04/12/2015
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Consulta de 1º Grau
Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul
Número do Processo: 1.15.0023768­5
Comarca: Canoas
Órgão Julgador: 3ª Vara Cível : 1 / 1
Julgador:
Elisabete Maria Kirschke
Despacho:
Vistos. Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde ¿ ABRASUS e Sindicato Médico do Rio
Grande do Sul ¿ SIMERS ajuizaram a presente ação civil pública com o objetivo de obter provimento liminar no sentido de
que fosse determinado ao Município que mantivesse a condição de assistência a toda a população atendida, abstendo­se
de reduzir os serviços e infraestrutura no Hospital Universitário, para atendimento do SUS, e, caso já efetivada a redução, o
retorno ao status quo ante. No mérito, pediu que a parte requerida se abstivesse de reduzir serviços e infraestrutura no
Hospital Universitário, condenando­a a restabelecer a oferta de serviços e estrutura disponibilizados em outubro de 2014.
Alegou haver notícia divulgando eventual redução de 70 leitos do SUS. Realizada audiência de tentativa de conciliação,
resultou inexitosa, admitindo a parte demandada que já houve a redução mencionada na inicial há alguns dias. É o breve
relato. Decido. A interpretação conjugada das disposições constitucionais, insertas nos arts. 6º e 196 da Constituição
Federal, impõe o inafastável reconhecimento de que o atendimento a necessidades essenciais, mormente as arroladas
como direitos fundamentais do homem, não depende de lei infraconstitucional específica, na medida em que há íntima
relação com a efetivação dos direitos fundamentais, postulado básico e lógico do Estado Democrático e de Direito. Domina
na jurisprudência o entendimento de que o Estado ¿ União, Estados­membros e Municípios ¿ tem o dever constitucional de
atender a demanda por saúde pública. Por outro lado, o Supremo Tribunal já assentou a possibilidade de intervenção do
Poder Judiciário para assegurar a implementação de políticas públicas previstas em lei, reconhecendo a inexistência de
ofensa ao princípio constitucional de separação dos poderes, conforme segue: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AUMENTO DE LEITOS EM UNIDADE DE TERAPIA
INTENSIVA ? UTI. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE NÃO SE CONFIGURA SUBSTITUTIVA DE PRERROGATIVA DO PODER
EXECUTIVO. DETERMINAÇÃO DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA EXISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL AO
QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (STF , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 03/12/2013, Segunda Turma)
(grifou­se). DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO.
AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a
implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o
efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando
inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o
poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido¿ (AI 734.487­AgR, Relatora a
Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 20.8.2010). (o grifo é meu). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA
PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA
DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL.
VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é
presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando
impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 2. A
controvérsia objeto destes autos ¿ possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de
providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede
pública ¿ foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47­AgR, Relator o Ministro Gilmar
Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do `mínimo existencial¿ e da `reserva
do possível¿, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos
autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder
Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento¿ (RE
642.536­AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 27.2.2013). No mesmo sentido, inclusive abordando o
mesmo caso originário do Rio Grande do Sul, também o STJ se pronunciou: ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE.
DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS.
DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico­psíquica das
pessoas é valor ético­jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na
ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988
e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público.
O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a
cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo ­ UTIs no único hospital local viola o direito
à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando­se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em
http://www.tjrs.jus.br/versao_impressao/impressao.php
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regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir­se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos.
Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e
legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua
completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de
alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é
impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio
médico­hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para
esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas
leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração
orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom­senso e até políticas
públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da
discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização
dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada
como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade
humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp.
1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp.
1068731/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 17/2/11). (grifou­se) Analisando o caso
concreto, cumpre assinalar ser fato notório que a estrutura disponível para as demandas da saúde, notadamente em se
tratando de leitos hospitalares, é insuficiente para o atendimento de todos os usuários, o que leva centenas de cidadãos a
buscarem diariamente, no Poder Judiciário, o atendimento do direito fundamental à saúde, para obtenção de leitos em
caráter de urgência ou para realização de procedimento eletivo, forçados estes últimos a esperar durante meses, e até
anos, em uma longa e penosa fila. De acordo com os documentos juntados pela parte autora ao processo, extraídos do
Portal do CNES ¿ Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, verifica­se que o processo de redução de leitos
disponíveis no Hospital Universitário, para atendimento pelo SUS, vem ocorrendo gradativamente desde outubro de 2014,
quando havia 472 unidades disponíveis. Hoje, entretanto, verifica­se a existência de apenas 358, não computada a última
e mais recente redução, admitida em audiência pelo Município de Canoas, de 70 leitos. Em contrapartida, não restam
dúvidas de que houve um incremento no recebimento de verbas públicas pelo demandado, a título de cofinanciamento
hospitalar, atingindo a cifra de R$ 47.839.564,15, de janeiro a outubro de 2015, num montante superior de R$
14.159.118,59 aos R$ 33.680.445,56, recebidos no mesmo período de 2014. Ante o exposto, considerando que já
efetivada a noticiada redução de mais 70 leitos no Hospital Universitário de Canoas, defiro o pedido liminar para o efeito
de determinar ao demandado que (a) se abstenha de reduzir ainda mais os serviços e infraestrutura do referido
nosocômio, (b) determinando­lhe a obrigação de fazer, consistente em restabelecer a existência de, pelo menos, 50% de
tais unidades num prazo máximo de 90 dias, retomando sua integralidade em 180 dias. O prazo para contestação fluirá a
partir da publicação da presente decisão. Intimem­se. Data da consulta: 04/12/2015
Hora da consulta: 16:04:45
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