A Seguridade Social nos
25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR
THEODORO VICENTE AGOSTINHO
coordenadores
A Seguridade Social nos
25 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
R
EDITORA LTDA.
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Projeto de capa: FÁBIO GIGLIO
Impressão: GRAPHIUM
Abril, 2014
Versão impressa - LTr 5019.4 - ISBN 978-85-361-2884-9
Versão digital - LTr 7762.5 - ISBN 978-85-361-2954-9
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
A seguridade social nos 25 anos da Constituição
Federal / Marco Aurélio Serau Junior, Theodoro
Vicente Agostinho, coordenadores. — São Paulo :
LTr, 2014.
Vários autores.
1. Brasil — Constituição (1988) 2. Seguridade
social — Brasil I. Serau Junior, Marco Aurélio.
II. Agostinho, Theodoro Vicente.
14-02411
CDU-34:368.4(81)
Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Seguridade social : Direito
previdenciário
34:368.4(81)
SUMÁRIO
Prefácio.............................................................................................................................7
Apresentação...................................................................................................................
9
Parte I — Teoria Geral da Seguridade Social
A Seguridade Social e os novos riscos sociais. De Bismarck à Constituição
de 1988............................................................................................................................. 13
Fabio Luiz dos Passos
Os direitos sociais previdenciários no Estado Liliputista: 25 anos de retração e
desconstituição................................................................................................................ 33
José Ricardo Caetano Costa
Reflexões sobre os impactos do trabalho precarizado na Seguridade Social.........50
Lucyla Tellez Merino
A Seguridade Social nos 25 anos de vigência da Constituição Federal: algumas
reflexões à luz da Ordem Social x Ordem Econômica............................................... 63
Miguel Horvath Júnior
A solidariedade social previdenciária nos 25 anos da Constituição de 1988......... 83
Noa Piatã Bassfeld Gnata
Parte II — Benefícios previdenciários e teses revisionais
O princípio da dignidade da pessoa humana: direito a condições dignas de
trabalho e a manutenção da aposentadoria especial após 25 anos da Constituição
Federal de 1988................................................................................................................ 97
João Batista Lazzari
O auxílio-reclusão nos 25 anos da Constituição Federal...........................................116
Mariana Preturlan
A necessária ampliação da revisão do art. 29 da Lei de Benefícios......................... 129
Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador
A equiparação urbano-rural nos 25 anos da Constituição........................................ 133
Silvio Marques Garcia e Juliana Presotto Pereira Netto
Parte III — Processo Judicial Previdenciário
Análise da metodologia interpretativa e de valoração das provas no processo
judicial previdenciário brasileiro. A concretização dos direitos fundamentais, o
respeito ao interesse social e o exercício equilibrado da atividade jurisdicional....... 153
Carlos Eduardo Delgado
5
Acesso à justiça por meio da mediação e conciliação no Judiciário: desenho de
solução de disputas na Justiça Federal........................................................................167
Daniela Monteiro Gabbay e Maria Cecília de Araujo Asperti
O pagamento judicial dos créditos previdenciários nos 25 anos da Constituição
Federal de 1988................................................................................................................ 186
Eugélio Luis Müller
Parte IV — Previdência Complementar
Considerações sobre o regime de Previdência Complementar na Constituição
Federal de 1988................................................................................................................201
Patrícia Cândido Alves Ferreira
Parte V — Saúde
O Direito à Saúde no Sistema Constitucional de Seguridade Social e os desafios
enfrentados pelo sistema jurídico nos últimos 25 anos para sua efetivação.......... 213
Renato Negretti Cruz
6
PREFÁCIO
A seguridade social é, sem dúvida, um dos vitoriosos instrumentos que,
no contexto da Ordem Social constitucional de 1988, fez mudar a estrutura e
o perfil do Brasil.
Seu jubileu, coincidente com o da Constituição, demonstra que a universalidade conceitual de tão abrangente expressão do Estado moderno abrange,
a um só tempo, esquemas de proteção públicos e outros tantos instrumentos
de proteção social tipicamente privados.
Conquanto DRUCKER tenha denominado os fundos de pensão como a
verdadeira revolução invisível do capitalismo, essa assertiva pode ser melhor
aplicada, com todo o respeito pelo genial estudioso, a todos os quadrantes da
seguridade social.
Com efeito, a seguridade sobressai entre os Direitos Humanos Sociais
como a conquista que, em sua dimensão e abrangência, foi capaz de chegar
mais longe, no rumo da universalidade da que se propôs desde sempre.
Este trabalho festeja o jubileu constitucional com uma abrangência temática de atualidade indiscutível.
Esquadrinhando os dados jurídicos sob perspectiva variada, a plêiade de
autores aqui reunida soube enfocar os pontos adequados, conformando uma
constelação de aspectos que, ainda assim, não colocam de lado a unidade do
conjunto.
Advirta-se, aliás, que os inimigos da seguridade social —e os há em
todas as ideologias e grupos de poder — querem a todo o custo destruíla e o ataque mais fulminante que contra ela lançam é ataque da unidade
incindível desse arcabouço, verdadeiro sistema constitucional de proteção
jurídica, como enfaticamente explicita a letra a Lei Magna cujo jubileu aqui
se comemora.
É momento privilegiado de minha já longa caminhada pelas sendas da
seguridade social poder desfrutar destes escritos e, a partir deste texto, da
companhia de estudiosos tão dedicados e tão conscientes de seu papel formador daquilo que bem poderíamos denominar a “cultura da seguridade
social”.
7
Conhecedores diligentes dos respectivos ofícios, os integrantes deste
grupo de autores souberam inovar em múltiplas facetas da realidade que a
normatividade da seguridade social aportou ao universo jurídico.
Até mesmo questões intrincadas tiveram enfrentamento sem qualquer
barreiras, demonstrando os autores que a ousadia, quando baseada nos sólidos conhecimentos que lhe dão suporte, faz crescer a ciência.
Faço votos que ao jubileu constitucional se associe, como num festejo,
a comunidade dos estudiosos do Direito Previdenciário, brindando com os
autores o privilégio de que desfruta nossa pátria por ter sido dotada de uma
Lei Magna que faz jus ao seu momento histórico.
Wagner Balera
Titular da Faculdade de Direito da
Pontificia Universidade Católica de São Paulo
Coordenador da Linha de Pesquisa de Direito Previdenciário
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APRESENTAÇÃO
Neste quarto de século de vigência da Constituição Federal de 1988,
necessária se faz a investigação a respeito da maturidade do corpo normativo
superior de nosso país, especialmente na seara previdenciária.
Um país reconhecidamente dotado de baixa tradição republicana e
observador de apenas pequenos períodos democráticos deve, inicialmente,
comemorar a vigência longeva de seu texto constitucional. Passada qualquer
espécie de euforia, cumpre realizarmos um exame audaz daquilo que se encontra vigente e do que é efetivamente transposto para as políticas e serviços
públicos.
E o clamor popular de junho de 2013, em todo o país e com as mais
diversas vozes, não permite chegar a qualquer outra conclusão que não seja
aquela que indica que muito não saiu do papel e ainda há muito por fazer.
A constitucionalização do Direito Previdenciário muitas vezes não passa
de promessa constitucional, sem efetivo reflexo na normatividade e práxis
previdenciária.
Ao mesmo tempo, e em sentido diametralmente oposto, vislumbra-se
um movimento doutrinário e jurisprudencial a criticar duramente aquilo que
é batizado de “ativismo judicial” na concessão de benefícios previdenciários
ou tratamentos na área da saúde, bem como a atuação judicial na impugnação
dos atos administrativos incompatíveis com a Constituição, a encampação
cega e despida de crítica do argumento da insuficência orçamentária para a
execução das políticas previdenciárias.
Embora tenhamos a mesma Constituição, vigente desde 1988, podemos
identificar que é realmente a “mesma” norma constitucional ainda em vigor? Inúmeras alterações vieram por meio de Emendas Constitucionais: o
paradigma de proteção ao trabalhador foi substituído pelo paradigma essencialmente contributivo da Previdência Social e a cobertura social destinada
apenas ao “contribuinte”.
Algumas lacunas normativas ainda se encontram por preencher, vide a
aposentadoria especial dos servidores públicos; outras tantas normas constitucionais se viram apequenadas por leis ordinárias e, desafortunadamente,
por atos normativos de escalão inferior.
9
É natural que as normas jurídicas e sua interpretação se alterem com o
tempo. Isso é inclusive salutar, oxigenando o texto constitucional, permitindo
sua sobrevida e a continuidade do regime democrático. Porém, há que se ter
muito pudor na alteração de um programa positivado constitucionalmente
para a busca do bem-estar e consagração da justiça social.
Considerando essa perspectiva, a obra, por seus diversos artigos, permite
uma abertura investigativa em relação aos principais temas de benefícios
previdenciários e teses revisionais, custeio, processo judicial previdenciário,
regimes próprios de servidores, crimes previdenciários e previdência complementar, sempre vistos nessa perspectiva de alteração estrutural (evolução
ou involução?) do texto constitucional.
Reunimos aqui grandes nomes do Direito Previdenciário nacional, que
toparam o desafio da análise proposta e buscada pela presente obra.
A todos os colaboradores nosso imenso e eterno agradecimento. Sem
vossa ousadia e apoio constantes esse empreendimento acadêmico coletivamente escrito, que julgamos da maior relevância, não se teria concretizado.
Um grande abraço a todos e boa leitura!
Os coordenadores.
10
PARTE I
TEORIA GERAL DA SEGURIDADE SOCIAL
A SEGURIDADE SOCIAL E OS NOVOS RISCOS SOCIAIS.
DE BISMARCK À CONSTITUIÇÃO DE 1988
Fabio Luiz dos Passos(*)
1. DO SIGNIFICADO E OBJETIVO DE SEGURIDADE SOCIAL
A Constituição Federal Brasileira de 1988 estabelece, em seu art. 194, que
a Seguridade Social “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência”.(1)
Apesar desta definição apresentada no ordenamento jurídico brasileiro,
convém compreender como a Seguridade Social teve origem e vem sendo
interpretada através dos tempos, no Brasil e alhures.
Paulo Cruz registra o surgimento do Estado de Bem-Estar como produto da
reforma do Estado Liberal clássico que, mantendo sua estrutura jurídico-política,
buscava reafirmar sua legitimidade no novo contexto social do século XX.
Nesse sentido, o Estado de Bem-Estar se caracterizou por unificar a garantia de liberdades individuais ao reconhecimento de certos serviços sociais
como direitos coletivos, “numa concepção de Seguridade Social, que o Estado
providencia, pela intervenção, aos cidadãos, de modo a proporcionar iguais
oportunidades a todos”.(2)
Assim, a Seguridade Social se configura como instrumento da nova
concepção política do Estado, com o intuito de proporcionar a igualdade de
oportunidades, com vistas a atingir uma condição de justiça social “elevada à
meta suprema da Seguridade Social brasileira”.(3)
(*) Mestre em Ciência Jurídica. Máster em Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad.
Especialista em Processo Civil, Direito do Trabalho e Previdência Social. Advogado. Professor
Universitário. Secretário-Geral do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário.
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BRASIL, Constituição Federal. Brasília: 1988, art. 194.
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CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos históricos, políticos e jurídicos da Seguridade Social, p. 24-35.
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IBRAHIM, Fábio ������
Zambitte.
���� A previdência social no Estado contemporâneo. Fundamentos,
financiamento e regulação. Niterói: Impetus, 2011, p. 27.
13
A justiça social, assim como o bem-estar, estabelecidos no texto constitucional como princípios fundamentais do Estado brasileiro,(4) são alcançados
por meio do trabalho, o que é natural em uma construção política do século
XX, com inspiração social-democrata.(5)
Ibrahim aponta como “inegável que o trabalho é o melhor instrumento para a vida digna, pois permite que a própria pessoa, por meio de seu
esforço e mérito, consiga manter a si e à sua família sem depender do auxílio de outrem”.(6) Percebe-se então uma nítida vinculação entre o trabalho
e a dignidade,(7) da qual decorrem resultados de bem-estar tanto individual
como social.(8)
O trabalho é, portanto, elemento básico da dignidade e, certamente, não
pode ser desvinculado dela. Assim, não é coerente com o Estado de Bem-Estar Social o trabalho alijado da condição de dignidade.
Partindo dessas premissas, tal como afirma Savaris,
“existe uma noção fundamental de segurança ou Proteção Social
que corresponde ao dever do Estado de, diretamente ou por
intermédio de instituições específicas, assegurar aos indivíduos
serviços ou recursos materiais mínimos de que se possam valer
quando se encontrarem em contingências de necessidade.”(9)
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BRASIL, Constituição Federal, art. 1º, IV, e art. 3º.
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ROSANVALLON, Pierre. A crise do estado providência, p. 39, o texto em que se fundamenta
a expressão é: “Nos últimos quarenta anos, a extensão do Estado-providência tem-se
desenvolvido sob os auspícios da ‘equação keynesiana’, que se baseia no princípio, criado por
Keynes, da correspondência global entre os imperativos econômicos e as exigências de uma
maior equidade social no âmbito de um Estado econômica e socialmente activo”.
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IBRAHIM, Fábio Zambitte.
����A previdência social no estado contemporâneo, p. 27.
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Conforme BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier
Latin, 2004, p. 10: “Enquanto valor social (art. 3º da Constituição), o trabalho é recolhido pelo
aparato normativo e recebe, por sua superior dignidade, a primazia na Ordem Social, já que se
revela como condição para a realização da Justiça Social”.
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ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL. Perspectivas de política social
n. 22, Genebra: AISS, 2012. Disponível em: <http://www.issa.int/esl/Recursos/Perspectivas-dePolitica-Social>. Acesso em: 21/3/2012, p. 3. Em estudo realizado em 2006 para o Ministério
do Trabalho e Pensões do Reino Unido, denominado Is work good for your health and well-being.
(Norwich, The Stationery Office.), A. K. Burton e G. Waddell concluíram que “que el trabajo es
bueno en general para la salud física y mental, así como para el bienestar. El trabajo no sólo permite
que las personas se aseguren recursos económicos adecuados para mejorar su bienestar, sino que
también satisface importantes necesidades psicosociales y es vital para la identidad individual y la
situación social. La obtención de un trabajo puede revertir los efectos adversos del desempleo no
sólo en personas sanas en edad laboral, sino también en personas con discapacidad”.
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SAVARIS, José Antonio. Benefícios Programáveis do Regime Geral da Previdência Social
— Aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade. In: ROCHA, Daniel
Machado; SAVARIS, José Antonio. Curso de especialização em direito previdenciário. Volume 2.
Benefícios da seguridade social. Curitiba: Juruá, 2006. p. 104.
14
Tal atribuição é desempenhada pela Seguridade Social e, mais especificamente, pela Previdência Social, que é subsistema desta, cuja função social
consiste em
“prover ao universo de seus beneficiários meios indispensáveis de
manutenção na hipótese de ocorrência de determinados eventos
como doença, invalidez, morte, desemprego involuntário, idade
avançada e tempo de contribuição, entre outros.”(10)
Desta forma, o objetivo primeiro da Seguridade Social, por meio de seu
subsistema de Previdência Social, é amparar o indivíduo que se encontre privado da capacidade para se perpetuar no desempenho do trabalho, uma vez
que essa privação involuntária do trabalho o alija, também, da própria condição de dignidade.
É certo que o trabalho apenas não é suficiente para garantir aquela condição de vida digna decorrente da manutenção própria e dos familiares por
meio do próprio esforço e mérito, referido por Ibrahim. É indispensável, para
prover a mantença e a independência do auxílio de outrem, a fruição do fruto
desse trabalho, ou seja, dos rendimentos pecuniários obtidos com o trabalho.
Nesse sentido, já manifestou o Papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum, que
“de fato, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho
empreendido por quem exerce uma arte lucrativa, o fim imediato
visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como
próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de
outrem suas forças e sua indústria, não é, evidentemente, por
outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua
sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho,
não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso
para usar dele como entender.”(11)
Uma vez privado involuntariamente dos rendimentos do trabalho, o indivíduo se encontrará em condição de necessidade que afronta a sua própria
dignidade.
Por tais razões Beveridge afirma que “segurança social (...) significa segurança de certo rendimento”.(12) Melhor esclarecendo,
“a expressão ‘segurança social’ é usada para designar a garantia de
um rendimento que substitua os salários, quando se interromperem
estes pelo desemprego, por doença ou acidente, que assegure a
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SAVARIS, José Antonio. Benefícios Programáveis do Regime Geral da Previdência Social —
Aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade, p. 106.
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LEÃO XIII, Papa. Encíclica Rerum Novarum, item 9.
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BEVERIDGE, William. O Plano Beveridge, Relatório sobre o seguro social e serviços afins, p. 237.
15
aposentadoria na velhice, que socorra os que perderam o sustento
em virtude da morte de outrem e que atenda a certas despesas
extraordinárias, tais como as decorrentes do nascimento, da morte
e do casamento.”(13)
Segundo expõe no seu Relatório apresentado ao governo britânico no início
da década de 1940, um “plano de segurança social (...) é um plano de emancipação da miséria pela manutenção dos rendimentos”.(14) Este conceito é há muito
tempo compartilhado pela doutrina brasileira, conforme expõe o conceituado
previdenciarista de antanho, Feijó Coimbra, ao afirmar que “se rotula de Seguridade Social, como noção global de proteção ao economicamente débil”.(15)
É importante observar que já nos primórdios da Seguridade Social se
constatou que há esta umbilical relação entre a superação da condição de
miséria por meio do exercício do trabalho remunerado e a manutenção de
uma condição de dignidade. Porém, se o trabalho, com seus consequentes
rendimentos, está atrelado à dignidade do indivíduo, a singela retirada da
condição de miséria por meio da concessão de renda não é garantia da manutenção da condição de dignidade.(16)
Feijó Coimbra leciona que o que se persegue com a Seguridade Social é
que, uma vez deflagrada a contingência social, sofrido o dano, a necessidade
não venha a imperar na vida do cidadão, reduzindo-o à miséria.(17)
Nesse sentido, já prescrevera Beveridge que “a suficiência de renda
não é suficiente por si mesma”.(18) Afirma ele que “segurança social significa
segurança de um rendimento mínimo; mas esse rendimento deve vir associado a
providências capazes de fazer cessar, tão cedo quanto possível, a interrupção dos
salários”.(19) Portanto, um consistente e efetivo plano de segurança social deve ter
por objetivo afastar as consequências das contingências que assolam o indivíduo,
“seja proporcionando uma renda de substituição, quando perdida
ou diminuída a capacidade para o trabalho, seja contribuindo
para minorar os efeitos danosos da lesão mesma, pelas práticas de
reabilitação ou reintegração no trabalho.”(20)
Este aspecto da promoção de uma reintegração ao trabalho, por meio
da adoção de medidas que possibilitem fazer cessar, tão cedo quanto possí������������������������
BEVERIDGE, William. O Plano Beveridge, Relatório sobre o seguro social e serviços afins, p. 189.
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BEVERIDGE, William. O Plano Beveridge, Relatório sobre o seguro social e serviços afins, p. 237.
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FEIJÓ COIMBRA, J. R. Direito previdenciário brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980, p. 14.
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Neste sentido, SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 27 e seguintes, descreve
que a erradicação da pobreza começa pela renda, mas não se limita a ela.
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FEIJÓ COIMBRA, J. R. Direito previdenciário brasileiro, p. 31.
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BEVERIDGE, William. O Plano Beveridge, Relatório sobre o seguro social e serviços afins, p. 237.
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BEVERIDGE, William. O Plano Beveridge, Relatório sobre o seguro social e serviços afins, p. 189.
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FEIJÓ COIMBRA, J. R. Direito previdenciário brasileiro, p. 163.
16
vel, os efeitos das contingências sociais, se mostra fundamental no momento
atual,(21) diante da nova conformação dos riscos que afrontam a sociedade
pós-industrial.(22)
Para bem compreender tais riscos sociais é necessária uma análise histórica do surgimento e desenvolvimento da Seguridade Social.
2. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA PROTEÇÃO SOCIAL
A segunda metade do século XIX consolidou a Revolução Industrial na
Europa e contrapôs elementos ideológicos diversos. Assim, o desenvolvimento
técnico e econômico das diversas nações europeias não foi um subproduto
automático da Revolução Industrial.(23)
A construção de uma legislação social coesa está relacionada com “os
estilos locais e nacionais de modernização (de modo a) encarecer a pertinência
dos fatores culturais e ideológicos no desenvolvimento de cada formação
capitalista”.(24) “Desse jogo de forças modernizantes e tradicionais, situado no
tempo e no espaço, teriam resultado estilos nacionais de desenvolvimento”.(25)
Enquanto no continente europeu o capitalismo se desenvolvia largamente
e surgiam as conhecidas alternativas comunistas, o Brasil (assim como os
Estados Unidos e diversas colônias europeias na América(26)) ainda vivenciava
a discussão sobre a abolição do regime escravagista negreiro.
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Sistemas de Seguridade Social bem desenvolvidos podem ter efeitos sociais que ultrapassam o
âmbito do indivíduo protegido, repercutindo de forma geral na sociedade, conforme foi percebido
pela Associação Internacional de Seguridade Social quando da análise das políticas sociais adotadas
por diversos países em relação à crise econômica mundial de 2008/2009. Nesse sentido, Associação
Internacional de Seguridade Social, Perspectivas de Política Social n. 10, de novembro de 2009, p. 1:
“O aumento do desemprego reduziu a arrecadação baseada em cotizações, enquanto os gastos
com prestações aumentaram. Ainda assim muitos governos utilizaram os Sistemas de Seguridade
Social como ferramentas políticas fundamentais para contrariar a crise. Os desafios derivados da
crise colocaram em relevo pontos fortes destes sistemas e, por isso, revitalizaram os argumentos a
favor de uma promoção mais enérgica da Seguridade Social em todo o mundo”.
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Conforme registrou a Associação Internacional de Seguridade Social, em seu boletim
Perspectivas de Política Social n. 10, de novembro de 2009, p. 2, “Em muitos Sistemas de
Seguridade Social o aumento do desemprego implica em menos arrecadação na forma de
cotizações, ao mesmo tempo em que surgem novas demandas de prestações”.
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BOSI, Alfredo. Dialética da colonização, p. 273.
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BOSI, Alfredo. Dialética da colonização, p. 296.
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BOSI, Alfredo. Dialética da colonização, p. 275.
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Conforme BOSI, Alfredo. Dialética da colonização, p. 206, “O governo britânico só promoveu
a alforria geral nos seus domínios em 1833, com indenização plena aos proprietários, o que
implicava reconhecimento aos direitos destes. O parlamento holandês decretou a abolição
em Suriname a partir de 1º de julho de 1863, pagando aos fazendeiros e ‘ficando os libertos
sob proteção especial do Estado’. Quanto aos escravos da Guiana e das Antilhas Francesas,
tiveram de esperar pelo decreto do Conselho Provisório de 27 de abril de 1848 para receberem
a libertação coletiva que também importou em ressarcimento aos senhores”.
17
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