CMYK
Editora: Ana Paula Macedo
[email protected]
3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155
16 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
Miniaturas de
personalidade
Pesquisa canadense
indica que os avatares
utilizados em jogos
eletrônicos podem
revelar algumas
características dos
usuários, como
sociabilidade e
ansiedade
WeeWorld/Reprodução
» VILHENA SOARES
elhos conhecidos dos fãs de videogames, os avatares podem
ser definidos como uma representação dos jogadores dentro
do universo digital. Antes de iniciar
uma partida, o usuário escolhe qual
personagem vai representá-lo. Dependendo do jogo, ele pode ser homem,
mulher ou até mesmo um ser mitológico, além de ter os mais diferentes atributos, como poderes mágicos, uma
força sobre-humana ou uma habilidade excepcional com armas.
Com tantas possibilidades, o que
leva um gamer a escolher determinadas características e não outras na hora de definir seu avatar? Por que ele
prefere ser mais forte e não mais inteligente, por exemplo? As opções feitas
têm relação apenas com a melhor estratégia para a partida ou podem revelar algum traço da personalidade do jogador? Foram indagações como essas
que pesquisadores da Universidade
York, no Canadá, buscaram responder
em um estudo publicado na edição
mais recente da revista Personality
and Social Psychology Bulletin. Segundo os responsáveis do estudo, apesar
de os personagens eletrônicos não serem uma representação fiel da personalidade dos jogadores, é possível,
sim, extrair alguns traços dos usuários
a partir das figuras virtuais.
No trabalho, os cientistas analisaram diversos avatares e os compararam com as características comportamentais de seus autores. “A ideia do estudo surgiu durante uma discussão de
como as pessoas são capazes de fazer
impressões de personalidade precisas
com base em muito pouca informação.
Eu tenho um grande interesse na relação entre identidade e avatares digitais,
o que me levou a perseguir a percepção
da personalidade dessas representações”, explica ao Correio Katrina Fong,
autora principal do trabalho e pesquisadora do Departamento de Psicologia
da universidade canadense.
V
No site utilizado para a pesquisa, os jogadores escolhem desde características físicas à roupa de seus avatares
Fong e seu colaborador, Raymond
Mar, dividiram a investigação em duas
etapas. Na primeira, 99 voluntários
criaram cibercorpos personalizados
em um site especializado em jogos, o
WeeWorld, no qual o usuário escolhe
vários detalhes de seu personagem, como gênero, formato da cabeça, cor dos
olhos, corte de cabelo, roupas e acessórios. Mais tarde, um grupo diferente, de
209 pessoas, avaliou as criações, buscando relacioná-las a cinco características amplas: abertura, conscienciosidade (autodisciplina), extroversão, afabilidade e neuroticismo (tendência a
um estado emocional negativo). As impressões apontadas pelos participantes da segunda etapa foram comparadas com questionários de personalidade respondidos pelos voluntários que
tinham criado os avatares.
Os resultados mostraram que os
personagens virtuais permitem identificar mais facilmente alguns traços de
personalidade, como ansiedade e sociabilidade, que outros. “Os indivíduos
mais sociáveis tendem a ser percebidos
com mais precisão, em geral, mas as
pessoas neuróticas não”, destaca Fong.
Segundo ela, os jogadores sociáveis são
propensos a criar avatares que incentivam os outros a integrá-los. Já as pessoas com maior grau de neuroticismo
tendem a criar avatares que não comunicam sua personalidade com precisão, dificultando a leitura.
Detalhes físicos
De acordo com Fong, características
físicas dos personagens forneceram
pistas sobre a personalidade dos
criadores. Figuras com olhos abertos,
sorriso, rosto oval ou cabelo castanho
indicavam pessoas mais propensas a
fazer amizade do que avatares com expressão neutra, cabelo preto e/ou curto e acessórios como chapéu e óculos
de sol. Outro ponto interessante é que
as diferenças de gênero não influenciaram na avaliação. “Uma possibilidade é que os contextos digitais ativam
diferentes estereótipos de gênero dos
contextos do mundo real, mas é necessária mais investigação para explorar
isso”, justifica Fong.
Para Gilson de Assis Pinheiro, professor do curso de psicologia do Centro
Universitário Iesb de Brasília, a pesquisa canadense mostra o quanto o tema
digital tem estado presente em pesquisas comportamentais. “Esse é um assunto cada vez mais explorado. A cada
dia, o mundo da inter-realidade se torna muito mais real, o que traz a questão dos avatares e como as pessoas se
projetam neles”, explica o especialista,
que não participou do estudo.
Na avaliação do brasileiro, a busca
por certos comportamentos presentes na vida real em um ambiente virtual pode trazer informações importantes sobre a personalidade e a forma como a pessoa interage com outras. “Algumas empresas, inclusive,
utilizam esses avatares para realizar
seleções de emprego. Atualmente, o
ciberespaço se tornou muito próximo
de todos nós, podendo refletir muito
do que mostramos no nosso cotidiano”, opina o especialista.
Pinheiro destaca também que
uma pesquisa mais aprofundada sobre os cibercorpos poderia revelar
dados interessantes. “Nesse trabalho, avatares de construção mais
simples foram analisados. Temos
também aqueles complexos, como
os de jogos de RPG, que podem carregar ainda mais informações, como
o comportamento das pessoas diante da morte de alguém próximo, uma
reação interessante de ser estudada.
Acredito que esse é um tema muito
amplo, que pode render outros trabalhos, tanto na área da psicologia
quanto na da sociologia”, ressalta.
Katrina Fong adianta que sua pesquisa terá continuidade e buscará se
aprofundar em outros tipos de avatares. “Esse estudo não mostra evidências de que os avatares podem ajudar o
autoconhecimento, embora isso possa
ser melhor investigado. Espero continuar um programa geral de pesquisa,
investigando outras formas de identidade e avatares e como um influencia o
outro”, destaca. “Há dúvidas a serem
esclarecidas, como se as pessoas criam
cibercorpos diferentes para diferentes
contextos. E, em caso afirmativo, como
o contexto influencia a percepção da
personalidade. Estudos futuros poderão investigar esses pontos”, complementa a pesquisadora.
CMYK
Download

Correio Braziliense - Miniaturas de personalidade