Espaço Gourmet – Colibri Inside ­ Entrevista extraída da Revista Diálogo Médico POR CRISTINA RAMALHO FOTOS RAFAEL DEFINE O Fino da Bossa Diálogo Médico – O que é o maior luxo na mesa? Alex Atala – A gastronomia em si é a essência do luxo. Produtos luxuosos, caros, feitos com as mãos, por excelência e capacidade do artesão. É uma definição que cabe para uma grife de luxo, por exemplo. Hermès, Louis Vuitton, Prada têm idéias, bom acabamento, qualidade, refinamento. Nas cozinhas de chefs de grife pelo mundo também. DM – Quando você pensa num prato de luxo, imagina logo algo com trufas, caviar, ou uma comida simples, feita divinamente? AA – Às vezes o que parece mais simples pode ser o mais luxuoso. Tem um prato que sempre cito como exemplo: bochecha de boi em baixa temperatura com lágrimas de legumes grelhados. A bochecha é a carne mais barata que existe, mas para fazer o prato preciso dela inteira, e nenhum fornecedor serve assim. Tenho de convencer o sujeito a cortar e me dar pelo menos metade da bochecha inteira – ou seja, já começo a comprar o dobro para o que preciso. Depois, para ter a consistência gelatinosa, preciso cozinhá­la em baixíssima temperatura: 73°C, precisamente. Isso por 20 horas seguidas. Preciso cortá­la em fatias finas, uma a uma, antes de esfriar. Ainda tem os legumes – as lágrimas são as gotas que saem do vapor, da condensação dos legumes abafados depois de grelhados. Para eu obter 180 ml de lágrimas, para uma porção, tenho de grelhar um quilo de legumes. Isso é luxo, é a definição do ofício de um chef: pegar uma coisa simples e fazer dela algo Lord Byron diferente, complexo, que mantenha a simplicidade, mas tenha todo um raciocínio por trás, e se torne sofisticado. DM – Existe muita coisa esnobe em gastronomia? As pessoas não se deslumbram com as modas? AA – Ah, sim, tem um novo­riquismo na gastronomia, claro, como em tudo, mas acho que isso já diminuiu muito e a tendência é diminuir mais, porque as pessoas estão aprendendo mais sobre comida, valorizando os ingredientes, voltando aos verdadeiros sabores. A qualidade dos ingredientes é a base de tudo. Um cozinheiro médio pode fazer comida ótima com ótimos ingredientes, mas por melhor que seja o chef não vai fazer comida boa com ingredientes ruins. L u xo e riq ue z a In gr e di en te s de s lum br an te s e m ão s c a pa ze s do ma is f in o a rt esa na to , com o na pa le ta de c or d eir o a o f o rn o c om fa r ofa ao la d o o r a vi o li cr o can te d e b ana na a o m ara cu já e s orb e t d e ta n ge rina DM – Qual o ingrediente mais luxuoso que você já comeu? AA – Caviar fresco, direto do mar Cáspio, não­pasteurizado. Dura no máximo dez dias. É raro, e é caro também, porque obtê­lo é uma operação complexa, ele estraga muito rápido. Custa uns 300 dólares por meio quilo. Já comi trufas incríveis, mas o ingrediente mais luxuoso de todos é o lovole reale, um cogumelo raríssimo, que quase ninguém conhece, uma fina iguaria que quero estudar um dia. Aliás, quero estudar cogumelos em geral, e sonho um dia encontrar cogumelos realmente comestíveis e maravilhosos na Amazônia. O ambiente, o clima, tudo lá é propício. Um dia acho. DM – Você tem um momento inesquecível ligado à comida? AA – Quando eu tinha 14 anos fui ao Massimo pela primeira vez. Na época era um dos restaurantes mais chiques de São Paulo, e com certeza era o lugar mais chique que eu já tinha ido na vida. Eu não tinha grana, fui ao bar mitzvah de um amigo. Comi um carpaccio e nunca me esqueci da hora em que entrei pela porta, da suntuosidade do lugar, do serviço. Isso é luxo. Mas poderia ser uma comida afetiva, feita por alguém num momento x, que você não esquece. É um luxo também. A l t a c o s t u r a No a l to , p ei xe f i lh o t e co m t uc up i e tapi oca, o sup ra­ sum o d o ch iq ue c om in gre die nt es p o pu la re s, a c o zin ha e la bo ra da O fino da bossa
DM – E sua refeição mais luxuosa de fato? AA – Foi uma refeição na cozinha de Ferran Adrià (considerado um dos maiores chefs do mundo), na Espanha, num papo maravilhoso com Robuchon (outro chef genial), um momento único, pela comida, pela conversa, pelo bom vinho, foi a sublimação do prazer. DM – Você falou em Adrià, que faz uma comida com experiências químicas, tem pratos com espuma do mar etc. O conceito de luxo na gastronomia está mudando? AA – Muita gente critica o Adrià, e acho que podem até não gostar da comida dele, mas muitos falam sem conhecer. E não há como negar que ele mudou os caminhos da gastronomia. Foi para outro patamar, como Câreme (considerado o maior chef de todos os tempos) ou Ferdinand Point, o precursor da nouvelle cuisine, o sujeito que influenciou Bocuse, Ducasse etc. Tenho estudado muito sobre isso, e comecei a escrever um livro com o Carlos Dórea, ainda sem nome, com vários textos, reflexões minhas sobre o comer, o cozinhar, o maior partido dos ingredientes, e sobre o que é e o que pode ser uma comida verdadeiramente brasileira. Pensar sobre a gastronomia, o ofício. DM – Qual o ingrediente de luxo brasileiro? AA – Podem ser os cogumelos da Amazônia, se eu achar (risos). Mas acho a mandioca o luxo, a maior contribuição para a gastronomia brasileira. É a raiz do Brasil, literalmente. Já era comida aqui pelos tupis. Os guaranis usavam mais o milho. Mas o Lévi­Strauss fala disso, da carga histórica da mandioca. É o único alimento que é comido no Brasil inteiro, no Sul, no Norte, no mar, no sertão, seja como farinha, como tucupi, ou frita, ou assada, é a base da nossa alimentação. DM – Quanto mais naturais, mais luxuosos os alimentos, não? AA – Ah, sim, hoje comer um ovo caipira de verdade, ou uma galinha de granja mesmo, ou verduras orgânicas, tudo isso é mais raro e caro. E os dois maiores ícones do luxo na gastronomia, o caviar e as trufas, são os únicos ingredientes que não foram domesticados pelo homem. DM – Como assim?
AA – A trufa é o cogumelo que nasce em
lugares raros, tem de ser caçada por cães
farejadores, e ela brota só numa certa época, é
preciso ir atrás dela. O caviar, é preciso ir à
pesca, retirar as ovas do esturjão nos primeiros
quinze minutos antes que ele morra. A natureza
é o tremendo luxo.
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Alex Atala – A gastronomia em si é a essência do luxo. P