SERES HUMANOS À VENDA
Alguns anos atrás, ao voltar da Itália após uma visita à minha família, fiquei
parado um tempão no aeroporto internacional de Roma. O embarque atrasou
muito sem que ninguém desse explicação. Quando embarcamos percebi que os
assentos das últimas fileiras da aeronave eram ocupados por uma centena de
mulheres brasileiras com idade entre 18 e 25 anos. Ao indagar, fiquei sabendo
que elas estavam sendo deportadas para o Brasil, pois estavam na Itália
irregularmente. Muitas delas eram vítimas de uma rede internacional de
exploração da prostituição. Algumas respiravam aliviadas. Não viam a hora de
chegar ao Brasil. Outras já planejavam como voltar em breve para a Europa. O
sonho de todas era conseguir bastante dinheiro para construir uma casa e abrir
uma atividade comercial que garantisse um futuro melhor a suas famílias. Mas
para muitas o sonho virou pesadelo.
Situações como essas são bastante comuns. Fazem parte da rotina do tráfico de
pessoas, uma atividade criminosa muito bem organizada com infiltrações em
vários setores da sociedade e com ramificações no mundo inteiro. Os traficantes
aproveitam-se de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social
para recrutar mão de obra barata para seu negócios criminosos.
Segundo a Organização Internacional das Migrações (OIM) mais de 800 mil
pessoas no mundo são vítimas de tráfico de pessoas por ano. A Organização
Internacional do Trabalho (OIT) calcula que atualmente no mundo há 21 milhões
de pessoas vítimas do tráfico de pessoas. Destas, 1,8 milhão estão na América
Latina. Segundo a OIM, o Brasil é um dos países apontados como fonte de
vítimas de tráfico humano, ao lado da Bulgária, China, Índia, Nigéria.
O Tráfico de pessoas é uma das três atividades ilícitas mais lucrativas. Perde
somente para tráfico de drogas e o comércio ilegal de armas. Segundo a ONU,
movimenta anualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo. Desse valor,
85% provêm da exploração sexual.
O que se entende por tráfico de pessoas?
É o "recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas,
por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de
fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou
de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para
uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração". A
definição encontra-se no Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, complementar
à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,
conhecida também como Convenção de Palermo (2003), que constitui um marco
importante na luta contra essa atividade criminosa.
Para a identificação de crime de tráfico de pessoas, portanto, é necessário haver
três características: os atos, os meios e a finalidade.
Os atos: o recrutamento; o transporte; a transferência; o alojamento; o
acolhimento de pessoas.
Os meios: ameaça; uso da força; outras formas de coação; rapto; engano; abuso
de autoridade; situação de vulnerabilidade; aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade
sobre a outra.
A finalidade: a exploração da pessoa para fins lucrativos
As formas mais comuns de exploração promovidas pelos traficantes são: a
prostituição de outrem e outras formas de exploração sexual; o trabalho ou
serviços forçados; escravatura ou práticas similares à escravatura; a servidão e a
remoção de órgãos.
Quais é o perfil das vítimas?
Segundo a OIT, a21 milhões de pessoas que atualmente são vítimas do tráfico de
seres humanos, 74% são adultos (15,4 milhões) e 26 % são crianças e
adolescentes (5,6 milhões). Quanto ao gênero, 55 % são mulheres e 45 % são
homens.
No caso específico do trabalho escravo as vítimas são homens com baixa
escolaridade e com idade entre 18 e 44 anos.
Em relação à exploração sexual, o alvo preferido pelos traficantes são mulheres,
afrodescendentes, entre 15 e 24 anos e que já sofreram algum tipo de violência
(como abuso sexual, estupro, atentado e maus-tratos)
Aliciadas com falsas promessas, as vítimas são retiradas de seu ambiente, de
sua cidade e até de seu país e ficam com a mobilidade reduzida, sem liberdade
de sair da situação de exploração sexual ou laboral ou do confinamento para
remoção de órgãos ou tecidos. Para obrigar as vítimas a permanecer nos lugares
de confinamento, os aliciadores fazem ameaças físicas e psicológicas às
pessoas ou aos familiares ou retém seus documentos.
A abordagem das vítimas acontece nas cidades do interior, nos bairros de
periferia das grandes cidades e nos pontos de aglomeração de migrantes.
Os aliciadores, homens e mulheres, são, na maioria das vezes, pessoas que
fazem parte do círculo de amizades da vítima ou de membros da família. São
pessoas com que as vítimas têm laços afetivos. Normalmente apresentam bom
nível de escolaridade, são sedutores e têm alto poder de convencimento. Alguns
são empresários que trabalham ou se dizem proprietários de casas de show,
bares, falsas agências de encontros, matrimônios e modelos. As propostas de
emprego que fazem geram na vítima perspectivas de futuro, de melhoria da
qualidade de vida.
Um crime ignóbil
Qualquer que seja a circunstância e mesmo se houver consentimento por parte
da vítima, o tráfico humano é um crime que atenta contra a dignidade da pessoa
humana, já que explora o filho e a filha de Deus, limita suas liberdades, despreza
sua honra, agride seu amor próprio, ameaça e subtrai sua vida, quer seja da
mulher, da criança, do adolescente, do trabalhador ou da trabalhadora — de
cidadãs e cidadãos que, fragilizados por sua condição socioeconômica e/ou por
suas escolhas, tornam-se alvo fácil para as ações criminosas de traficantes. A
pessoa é reduzida a um objeto, um produto, uma simples mercadoria que pode
ser vendida, trocada, transportada e explorada.
“É uma atividade ignóbil, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem
civilizadas!” (Papa Francisco)
O que fazer para combater o tráfico de pessoas?
A Igreja católica escolheu o Tráfico de Pessoas como tema da próxima
Campanha da Fraternidade. Todas as pessoas de boa vontade são convocadas a
refletirem sobre essa temática para encontrar e assumir iniciativas para seu
enfrentamento.
Entre as várias ações possíveis, destaca-se um redobrado compromisso em
defesa de políticas públicas que garantam à população, sobretudo às pessoas
que vivem em situações de vulnerabilidade, o acesso a todos os direitos
humanos. O tráfico de pessoas, como já dissemos, aproveita-se da fragilidade
econômica, emocional e psicológica de suas vítimas. A garantia universal de vida
com dignidade com certeza reduziria a necessidade por parte de muitas pessoas
de deixarem a própria terra para sair em busca de melhores condições de vida. O
Brasil é um país grande e cheio de oportunidades. É inaceitável que ainda hoje
muitos de seus filhos e filhas tenham que deixar sua terra para tentar a sorte em
outros cantos do planeta, tornando-se fácil presa de traficantes sem escrúpulos.
Por último, é necessário fortalecer iniciativas de prevenção. O site do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) oferece dicas importantes que vale a pena reforçar:
1. Duvide sempre de propostas de emprego fácil e lucrativo.
2. Sugira que a pessoa, antes de aceitar a proposta de emprego, leia atentamente
o contrato de trabalho, busque informações sobre a empresa contratante,
procure auxílio da área jurídica especializada. A atenção é redobrada em caso
de propostas que incluam deslocamentos, viagens nacionais e internacionais.
3. Evite tirar cópias dos documentos pessoais e deixá-las em mãos de parentes
ou amigos.
4. Deixe endereço, telefone e/ou localização da cidade para onde está viajando.
5. Informe para a pessoa que está seguindo viagem endereços e contatos de
consulados, ONGs e autoridades da região.
6. Oriente para que a pessoa que vai viajar nunca deixe de se comunicar com
familiares e amigos.
7. Em caso de Tráfico de Pessoas, denuncie!
Vamos nessa. A vida e dignidade humana não estão à venda.
Padre Saverio Paolillo (Pe.. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral do Menor e Carcerária
Fontes
CNBB, Manual da Campanha da Fraternidade de 2014: www.cnbb.org.br
Portal do CNJ: www.cnj.jus.br
Portal da ONU no Brasil: http://www.onu.org.br/organizacao-internacional-para-asmigracoes-afirma-que-brasil-e-fonte-e-destino-de-trafico-humano
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