CONVENÇÃO Nº 158 - OBSTÁCULOS À DISPENSA SEM JUSTA CAUSA CONTRAPONTO
RESPEITO
À
DIGNIDADE
HUMANA
DO
TRABALHADOR X ENGESSAMENTO DE ATIVIDADES EMPRESARIAS Adriano Jannuzzi Moreira
(Publicada no Juris Síntese nº 76 - MAR/ABR de 2009)
Adriano Jannuzzi Moreira
Advogado,
Mestre em Direito Empresarial,
Professor Universitário,
Doutorando em Ciências Sociais.
RESUMO: Em 1996, foi ratificada pelo Brasil a Convenção nº 158 da Organização
Internacional do Trabalho que trata sobre a proibição de dispensa arbitrária pelo
empregador. Entretanto, devido a pressões do setor empresarial, a referida Convenção
acabou por ser denunciada, irregularmente, naquele mesmo ano. Passados
aproximadamente 12 anos, novas discussões sobre o problema da estabilidade nas
relações de emprego insurgem-se, culminando em proposta de conferir novamente à
norma internacional, vigência no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Nessa esteira, o
presente artigo propôs-se a analisar, sob o paradigma democrático, os argumentos em
favor e contra a reinserção da norma no Ordenamento Jurídico Nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Dispensa; democracia; flexibilização.
1 - CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
No Brasil, embora a dispensa imotivada seja proibida pelo art. 7º, I, da Constituição da
República de 1998, tal modalidade de dispensa é, largamente, utilizada em razão de uma
interpretação de que tal norma não possui eficácia plena.
De posse dessa interpretação, que infelizmente é também utilizada pelos Ministros de
nossa Corte Constitucional, o empregador, tem, no Brasil, prerrogativas de exercer uma
verdadeira justiça privada em relação aos atos de seus empregados no que tangem à
relação jurídica existente entre eles.
O empregador, à escusa de estar apenas gozando de seu direito potestativo, utiliza seu
poder disciplinar conforme sua conveniência para julgar e aplicar penalidades a seus
empregados.
Em seu favor, está ainda a interpretação de que, a priori, as únicas medidas de sanção
passíveis de serem aplicadas, na relação de emprego, sem menção de como deve
funcionar tal aplicação, são: a advertência; a norma costumeira acolhida pelo art. 8º da
Consolidação das Leis do Trabalho; a suspensão disciplinar, cuja previsão se retira do
art. 474 daquela Consolidação; e, por fim, a dispensa por justa causa, esta sim, prevista
expressamente, independentemente de exercício hermenêutico, em vários dispositivos
do Diploma Celetista.
Lado outro, posto que o empregado não tenha cometido qualquer falta, mas ainda sim
seja mais vantajoso para o empregador dispensá-lo e contratar outro, ou porque este lhe
oferece melhor proposta (leia-se, aceita menor remuneração), ou porque tenha
descoberto a existência de alguma “cooperativa” que forneça aquela mão de obra por
menor ônus, não encontrará, o empregador, maiores dificuldades em pôr fim à relação
de emprego: terá um gasto, relativamente, alto para dispensar aquele empregado “mais
caro”, entretanto, empreendedor que é, sabe que a economia que fará em médio prazo
terá ultrapassado o que despendeu com a dispensa imotivada.
Seja como for, a realidade que se apresenta é a de um empregador que pode utilizar as
referidas medidas conforme melhor lhe convenha: primeiro advertir, depois suspender e,
em não havendo resultados de alteração da conduta do empregado, dispensá-lo, ou
simplesmente dispensá-lo, tenha ele se enquadrado em situação de falta grave ou não,
sem qualquer obrigação de motivar seu ato, abandonando o empregado à revelia das
razões de sua dispensa.
Dessa forma é que o poder do empregador se manifesta ilimitado. O trabalhador se vê
sem meios de prover seu sustento, do dia para a noite, sem que lhe seja assegurado
sequer o direito de conhecer a razão de sua dispensa, daí a indagação: é, essa situação,
compatível com um Estado de Direito Democrático 1?
2 - CONVENÇÃO 158, DEMOCRACIA E O
ENGESSAMENTO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS
ARGUMENTO
DO
O Direito do Trabalho, no Brasil, é regido pelo princípio da continuidade da relação de
emprego, segundo o qual é de interesse do Direito do Trabalho a permanência do
vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica
empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem
justrabalhista poderia cumprir, satisfatoriamente, o objetivo teleológico do Direito do
Trabalho de assegurar melhores condições - sob a ótica obreira - de pactuação e
gerenciamento da força de trabalho em determinada sociedade.
Referido princípio encontra-se respaldado na Constituição Federal de 1988, que prevê,
entre os direitos dos trabalhadores, “relação de emprego protegida contra despedida
arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos”. (art. 7º, I)
Considerando que o trabalho é o meio de subsistência do trabalhador e de sua família,
apresenta-se como indiscutível a importância da efetividade do princípio da
continuidade da relação de emprego na ordem justrabalhista.
Não obstante a elevação dessa garantia a nível constitucional, na prática, ao empregado
nada resta senão aceitar apenas as reparações decorrentes da dispensa imotivada
previstas em lei, como se a dignidade do trabalhador pudesse ser reduzida à pecúnia.
Considerando este extraordinário e unilateral poder do empregador fica difícil imaginar
democráticas relações de trabalho na execução do contrato que une o empregado a seu
empregador, uma vez que, não apenas o empregado é impedido de construir normas,
juntamente com o empregador, às quais se submeterá, como os atos e decisões deste se
mostram insusceptíveis de submissão a meio discursivo, democrático, portanto,
tornando-se, em última análise, incontestáveis.
A conclusão que se extrai é que se tem como inócuo o contido na norma constitucional
inscrita no art. 170, segundo a qual, a ordem econômica tem por finalidade assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Por outro lado, estamos vivendo época em que as inovações são tão radicais que podem
colocar setores da economia em situação delicada. Para inovar, é necessário grande
volume de pessoas com alta capacitação e tecnologia.
Há três fundamentos para a gestão bem sucedida de uma organização: conhecimento
técnico, liderança e Método que induz a definição de metas, com garantia de execução e
com medição, controle e monitoramento e padronização de rotinas.
A meritocracia, na qual o trabalho é mensurado no resultado, é a melhor ferramenta de
gestão de pessoas para perpetuidade da empresa na atualidade, assim é que, se o
empregado não apresenta resultados satisfatórios, o empregador opta logo por dispensálo, o que gera grande rotatividade de funcionários nas empresas modernas.
A fim de se construir normas que cotejassem as referidas necessidades dos donos do
capital, dentre outros, e as necessidades dos trabalhadores, foi criada, em 1919 a OIT
(Organização Internacional do Trabalho). Sua composição envolve representantes dos
trabalhadores, dos empregadores e dos governos dos países-membros. Essas convenções
são tratados internacionais que, depois de ratificados pelo Congresso Nacional, passam
a integrar o ordenamento jurídico interno.
A Convenção de número 158 se deu em 1982 e já foi ratificada por 34 países-membros
da Organização Internacional. Ela foi aprovada no Brasil pelo Congresso Nacional por
meio do Decreto Legislativo nº 68, de 16.09.1992 e, após, ratificada pelo então
Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, entrando em vigor, em âmbito
interno, através do Decreto nº 1.855, de 10 de abril de 1996.
Entretanto, a Convenção foi suspensa através do Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro
do mesmo ano de 1996, em razão de declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo
Tribunal Federal, sendo posteriormente denunciada pelo Presidente Fernando Henrique
Cardoso, deixando, finalmente de vigorar no Brasil em 20.11.1997.
Cumpre, no entanto, apontar que tal denúncia é irregular e, portanto, inválida no plano
internacional, uma vez que as Convenções da OIT apenas podem ser denunciadas após
10 anos da ratificação pelo Estado-Membro.
A justificativa para a sua suspensão, e denúncia foi que seu mecanismo engessava as
relações de trabalho e o Poder Judiciário a interpretava como garantia de estabilidade no
emprego o que, segundo a Corte Maior, seria inconstitucional.
Contudo, em fevereiro deste ano de 2008, a Presidência da República encaminhou,
novamente, ao Congresso Nacional pedido de nova aprovação da Convenção nº
158/OIT.
Aponta-se como razão para este retorno a premissa de que, com o fenômeno da
globalização, as relações de trabalho em todos os países do mundo vêm passando por
drásticas mudanças, sendo necessária a imediata revisão da legislação trabalhista para
que se adeqüe à “nova ordem mundial”.
Argumentos contrários a sua aprovação consideram que o fenômeno social fez com que
a figura do trabalhador, como parte hipossuficiente e submissa na relação de trabalho,
cedesse lugar a um colaborador preparado e engajado na dinâmica empresarial,
participando, muitas vezes, de seus lucros, prática utilizada por muitas empresas
brasileiras.
Os trabalhadores de hoje seriam detentores de inúmeras informações, de forma que o
protecionismo previsto na década de 40 teria se tornado inócuo, e, portanto, obsoleta
seria uma legislação que dificultasse a evolução das relações de trabalho.
Outro argumento seria que mudanças na economia são céleres sendo necessária uma
maior flexibilidade nas normas trabalhistas, para que, desta forma, as empresas
consigam sobreviver e cumprir sua função social.
Nesse sentido, a Convenção nº 158, ao assegurar “a estabilidade do empregado”,
retiraria a competitividade das empresas neste mundo globalizado.
Por outro lado, em razão desse viés protecionista, a legislação trabalhista já possuiria
suficientes garantias ao obreiro contra a dispensa imotivada, sendo que a adoção da
referida Convenção ou geraria estagnação inadmissível no mercado de trabalho
brasileiro ou aumentaria a informalidade das relações de emprego.
De fato, o Brasil possui, atualmente, uma das legislações trabalhistas mais avançadas do
mundo sob a ótica da garantia dos direitos sociais do trabalhador, inseridos,
constitucionalmente, através dos direitos sociais, sobretudo no que se refere à limitação
de carga horária, férias anuais com abono de um terço do salário mensal, décimo
terceiro salário dentre outros. Entretanto, na prática, os trabalhadores ainda encontramse órfãos de certa segurança no que tange à relação de emprego.
Traçado esse paralelo é que se apresenta a indagação quanto à viabilidade da aplicação
da Convenção nº 158 da OIT: conceder ao trabalhador maior segurança em relação à
continuidade de sua relação de emprego inviabiliza o desenvolvimento das atividades
econômicas do empregador nesse mundo dinâmico da globalização?
O cerne da questão é que a convenção, em seu art. 4º, preceitua:
“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para
isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou
baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”
Pelo que se deflui do art. 8º o empregado é autorizado a recorrer perante um órgão
neutro seja representado por um tribunal seja por um árbitro, caso tenha interesse em
rever sua dispensa e analisar sua justificativa.
Tais normas trouxeram para as mentes do empresariado as seguintes indagações: poderse-ia afirmar, então, que o poder “de mando” do empregador estaria sendo rebaixado ao
dar “satisfação” a seu subordinado? Estaria o empregador ignorando a dignidade
humana do trabalhador ao demiti-lo sem nenhuma motivação? Analisemos.
De acordo com a Convenção, para que a dispensa não seja considerada arbitrária e,
portanto, defesa, faz se necessária a observância dos seguintes requisitos:
a) Vinculação da dispensa à capacidade do empregado;
b) Observância da legislação nacional quando a motivação da dispensa for o
comportamento do empregado. É a despedida com justa causa;
c) Encontra-se a empresa em situação de dificuldade, fazendo-se necessária a dispensa
de um número de empregados.
Deflui-se, por conseguinte, que não há uma proibição de dispensar empregados que não
tenham incorrido em falta grave, apenas restringe-se as hipóteses de dispensa a fato do
empregado (falta de vocação ou mau comportamento) ou a fato do empregador
(dificuldade de desenvolver a atividade econômica de forma lucrativa), sendo sempre
obrigatório o oferecimento de motivação ao obreiro, seja esta qual for.
No âmbito do contraditório e ampla defesa no ambiente de trabalho, o art. 7º da
Convenção nº 158 prescreve:
“Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivos
relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a
possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja
possível pedir ao empregador razoavelmente, que lhe conceda essa oportunidade.”
Nesse contexto, talvez uma boa solução para a aplicação da Convenção sem prejuízos
para o empregador fosse a utilização de uma ferramenta analógica à Sindicância
administrativa que é o meio sumário de elucidação, sigiloso ou público, de
irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo disciplinar e
punição do infrator.
Nesse caso, não há procedimento formal, podendo realizar-se a “sindicância” por um ou
mais funcionários designados pela autoridade competente (no caso, empregador). Tratase de simples expediente de verificação de irregularidades, equiparável ao inquérito
policial em relação à ação penal. Seria o verdadeiro inquérito administrativo que
precederia a punição na órbita do poder do empregador, dessa forma, estar-se-ia
prestando respeito à dignidade do obreiro, por adoção de meio democrático de dispensa,
sem, contudo, falar-se em supressão do poder disciplinar do dono do meio de produção
que não passaria a ter que “dar satisfação” ao empregado.
Assim, se o funcionário não desempenha bem a tarefa uma vez, concede-se a nova
oportunidade, treinamento se necessário, até que aquele atinja o resultado desejado ou
se mostre sem vocação para o exercício daquela atividade, situação em que ficaria
autorizada sua dispensa, o que, já nesse ponto, não encontraria maiores resistências e
desapontamentos por parte do empregado que teve a oportunidade de enxergar que a
motivação de sua dispensa foi sua falta de aptidão para a tarefa.
Já no que tange ao argumento de que a readoção da Convenção nº 158 aumentaria os
índices de informalidade das relações de emprego, não é de todo descabido.
É bem verdade ser da tradição do brasileiro encontrar formas de se furtar ao respeito da
Lei sempre que esta lhe causa maiores ônus, mas este é o novo problema.
É o problema do raciocínio em curto prazo e da curta história democrática que nos
impede de ver que a Lei é resultado de anseios de diferentes estratos sociais, de modo
que, tal qual o outro respeita lei que me beneficia, embora lhe cause maior ônus, devo
também respeitar lei que desgosto, porque escolhemos viver em um Estado de Direito
em que pudéssemos escolher, de forma plural, quais normas limitariam as condutas dos
membros de nossa sociedade, escolhemos um Estado de Direito Democrático, portanto,
e estaremos negando-o se não respeitarmos as normas postas de forma democrática.
Noutros termos, o desrespeito à Lei não é motivo para seu abandono, ou viveremos a
falta de Estado imaginada por Hobbes.
Por fim, resta verificar a alegada “inconstitucionalidade material” da Convenção nº 158.
Na ótica do Estado de Direito Democrático, também chamado de Estado Constitucional
- Estado Pós-Modernidade, tem-se, como fundamentos do Estado, a proteção e
efetivação dos direitos humanos primeiros (civis e políticos), mas também dos de
segunda dimensão, direitos sociais, econômicos e culturais, assim de terceira, direitos
difusos, coletivos, individuais homogêneos.
Nessa construção da “era dos direitos”, em que o Poder Judiciário toma importante
acento, a luta não é mais pela criação de leis, mas sim pela manutenção e pela
efetivação dos direitos. É, na verdade, luta por democracia em todas as relações, luta
que só tem a ganhar com a reinserção da Convenção nº 158 da OIT no Ordenamento
Jurídico Brasileiro, ou com a adoção de interpretação pela sua compatibilidade com o
Direito vigente, uma vez que esta garante a efetivação do direito constitucional de
proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GODINHO DELGADO, Maurício. O poder empregatício. São Paulo: Ltr, 1996.
GODINHO DELGADO, Maurício. O poder disciplinar do empregador: desajustes da
velha ordem celetista ao novo quadro constitucional brasileiro. Revista Síntese
Trabalhista, n. 54, Porto Alegre: dez. 1993.
GODINHO DELGADO, Maurício. Democracia e justiça. São Paulo: Ltr, 1993.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 da OIT. Dispositivo que veda a dispensa
arbitrária é auto-aplicável. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 475, 25 out. 2004.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820>. Acesso em: 11
out. 2008.
VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr,
1996.
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convenção nº 158 - obstáculos à dispensa sem justa causa