Memórias de um sargento de milícias
(Manuel Antônio de Almeida)
A edição que serviu como base de estudo foi Memórias de um sargento de milícias. 15. ed. São Paulo:
Ática, 1988.
novelas bem comportadas de Joaquim Manuel de Macedo. De certa forma, a obra contraria a solenidade retórica dominante, que é substituída pelo tom
humorístico e caricatural, mais próximo do gênero picaresco. Valorizam-se mais o coloquialismo e a fala
popular das personagens, gente miúda saída dos arredores mais humildes da cidade do Rio de Janeiro. Em
lugar do herói idealizado e mítico, surge um anti-herói
(herói pícaro), talhado bem próximo da realidade humana e sujeito a defeitos e atrapalhações que não condiziam
com os modelos a serem seguidos pelo Romantismo.
Memórias de um sargento de milícias constitui a primeira afirmação do nacionalismo em nossas letras, libertando-se dos padrões discursivos lusitanos e
empregando não só personagens suburbanas, mas também o linguajar do povo. Essa renúncia ao estilo vigente na época é o que dá grandeza à obra. O autor escorou-se
numa tradição genuinamente popular, fugindo dos modelos folhetinescos e mundanos do Romantismo. Suas
personagens não possuem a cortesia castradora dos estereótipos vigentes. O narrador penetra no tempo de d.
João VI, retomando um mundo criativo e popular, restaurando a brisa renovadora da história picaresca. Nessa
obra, tudo tem cheiro de povo, sem sofisticações ou formalidades. Cria-se um mundo carnavalesco, onde a indústria não havia estancado o artesanato e a sobrevivência
se fazia na base da parceria, da troca de bens, da amizade ou mesmo do furto esporádico, simples desaperto.
Um mundo onde a ordem (aristocracia lusitana e funcionalismo público) se confunde com a desordem (rebeldia e independência do zé-povinho).
Memórias de um sargento de milícias constitui um
verdadeiro painel dos tempos de d. João VI; é uma
crônica dos subúrbios cariocas e das diabruras de certo
Leonardinho, verdadeiro paladino da mentira e da
vadiagem, anti-herói e peralta-mor.
Manuel Antônio de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em 1831. Filho de família pobre, tentou estudar
desenho na Academia de Belas Artes, mas abandonou o
curso para matricular-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, formando-se em 1855.
Entretanto, não exerceu a
profissão de médico, passando a escrever no Correio
Mercantil, onde teve brilhante atuação.
A obra Memórias de um sargento de milícias, depois de
ser publicada em folhetins
no Correio Mercantil
em 1854, foi lançada
como livro em 1855.
O doutor Maneco,
como era conhecido, ocupou
cargo de administrador da Tipografia Nacional e de
oficial da Secretaria do Ministério da Fazenda. Foi
também um dos diretores da Academia Imperial de
Música e Ópera Nacional.
Faleceu em 28 de novembro de 1861, no naufrágio
do vapor Hermes, quando ia fazer a reportagem da festa
de inauguração do canal de Campos a Macaé.
ARQUIVO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
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1. BIOGRAFIA
2. INTRODUÇÃO
Memórias de um sargento de milícias pode ser considerada como ímpar dentro da época romântica, uma vez
que foge dos padrões estabelecidos para tal estilo. Esse
estranhamento talvez tenha sido o fato gerador do desinteresse por parte dos leitores da época, acostumados às
3. ANÁLISE DO ENREDO
A obra é dividida em duas partes. A primeira apresenta 23 capítulos; a segunda, 25. O romance começa
1
pela citação “Era no tempo do rei”, fixando o tempo
da obra, que nos parece de vital importância para a
caracterização da sociedade que se pretende mostrar.
Vejamos a análise dos capítulos originais.
PRIMEIRA PARTE
I. Origem, nascimento e batismo
Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do
Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo — O canto dos meirinhos —; e bem lhe
assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje
não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do
tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável
cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida:
o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo
dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses
trejeitos judiciais que se chamava o processo.
Daí sua influência moral.
À vista disto nada havia a duvidar: o pobre homem perdeu, como se costuma dizer, as estribeiras; ficou cego de
ciúme. Largou apressado sobre um banco uns autos que
trazia embaixo do braço, e endireitou para a Maria com os
punhos cerrados.
— Grandessíssima!…
E a injúria que ia soltar era tão grande que o engasgou… e pôs-se a tremer com todo o corpo.
A Maria recuou dois passos e pôs-se em guarda, pois
também não era das que se receava com qualquer coisa.
— Tira-te lá, ó Leonardo!
— Não chames mais pelo meu nome, não chames…
que tranco-te essa boca a socos…
— Safe-se daí! Quem lhe mandou pôr-se aos namoricos
comigo a bordo?
Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor aumentou-lhe a dor da traição, e o ciúme e a raiva de que se
achava possuído transbordaram em socos sobre a Maria,
que depois de uma tentativa inútil de resistência desatou a
correr, a chorar e a gritar:
— Ai… ai… acuda, senhor compadre… senhor compadre!…
Leonardo Pataca veio para o Brasil junto com a
família real e, graças à influência de um tio, foi nomeado meirinho. Em Lisboa, era ajudante de alfaiate. Durante a viagem de navio, ficou conhecendo uma
saloia de Lisboa chamada Maria-da-Hortaliça, uma
camponesa, simples verdureira. Os dois enamoraramse. Ele deu uma pisadela no pé da moça e recebeu de
volta um beliscão. À noite encontraram-se novamente. A pisadela e o beliscão foram mais fortes. A partir
daí, ficaram juntos. Sete meses depois do encontro
nasceu Leonardinho.
Enquanto os pais brigavam, o menino Leonardo
rasgou os documentos deixados pelo pai na mesinha,
fazendo com eles cartuchos. Leonardo, enfurecido
com o filho, deu-lhe um pontapé no traseiro, atirando-o a quatro braças de distância. Esbravejava furioso, chamando o menino de “filho de uma pisadela e
um beliscão…” Leonardinho fugiu e entrou berrando na barbearia do padrinho, causando um acidente
com uma bacia de água morna, que acabou caindo
sobre um cliente.
Desse dia em diante, Leonardinho passou a morar
com o padrinho. Leonardo Pataca desapareceu.
A madrinha ajudou a cuidar do menino.
Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir
certos enojos: foram os dois morar juntos: e daí a um mês
manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do
beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e
vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo
depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que
temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de
quem falamos é o herói desta história.1
O capítulo termina com o batizado de Leonardinho, tendo a parteira (comadre) por madrinha e o barbeiro (compadre) por padrinho.
III. Despedidas às travessuras
O barbeiro era um homem velho e dedicou toda a
sua atenção e carinho ao afilhado, mimando-o demais.
A comadre sempre discutia com o compadre, achando-o benevolente demais para com as traquinagens
de Leonardinho, pois não o castigava como devia.
II. Primeiros infortúnios
Sete anos se passaram. Leonardo ainda trabalhava
1
O nascimento de Leonardinho traz o primeiro índice do estranhamento que irá marcar a personagem. A ambigüidade é deixada nas
entrelinhas, permanecendo no ar a idéia de que Maria talvez já estivesse grávida ao embarcar e conhecer Leonardo. Tal incerteza será
dirimida mais tarde.
2
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como meirinho, mas começou a estranhar que um
colega o procurasse em casa quando sabia que estava
no trabalho. Certa tarde, Leonardo voltou mais cedo.
Ao entrar em casa, deixou os laudos de um processo
sobre uma pequena mesa. Leonardo entrou no quarto
e percebeu quando o amante da mulher escapou pela
janela. Pataca deu uma surra em Maria, que também
devolveu vários desaforos, questionando mesmo sua
honra de meirinho. Maria foi salva pelo barbeiro, que
veio em seu socorro. Naquela mesma tarde, ela fugiu
com um capitão de navio para Portugal.
rem até não mais se agüentarem, chicoteando-os.
Leonardo foi levado para a Casa da Guarda (depósito
de presos) e depois transferido para a cadeia.
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Preocupado com o futuro do afilhado, o padrinho
decidiu que o afilhado seria padre. A comadre, entretanto, preferia vê-lo nos ofícios.
Leonardinho só queria saber de vadiagem e de dar
preocupações para o padrinho:
VI. Primeira noite fora de casa
Leonardinho acompanhou uma procissão de rua,
divertindo-se com as estripulias de um grupo de moleques com quem se juntara. Acabou passando a noite num acampamento de ciganos, para desespero do
padrinho, que o procurou por toda parte.
Leonardo Pataca, graças à comadre, foi colocado
em liberdade de manhã e voltou para casa.
Às quartas-feiras e em outros dias da semana saía do
Bom Jesus e de outras igrejas uma espécie de procissão
composta de alguns padres conduzindo cruzes, irmãos de
algumas irmandades com lanternas, e povo em grande
quantidade; os padres rezavam e o povo acompanhava a
reza. Em cada cruz parava o acompanhamento, ajoelhavam-se todos, e oravam durante muito tempo. Este ato,
que satisfazia a devoção dos carolas, dava pasto e ocasião a quanta sorte de zombaria e de imoralidade lembrava aos rapazes daquela época, que são os velhos de hoje,
e que tanto clamam contra o desrespeito dos moços de
agora. Caminhavam eles em charola atrás da procissão,
interrompendo a cantoria com ditérios em voz alta, ora simplesmente engraçados, ora pouco decentes; levavam longos fios de barbante, em cuja extremidade iam penduradas
grossas bolas de cera. Se ia por ali ao seu alcance algum
infeliz, a quem os anos tivessem despido a cabeça dos
cabelos, colocavam-se em distância conveniente, e escondidos por trás de um ou de outro, arremessavam o projétil
que ia bater em cheio sobre a calva do devoto; puxavam
rapidamente o barbante, e ninguém podia saber donde tinha partido o golpe. Estas e outras cenas excitavam vozeria
e gargalhadas na multidão.
Era a isto que naqueles devotos tempos se chamava
correr a via-sacra.2
VII. A comadre
A comadre era uma mulher baixa, gorda, bonachona, ingênua ou tola, até certo ponto, mas esperta
em outros. Era parteira de ofício, mas benzia quebranto. Gostava de ir à missa e ouvir os cochichos
das beatas. Foi por esse hábito que ficou sabendo da
prisão de Leonardo Pataca.
VIII. O pátio dos bichos
A sala onde ficavam os velhos oficiais era chamada
de “pátio dos bichos”. Os soldados permaneciam a serviço do rei, esperando qualquer ordem. A comadre procurou um tenente-coronel para que este intercedesse
junto a el-rei em favor de Leonardo Pataca.
IX. O arranjei-me do compadre
O padrinho vivia bem, apesar de ser um humilde
barbeiro. A origem do dinheiro remontava do ofício
3
de barbeiro e sangrador a bordo de um navio que
vinha para o Brasil. O capitão moribundo confioulhe as economias para que o barbeiro as entregasse à
sua filha. O barbeiro ficou com tudo e nunca procurou a filha do capitão.
Leonardinho aproveitou para seguir com a procissão.
IV. Fortuna
Leonardo Pataca apaixonara-se por uma cigana,
também infiel, e que acabou abandonando-o por causa
do padre mestre-de-reza. Pataca apelou para um feiticeiro, que lhe impôs uma série de cerimônias para
atrair o amor da cigana. Durante uma dessas cerimônias, exatamente à meia-noite, bateram violentamente à porta da casa do feiticeiro. Era o temido major
Vidigal (chefe dos granadeiros), que acabou prendendo Leonardo Pataca por vadiagem.
X. Explicações
O narrador revela que um filho ilegítimo do tenente-coronel desvirginara uma moça em Portugal,
4
sem casar-se com ela. Ao saber que ela estava no
Brasil, casada com Leonardo Pataca, procurou ajudá-la para aplacar seu problema de consciência.
Por isso, acabou auxiliando Pataca, também se ofereceu à comadre para cuidar do menino Leonardinho.
O tenente-coronel agiu por meio de um amigo, que
conseguiu a libertação de Leonardo.
V. O Vidigal
O major Vidigal era um homem alto, não muito
gordo, com ares de moleirão, com olhar baixo e movimentos lentos. Sua voz era descansada e adocicada. Era o árbitro supremo de tudo que dizia respeito à
polícia da época. De suas sentenças não cabia apelação. Exercia uma espécie de inquisição policial, costumava caçar os criminosos e os vagabundos. Todos
tinham por ele respeito e temor. O major Vidigal obrigou todos os presentes na casa do feiticeiro a dança-
XI. Progresso e atraso
O padrinho encontrou muitas dificuldades para
ensinar o afilhado. Leonardinho aprendia com lentidão e não manifestava qualquer inclinação para as
2
A passagem mostra claramente a presença da crítica ao comportamento dos fiéis nas celebrações da Igreja. O texto reflete a presença
da carnavalização, como observa Todorov em sua obra sobre o gênero cômico.
3
Os barbeiros tinham algumas atribuições além das que hoje conhecemos. A sangria era uma delas.
4
Chamamos esse tipo de ação narrativa em direção ao passado de flash-back ou retrocesso.
3
coisas da igreja ou para qualquer outra profissão que
fosse. Sua especialidade era mesmo a vadiagem.
A vizinha brigava constantemente com o menino.
Ela e o barbeiro discutiam por causa de Leonardinho,
que acabava imitando a velha beata para divertir o
padrinho. O barbeiro ria muito e considerava-se vingado.
dia da festa da igreja, o padre preparou-se para proferir seu sermão, aliás, sua única atividade séria durante todo o ano. Leonardinho, encarregado de avisar
a hora do sermão, informou ser às dez horas, quando na verdade seria às nove. O mestre chegou atrasado e furioso, correndo para o púlpito, onde já estava
o capuchinho italiano a fazer o sermão. O padre tomou o lugar do capuchinho, depois de discutirem.
O sacristão foi despedido. Leonardinho teve que
deixar a Sé.
XII. Entrada para a escola
Leonardinho entrou para a escola.
O capítulo descreve a escola da época, focalizando a importância corretiva da palmatória. Leonardinho apanhou por causa de suas estripulias. Vendia os
objetos dos colegas e vivia fugindo da escola para
vadiar. Até abandoná-la definitivamente.
Achava ele um prazer suavíssimo em desobedecer a
tudo quanto se lhe ordenava; se se queria que estivesse
sério, desatava a rir como um perdido com o maior gosto
do mundo; se se queria que estivesse quieto, parece que
uma meia oculta o impelia e fazia com que desse uma idéia
pouco mais ou menos aproximada do moto-contínuo. Nunca uma pasta, um tinteiro, uma lousa lhe durou mais de 15
dias: era tido na escola pelo mais refinado velhaco; vendia
aos colegas tudo que podia ter algum valor, fosse seu ou
alheio, contanto que lhe caísse nas mãos: um lápis, uma
pena, um registro, tudo lhe fazia conta; o dinheiro que apurava empregava sempre do pior modo que podia. Logo no
fim dos primeiros cinco dias de escola declarou ao padrinho que já sabia as ruas, e não precisava mais de que ele
o acompanhasse; no primeiro dia em que o padrinho anuiu
a que ele fosse sozinho fez uma tremenda gazeta; tomou
depois gosto a esse hábito, e em pouco tempo adquiriu
entre os companheiros o apelido de gazeta-mor da escola,
o que também queria dizer apanha-bolos-mor5. Um dos
principais pontos em que ele passava alegremente as
manhãs e tardes em que fugia à escola era a igreja da Sé.
XVI. Sucesso do plano
O padre, depois da prisão e da humilhação sofrida
ao ser exposto como prisioneiro do major, arrependeu-se e deixou a cigana. Leonardo reconquistou a
antiga amante. Os dois passaram a viver juntos.
A comadre censurou Leonardo por essa decisão.
XVII. D. Maria
D. Maria era uma mulher velha e muito gorda. Tinha bom coração, era benfazeja6, devotada aos pobres. Tinha mania de demandas7.
Por causa da procissão, estavam todos em sua casa:
o compadre, o Leonardinho, a comadre e a vizinha. A
conversa girava em torno das peraltices do menino,
que aproveitou para pisar na saia da vizinha, rasgando-a. Todos discutiram o futuro do garoto. D. Maria
sugeriu que fosse procurador de causas.
XIII. Mudança de vida
O padrinho convence o afilhado a voltar para a
escola, mas Leonardinho sempre foge. Numa dessas
fugas, acaba por fazer amizade com um pequeno sacristão da Sé. Percebendo que na igreja terá um campo mais vasto para suas diabruras e traquinagens,
convence o padrinho a fazê-lo coroinha. O barbeiro
sentiu-se realizado com o afilhado, pois acreditava
que era meio caminho andado para torná-lo padre.
Para vingar-se da vizinha, com quem o padrinho
discutira, Leonardinho e o pequeno sacristão jogamlhe fumaça de incenso na cara e derramam cera na
mantilha. A vizinha pede providências ao padre, que
nada pode fazer, já que o menino se finge de inocente.
XVIII. Amores
Leonardinho não atendeu aos desejos do padrinho.
Não foi para Coimbra; não se tornou padre; não trabalhou em cartório. Transformou-se num vadio, um
vadio-mestre, vadio-tipo. Já moço, vivia sem trabalhar. Não pensava em nada.
Leonardo Pataca casou-se com Chiquinha, filha
da Comadre. Dona Maria ganhou uma demanda para
ser tutora de uma sobrinha órfã, Luisinha. O compadre e o afilhado iam visitá-las com freqüência.
Luisinha era bem desenvolvida, mas desajeitada. Leonardinho saiu rindo dela, mas não conseguiu mais esquecê-la.
XIV. Nova vingança e seu resultado
O padre mestre-de-cerimônias mantém relações
com a cigana que abandonara Leonardo Pataca. No
Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo conteve o riso.
Era a sobrinha de d. Maria já muito desenvolvida, porém
5
Referência aos castigos físicos que eram impostos aos alunos que cometiam erros ou desobediências.
Que faz o bem, caridosa.
7
Litígio ou ação judicial.
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XV. Estralada
Quando Leonardo Pataca descobriu que o mestrede-cerimônias lhe roubara a cigana e que ele iria ao
aniversário dela, contratou Chico-Juca para criar confusão na festa. Leonardo avisou o major Vidigal sobre a festa. O Major apareceu de surpresa e prendeu
todo o mundo, inclusive o padre.
que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha
adquirido a beleza de moça: era alta, magra, pálida: andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras
sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e
compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos,
como uma viseira.8
— A senhora bem sabe… é porque não quer dizer…
Nada de resposta.
— Se a senhora não ficasse zangada… eu dizia…
Silêncio.
— Está bom… eu digo sempre… mas a senhora fica
ou não fica zangada?
Luisinha fez um gesto de quem estava impacientada.
— Pois então eu digo… a senhora não sabe… eu… eu
lhe quero… muito bem.
Luisinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo meia
volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava.
Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta
que ela lhe dera, porém não de todo descontente: seu olhar
de amante percebera que o que se acabava de passar
não tinha sido totalmente desagradável a Luisinha.
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro
de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado
como se tivesse acabado de lutar braço a braço com um
gigante.
XIX e XX. Domingo do Espírito Santo / O fogo no
campo
Leonardinho apaixonou-se por Luisinha. Após a
Festa do Divino, o casal torna-se mais íntimo.
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XXI. Contrariedades
Surgiu um outro pretendente para Luisinha. Era
José Manuel, um espertalhão que passou a cortejar a
moça com olhos na herança de d. Maria, de quem
Luisinha era a única herdeira.
XXII. Aliança
A comadre e o compadre aliaram-se em favor do
afilhado num plano contra o velhaco José Manuel.
SEGUNDA PARTE
I. A comadre em exercício
Nasceu a filha de Leonardo Pataca e Chiquinha.
A comadre realizou o parto.
XXIII. Declaração
Leonardinho conseguiu confessar seu interesse por
Luisinha, numa cena marcada por muita comicidade
por causa do desajeito do rapaz, que ficou em muitas
tentativas de declarar-se e vários retrocessos, antes
de atingir o desejado.
II. Trama
A comadre inventou para dona Maria que José
Manuel fora o raptor de uma moça na porta da igreja,
colocando-o como suspeito de um famoso caso policial da época. Assim, deu prosseguimento ao plano
tramado com o afilhado e o compadre. D. Maria chegou a acreditar, principalmente por causa da maneira
de falar de José Manuel.
Luisinha estava no vão de uma janela a espiar para a
rua pela rótula; Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante
pé, parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela que,
entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim
por longo tempo calculando se devia falar em pé ou se
devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quisesse tocar no ombro de Luisinha, mas retirou depressa a
mão. Pareceu-lhe que por aí não ia bem; quis antes puxarlhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando também
se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre
rapaz suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio
tirá-lo da dificuldade. Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e tomado de terror por se
ver apanhado naquela posição, deu repentinamente dois
passos para trás, e soltou um — ah! — muito engasgado.
Luisinha, voltando-se, deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se de costas contra a rótula; veio-lhe também outro — ah! — porém não lhe passou da garganta, e
conseguiu apenas fazer uma careta.
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma
posição, até que o Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio e com voz trêmula e em tom o mais sem
graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente:
— A senhora… sabe… uma coisa?
E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola.
Luisinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:
— Então… a senhora… sabe ou… não sabe?
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luisinha conservouse muda.
8
III e IV. Derrota / O mestre-de-reza
José Manuel procurou descobrir quem era o seu
adversário e quem fizera a intriga junto a d. Maria.
O mestre-de-reza encarregou-se de descobrir quem
era o intrigante.
V. Transtorno
Morreu o compadre, deixando todos os seus bens
para Leonardinho. Leonardo Pataca apareceu para
tomar conta do filho, interessado em seus bens. Também a comadre. Leonardo mudou-se para a casa do
filho. Ficaram todos morando juntos.
VI. Pior transtorno
Leonardinho, nervoso depois de voltar da casa de
d. Maria sem ter visto Luisinha, brigou com Chiquinha. Leonardo Pataca assumiu as dores da mulher,
expulsando o filho de casa. Aliás, da casa que era de
Leonardinho por direito de herança do compadre.
A comadre procurava pelo afilhado, enquanto a vizinhança toda comentava o ocorrido.
Essa passagem é um bom exemplo de desidealização presente na obra.
5
novo pretendente com indiferença. O casamento foi
celebrado com grande festa e carruagens.
VII. Remédio aos males
Durante um piquenique entre muitos jovens,
Leonardinho reencontrou um antigo colega, o sacristão da Sé. Ficou conhecendo Vidinha, uma
mulata de 18 a 20 anos. Leonardinho apaixonou-se
por ela. Vidinha era cantora de modinhas e tocava
viola.
XIII. Escapula
Depois de preso pelo major, Leonardinho conseguiu escapar quando estavam a caminho da prisão.
Apesar de vigiado pelo major, aproveitou-se de um
pequeno tumulto de rua para fugir, indo para a casa
de Vidinha. O major procurou-o por toda parte com
seu grupo de granadeiros, mas nada encontrou.
O Leonardo, que talvez hereditariamente tinha queda
para aquelas coisas, ouviu boquiaberto a modinha, e tal
impressão lhe causou, que depois disso nunca mais tirou
os olhos de cima da cantora. A modinha foi aplaudida como
cumpria. Levantaram-se então, arrumaram tudo o que tinham levado em cestos, e puseram-se a caminho, acompanhando o Leonardo o farrancho.
O major tinha razão: riam-se com efeito dele; e os
primeiros que o faziam eram os granadeiros. Apesar de
que, escravos da disciplina, empregavam os mais sinceros esforços para coadjuvá-lo; e apesar também de que
revertia para eles alguma glória das façanhas do major,
não puderam entretanto deixar de achar graça no que acabava de suceder, pois conheciam a presunção do Vidigal,
e repararam na cara desapontada com que ele havia ficado. Depois, apenas o major pôs pé fora da soleira da
casa onde lhe tinha escapado Leonardo, uma multidão
imensa que tudo havia presenciado desatou a rir estrondosamente.
Os jovens eram da família da Sé. Leonardinho
passou a viver como agregado na casa deles.
VIII. Novos amores
A nova família de Leonardinho era formada por
duas irmãs viúvas, uma com três filhos e outra com
três filhas. Os três filhos da primeira tinham mais de
20 anos e trabalhavam como empregados no trem. As
moças tinham mais ou menos a mesma idade dos
moços. Eram bonitas. Uma delas era Vidinha.
A comadre, acreditando que o afilhado ainda estivesse preso, procurou o major e chorou ajoelhada a
seus pés. Suplicou pelo afilhado, que já havia fugido,
e acabou sendo ridicularizada pelos granadeiros ao
ajoelhar-se aos prantos e pedir para que soltasse Leonardinho.
IX. José Manuel triunfa
Apesar de ter procurado o afilhado por todo lado,
a comadre não conseguiu encontrá-lo em parte alguma. Ela foi à casa de d. Maria, que a repreendeu pela
intriga armada contra o pretendente da sobrinha.
A comadre percebeu que José Manuel estava perdoado aos olhos da velha e que o mestre-de-rezas havia
desvendado tudo. Desculpou-se com d. Maria.
XI. Malsinação
Depois de conversarem, Leonardinho acabou ficando. Vidinha alegrou-se. Os primos foram vencidos, mas decidiram que se vingariam de Leonardinho.
Avisaram o major Vidigal, que chegou no meio duma
farra e prendeu Leonardinho por vadiagem.
XV. Caldo entornado
A comadre dirigiu-se à casa das velhas e pregou
um sermão ao afilhado, exigindo que abandonasse a
vadiagem e procurasse um emprego. Ela mesma conseguiu para ele um trabalho na Ucharia Real9. O major não gostou disso, porque não poderia mais
prendê-lo por vadiagem.
Na Ucharia morava um tal de Toma-Largura em
companhia de uma bela mulher. Era assim chamado
por causa da sua aparência. Era grandalhão e desajeitado. Leonardinho demorava-se cada vez mais no trabalho na despensa real e foi esquecendo Vidinha.
Toma-Largura pegou Leonardinho tomando sopa com
sua mulher e correu atrás dele, escorraçando-o de casa.
Leonardinho foi despedido do emprego. Toma-Largura desejava vingar-se do espertinho.
XII. Triunfo completo de José Manuel
José Manuel obteve o consentimento de d. Maria
para casar-se com Luisinha, depois de ganhar uma
causa forense para a velha. Leonardinho já havia
mesmo esquecido Luisinha. Esta acabou aceitando o
XVI. Ciúmes
Vidinha descobriu tudo e foi tomar satisfação com
a mulher do Toma-Largura, já que era extremamente
ciumenta. Leonardinho foi atrás dela, mas encontrou
o major Vidigal no caminho e acabou preso.
X. O agregado
Dois irmãos da nova família de Leonardinho estavam interessados em Vidinha e uniram-se contra o
rapaz. As velhas e a moça tomaram o partido de Leonardinho. Houve brigas e confusões. Leonardinho
decidiu sair de casa, mas as velhas não consentiram.
Chegou a comadre.
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Despensa real.
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
XIV. O Vidigal desapontado
Vidigal jurou vingança por causa de seu orgulho
ferido e das zombarias do povo.
— Ora vamos ver a cara do defunto…
Um grito de espanto, acompanhado de uma gargalhada estrondosa dos granadeiros, interrompeu o major. Descoberta a cara do morto, reconheceu-se ser ele o nosso
amigo Leonardo!…
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XVII. Fogo de palha
Vidinha xingou Toma-Largura e a mulher. Mas,
como os dois não reagiram, pegou a mantilha e foi
embora. Toma-Largura resolveu conquistar Vidinha,
pois se encantou com a moça. Além disso, vingaria o
que Leonardinho fizera e satisfaria também o seu
desejo de conquista amorosa. Ele seguiu Vidinha para
saber onde a moça morava.
XX. Novas diabruras
Leonardinho foi incumbido de participar da prisão de Teotônio, que tocava e cantava modinhas e era
também jogador. Teotônio tocava em casa de Leonardo Pataca por ocasião do batizado do filho. Teotônio
imitou o major, que estava presente, para risada geral. O major saiu e mandou Leonardinho prender o
jogador.
Leonardinho foi bem recebido na casa do pai.
Simpatizou com Teotônio e acabou revelando a missão da qual estava incumbido. Armou um plano com
Teotônio para enganar o major.
XVIII. Represálias
Quando Vidinha chegou a casa, todos deram pela
falta de Leonardinho. Mandaram procurar por toda
parte, mas não o encontraram. Logo surgiu a suspeita
de que tivesse sido preso pelo major, mas não o localizaram na Casa da Guarda. A comadre também procurou pelo af ilhado. A família que hospedava
Leonardinho pensou que ele se escondera propositadamente e passou a odiá-lo.
Toma-Largura rondou a casa de Vidinha para cumprimentá-la, sem imaginar a armadilha que lhe preparavam. Foi recebido por todos. Resolveram comemorar a
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aproximação com uma patuscada nos Cajueiros, mesmo local onde Leonardinho conhecera Vidinha. TomaLargura bebeu muito e provocou confusão. O Vidigal
chegou com o grupo de granadeiros e um deles deu ordem para levar o Toma-Largura. O granadeiro era Leonardinho, que se tornara auxiliar do Vidigal.
XXI. Descoberta
Leonardinho foi cumprimentado pela façanha por
um amigo indiscreto na frente do major Vidigal, que
percebeu o engodo e prendeu-o imediatamente.
Depois da lua-de-mel, José Manuel começou a
mostrar que não era grande coisa. D. Maria uniu-se à
comadre para soltar Leonardinho.
XXII e XXIII. Empenhos / As três em comissão
A comadre não conseguiu soltar o afilhado e pediu
ajuda a d. Maria, que recorreu a Maria Regalada. Esta
era muito alegre e morava na Prainha. Era uma antiga
conhecida do major Vidigal. Maria Regalada e a comadre intercederam a favor do relaxamento da prisão
de Leonardinho. O major resistiu, mas Maria Regalada cochichou algo em seu ouvido, e ele prometeu não
apenas soltar o moço, mas fazer algo por ele.
XIX. O granadeiro
Toma-Largura foi abandonado bêbado na calçada, porque ninguém agüentou carregá-lo.
Leonardinho fora transformado em granadeiro,
depois de preso pelo Vidigal, que o levou a sentar
praça no Regimento Novo. O major requisitou-o para
ajudar nas tarefas policiais. Foi a forma de vingança
encontrada pelo major.
Leonardinho mostrou-se competente no serviço,
mas participou de uma estripulia, imitando o Vidigal
defunto para ridicularizá-lo.
XXIV. A morte é juiz
José Manuel teve um ataque cardíaco por causa
de uma ação movida por d. Maria e morreu. Leonardinho foi libertado e visitou Luisinha durante o velório. Sua aparência agradou a Luisinha. Cresceu a
admiração entre os dois.
Quando o major bateu, e foi entrando, acompanhado da
sua gente, ficou tudo gelado de medo: o sujeito que se achava amortalhado teve um grande estremeção e ficou depois
imóvel, como se fosse de pedra, representando com mais
propriedade do que talvez desejasse o papel de morto. Segundo seu costume, o major fez continuar por um pouco a
brincadeira em sua presença. Depois começou a indagação
das ocupações de cada um, e, conforme o que colhia, os foi
mandando embora, ou pondo de parte, para lhes dar melhor
destino. Durante toda esta cena, que levou seu tempo, o
amortalhado deixou-se ficar imóvel, na mesma posição, com
a cabeça coberta. Corrida toda a roda, disse-lhe o major:
[…]
— Homem, você por estar morto não tenha tanta pressa de ir para o inferno: fale primeiro com a gente.
E tirando-lhe o pano da cara acrescentou:
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O Leonardo começou a procurar com os olhos alguma coisa ou alguém que tinha curiosidade de ver; deu
com o que procurava: era Luisinha. Há muito que os dois
se não viam; não puderam pois ocultar o embaraço de
que se acharam tomados. E foi tanto maior essa emoção, que ambos ficaram surpreendidos um do outro.
Luisinha achou Leonardo um guapo rapagão de bigodes
e suíça; elegante até onde pode sê-lo, um soldado de
granadeiros, com o seu uniforme de sargento bem assente. Leonardo achou Luisinha uma moça espigada, airosa mesmo, olhos e cabelos pretos, tendo perdido todo
aquele acanhamento físico de outrora. Além disso seus
olhos, avermelhados pelas lágrimas, seu rosto empalide-
Ajuntamento festivo de pessoas para comer e beber, farra, folgança.
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dos pares amorosos. Quando há ausência de ação de
uma personagem, ela sai de cena, retornando somente quando a sua participação é ativa. O enredo é montado a partir de fragmentos para nos dar mostras da
história de Leonardinho.
Foco narrativo: O romance é narrado na terceira
pessoa por um narrador onisciente, mas que interfere
na narrativa muitas vezes, justificando a obra (metalinguagem) ou procurando dialogar com o leitor (leitor incluso). Essas intromissões do narrador são
notáveis, tornando a obra mais interessante e mais
rica. Vale destacar que essas técnicas não eram ainda
comuns no Romantismo brasileiro.
Tempo: O tempo da obra é cronológico, estabelecido
pela primeira frase do livro: Era no tempo do rei. Assim,
a ação narrativa passa-se nas primeiras décadas do século
XIX, período da regência de d. João VI no Brasil.
Espaço: O espaço é o Rio de Janeiro, mostrado de
forma realista e por meio de descrições precisas do centro velho e dos subúrbios, de onde saem as personagens.
Personagens: As personagens formam uma galeria
de tipos populares dos subúrbios do Rio de Janeiro, composta de meirinhos, parteiras, granadeiros, vadios, sacristãos, brancos, pardos e pretos — elementos do povo,
de todas as raças e profissões. Dessa maneira, o autor
não pretende individualizá-las psicologicamente, mas
criar personagens planas, verdadeiros tipos sociais, o que
mostra bem a intenção de focalizar os costumes dessa
“fauna” social do tempo do rei, produzindo apenas verdadeiras alegorias desse período.
1. Leonardo Pataca: pai do protagonista. Era alfaiate em Portugal e tornou-se oficial de Justiça (meirinho) no Rio. Era um mulherengo incorrigível.
Espertalhão e interesseiro.
2. Maria-da-Hortaliça: mãe de Leonardinho, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e
bonitota. Era uma mulher infiel que acabou fugindo com
um capitão de navio e deixou definitivamente a história.
3. Leonardinho: protagonista da obra. É um antiherói típico: peralta, malandro, vadio e especialista
em pregar peças e preparar vinganças. Representa o
herói pícaro, o anti-herói, que não serve de exemplo
para ninguém.
4. Comadre: é madrinha de Leonardinho, parteira e benzedeira do lugar.
5. Compadre: é padrinho de Leonardinho, barbeiro por profissão, ganhou dinheiro de forma desonesta. Protegia demais o afilhado, estragando-o com
seus mimos e atenções.
6. Luisinha: enteada de d. Maria. Casou-se com
José Manuel. Após a morte do marido, casou-se
com Leonardinho.
XXV. Conclusão feliz
Cumprido o luto, Leonardinho e Luisinha recomeçaram o namoro. Os dois pretendiam se casar, mas
necessitavam do consentimento do major, porque granadeiro não podia se casar. Levaram o problema para
o major, que a essa altura já estava vivendo com Maria Regalada. Este fora o preço pela liberdade de Leonardinho. Por influência da mulher, Vidigal deu um
jeito: conseguiu baixa para Leonardinho da tropa de
linha e nomeou-o sargento de milícias.
Depois disto entraram todos em conferência. O major
desta vez achou o pedido muito justo, em conseqüência
do fim que se tinha em vista. Com a sua influência tudo
alcançou; e em uma semana entregou ao Leonardo dois
papéis: um era a sua baixa de tropa de linha; outro, sua
nomeação de sargento de milícias.
Além disto recebeu o Leonardo ao mesmo tempo carta de
seu pai, na qual o chamava para fazer-lhe entrega do que lhe
deixara seu padrinho, que se achava religiosamente intacto.
Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo,
em uniforme de sargento de milícias, recebeu-se na Sé
com Luisinha, assistindo à cerimônia a família em peso.
Daqui em diante aparece o reverso da medalha. Seguiu-se a morte de d. Maria, a do Leonardo Pataca, e uma
enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos aos
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leitores, fazendo aqui ponto final.
4. ESTRUTURA DA OBRA
Os episódios parecem ter sido escritos de forma autônoma, mostrando-se como uma seqüência de situações, ou seja, pequenos relatos cuja unidade é dada a
partir da presença do protagonista Leonardinho. Alguns
críticos preferem ver a obra como novela, por causa dessa
autonomia dos capítulos, em lugar de romance, como
se costuma normalmente considerar sua classificação.
Ação: A ação é dinâmica e contínua, criando uma
atmosfera de romance de aventuras, graças às estripulias do picaresco Leonardinho e da troca contínua
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O último parágrafo é cheio de ambigüidade, não terminando com o final feliz tradicional das novelas românticas. Sem dúvida, pretendeu o autor empregar mais uma de suas ironias, caracterizando uma obra aberta por causa desse final, como observaria Umberto Eco
em Obra aberta.
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cido, se não verdadeiramente pelos desgostos daquele
dia, seguramente pelos antecedentes, tinham nessa ocasião um toque de beleza melancólica, que em regra geral
não devia prender muito a atenção de um sargento de
granadeiros, mas que enterneceu ao sargento Leonardo
que, apesar de tudo, não era um sargento como qualquer. E tanto assim, que durante a cena muda que se
passou, quando os dois deram com os olhos um no outro, passaram rapidamente pelo pensamento do Leonardo os lances de sua vida de outrora, e remontando de
fato em fato, chegou àquela ridícula mas ingênua cena
da sua declaração de amor a Luisinha. Pareceu-lhe que
tinha então escolhido mal a ocasião, e que agora isso
teria um lugar muito mais acertado.
e marcantes. Destaquemos algumas delas:
• Emprego de linguagem coloquial. Marcada por
incorreções e linguajar lusitano, interiorano ou das
periferia de Lisboa, lembrando que uma boa parte das
personagens é de imigrantes portugueses ou gente
simples do povo.
• Ausência de personagens idealizadas e de análise psicológica. O romance prefere focalizar os costumes, hábitos e cacoetes das pessoas de camadas
sociais inferiores, numa construção mais realista da
sociedade suburbana do início do século XIX.
• Humorismo, ridículo e burlesco. O tom geral da
obra segue a tendência da gozação, marcado pela
construção de personagens que tendem para o caricatural. A essa tendência chamamos carnavalização.
• Ironia.
• Metalinguagem. A obra volta-se para si, comentando os procedimentos empregados, as palavras utilizadas, as explicações sobre capítulos ou personagens
que desaparecem de cena.
• Digressões. A narrativa não segue a ordem linear
dos fatos, é episódica e, não raro, foge da história
para comentar fatos paralelos ou para dar explicações
sobre o próprio livro.
• Narrador intruso. O tempo todo o narrador se
intromete para dar explicações, analisar fatos ou personagens e conversar com o leitor.
• Leitor incluso. Com quem o narrador procura
estabelecer conversação: Por estas palavras vê-se que
ele suspeitara alguma coisa; e saiba o leitor que suspeitara a verdade.
A obra deixa transparecer vários recursos, como
hipérboles, comparações, metáforas, perífrases, trocadilhos, metonímias, linguagens forenses, sarcasmos,
barbarismos etc.
7. Vidinha: moça por quem Leonardinho se apaixonou. Tocava e cantava modinhas. Era bela e talentosa.
8. Major Vidigal: era uma personagem histórica. Foi
chefe dos granadeiros. Representava a autoridade policial. Homem que causava respeito e medo nas pessoas.
9. D. Maria: mulher gorda e rica, que tinha mania de demandas judiciais, numa destas conseguiu ser
tutora de Luisinha.
Outras personagens: a vizinha, Maria Regalada (amante do major Vidigal), José Manuel (primeiro marido de
Luisinha), Teotônio (malandro e bicheiro), Chiquinha (filha da comadre e segunda mulher de Leonardo Pataca).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
5. ESTILO DE ÉPOCA
Apesar de estar classificada como romântica, a obra
Memórias de um sargento de milícias apresenta traços
estéticos que ultrapassam o Romantismo. Sua composição não segue a trilha deixada pelos demais ficcionistas desse estilo. A fragmentação do enredo deixa
margens de dúvida se não seria um precursor do estilo
digressivo e fragmentário de Machado de Assis. Suas
personagens passam longe das idealizações românticas, estão mais próximas do Realismo, não raro configurando tipos sociais. A ausência de um final feliz
definido é outro elemento fora dos parâmetros românticos. A linguagem coloquial e rápida, a presença da
ironia, da metalinguagem, do leitor incluso e da carnavalização descaracterizam a obra romântica. Entretanto, cronologicamente, não havia ainda que se falar em
Realismo. Mesmo classificada cronologicamente dentro dos parâmetros românticos, essa obra não se direciona especificamente para os romances urbanos, uma
vez que estes focalizam a sociedade burguesa. Nas
Memórias de um sargento de milícias, caracteriza-se a
sociedade suburbana, a gente humilde e trabalhadora.
Deve-se classificar essa obra como um romance
de costumes, que apresenta também tendência à novela picaresca, pela presença do anti-herói Leonardinho. Não se deve preocupar tanto com sua
classificação estilística dentro dos moldes românticos. Vale ressaltar apenas que é uma “obra ímpar” e
aceitar essas suas diferenças.
7. PROBLEMÁTICA E
PRINCIPAIS TEMAS
Mesmo com o risco de nos tornarmos repetitivos, retomamos a problemática central da presente obra. Afinal,
temos ou não uma obra que foge a uma rígida classificação? Sem dúvida, a resposta a esta questão é evidente,
uma vez que a obra apresenta elementos que escapam à
típica caracterização dos moldes em voga no Romantismo, mas não atende de forma direta às perspectivas do
Realismo, que sequer havia começado na Europa.
É um romance que apresenta variáveis, tais como:
novela picaresca, romance de costumes e romance
de aventuras, sendo considerado por alguns um romance anti-romântico, o que implicaria tendências
precursoras do Realismo, que só se confirmariam a
partir das Memórias póstumas de Brás Cubas (1881),
6.ESTILO INDIVIDUAL
A obra Memórias de um sargento de milícias foge
das características gerais do Romantismo, apresentando características próprias. O estilo da obra, bem
como de seu autor, apresenta tendências bem pessoais
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de Machado de Assis. A presença da realidade objetiva é inquestionável, mas apenas isto não configura o
Realismo na linha flaubertiana.
A obra é fundamentalmente humorística, estabelecendo contatos com o gênero picaresco espanhol
através do protagonista, que traz em si toda a esperteza e picardia de um anti-herói. Leonardinho foi o antecessor em linhagem direta de Macunaíma, de Mário
de Andrade, e o continuador, no Brasil, de D. Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes.
Retrato vivo dos costumes bem brasileiros do início
do século XIX, esse romance focaliza um sem-número
de tipos populares do Rio de Janeiro suburbano. Esse
painel pitoresco retrata a alegria de viver, a malícia da
época, as fofocas, as beatices, as crendices, as festas, as
profissões, as modas, as procissões, os costumes e hábitos de nosso povo. Leonardinho é o típico malandro carioca, cheio de picardia, sarcasmo e desejo de vingança.
Entre as temáticas fundamentais destacam-se as
críticas ao autoritarismo policial, à religião, ao clero
imoral, ao interesse econômico, ao casamento como
meio de ascensão social e à vadiagem como meio de
vida. Há, ainda, uma espécie de paródia do próprio
Romantismo, montado este último nessa obra às avessas, abandonando os adocicados finais felizes para
deixar nas entrelinhas uma sucessão de fatos tristes
que poderiam vir a acontecer.
Alguns dos romances que integram as obras da Fuvest apresentam a figura social do agregado, tão comum
na sociedade brasileira há algum tempo, mas incomum na
atualidade. Assinale a alternativa incorreta quanto à personagem que figure como agregado e a obra à qual pertence:
a) Leonardo Pataca, na casa de Leonardinho (Memórias
de um sargento de milícias).
b) D. Plácida, na casa de Virgília (Memórias póstumas de
Brás Cubas).
c) Leonardo (filho), na casa de Tomás da Sé (Memórias
de um sargento de milícias).
d) O barbeiro (compadre), na casa de seu padrinho (Memórias de um sargento de milícias).
(Fuvest-SP, adaptada) Um traço de estilo, presente nas
Memórias de um sargento de milícias, também se encontrará nas Memórias póstumas de Brás Cubas, onde assumirá aspectos de provocação e acinte. Trata-se:
a) das referências diretas ao leitor (leitor incluso) e ao
andamento da própria narração.
b) do uso predominante da descrição, que confere maior
realismo ao relato.
c) do emprego de adjetivação abundante e variada, que dá
feição opinativa à narração.
d) da paródia dos clichês românticos anteriormente utilizados por José de Alencar e Álvares de Azevedo.
e) da narração em primeira pessoa, realizada por um narrador-personagem, que participa dos eventos narrados.
(Fuvest-SP, adaptada) Assinale a alternativa correta
quanto ao início do relacionamento entre Leonardo e Maria no romance Memórias de um sargento de milícias:
a) Manifesta os sentimentos antilusitanos do autor, que
enfatiza a grosseria dos portugueses em oposição ao
refinamento dos brasileiros.
b) Revela os preconceitos sociais do autor, que retrata de
maneira cômica as classes populares, mas de maneira
respeitosa a aristocracia e o clero.
c) Reduz as relações amorosas a seus aspectos sexuais e
fisiológicos, conforme os ditames do Naturalismo.
d) Opõe-se ao tratamento idealizante e sentimental das
relações amorosas, dominante no Romantismo.
e) Evidencia a brutalidade das relações inter-raciais, própria do contexto colonial-escravista.
Assinale a alternativa inadequada quanto às aproximações entre os romances Memórias de um sargento de
milícias e Memórias póstumas de Brás Cubas:
a) Os protagonistas são caracterizados pela falta de limites e
pela complacência daqueles que tiveram o papel de criá-los.
b) A formação escolar licenciosa e indisciplinada dos protagonistas concorreram em grande parte pelo comportamento um tanto ocioso e malandro dos protagonistas.
c) Em ambos a presença de digressões, metalinguagens e
de inclusão do leitor são traços reiterados.
d) A presença de tendência carnavalesca e cômica caracteriza ambos os romances.
e) A tendência realista de ambas as obras é indiscutível.
(Fuvest-SP, adaptada) Que comportamento das personagens de Memórias de um sargento de milícias também se manifesta na personagem Macunaíma?
a) Disposição permanentemente alegre e bem-humorada.
b) Discrepância entre a condição social humilde e a complexidade psicológica.
c) Busca da satisfação imediata dos desejos.
d) Mistura das raças formadoras da identidade nacional
brasileira.
e) Oposição entre o físico harmonioso e o comportamento agressivo.
Respostas
1. d
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2. c
3. d
4. a
5. a
6. e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(Fuvest-SP, adaptada) A situação familiar do padrinho de Leonardinho no romance Memórias de um sargento de milícias era irregular e ambígua. As situações desse
tipo são comuns no livro porque:
a) caracterizam os costumes dos brasileiros, por oposição
aos dos imigrantes portugueses.
b) são apresentadas como conseqüência da intensa mestiçagem racial, própria da colonização.
c) contrastam com os rígidos padrões morais dominantes
no Rio de Janeiro oitocentista.
d) ocorrem com maior freqüência no grupo social mais amplamente representado pelas personagens do romance.
e) não seguem a doutrina e os exemplos do clero católico
da época.
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