O TEATRO DO OPRIMIDO COMO FERRAMENTA
(compondo com a multiplicidade)
Autora: Kauana B. Anglés A. – Bacharel em Psicologia
Campus de Assis – Faculdade de Ciências e Letras – Psicologia – [email protected].
ASSIS, 2010
Sejam bem vindos senhoras e senhores, hoje o espetáculo será um meta-espetáculo. A
finalidade deste é apresentar o uso do Teatro do Oprimido (TO) como forma interventiva no
trabalho com grupos, mas não da maneira como estamos acostumados, cujo objetivo final é a
representação exibida em forma de produto, mas a potência do encontro com esse “teatrar” se
dando a cada segundo das oficinas. E se há que ter apresentação, há de ter para ter o que
problematizar, ato enquanto marcar um ato político.
Utilizar dessa ferramenta riquíssima- encontros com os jogos e os questionamentos do
TO- como dispositivo (aquilo que faz falar) para incitar à reflexão de eixos como: política, ética,
relações, arte, expressão, entre os levantamentos que as provocações desses encontros possam
fazer emergir.
Um dispositivo, quando assim definido, pode ser utilizado de maneiras muito
diversificadas, sendo que ele só funciona se acoplado a algo. Seja a uma outra
máquina ou a um propósito específico; eles ganham ou provocam uma variação
de sentidos conforme a variação dos suas conexões com os outros; por isso é
que podemos dizer que eles não são apenas matérias, mas materiais de
dispositivos (ADAMAIME, 2007, p.79).
Incitar à ação, através do Teatro do Oprimido e suas novas multiplicações, acoplado a
novas máquinas de guerra, máquinas da multiplicidade e que rompam também com os ideários
maniqueístas de opressor/oprimido, bom e mau, certo e errado. Incitando à ação política;
colocando em xeque as máquinas do Estado, as práticas da sociedade que coadunam com a
violência sexual, ou com o desemprego, baixos salários... Opressões que não possuem rostos
definidos, mas ações bem conhecidas.
Experenciando novas formas de ocupar o mundo, sendo essas ainda não cooptadas,
criando recursos inventivos para agir, sentir, porque para ser cidadão há que intervir e
transformar a sociedade, implicando-se com a vontade coletiva (BOAL, 2003). Singularizar-se é
preciso para dar sentido e essa forma artística, visa dar ampliação e sustentação aos desejos de
todos aqueles que preconizam espaços éticos.
A globalização quer a uniformização de todo mundo, a globalização
quer que todo mundo seja igualzinho, porque quer que todo mundo pratique o
único ato que seja igualzinho, porque quer que todo mundo pratique o único ato
que eles querem que pratique: comprar (BOAL, 2002, p. 242).
Objetivam nossa uniformização, para que compremos os mesmos produtos e façamos
parte do rebanho da servidão humana, que consumamos a arte elitista, datada e nomeada, querem
que acreditemos na igualdade para esquecermos que conceito mais fascista não há.
E por que necessitamos da criação, da arte para a sobrevivência?
De acordo com a filósofa Viviane Mosé (2009), a humanidade necessita do jogo, do
lúdico, da arte, em virtude da consciência que possuímos da morte, para dar alento à sensação da
finitude humana. Já para Nietzsche e Deleuze, a necessidade de criação, de reinvenção de si a
todo instante, é a necessidade para vivermos e não degenerarmos- “vida como obra de arte”
(DELEUZE, 1992).
[...] ela é tão indesejada pelos horrorosos homens de poder. Ela liberta
pensamentos, atrai os indivíduos para uma face da realidade que é ignorada
enquanto estão habituados a julgar a vida a partir das imagens e afetos que têm
consciência. Mas ao contrário de quem julga, o artista faz das imagens e dos
afetos os seus alimentos para que suas obras possam permitir que o homem
comum conheça essa face da realidade que é anterior às imagens, isto é, a face
da produção ininterrupta das coisas que temos consciência. O encontro com a
obra de arte ativa forças desconhecidas no homem e por isso ela é
sempre necessária em cada dia que vivemos (FERREIRA, 2010, p.1).
Um dos atos realizados durante as oficinas, processo importantíssimo que compreende os
questionamentos, debates, problematizações, é incitado pelo coringa/diretor e visivelmente o
grupo adota essa postura- pois a autogestão, a circulação do poder horizontalmente, é um dos
objetivos dessa prática enquanto emancipatória – consiste no ato maiêutico – socrático que leva
através dos questionamentos sucessivos- acerca da postura adotada, da interpretação, da
intencionalidade, a reflexão acerca de sua postura.
Nesse ato autogestivo o grupo tem de proporcionar reverberações para as mínimas
criações e expressões dos integrantes, para que essas forças não murchem, sempre encontrando
novos caminhos, novas estratégias e novas estéticas; criando verdadeiros “megafones” para as
vozes do grupo, provendo novas formas de vivenciar o diálogo social.
E a conclusão? Conclusão que não há fim, que essas experimentações se dão enquanto
processo, cada grupo com as suas particularidade. Contudo, há que olhar além do que foi deixado
por Boal, chamar todos os intercessores possíveis e empreender sempre por novos caminhos,
experimentar composições com os mais diferentes campos, versar pelo non sense, pelo
polissêmico, a transvaloração dos valores. A arte enquanto experimentação, o teatro enquanto
ferramenta política para muito além de um método, um habitar um campo da ação,
transformação, de transvaloração dos valores.
Enfim, são palavras dispositivas para novas maneiras de se pensar o TO enquanto prática,
incitando o exercício pela busca do Corpo sem órgãos de Artaud, da dança de Laban, os jogos de
Boal, e da prática de todos nós.
Então se fecham as cortinas? NÃO! Há que se deixar sempre entreaberta! O entre gera
movimento, e movimento é vida e questionamento.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
ADAIME, R. Clínica experimental: programa para máquinas desejantes. 2007. 114 p.
Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) –PUC- São Paulo, 2007.
BOAL, A. Teatro como arte marcial. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.
BOAL, A. GARCIA, S. Odisséia do Teatro brasileiro. São Paulo: Editora Senac São Paulo,
2002.
DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.
FERREIRA, A. Arte. In: http://amauriferreira.blogspot.com/2010/05/arte.html. Acesso em: 28
de agost. de 2010.
MOSÉ, V. O que podem os afetos. In: http://www.cpflcultura.com.br/site/2009/11/19/integra-oque-podem-os-afetos-viviane-mose-e-nelson-lucero/. 2009.Acesso em: 23 de janeiro de 2010.
NUNES, S. B. Augusto Boal: uma homenagem. REVISTA Cena nº 7 p 56-67.
Download

O TEATRO DO OPRIMIDO COMO FERRAMENTA (compondo com a