Hansen-Løve, Mia, dir. Un Amour de Jeunesse/Goodbye
First Love. Les Films Pelléas, 2011.
O amor na juventude constitui um tema dileto do cinema norteamericano e europeu, como evidenciam as películas A Little Romance
(1979), de George Roy Hill, Endless Love (1981), de Franco Zeffirelli, My
Girl (1991), de Howard Zieff, ou, mais recentemente, Juno (2007), de
Jason Reitman. Na vasta gama de temas românticos, nenhum assunto toca
mais o público do que os amores perdidos ou proibidos. Nesta linha, Un
Amour de Jeunesse (Goodbye First Love, em língua inglesa) representa
uma elegia à dolorosa separação entre adolescentes, e ao reencontro, já na
idade adulta. O enredo é enganadoramente simples, quase caindo na
fórmula “girl gets boy, girl loses boy, girl gets boy back”, mas com um
final tão melancólico que suscita a reflexão.
Esta história semiautobiográfica foi escrita e realizada por Mia
Hansen-Løve, cujo percurso pelo cinema conheceu diversas etapas: a
estreia como atriz, aos dezoito anos, na película Fin Août, Début
Septembre (1998); o labor de crítica na célebre revista Les Cahiers du
Cinéma; a direção do primeiro filme, Après mûre réflexion (2004). Foi ao
efetuar esse último trabalho que descobriu o seu talento como realizadora,
cumprido nos filmes seguintes, Tout est pardonné (2007), Le père de mes
enfants (2009) e, agora, neste Un Amour de Jeunesse (2011). A realizadora
afirma tratar-se de uma trilogia, iniciada pela película mais recente, sob o
signo dos riscos do amor, e das dores de crescimento. Em qualquer dos
filmes, a protagonista é uma jovem que ultrapassa os obstáculos e que, ao
longo do processo, descobre a sua identidade como mulher.
O enredo do filme em análise principia em 1999, quando Camille
Shaeffer (Lola Creton), uma rapariga de quinze anos, sensível e ingénua,
apaixona-se por Sullivan (Sebastien Urzendowsky), um jovem um pouco
mais velho, perdido nos labirintos do idealismo adolescente. O seu
primeiro amor é algo ingénuo, mas eufórico, enquadrado pela beleza
paisagística de Ardèche, no sul de França. Neste contexto, destaco a
capacidade de Hansen-Løve para criar atmosferas, onde a natureza reflete
o estado de espírito dos intervenientes, e apresenta uma carga simbólica. O
rio, por exemplo, evoca o fluir da vida; o chapéu, levado pela corrente,
representa o abandono da adolescência e o ajuste de contas com as
memórias, no final do filme. A película é ainda marcada por um erotismo
que, ocasionalmente, lembra a estética do fotógrafo e cineasta David
Hamilton, que na década de setenta escandalizou o mundo com imagens
granuladas ou esbatidas de adolescentes nuas.
O amor idílico entre os jovens é brutalmente interrompido quando o
instável Sullivan anuncia que deseja partir para explorar o mundo, com os
amigos. Como repara perspicazmente Philip French, em The Observer (6
maio 2012), o nome da personagem constitui uma referência intertextual
ao protagonista de The Sullivan’s Travels, que também parte em busca de
si. Esta jornada de autodescoberta através da América Latina prolongar-seá por dez meses – o que para Camille, profundamente apaixonada,
equivale a uma eternidade.
A jovem suporta com estoicismo esta ausência, entrecortada por
algumas cartas de Sullivan, ora românticas ora mais desprendidas, que
prenunciam o fim da relação. No mapa afixado na parede do seu quarto,
Camille vai cravando alfinetes, que pontilham o trajeto do namorado
distante, e esforça-se por não cair no desalento. Contudo, a
correspondência torna-se, pouco a pouco, mais rara, até cessar
abruptamente, quando Sullivan decide que o amor é um peso que o impede
de apreciar a viagem. Camille transita da esperança para a constatação dura
de que o namorado perdeu o interesse por ela. Como a jovem explica à
mãe, Sullivan constitui a “seule raison de vivre”, uma âncora na fase
tumultuosa da adolescência, e um ser humano que a compreende.
Consequentemente, Camille afunda-se no desespero e chega a tentar o
suicídio, passando por uma crise de identidade.
Já estudante universitária, a jovem apaixona-se por um professor de
arquitetura divorciado e vinte anos mais velho, o norueguês Lorenz
(Magne-Håvard Brekke), no que parecia ser apenas mais um caso entre
docente e aluna. Contudo, o carisma, maturidade e temperamento artístico
de Lorenz contrastam vivamente com a personalidade imberbe e instável
de Sullivan. Assim, e apesar da diferença de idades, o seu amor é tranquilo
e verdadeiro, proporcionando a Camille uma base para o seu crescimento
interior. Pergunto-me se este relacionamento não será um reflexo do
próprio amor entre Hansen-Løve e o marido, o cineasta Olivier Assayas,
um homem consideravelmente mais velho.
No entanto, oito anos após a separação, o acaso leva os dois jovens a
reencontrarem-se, e a envolverem-se num caso tumultuoso, aproveitando a
ausência do marido. É possível reviver e recriar o passado? Será a
separação entre Camille e Sullivan, de novo, inevitável?
Pela positiva, Un Amour de Jeunesse não resvala para o
sentimentalismo que tantas vezes macula este género de filme, mas antes
leva o espetador a refletir acerca das mudanças na vida e a forma como
certas etapas condicionam as relações. Mostra que há sempre um momento
212
no caminho rumo à maturidade em que é necessário abandonar o
quixotismo da juventude, e encarar com determinação as vicissitudes dos
relacionamentos. Prova ainda que é difícil ou impossível recriar o passado,
mesmo quando a força do desejo impele ainda os amantes. O destino de
cada indivíduo é mudar, ao longo da existência, através de numerosos
desvios de rumo, marcados por acasos, incidentes ou escolhas. Neste
sentido, o filme centra-se menos no enredo e mais no retrato de
personagens, bem delineadas, que suscitam a empatia do espetador,
sobretudo através da identificação com Camille e da simpatia para com a
sua ingenuidade e dor.
Pela negativa, o filme carece de continuidade, por um lado, na
montagem, porque as transições entre os planos nem sempre são corretas;
e, por outro, porque a caraterização de Camille e de Sullivan não expressa
de forma convincente o envelhecimento. O ritmo pausado do filme, que
permite apreciar a beleza da cinematografia de Stéphane Fontaine, acelera
desagradavelmente, quando, através de elipses, é revelado o percurso de
Camille do secundário à faculdade de arquitetura. Consequentemente, a
película resulta, por vezes, fragmentária, quebrando-se a atmosfera
essencial para prender a atenção do espetador.
Apesar de nem sempre cumprir as expetativas geradas pelo filme
precedente da realizadora, Le Père de mes Enfants, este Amour de
Jeunesse merece ser visto atentamente. Pelo retrato amargo e doce que
esboça do primeiro amor, por certo, mas sobretudo pela evolução das
personagens, bem construídas e empáticas. Acresce dizer que o filme foi
distinguido, em 2011, com a seleção oficial em diversos certames
cinematográficos, entre os quais o Cannes Film Festival, o Telluride Film
Festival e o Toronto International Film Festival, o que revela o apreço da
crítica.
JOÃO DE MANCELOS
213
SANTANA, Maria Olinda Rodrigues (2008). Documentação
foraleira dionisina de Trás-os-Montes. Breve estudo e edição
interpretativa. Lisboa: Edições Colibri (Estudos e ensaios;
6). 280 pp. ISBN 978-972-772-757-5.
Documentação foraleira dionisina de Trás-os-Montes. Breve estudo e
edição interpretativa, da autoria de Maria Olinda Rodrigues Santana,
Professora Associada do Departamento de Letras da Universidade de Trásos-Montes e Alto Douro, publicado em Lisboa, pelas Edições Colibri, em
2008, vem dar continuidade a um projecto iniciado dois anos antes com a
publicação de Documentação dionisina do concelho de Vila Pouca de
Aguiar. Edição, contextualização histórico-geográfica e estudo vocabular,
assinado quer por Maria Olinda Rodrigues Santana, quer por Mário José
da Silva Mineiro (Lisboa, Edições Colibri, 2006). Trata-se de um volume
mais extenso, de duzentos e oitenta páginas, mas que se norteia
fundamentalmente pelo mesmo objectivo delineado com a publicação do
primeiro: tornar disponível a um público-alvo mais vasto, através de uma
edição interpretativa, os documentos foraleiros medievais concedidos pelo
rei Dinis a todas as localidades situadas na região de Trás-os-Montes, entre
1285 e 1324, incorporando, por conseguinte, um mais alargado corpus de
cento e dois textos organizados por dois distritos, de que foram excluídos
os documentos senhoriais leigos e religiosos.
No tocante ao de Bragança (1285-1324), integra o foral de Rebordãos
(1285), a carta de avença entre Dinis e o mosteiro de Castro de Avelãs
(1285), o foral de Sanceriz (1285), o foral de Valverde (1285), o foral de
Vila Franca (1286), o foral de Miranda do Douro (1286), o aforamento
colectivo de Penas Róias (1287), o aforamento colectivo de Santulhão
(1288), o aforamento colectivo de Pinelo (1288), o aforamento colectivo
de Argoselo (1288), a carta de sentença entre Dinis e o mosteiro de Castro
de Avelãs (1288), o foral de Frieira (1289), o foral de Gostei e Castanheira
(1289), a carta de escambo de Outeiro de Muas por Gostei e Castanheira
(1290), o foral de Outeiro e Muas (1290), o aforamento colectivo de Vale
de Cadelas (1292), a carta de mercê de Miranda do Douro (1297), a carta
de escambo de Caçarelhos por Sanceriz (1300), o aforamento colectivo de
Vilar de Refóios (1301), o foral de Castro Vicente (1305), o foral de
Arrufe (1308), o foral de Vale de Nogueira (1308), o foral de Viduedo
(1308), o foral de Pombares (1308), o foral de Bemposta (1315), a carta de
sentença entre o concelho de Castro Vicente e Chacim (1319), a carta de
sentença entre Dinis e o mosteiro de Castro de Avelãs (1319), a carta de
mercê de Bemposta (1321), a carta de mudança de Mirandela (1282), o
aforamento colectivo de Lagoaça (1286), o foral de Torre de D. Chama
(1287), o foral de Vilarinho da Castanheira (1287), o foral de Vale de
Prados (1287), o aforamento colectivo de Agrochão (1288), o foral de
Ervedosa (1288), o aforamento colectivo de Vale de Telhas (1289), o foral
de Mirandela (1291), a carta de avença entre o rei e o concelho de
Mirandela (1293), a carta de doação de Torre de D. Chama a Mirandela
(1293), o foral de Alfândega da Fé (1294), o foral de Vila do Conde
(1296), a carta de foro de Cabeça de Conde (1299), o foral de Torre de D.
Chama (1299), a carta de confirmação a mestre Julião (1299), a carta de
mercê de Vilarinho de Castanheira (1299), a carta de doação a mestre
Julião (1301), os forais de Sesulfe (1302), a carta de sentença entre Torre
de D. Chama e Mirandela (1303), a carta de compilação entre Alfândega
da Fé e Sambade (1309), a carta de mercê de Vila Paço (1310), a carta de
mercê de Lomba (1311), o foral de Lomba (1324), os forais de Vila Flor
([1286] e 1286), o foral de Nozelos (1284) e a carta de mercê a Freixo de
Espada à Cinta (1311).
No referente ao de Vila Real (1282-1321), integra o aforamento
colectivo de Carvalhelhos (1288), o aforamento colectivo de Sessergo
(1288), o aforamento colectivo de Curros (1288), o aforamento colectivo
de Vilarinho (1288), o aforamento colectivo de Lavradas (1288), o
aforamento colectivo de Mosteiró (1288), a carta de mercê de Chaves
(1321), o aforamento colectivo de Carvalhais (1288), o aforamento
colectivo de S. Mamede (1288), a carta de sentença de Paredes e Corvedo
(1289), a carta de sentença entre os juízes de Montalegre e os homens de
Capões (1289), a carta de sentença dos moradores de Lapela (1289), a
carta de doação do concelho de Montalegre (1309), a carta de foro de
Gralhas (1310), o aforamento colectivo de Bomsiso (1297), a carta de foro
de Canedo (1308), a carta de confirmação de Vila Boa de Montenegro
(1301), o foral de Vila Boa de Montenegro (1301), a carta de mercê a Vila
Boa de Montenegro (1301), as cartas de procuração do concelho de
Chaves para reaver o concelho de Montenegro (1302), a carta de mercê do
concelho de Chaves (1302), a carta de doação ao concelho de Chaves
(1302), o novo foral de Montenegro (1303), a carta de doação de
Montenegro ao concelho de Chaves (1304), a carta de mercê do concelho
de Chaves (1304), a carta de sentença do concelho de Chaves (1307), o
aforamento colectivo de Ovelhã (1286), o aforamento colectivo de Calvos
(1286), o aforamento colectivo de Soutelinho (1286), o aforamento
colectivo de Freixeda (1286), o aforamento colectivo da Gralheira (1286),
216
o aforamento colectivo de Vila do Conde (1286), o aforamento colectivo
de Tinhela (1288), o aforamento colectivo de Valoura (1290), a carta de
doação de Jales a Maria Afonso (1304), o foral de Jales (1304), os forais
de Vila Real (1289 e 1293), a carta de procuração de Vila Real (1304), o
aforamento colectivo de Abaças (1285), a carta de contenda entre Dinis e o
cabido de Braga (1282), o aforamento colectivo de Sanguinhedo (1286), a
carta de foro de Murça (1304) e o foral de Favaios (1284).
Os pergaminhos contendo estes textos conservam-se actualmente em
diversos fundos arquivísticos dos AN/TT – este volume concentra-se
sobretudo na reforma dos arquivos nacionais levada a cabo no reinado de
Afonso V, mais concretamente entre as décadas de cinquenta e de setenta
do século XV, pelo cronista régio e guarda-mor da Torre do Tombo,
Gomes Eanes de Zurara, devido a queixas apresentadas em Cortes, em
Lisboa, em 1459, da qual terá resultado o desaparecimento de vários livros
de chancelaria medievais portugueses –, tendo sido parcialmente
publicados, em edição paleográfica, por José Peixoto Pinto da Mota, por
Ana Lúcia Pereira Costa e por Mário José da Silva Mineiro, nas
Dissertações por estes apresentadas à UTAD, para cumprimento dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Cultura
Portuguesa, entre 2003 e 2004, intituladas Documentação foraleira
colectiva dionisina dos concelhos de Bragança, Vimioso, Miranda do
Douro e Mogadouro; Documentação foraleira dionisina dos concelhos de
Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta,
Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Torre de Moncorvo e Vinhais.
Contextualização histórico-geográfica e edição; e A documentação
foraleira dionisina dos concelhos de Montalegre, Boticas, Vila Pouca de
Aguiar, Ribeira de Pena, Chaves e Valpaços. Contextualização histórica e
edição, respectivamente. Alguns textos já haviam sido publicados por
Maria Olinda Rodrigues Santana e Mário José da Silva Mineiro, em 2006.
O volume foi estruturado em dois capítulos: o primeiro, intitulado
«Breve estudo»; e o segundo, «Edição interpretativa». No primeiro,
apresenta-se um breve historial da reforma de Gomes Eanes de Zurara na
Torre do Tombo, para depois se proceder, de uma forma genérica, à
discriminação da tipologia foraleira medieval, e, de uma forma específica,
à identificação da relacionada com a região de Trás-os-Montes; bem como
à análise das implicações históricas decorrentes da concessão destes
documentos a cada localidade – em grande medida relacionadas com a
problemática do seu condicionalismo geográfico fronteiriço –, num dos
subcapítulos de mais acessível leitura para o público-alvo a que a obra se
destina. No segundo, elabora-se a edição interpretativa dos cento e dois
217
textos acima mencionados, cinquenta e sete dos quais relativos ao actual
distrito de Bragança, e quarenta e cinco, ao de Vila Real, sistematizados
num quadro-síntese que antecede a edição interpretativa propriamente dita.
Tal como a autora nos explica na introdução ao volume, as
circunstâncias em que este foi elaborado – projectos de investigação
individuais que se traduziram na edição paleográfica dos documentos
foraleiros nas três Dissertações de Mestrado em Cultura Portuguesa
apresentadas à UTAD anteriormente citadas, utilizadas como base para a
realização de uma edição semipaleográfica electrónica a ser incluída, em
linha, no Corpus diacrónico do Português, no âmbito de um projecto de
investigação mais vasto, dirigido por Mark Davies e Michael Ferreira, da
Georgetown University, de Washington – são, em nosso entender, o
motivo pelo qual este volume, ainda que adoptando a mesma linha
metodológica do publicado anteriormente, fica claramente aquém dos
objectivos propostos, pelo menos nos seus aspectos essenciais. Com efeito,
este volume procura ser uma adequação de leituras paleográficas
especializadas a um público-alvo que não detém conhecimentos técnicos
aprofundados, pelo que a forma como os textos continuam a ser
apresentados – ainda que mantendo a metodologia seguida no volume
anterior, facto que, por si só, deve ser salientado como algo de positivo –
se mostra de difícil leitura, quer pela quantidade de referências
bibliográficas que antecedem a transcrição de cada texto, que muito
facilmente poderiam ser resumidas a referências que facilitassem a
confrontação do leitor com a mancha gráfica da página, quer pelos sinais
braquigráficos utilizados ao longo da transcrição de cada texto, que, para
além de manter a grafia do Português transmitida pelas cópias dos
documentos da Chancelaria de Dinis elaboradas no século XV – o que,
como é evidente, já levanta dificuldades para quem não está familiarizado
com este tipo de leitura – se tornam desnecessários numa edição
interpretativa cuja finalidade não se relaciona com critérios de fixação
textual, naturalmente muito úteis para os especialistas em diplomática e
paleografia, entre outros estudiosos com ligações ao mundo académico.
Estamos, por conseguinte, perante o segundo resultado editorial de
um projecto científico que se espera vir a dar novos resultados num futuro
próximo. Como é evidente, as metodologias seguidas nos dois volumes
publicados, uma vez que já foram estabelecidos os pressupostos de edição
interpretativa dos textos, deverão seguramente manter-se, alargando-se
apenas o âmbito geográfico de estudo contemplado em cada volume. Os
publicados em 2006 e 2008 primam pelo seu rigor metodológico, pelo que
se aguarda a publicação de novos volumes preparados com as mesmas
218
coerência e consistência metodológicas. Não obstante – e esta é claramente
uma questão de que não podemos passar ao lado, uma vez efectuada a sua
leitura –, os volumes dados à estampa não conseguiram cumprir, pelo
menos em parte, os objectivos a que os respectivos autores se propuseram
com a sua elaboração. Diríamos até que o primeiro volume, de oitenta e
oito páginas, conseguiu alcançar mais estes objectivos do que o segundo,
de duzentos e oitenta: é evidente que o que está em causa não é o número
de páginas que enforma cada volume, mas sim as que se reservam para a
edição interpretativa dos documentos foraleiros medievais, por um lado, e
as que se destinam à interpretação histórica e historiográfica desses
mesmos documentos, por outro. No fundo, a parte que porventura mais
interessará ao leitor a quem os dois volumes publicados se destinam.
MÁRIO DE GOUVEIA
219
SANTANA, Maria Olinda Rodrigues e Mário José da Silva
MINEIRO (2006). Documentação dionisina do concelho de
Vila Pouca de Aguiar. Edição, contextualização históricogeográfica e estudo vocabular. Lisboa: Edições Colibri
(Estudos e ensaios; 2). 88 pp. ISBN 972-772-609-7.
Documentação dionisina do concelho de Vila Pouca de Aguiar.
Edição, contextualização histórico-geográfica e estudo vocabular é o
título de um pequeno volume de oitenta e oito páginas da autoria de Maria
Olinda Rodrigues Santana, Professora Associada do Departamento de
Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e Mário José da
Silva Mineiro, Mestre em Cultura Portuguesa e Investigador do Centro de
Estudos em Letras da UTAD, publicado em Lisboa, pelas Edições Colibri,
em 2006. Trata-se de uma edição interpretativa de um corpus de nove
documentos foraleiros medievais outorgados pelo rei Dinis ao concelho de
Vila Pouca de Aguiar (dist. de Vila Real), entre 1286 e 1304, integrando
mais concretamente os textos dos aforamentos colectivos de Calvos
(1286), Soutelinho (1286), Freixeda (1286), Gralheira (1286), Vila do
Conde de Aguiar de Pena (1286), Tinhela (1288) e Valoura (1290), bem
como os textos da carta de doação da Terra de Jales a Maria Afonso (1304)
e a carta de foro de Jales (1304), hoje conservados nos AN/TT
(Chancelaria de Dinis, Livros I, III e IV), e recentemente publicados pelo
segundo signatário do volume, em edição paleográfica, na Dissertação
apresentada à UTAD, para cumprimento dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em Cultura Portuguesa, em 2004.
Embora concebido com o objectivo de alargar a recepção pública
destes nove textos a um círculo mais amplo do que os grupos constituídos
por especialistas em temáticas medievais, este volume integra vários
estudos relacionados com as circunstâncias da concessão deste corpus de
documentos ao mencionado concelho entre os finais do século XIII e os
inícios do XIV, perseguindo, segundo as palavras dos autores, cinco
objectivos: «inventariar as fontes foraleiras outorgadas por D. Dinis ao
actual concelho de Vila Pouca de Aguiar»; «fazer uma edição
interpretativa dos documentos, facultando a leitura dos mesmos a um
público alargado»; «contextualizar geograficamente as localidades a quem
(sic) o monarca outorgou os documentos»; «debuxar uma resenha histórica
do reinado de D. Dinis, destacando a sua política de repovoamento
relativamente às localidades em estudo»; e «estudar o conteúdo de cada
documento tentando descortinar as realidades políticas, sociais e
económicas de cada localidade» (p. 10).
O volume foi dividido em cinco capítulos – «Edição»,
«Contextualização geográfica», «Contextualização histórica», «A terra e o
homem» e «Breve análise vocabular» –, procurando dar vazão aos
objectivos acima propostos, complementados por nove mapas relativos às
localidades em epígrafe, uma representação esquemática da estrutura de
um documento foraleiro dionisino, dois gráficos e três anexos relacionados
com metodologias de análise lexical dos textos. A relação de fontes e de
estudos utilizados faculta ao leitor interessado o aprofundamento das
problemáticas abordadas ao longo do volume.
Trata-se, por conseguinte, de um volume que se enquadra no âmbito
dos estudos de história local e regional, e que, por este motivo, tem o
mérito de pôr à disposição de todos os interessados uma parte do
património histórico ainda hoje de difícil acesso para quem vive e trabalha
nas regiões de Trás-os-Montes e Alto Douro. Não obstante, a forma como
os textos foram tratados e apresentados parece-nos demasiado técnica,
tendo em conta o público-alvo a que, segundo referem os autores, o
volume se destina. Com efeito, os textos foram tratados e apresentados
com grande rigor e precisão, nomeadamente ao nível da leitura
paleográfica, mas segundo metodologias que são aplicadas em meios
universitários – para o público-alvo, talvez seja de pouco interesse tecer
considerações pormenorizadas sobre os critérios de leitura propostos por
Avelino de Jesus da Costa, Eduardo Borges Nunes ou António Henrique
de Albuquerque Emiliano, nomeadamente quando se descrevem as
características dos vários tipos de edição possíveis do programa de leitura
adoptado pelos autores –, que, como é evidente, interessam pouco ao
público-alvo considerado, tal como pouco interessam as observações que
fazem sobre estatísticas de análise lexical.
Tendo em conta aquilo que se nos é apresentado – que, convém
sublinhá-lo, é feito com objectividade e densidade –, diríamos que se trata
de um volume direccionado para grupos de especialistas, até porque as
considerações introdutórias que se tecem sobre a história e a historiografia
diplomáticas estão muito longe de constituir a síntese mais clara que se
desejaria para um público interessado em conhecer apenas as
circunstâncias do povoamento medieval da sua região, base da formação
da rede concelhia que ainda hoje perdura, com naturais alterações, numa
zona cada vez mais desertificada do País. Tal abordagem é-nos
proporcionada pelos capítulos que se seguem à leitura paleográfica dos
textos, escritos de maneira bem mais fluente, e, consequentemente,
222
reduzindo todo um conjunto de informações de cunho mais erudito a
sínteses acessíveis sobre a história de cada localidade, construídas com
base nas informações proporcionadas pela análise dos respectivos textos, e
não como resultado de investigações aprofundadas sobre cada uma. É,
pois, a partir destes capítulos que o público-alvo poderá ficar a par do que
a outorga dos documentos foraleiros dionisinos implicava nas vivências
quotidianas de cada localidade, porque, a bem dizer, é aqui que os autores
do volume demonstram – em nosso entender, correctamente – que as
funções do historiador não podem limitar-se à análise do documento pelo
documento: antes devem ter como marco de referência o homem, bem
como as circunstâncias históricas que com ele se relacionam.
MÁRIO DE GOUVEIA
223
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