UNIDADE I – ESTÉTICA: A FILOSOFIA DA ARTE AULA 1.2 - Cultura e arte TEXTO DE APOIO 1. Cultura hip·hop O graffiti é expressão da cultura urbana das ruas, da cultura das minorias sem voz. É um ato de contravenção da lei, o que configura crime. Por essa razão, para essas minorias, grafitar torna-se um símbolo de coragem, uma vez que seus praticantes correm o risco de ser punidos. O graffiti é um dos elementos da cultura hip-hop. Os outros são: o rap ou MC, a dança break e disc-jockey, ou seja, o ato de isolar partes dançantes da músicajunk - normalmente baseadas na percussão - e repeti-las continuamente. Os grafiteiros, muitas vezes, participam dos outros aspectos dessa cultura e praticam sua atividade em áreas nas quais tanto a música quanto a dança de rua se desenvolvem, tornando, assim, a ligação entre graffiti e hip-hop mais intensa. Alguns grafiteiros tornaram-se artistas contemporâneos, como é o caso de Jean Michel Basquiat; outros, em maior número, têm sua obra reconhecida como arte de rua, arte pública, exposta em muitas galerias de arte, como é o caso de John Fekner e Banksy e, no Brasil, dos Gêmeos e Nunca, entre outros. Quais são as diferenças entre cultura e arte? O que está contido em cada um desses universos? São esferas que interagem ou são estanques? 2. Os sentidos de cultura O termo cultura tem uma série de significados diferentes, embora próximos, o que causa muita confusão conceitual e dificuldades, inclusive na esfera governamental. Se existem um Ministério e inúmeras secretarias de Cultura, tanto estaduais quanto municipais, é necessário saber de que objeto esses órgãos se ocupam. O sentido antropológico Do ponto de vista da antropologia, o termo "cultura'' refere-se a tudo o que o ser humano faz, pensa, imagina, inventa, porque ele é um ser cultural. Não sendo capaz de viver somente guiado por seus instintos, ele é levado a construir "ferramentas" que possam ajudá-lo a instalar-se no mundo, a sobreviver, a desenvolver sua humanidade. A essas "ferramentas" dá-se o nome de cultura. A cultura, no sentido etimológico, é o cultivo do ser em seu processo de humanização: é atribuição de significados ao mundo e a nós mesmos, significados esses que são passados adiante e modificados de acordo com as necessidades de cada grupo. A cultura sempre responde a desejos e necessidades dos grupos, das comunidades e da sociedade em geral. Por isso a cultura é plural, dinâmica e diversificada. A cultura, além de mediar nossa relação com o mundo, também age como um cimento, elemento de união entre um certo grupo de pessoas que adotam os mesmos usos, costumes e valores e torna a vida segura e contínua para a sociedade humana. A cultura dá o sentido de pertencimento, isto é, de fazer parte de um determinado grupo que, além da língua, divide também o vocabulário, o sotaque, os modos de vida, os valores etc. Além de oportunidade de autorreconhecimento, a cultura também proporciona a possibilidade de autoprodução e de prazer. Explicando: se o indivíduo não nasce humano, mas se torna humano ao longo da vida, ele se produz durante esse processo de humanização. Aprende a falar, a se comunicar, a se comportar em sociedade, segundo determinados padrões de sua cultura; aprende, também, a agir, desejar e criar. Constrói a si mesmo dentro do grupo social e com o grupo social, isto é, com a ajuda do coletivo. A partir dessa visão ampla de cultura, tudo no mundo humano é cultura, não existindo um único aspecto que não seja cultural. Mas qual seria, então, o significado de cultura para um órgão público que se in titula Ministério ou Secretaria da Cultura? Com qual recorte da cultura ele trabalha? E os chamados Estudos Culturais, se ocupam do quê? 3. As diferenças entre arte e cultura José Teixeira Coelho Netto, intelectual brasileiro contemporâneo, estabelece várias diferenças entre cultura e arte, em texto no qual discute parâmetros para a criação de uma política cultural e uma política para as artes. Em primeiro lugar, a cultura é criação coletiva e é dirigida para a comunidade, reforçando seu modo de ser. A arte, ao contrário, é criação individual e dirigida para o indivíduo. Mesmo as artes coletivas, como o cinema, o teatro, a dança, são autorais, isto é, revelam a visão de um criador ou diretor. A cultura é uma necessidade, pois para viver em sociedade é necessário aprender a cultura local: a língua, os modos de vida, os valores etc. Já a arte não é necessária na vida humana. Pode-se viver sem arte. Ninguém é obrigado a produzir ou desfrutar a arte: ela é um privilégio para quem faz e para quem a aprecia, uma vez que é fruto de um desejo forte e intenso. Por isso existem os direitos culturais assegurados pela Constituição, mas não existem direitos artísticos. Explicando: tudo aquilo que é uma necessidade para o ser humano deve ser um direito; o que não é necessário não pode se tornar nem direito nem dever. A cultura é útil para instrumentalizar os indivíduos a viver em sociedade, a enfrentar novos desafios. A arte, por sua vez, é gratuita, ou seja, transcende todo e qualquer fim que se proponha para ela. Ela amplia a esfera da presença do ser, enriquece o indivíduo, ajuda no seu desenvolvimento propriamente humano. A cultura é comunicação, pois, para ser útil, deve ser comunicada. Seu significado circula pela sociedade. A arte expressa um universo. Sua abordagem é interpretativa: não qualquer interpretação, mas a interpretação competente que leve em consideração tudo o que está em jogo na obra. A finalidade social da cultura é reconfortar, tranquilizar, permitir que o indivíduo encontre seu lugar. A cultura traz estabilidade para a comunidade e o indivíduo. Integra o social a si mesmo e cada um ao coletivo. Segundo Teixeira Coelho Netto, "a cultura cuida do outro", dá identidade. Já a arte é uma obra de risco, envolve o jogo que desestabiliza, desintegra tanto quem a faz quanto quem a recebe. Ela não cuida do outro. A arte incomoda. A cultura quer descobrir uma verdade oculta. Uma vez descoberta, ela se perpetua: está presa à tradição, à repetição. Por exemplo, a identidade nacional, a identidade desta ou daquela região ou grupo não pode ser alterada sob pena de se perder. A arte, por sua vez, é uma invenção de algo que não existia antes, não está presa à tradição e não pode se repetir. Por isso, a cultura é sempre narrativa, conta histórias, resolve problemas, seja o estabelecimento de hábitos, costumes ou dos mitos de origem. A arte não narra, apresenta um fragmento que coloca problemas em vez de resolvê-los. O discurso da obra de cultura é construído pela agregação do que é conhecido, do que já existe e é preservado, sendo importante, por isso, o aprendizado sobre como é feito, e sempre foi feito. Por exemplo, o artesanato, de tempos em tempos, agrega um novo material (em geral mais barato ou mais fácil de ser manipulado) ou uma nova tecnologia, mas a aparência do objeto continua sendo semelhante. O discurso da arte, diferentemente, rompe com o que existe ou desconstrói o que existia antes, envolvendo, portanto, a desconstrução criativa e o desaprendizado. O artista precisa desaprender como se fez arte até então, para descobrir o seu modo de fazê-la, por meio da experimentação. Mesmo o uso de imagens do passado na arte contemporânea não é uma simples imitação, mas transcriação feita com os olhos do presente. Sendo assim, percebemos que o foco do discurso da cultura é centralizado, convergente: tudo o que uma obra de cultura diz aponta em uma única direção, seja ela a nacionalidade, a identidade, a história de um grupo etc. A arte, ao contrário, é multifocal, divergente. Seu discurso se abre em leque e aponta para muitas possibilidades. Enquanto a cultura estabelece normas, hábitos e regras, a arte desregula e cria valores autônomos, pois cada obra é una, irrepetível. Lembremo-nos de que cultura é necessidade; arte é liberdade. Do ponto de vista da temporalidade, a cultura é duradoura e implica continuidade. Já a arte é efêmera e opera a interrupção do fluxo contínuo da vida. E, por último, a cultura pode ser explicada, esclarecida para aqueles que vêm de outra cultura que, com treino (que cria o hábito), poderão ver a obra de cultura do modo "certo", já que seu discurso é convergente. A obra de arte, entretanto, não pode ser explicada. O modo de nos aproximarmos dela é hermenêutica porque ela propõe uma multiplicidade de sentidos (é divergente). Cada um se aproxima da arte a partir de sua experiência, dos valores de seu mundo, de seu código, recriando, para si, os sentidos da obra. porque ela propõe uma multiplicidade de sentidos (é divergente). Cada um se aproxima da arte a partir de sua experiência, dos valores de seu mundo, de seu código, recriando, para si, os sentidos da obra. 4. Arte e cultura A arte é, sem dúvida, uma pequena parte da cultura, entendida aqui em seu sentido antropológico, mas uma parte privilegiada, fruto do desejo e acolhida pelo sentimento, livre das obrigações, dos deveres a serem cumpridos. Ninguém é obrigado a fazer arte ou a gostar de arte. A cultura aponta para o mundo como ele é, com hábitos, costumes, valores que nos aproximam dos outros indivíduos do grupo. A arte aponta para possibilidades do mundo, tira-nos dos hábitos, rompe os costumes, propõe outros valores. A arte nos faz estender e ampliar aquilo que somos porque passamos a ver o mundo e a nós mesmos sob luzes diferentes. A arte afina nossa sensibilidade: ensina-nos a ter aguda percepção dos estímulos que vêm dos nossos sentidos e a relacioná-los com conteúdos próprios – nossas lembranças, vivências pessoais e informações que já temos – e com o mundo em que vivemos. A arte, enfim, é uma ocasião de prazer porque nos oferece a compreensão profunda do mundo e de nós mesmos. REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA 1. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. Capítulo 34.