos, num exíguo
quarto de Paris, quase sem dinhei-
ro e um irreprimível impulso para
questionar tudo", contou Teresa
Rita Lopes, a especialista em Fernando Pessoa e que viveu vários
anos com Saraiva (ver caixa).
E se Pacheco Pereira lembrou os
anos em que AJS viveu o Maio de
68 e como foi capaz de pensar esse
acontecimento de forma totalmente crítica, o historiador Rui
Ramos enfatizou a capacidade de
de produzir um "pensamento
instigador que se materializou em
obras fundamentais da cultura
AJS
portuguesa".
Quase duas horas depois do
previsto, Vicente Jorge Silva encerrava a sessão lembrando quanto
Portugal aprendeu sobre si e sobre
o mundo pela cabeça de António
José Saraiva.
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