A narração na
reportagem
Objetos da narração
TEMPO: retardação, aceleração e duração
ESPAÇO: físico, social e psicológico
PERSONAGEM: plana, redonda, figurante
e referencial
O espaço
Uma das diferenças entre ficção e realidade
é que a segunda precisa de um espaço para
existir. O fato, assim como o som, não se
propaga no vácuo.
Ao fazer uma narração, o jornalista recria o
espaço também. É ele quem decide, como
um deus, quem vive e quem morre, o que é
mostrado e o que é escondido.
Resistência inesperada
Tropas angloamericanas enfrentam
contra-ataque
dos iraquianos e a
fúria das tempestades
de areia
Isto É,
2 de abril de 2003
Espaço físico-social
As imagens de soldados e
armamentos parados na lama dos
territórios ao sul de Bagdá, na semana
passada, demonstravam de modo
concreto as dificuldades das tropas
americanas. Serviam também como
simbolismo exemplar para os rumos da
guerra movida pelo governo George W.
Bush e seus aliados britânicos.
Espaço físico-social
As imagens de soldados e
armamentos parados na lama dos
territórios ao sul de Bagdá, na semana
passada, demonstravam de modo
concreto as dificuldades das tropas
americanas. Serviam também como
simbolismo exemplar para os rumos da
guerra movida pelo governo George W.
Bush e seus aliados britânicos.
Espaço social, ambientação oblíqua
Calculou-se, antes dos primeiros tiros,
que a derrubada do regime de Saddam
Hussein viria como resultado de uma
corrida desenfreada de três divisões –
com apoio aéreo e naval – rumo à capital
do país. Passariam ao largo de cidades
em júbilo, agradecidas pela democracia e
prosperidade deixadas no rastro de
tanques M-1A1 Abrams.
Espaço social, ambientação oblíqua
Calculou-se, antes dos primeiros tiros,
que a derrubada do regime de Saddam
Hussein viria como resultado de uma
corrida desenfreada de três divisões –
com apoio aéreo e naval – rumo à capital
do país. Passariam ao largo de cidades
em júbilo, agradecidas pela democracia e
prosperidade deixadas no rastro de
tanques M-1A1 Abrams.
Espaço físico, ambientação oblíqua
Uma parada militar que teria em seu
final uma difícil, mas gloriosa, batalha
em frente aos palácios do ditador. Um
roteiro hollywoodiano, filmado por
centenas de câmeras de tevê. (...) Seria
a consagração da “Doutrina Rumsfeld”,
uma arte militar capaz de extrair a
vitória com apenas um reduzido número
de supergladiadores, que nem mesmo o
deus Júpiter poderia igualar.
Espaço físico, ambientação oblíqua
Uma parada militar que teria em seu
final uma difícil, mas gloriosa, batalha
em frente aos palácios do ditador. Um
roteiro hollywoodiano, filmado por
centenas de câmeras de tevê. (...) Seria
a consagração da “Doutrina Rumsfeld”,
uma arte militar capaz de extrair a
vitória com apenas um reduzido número
de supergladiadores, que nem mesmo o
deus Júpiter poderia igualar.
Espaço social, ambientação oblíqua
A guerra completava apenas seis
dias, e entrou areia – ao pé da letra – na
máquina de guerra norte-americana). Em
Basra, a situação foi mais crítica. Ali, um
milhão e duzentas mil pessoas ficaram
sem água, luz, mantimentos ou
medicamentos, em meio ao fogo cruzado
entre forças da coalizão e de
paramilitares fiéis ao regime de Saddam.
Espaço social, ambientação oblíqua
A guerra completava apenas seis
dias, e entrou areia – ao pé da letra – na
máquina de guerra norte-americana). Em
Basra, a situação foi mais crítica. Ali, um
milhão e duzentas mil pessoas ficaram
sem água, luz, mantimentos ou
medicamentos, em meio ao fogo cruzado
entre forças da coalizão e de
paramilitares fiéis ao regime de Saddam.
Espaço social, ambientação franca
A população xiita era reconfortada a
todo momento pelos alto-falantes da
propaganda britânica informando que
havia fartura de comida e bebida fora
do cerco, e o repasto seria servido
assim que os milicianos fedayin (tropa
irregular de elite iraquiana) saíssem
daquelas freguesias. Esperava-se que o
povo famélico se rebelasse contras
seus algozes.
Mudança de espaço
O premiê britânico, Tony Blair, foi à
Câmara dos Comuns, em Londres,
garantir que a revolta civil havia
começado. No que foi prontamente
desmentido pela tevê Al-Jazira e pelo
líder xiita no exílio iraniano. “Não tenho
dúvida de que os americanos não
previam a resistência que enfrentam no
sul do Iraque, onde a população é xiita”,
disse a ISTOÉ o coronel Timóteo Pereira
Lima (...).
Espaço físico, ambientação franca
Mais a noroeste, em Al Nassíria, as
tropas de marines americanos foram
pregadas ao solo pela força de
tempestades, tanto de água, quanto de
areia. Com visibilidade de menos de
cinco metros, americanos, britânicos,
iraquianos e qualquer outro que
estivesse na região foram castigados
com a pior tormenta vista em mais de
uma década.
Espaço físico, ambientação oblíqua
A poderosa 3ª Divisão de Infantaria
Mecanizada do Exército americano,
que tinha chegado a 100 quilômetros
de Bagdá em meros quatro dias, parou
de repente. Em meio aos jatos de areia
impelidos por ventos de
até 100 quilômetros por hora, a 3ª
Divisão tinha pela frente um rival
portentoso: a Divisão Medina,
considerada uma das melhores da
guarda republicana de Saddam.
Espaço físico, ambientação oblíqua
A poderosa 3ª Divisão de Infantaria
Mecanizada do Exército americano,
que tinha chegado a 100 quilômetros
de Bagdá em meros quatro dias, parou
de repente. Em meio aos jatos de areia
impelidos por ventos de
até 100 quilômetros por hora, a 3ª
Divisão tinha pela frente um rival
portentoso: a Divisão Medina,
considerada uma das melhores da
guarda republicana de Saddam.
O tempo
Ao contar uma história, o jornalista tem o
poder de fazer um minuto durar uma hora e
uma hora, um minuto.
O jornalista também pode fazer o tempo
parar. É uma ferramenta de retórica. É
quando faz isso que ele pode deformar o
fato narrado, sem que o leitor se dê conta.
Uma noite de fúria na Febem
Horror e mortes
mostram que o atual
sistema de reformatórios
chegou ao limite
Veja São Paulo,
3 de novembro de 1999
Retardação da narrativa
O Brasil tem cerca de 20 000 jovens
infratores, dos quais 8 000 estão
encarcerados em unidades da Fundação
Estadual para o Bem-Estar do Menor,
Febem, espalhadas pelo país. Na teoria, são
reformatórios para a recuperação dos
internos. Na prática, são iguais aos grandes
presídios, com os mesmos problemas que o
sistema penitenciário reserva a criminosos
perigosos e condenados.
A notícia
Se havia alguma distinção entre as prisões
de adultos e as de adolescentes, ela
desapareceu no domingo passado, quando a
Febem da Imigrantes, em São Paulo, foi palco
de uma batalha sangrenta. Quatro jovens
morreram espancados pelos próprios colegas,
com socos, pontapés, golpes de machado,
marreta, enxada, pau, caco de telha e
até espeto. Dois deles foram queimados e
ficaram irreconhecíveis. Entre funcionários e
adolescentes, sessenta pessoas ficaram
feridas.
Retardação da narrativa
Todo esse terror e essa barbárie
poderiam ter sido evitados. Até as telas da
Febem sabem que a solução está na
construção de pequenos reformatórios, mais
parecidos com casas de recuperação do que
com presídios. Só depois desse
derramamento de sangue é que o governo
voltou a falar em medidas para tentar
resolver o impasse, como a implantação de
abrigos para até cinqüenta adolescentes em
cidades do interior.
A volta da narrativa
Na Imigrantes, três das quatro alas
que abrigavam 1.147 menores foram
destruídas. Destes, 102 fugiram e 265
foram transferidos. Os 776 restantes
amontoavam-se na ala D, que estava
em reforma. Sem porta nem janela, o
prédio é guardado pela tropa de
choque da Polícia Militar.
Retardação da narrativa
Já se perdeu a conta do número de
rebeliões na Febem. Os motins e as denúncias
de maus-tratos tornaram-se corriqueiros,
assim como a superlotação da unidade
Imigrantes. Destinada a abrigar cerca de 300
meninos por no máximo dois meses, estava
com uma população quatro vezes maior —
que em média permanecia ali por um ano. Nos
últimos dias, dois fatos pioraram a situação: a
ameaça de greve dos monitores e a reforma
que deixou as instalações ainda mais
apertadas e que forneceu as armas usadas na
rebelião.
A personagem
As personagens são essenciais para a
credibilidade da narrativa.
O jornalista constrói as personagens, mas
não faz um retrato, e sim uma caricatura,
destacando o que mais convém para sua
reportagem.
A ética é fundamental na construção de
personagens, pois a mesma pessoa pode ser
transformada em herói ou vilão.
Profissional
Para viver Geremias Berdinazi na novela
O Rei do Gado, o ator Raul Cortez
deixou a barba crescer. Na frente do
espelho, viu um homem de 65 anos, sua
idade. Tomou um susto. Não estava lá o
empresário bem-sucedido e às vezes
canalha que Raul se acostumara a
interpretar na TV. Pior: não estava lá o
quarentão enxuto que ele mesmo
pensava ser. “A gente sempre quer
parecer mais jovem, mas foi bom
assumir a idade que tenho”, diz.
Profissional
De barba branca, decidiu parar de
concorrer com os atores na faixa dos 40
anos “e encarar novos desafios”. Quando
fala em encarar desafios, esse
paulistano do bairro de Santo Amaro
que na base do grito já expulsou
assaltantes armados de sua casa não
está brincando. Ele transformou Geremias
Berdinazi, sua primeira caracterização de
um velho na TV, no melhor papel de sua
carreira. “É o meu personagem de TV que
mais repercutiu até hoje”, comemora Raul.
Fala
Para fazer seu melhor papel na TV, chegou
a tomar aulas de italiano, pagas do
próprio bolso. A idéia era fugir do
costumeiro ridículo dos filmes e novelas
brasileiros, nos quais os personagens
falam com sotaque de pizzaria. Não ficou
nenhuma maravilha, mas o italiano de
Raul é passável, apesar de ser
inconsistente no personagem. Geremias
não é estrangeiro. Na primeira fase da
novela, quando foi interpretado pelo
estreante Caco Ciocler, não tinha nenhum
sotaque.
Fala
O diretor Luiz Fernando Carvalho
recomendou a Raul que recorresse a
algumas palavras em italiano nas
situações em que seu personagem fosse
tomado pela emoção. O ator gostou do
sotaque e incorporou-o ao personagem.
Como em novela não há nenhum
compromisso com a inteligência do
espectador, acabou dando certo. Apesar
da incongruência, é verdade que o
dialeto que Berdinazi fala contribui para
seu sucesso.
O jornalismo é uma técnica que
permite aos que a ele se dedicam
escrever grandes mentiras feitas
exclusivamente de verdades
Carlos Dias, jornalista
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A narração na reportagem