PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO
TRF/fls. ____
Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro
APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 12130/PE (2007.83.00.017987-0)
APTE
: DEOCLECIO NEPOMUCENO DA SILVA JUNIOR
REPTE
: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM
: 4ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (PRIVATIVA EM
MATéRIA PENAL) - PE
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO
RELATÓRIO
O
Senhor
DESEMBARGADOR
FEDERAL
MARCELO
NAVARRO: Cuida-se de apelação criminal interposta por Deoclécio
Nepomuceno da Silva Júnior em face de sentença prolatada pelo MM. Juízo da
4ª Vara Federal de Pernambuco, que o condenou às penas do art. 304 do
Código Penal.
Segundo a denúncia, no ano de 2006, o acusado realizou
alteração contratual fraudulenta da pessoa jurídica FAZ TECNOLOGIA E
SERVIÇOS LTDA, com a inclusão de sócios “
laranjas”
.
A alteração contratual fraudulenta teria sido registrada na
JUCEPE/PE, em 20/01/2006, tendo como objeto modificação no quadro
societário da empresa, com a exclusão dos sócios JOSÉ ARRAES DE
ALENCAR e PAULO ROBERTO GUEDES PENA e a admissão dos sócios
“
laranjas”DOUGLAS AUGUSTO BEZERRA e FÁBIO KLEYBER DE ARAÚJO
FERREIRA.
Julgada parcialmente procedente a acusação, a defesa insurgese contra a sentença alegando, nas razões às fls. 314/326, preliminar de
incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, posto que “
o
fato da falsificação de assinaturas na averbação de contrato social, junto à
JUCEPE, sem nenhuma espécie de dano efetivo ou tentado às entidades
estatais mostra-se primordial para o deslocamento da competência dos autos”
.
Como prejudicial de mérito, partindo da premissa de que o juízo
que recebeu a denúncia é incompetente, requer o reconhecimento da extinção
de punibilidade pela prescrição. No mérito, alega a ausência de provas da
conduta dolosa, tendo em vista que o acusado sequer era sócio da empresa,
mas apenas o contador, tendo realizado a alteração contratual a pedido do
antigo sócio José Arraes de Alencar.
Finalmente, com base na tese de insignificância da conduta,
postula a absolvição do acusado pela atipicidade. Por fim, pugna pela reforma
da sentença para que sejam afastadas as incidências da continuidade delitiva
ACR nº 12130-PE
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e da agravante do art. 61, II, “
g”
, do CP e seja reconhecida a atenuante da
confissão.
Apresentadas contrarrazões, às fls. 338/343, nas quais o MPF se
manifesta pela manutenção da sentença recorrida.
Nesta instância, parecer do Ministério Público pelo não
provimento do apelo, às fls. 349/352.
É o relatório. Ao revisor.
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APTE
: DEOCLECIO NEPOMUCENO DA SILVA JUNIOR
REPTE
: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM
: 4ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (PRIVATIVA EM
MATéRIA PENAL) - PE
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO
VOTO
O
Senhor
DESEMBARGADOR
FEDERAL
MARCELO
NAVARRO: Consoante relatado, a defesa de Deoclécio Nepomuceno da Silva
Júnior interpõe a presente apelação criminal, em face de decisão que o
condenou pela prática do crime de uso de documento falso.
A falsidade em questão refere-se à alteração contratual da
empresa FAZ TECNOLOGIA E SERVIÇOS LTDA, mediante a substituição dos
antigos sócios por sócios “
laranjas”
. Para tanto, foram utilizados indevidamente
os dados de DOUGLAS AUGUSTO BEZERRA e FÁBIO KLEYBER DE
ARAÚJO FERREIRA, que trabalhavam, na época dos fatos, para um bingo ao
qual o réu prestava serviços de contadoria.
Preliminarmente, a defesa alega a incompetência da Justiça
Federal para processar e julgar o feito, já que não teria havido nenhuma
espécie de dano efetivo ou tentado à União, em razão da falsificação. Alega-se
que não basta um prejuízo reflexo à União, em decorrência da falsidade
ideológica, sendo necessário um dano direto para se fixar a competência da
Justiça Federal.
Ocorre que, neste caso, o documento falso foi utilizado não só
perante a JUCEPE, para os fins da alteração contratual propriamente dita, mas
também perante à Receita Federal. Aliás, as investigações tiveram início
justamente com a Representação para Fins Penais (fls. 09/11 – IPL),
formalizada por auditor-fiscal da Receita Federal, após averiguar, em
procedimento de diligência fiscal aduaneira, possíveis irregularidades na
exclusão/admissão dos sócios da empresa.
Ou seja, os efeitos da alteração contratual não se restringiriam ao
âmbito estadual da JUCEPE e demais entidades estaduais, atingindo, sim,
interesse da União, diante, inclusive, das repercussões que a inclusão
inautêntica de pessoas no quadro societário da empresa poderia provocar em
relação às responsabilidades por débitos tributários federais.
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Desta forma, como a conduta do acusado atingiu interesses e
serviços da União, REJEITO a preliminar de incompetência de juízo.
No mérito, a defesa argumenta que as provas são insuficientes
para comprovar o dolo do agente, cuja conduta decorreu do exercício de sua
profissão de contador.
Em que pese a tese defensiva seja no sentido de que as provas
são insuficientes a comprovar a autoria, dúvidas não há de que a inclusão dos
nomes falsos no quadro societário da empresa foi realizada pelo réu.
Chega-se a esta conclusão não só após ouvir o interrogatório do
próprio acusado, momento em que ele confessa que realizou a falsificação e
que foi ele próprio quem obteve os documentos dos “
laranjas”
, aproveitandose, inclusive, do exercício da sua profissão para obter esses dados1, como
também em razão de prova pericial, cujo laudo (fls. 151/170) concluiu ser o
apelante “
o autor das assinaturas impugnadas em nome de Fábio Kleyber de
Araújo Ferreira, Giovanni Francisco da Fonte e Rosângela Borges de Souza”
.
Além dessa perícia, outras foram realizadas e seus laudos
contribuem para ratificar a falsificação do documento de alteração contratual.
Neste aspecto, confiram-se os Laudos Periciais Grafoscópicos, às fls. 160/178
e 173/196, que comprovam não só que as assinaturas constantes no
documento de alteração contratual não foram produzidas por seus
pressupostos autores, como também que “
exibe elementos ‘
técnicos
convergentes com a escrita fornecida por Deoclécio Nepomuceno da Silva
Júnior”
.
A condenação encontra respaldo, portanto, em três laudos
periciais, que concluem no mesmo sentido: as assinaturas constantes no
documento de alteração contratual não partiram dos pressupostos autores,
mas sim do punho subscritor do apelante.
Além de comprovar a materialidade delitiva, estes laudos
constituem elemento de prova da autoria, ao deixar bem claro que a
falsificação das assinaturas foi realizada pelo apelante, no intuito de manter a
empresa FAZ TECNOLOGIA E SERVIÇOS LTDA constituída em nome de
terceiras pessoas, sem o consentimento e o conhecimento delas.
1
Ao ser ouvido em juízo, o réu confessou que: fez a alteração, sim, com a
anuência do Sr. Giovanni; que o Douglas e o Fábio eram “
laranjas”no bingo
de Giovanni também; que assinou por eles [“
laranjas”
], que a falsificação foi
feita a pedido do Sr. Arraes, que o acusado tinha consciência de que a
conduta em questão era crime. (mídia fls. 261)
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Ainda, segundo a defesa, a suposta venda para terceiras
pessoas teria decorrido de pedido do sócio da empresa, verdadeiro
beneficiado com a falsificação. Ocorre que, se outras pessoas também tiveram
envolvimento na fraude e foram beneficiadas com ela, além de não se tratar de
objeto do presente recurso, em nada põem em xeque as provas que
demonstram o envolvimento direto e decisivo do apelante na falsificação do
documento de fls. 34/36 –IPL. Ou seja, a participação de terceiros não exclui a
responsabilidade criminal do apelante.
Quanto ao pedido de absolvição, com base na suposta
insignificância da conduta, ressalto que o crime em comento tutela a fé
publica, não se exigindo um resultado danoso. Para sua consumação, basta
que o falso ingresse no âmbito da pessoa iludida e, neste caso, a alteração
contratual inautêntica entrou no âmbito da JUCEPE e da Receita Federal,
produzindo efeitos nas duas esferas.
Neste sentido, não há como afastar a tipicidade da conduta
delitiva, posto que o bem jurídico tutelado pela norma foi atingido mediante o
ingresso do documento falso nesses dois órgãos.
No tocante à dosimetria, a defesa principia requerendo a
incidência da atenuante da confissão.
Todavia, o juízo sentenciante já reconheceu esta atenuante,
realizando, contudo, a compensação da redução da pena com o quantum que
seria majorado em decorrência da agravante do art. 61, II, g, do CP.
Agora, quanto ao pedido de afastamento da agravante prevista
no art. 61, II, g, do CP, entendo deva ser dado provimento.
A mencionada agravante prevê o aumento da pena quando o
crime for praticado com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo,
ofício, ministério ou profissão.
Na espécie, além de a alteração contratual não ser uma atividade
exclusiva dos profissionais da área da contabilidade, a averbação do contrato
social em questão, aparentemente, decorreu de “
uma relação de amizade, um
“
favor”que o réu teria praticado em benefício do antigo sócio da empresa,
posto que DEOCLÉCIO, a priori, nada “
recebeu”ou “
ganhou”como resultado
das suas condutas”
, como ressaltou o magistrado sentenciante. Assim, não
vislumbro o abuso de poder, nem a violação a dever inerente à profissão do
apelante, já que a ação por ele praticada não se refere a ato exclusivo de
contadores.
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Finalmente, no tocante à continuidade delitiva, deve ser mantida
a causa de aumento da pena. Isso porque, apesar de ter sido um único
documento falsificado, ele foi utilizado em duas oportunidades totalmente
independentes entre si: na JUCEPE e, depois, na Receita Federal, onde
exerceu efeitos negativos diversos.
Considerando afastada a agravante do art. 61, II, g, do CP e, por
outro lado, incidente a atenuante da confissão para reduzir a pena em 06
(seis) meses, resulta a pena privativa em 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 15
(quinze) dias de reclusão, além de 90 (noventa) dias-multa, à razão de 1/30 do
salário mínimo.
Com estas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO à
apelação criminal para, mantida a condenação de Deoclécio Nepomuceno da
Silva Júnior como incurso no art. 304, do CP, reduzir a pena para 02 (dois)
anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, além de 90 (noventa)
dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo.
É como voto.
Recife, 12 de março de 2015.
Desembargador Federal MARCELO NAVARRO
RELAT O R
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RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO
CRIMINAL DA DEFESA. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL. USO DE DOCUMENTO FALSO NA
JUCEPE E NA RECEITA FEDERAL. MATERIALIDADE E
AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS POR LAUDOS
PERICIAIS, PROVAS TESTEMUNHAIS E DOCUMENTAIS.
PRINCÍPIO
DA
INSIGNIFICÂNCIA
NÃO
APLICÁVEL.
AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, G, DO CP. AFASTADA.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Afastada a preliminar de incompetência da Justiça Federal,
tendo em vista que os efeitos da alteração contratual fraudulenta
não se restringiriam ao âmbito da JUCEPE e demais entidades
estaduais, atingindo interesse da União, mediante em que o
documento falso foi utilizado na Receita Federal. Aliás, as
investigações iniciaram-se com a Representação para Fins
Penais, formalizada por auditor-fiscal da Receita Federal, após
averiguar, em procedimento de diligência fiscal aduaneira,
possíveis irregularidades na exclusão e admissão de sócios da
empresa investigada.
2. Ao promover alteração fraudulenta no quadro societário da
pessoa jurídica, mediante a inclusão de sócios “
laranjas”
, cujas
assinaturas foram falsificadas pelo apelante, a conduta é típica e
enquadra-se no art. 304, do Código Penal.
3. Não há como ser acolhida a tese de atipicidade por ausência
de dolo, quando a condenação encontra-se alicerçada em três
laudos periciais que concluíram que as assinaturas constantes no
documento de alteração contratual não partiram dos
pressupostos autores, mas sim do punho subscritor do réu.
4. O crime de uso de documento falso pretende tutelar a fé
pública e consuma-se independentemente de resultado danoso.
Neste sentido, a tese de insignificância da conduta por ausência
de dano é inaplicável à espécie.
5. Considerando que a alteração contratual não se constitui
atividade exclusiva dos profissionais da área da contabilidade.
Ausente o abuso de poder ou a violação a dever inerente à
profissão do apelante, deve ser afastada a agravante prevista no
art. 61, II, g, do CP.
6. Apelação criminal parcialmente provida.
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ACÓRDÃO
Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação criminal, nos
termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas
constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Recife, 12 de março de 2015.
Desembargador Federal MARCELO NAVARRO
RELAT O R
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