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A BASE DE CÁLCULO DO ISS NOS SERVIÇOS DE REGISTROS
PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS
MARCELO RICARDO ESCOBAR
Advogado em São Paulo, sócio do escritório
Escobar Advogados Associados, foi Juiz do
Tribunal do Impostos e Taxas do Estado de São
Paulo, é Conselheiro Julgador do Conselho
Municipal de Tributos de São Paulo, mestrando em
Direito Político e Econômico pelo Mackenzie,
professor orientador da disciplina “Contabilidade e
Planejamento Tributário” no curso de pós
graduação em Direito Tributário da rede
LFG/UNIDERP, Especialista em
Direito
Empresarial pela PUC/SP.
I – INTRODUÇÃO
A discussão acerca da incidência do Imposto sobre Serviços
(“ISS”) nas atividades notariais e registrais não é hodierna, vez que já foi longamente
debatida, sendo, inclusive, objeto de decisão por parte do Supremo Tribunal Federal,
nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089, ajuizada pela Associação
dos Notários e Registradores do Brasil (“ANOREG”).
O que se pretende com o presente, não é discutir a
incidência ou não do tributo municipal nas atividades notariais e registrais, mas sim
realizar uma análise sobre a mensuração da base de cálculo de referida exação nas
atividades cartorárias e registrais.
O presente estudo se justifica vez que há uma divergência
abismal ante o entendimento das fazendas municipais e o sistema positivado,
devidamente reconhecido pela jurisprudência, ocasionando prejuízos tanto aos
municípios, quanto aos notários.
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II – LEGISLAÇÃO MUNICIPAL
Analisando a legislação tributária de diversos municípios,
conclui-se que a maioria das fazendas municipais entende ser devido o ISS sobre a
totalidade das receitas percebidas pelos oficiais.
Todavia, referida pretensão não encontra respaldo na
legislação e na doutrina, assim como também se distancia cabalmente da jurisprudência
dominante, que, quando analisadas sistematicamente não deixam dúvidas acerca da
ilegalidade da intenção dos municípios.
Em que pese tal afirmação – que será severamente
corroborada adiante – é cediço que os municípios se utilizam de todos os meios para
cobrar dos oficiais contribuintes o ISS sobre a totalidade das suas receitas, lavrando
autos de infração com aplicação de multas expressivas, bem como cobrando
judicialmente o crédito tributário lançado.
III – LEGISLAÇÃO FEDERAL
Para
que
possamos
externar
nossas
considerações,
imperioso verificarmos os termos da legislação federal sobre o tema em questão, vez
que, apesar o ISS ser de competência municipal, as normas gerais referentes à este
tributo encontram-se dispostas tanto na Constituição Federal, quanto em leis
complementares e leis recepcionadas pelo atual texto constitucional com força de lei
complementar.
O ISS, possui sua previsão constitucional no artigo 156 da
CF/88, a saber:
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“Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.
155 II, definidos em lei complementar.
(...)
§ 3º - Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste
artigo, cabe à lei complementar:
I – fixar suas alíquotas máximas e mínimas;
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;
III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e
benefícios serão concedidos e revogados.”
(Os destaques e os grifos são nossos)
Verifica-se que além de estabelecer competência de
instituição do ISS para cada um dos Municípios, a CF/88 ainda deixou a cargo de lei
complementar, diversos aspectos, principalmente os quantitativos.
Vez que a Constituição atual foi promulgada em 1988,
importante registrar que alguns diplomas anteriormente vigentes foram recepcionados,
quando da entrada em vigor do texto constitucional atual.
Dentre estes diplomas destacamos o Decreto-Lei nº 406, de
31 de dezembro de 1968, que estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis
aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de
qualquer natureza.
A recepção se deu por conta do disposto no artigo 146 da
CF/88 que determina, em breves linhas, que cabe a lei complementar estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária.
Portanto, vez que o Decreto-Lei nº 406/68 trata justamente
de normas gerais, foi recepcionado pela CF/88 com status de lei complementar.
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Desta maneira, desde a sua recepção em 1988, o DecretoLei nº 406/68 era a lei com status de complementar que regia a tributação do ISS, mais
especificamente em seus artigos 8º a 12, posto que os artigos 1º a 7º tratavam do ICMS.
Além dos artigos 8º a 12, o Decreto-Lei traz em seu corpo
uma lista anexa taxativa dos serviços que deveriam ser tributados pelo ISS.
Importante registrar que na lista anexa do Decreto-Lei nº
406/68 não havia previsão para tributar a atividade de registro público, cartorário e
notarial.
Entretanto, por conta das alterações advindas com a
Emenda Constitucional nº 37 de 2002 – que estabeleceu a redação atual do art. 156
acima transcrito – houve necessidade premente de edição de nova lei complementar
para atualizar o regramento constitucional do ISS.
Diante deste cenário é que foi publicada, em 31 de julho de
2003 a Lei Complementar nº 116, que passou reger o ISS.
A Lei Complementar nº 116/03 introduziu nova Lista de
Serviços sujeitos à exigência do ISS e, assim, alargou o campo de incidência deste
tributo, originalmente previsto no Decreto-Lei nº 406/68, abarcando diversas outras
atividades que até então não eram alcançadas pelo ISS.
Nesse contexto, os Municípios brasileiros foram autorizados
a exigir, a partir do exercício de 2004, o ISS sobre uma série de atividades que, até o
advento da Lei Complementar nº 116/03, não se sujeitavam a esta tributação.
Somente neste momento é que a atividade de registro público,
cartorário e notarial passou a ser prevista como passível de tributação pelo ISS, pois houve
a sua expressa inclusão no item 21.01 da lista de serviços anexa à LC nº 116/03.
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Todavia, conforme se verifica pela simples leitura do artigo
10º da LC nº 116/03, com a sua publicação NÃO HOUVE A REVOGAÇÃO EXPRESSA DE
TODO O DECRETO-LEI Nº 406/68.
Senão vejamos:
“LEI COMPLEMENTAR 116/03:
(...)
Art. 10 – Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº
406/68 (...)”
(Os destaques e os grifos são nossos)
Evidente que o artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68
permaneceu em vigor, mesmo com a publicação da LC nº 116/03, nos seguintes termos:
“Decreto-Lei nº 406/68
(...)
Art. 9º - A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de
trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado,
por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza
do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida
a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
(...)”
(Os destaques e os grifos são nossos)
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Corroborando este entendimento debruçando-nos nas
lições dos doutos, outra não é a conclusão a que se chega, de que não houve a revogação
tácita nem expressa dos parágrafos 1º e 3º do art. 9 do Decreto-Lei nº 406/681.
Inconteste, portanto, que mesmo com a publicação da Lei
Complementar nº 116/03, permanecem em vigor os dispositivos contidos no art. 9º do
Decreto-Lei nº 406/68, que por sua vez determinam que quando se tratar de prestação
de serviços sob a forma pessoal do próprio contribuinte, o imposto deverá incidir com
base em alíquotas fixas.
Não se discute, posto que acaciano, ser este o caso dos
serviços dos registros públicos, cartorários e notariais, que são atos praticados no
desempenho de uma função considerada pública, mas em caráter privado, mantendo,
outrossim, a característica pessoal do próprio contribuinte, nos exatos termos do
Decreto-Lei nº 406/68.
IV – JURISPRUDÊNCIA
Conforme já aventado alhures, a pretensão de não
considerar a base de cálculo do ISS sobre as atividades notariais e registrais como sendo
a totalidade das receitas, mas sim um valor fixo não é escoteira, vez que corroborada
pelos nossos tribunais.
Destacamos o recente posicionamento do E. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, que ao analisar os autos da Apelação nº 886.888.5-1,
proveniente da comarca de Cunha/SP, por intermédio de sua 18ª Câmara de Direito
Público, redigiu a seguinte ementa publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo
no dia 23 de fevereiro de 2010:
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MACHADO, Hugo de Brito. O ISS das Sociedades de Profissionais e a Lei Complementar 116/03. ISS –
LC/116/03, organizadores Ives Gandra da Silva Martins e Marcelo Magalhães Peixoto, Juruá e APET, 2004,
p.229.
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“APELAÇÃO – ISS SOBRE SERVIÇOS CARTORÁRIOS E
NOTARIAIS – REGIME ESPECIAL DE RECOLHIMENTO –
Cabimento: Cumpridos os requisitos legais, possível o recolhimento
do ISS pelo regime especial previsto no art. 9º, § 1º, do Decreto
Lei 406/68. (...)”
Diante da similitude da decisão supra mencionada com o
presente trabalho, cumpre-nos transcrever breve trecho do voto proferido pelo ínclito
relator, o Ministro J. MARTINS:
“(...)
Conforme já mencionei, se formos instituir como base de cálculo o
montante auferido pelos notários, tabeliães e oficiais de registros, creio
que vamos esbarrar na bitributação. Vejamos.
Os atos e não serviços são essencialmente públicos e deveriam ser
praticados pelo Poder Público, mas por uma permissividade
constitucional (art. 236 da CF) são delegados a particulares.
Por ser delegada somente a pessoa natural, com determinados
requisitos legais e trazidos ao cargo através de concurso público de
provas e títulos realizado pelo Poder Judiciário, sua remuneração não
é satisfeita pelo Poder Público, mas sim, na forma de
emolumentos regrados por Lei Federal e pela Corregedoria Geral
de Justiça. Assim, o delegatário não estipula o valor a ser cobrado
pelo ato praticado, mas sim aquele pré-estabelecido pelo Estado
que delega o serviço.
Nem toda a remuneração da atividade notarial pertence ao titular
da delegação, já que parte dela é do Estado, carteiras previdenciárias e
outros encargos e contribuições instituídas por lei. O que resta é o
resultado do seu trabalho, sua remuneração, seu salário, SOBRE O
QUAL, FEITAS AS DEDUÇÕES LEGAIS, INCIDIRÁ O IMPOSTO DE
RENDA.”
(Os destaques e os grifos são nossos)
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Conclui o nobre Desembargador que: “deste modo, cobrar o
ISS desse montante é incidir outro imposto sobre a mesma base de cálculo, o que é vedado pela
Constituição Federal”.
Mais adiante, ao analisar a possibilidade da cobrança do ISS
na forma prevista no art. 9º, § 1º, do Decreto Lei nº 406/68 asseverou:
“(...)
Não podem esses profissionais ser comparados a empresas ou
equivalentes, ainda que possam contratar quantos funcionários forem
necessários para o desempenho do trabalho, estabelecendo salário e
designando funções, já que a delegação é pessoal e por ela respondem
civil e criminalmente pelos atos praticados por seus prepostos.
Considerando a natureza sui generis desta atividade, não resta dúvida
que os atos praticados no desempenho de função considerada
pública, mas em caráter privado, MANTÉM A CARACTERÍSTICA DE
PESSOALIDADE,
embora possam ser realizados por um preposto.
Poder-se-ia argumentar que os atos também são praticados por
prepostos. Contudo, estes prepostos são contratados e pagos pelos
delegatários que respondem por todos os atos praticados civil e
criminalmente, independentemente de quem os tenha feito, motivo
pelo qual o recolhimento do ISS DEVE RESPEITAR O REGIME
ESPECIAL.
(...)”
(Os destaques e os grifos são nossos)
Tal entendimento é seguido por outros julgadores do
próprio TJSP que, ao analisarem a questão também se posicionaram favoravelmente ao
afastamento da incidência do ISS sobre a totalidade das receitas percebidas pelos
oficiais:
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“Voto nº 572
Apelação Cível nº 656.934.5/0-00
15ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TJSP
Data: 01/08/08
(...)
2 – O regime instituído pelo art. 9º, do Decreto-lei nº 406/69 não
foi revogado pelo art. 10, da Lei Complementar nº 116/03. O
TABELIÃO OU OFICIAL DE REGISTRO
prestam serviço sob a forma de
trabalho pessoal e em razão da natureza do serviço TEM DIREITO AO
REGIME ESPECIAL DE RECOLHIMENTO, ALÍQUOTA FIXA, E NÃO
EM PERCENTUAL SOBRE TODA A IMPORTÂNCIA RECEBIDA
pelo
Delegado a título de remuneração de todo o serviço prestado pelo
Cartório Extrajudicial que administra – RECOLHIMENTO DO
IMPOSTO NA FORMA DO ART. 9º, § 1º, DO DECRETO-LEI Nº 406/68.
(...)”
e
“Voto nº 8751
APELAÇÃO nº 976.468.5/6-00
RECORRENTE: Juízo ex officio
APELANTES/APELADOS: Carlos Alberto de Souza Sevilhado (autor) e
Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto (ré)
DATA: 25/02/10
ISSQN – SERVIÇOS NOTARIAIS – INCIDÊNCIA – BASE DE
CÁLCULO – TRABALHO PESSOAL – ART. 9º, § 1º, DO
DECRETO-LEI Nº 406/68.
(...)
A base de cálculo do ISSQN sobre serviços notariais e registrais
públicos não deve ser o preço do serviço, art. 7º, “caput”, da Lei
Complementar nº 116/03, mas AQUELA ESTABELECIDA NA FORMA
DO ART. 9º, § 1º, DO DECRETO-LEI Nº 406/68.
(...)”
e
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“Voto nº 9030
APELAÇÃO nº 947.306.5-0
18ª Câmara de Direito Público do TJSP
DATA: 04/03/10
Apelação
–
ISS
SOBRE
SERVIÇOS
CARTORÁRIOS
E
NOTARIAIS – REGIME ESPECIAL DE RECOLHIMENTO –
Cabimento: Cumpridos os requisitos legais, possível o recolhimento
do ISS pelo regime especial previsto no art. 9º, § 1º, do Decreto
Lei 406/68. Recurso provido.”
e
“Voto nº 7977
APELAÇÃO nº 893.313.5/5-00
18ª Câmara de Direito Público do TJSP
DATA: 04/03/10
ISSQN – SERVIÇOS NOTARIAIS – INCIDÊNCIA – BASE DE
CÁLCULO – TRABALHO PESSOAL – ART. 9º, § 1º, DO
DECRETO LEI Nº 406/68 (...)
A base de cálculo do ISSQN sobre serviços notariais e de registros
públicos não deve ser o preço do serviço, art. 7º, “caput”, da Lei
Complementar nº 116/03, MAS AQUELA ESTABELECIDA NA FORMA
DO ART. 9º, § 1º, DO DECRETO-LEI Nº 406/68.”
Evidente, portanto, que o contemporâneo posicionamento
do E. TJSP se coaduna com a tese aqui rebatida, corroborando os argumentos até então
expendidos.
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IV – CONCLUSÔES
Em que pese a voracidade arrecadatória das fazendas
municipais, a tributação das atividades registrais e notariais deve observar os ditames
legais, especificamente o previsto no art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68.
Pelos motivos acima expostos vê-se que não se sustenta a
pretensão dos municípios em cobrar o ISS sobre a totalidade das receitas percebidas
pelos oficiais.
Todavia, vez que os municípios editaram leis que
expressamente buscam cobrar o ISS dos oficiais sobre a totalidade das receitas, o
afastamento de tal pretensão somente poderá ser observado através de provimento
jurisdicional específico.
Por fim, registramos que mesmo obtendo um provimento
jurisdicional favorável afastando a incidência do ISS sobre o total das receitas percebidas
pelos oficiais, a cobrança entabulada nos moldes do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68
somente poderá ser levada a termo se precedida de lei municipal, fixando expressamente
os critérios para a valoração da fixação da alíquota.
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