N.º 55/ CC /2015
DIVULGAÇÃO DE PARECER DO CONSELHO CONSULTIVO
N/Referência:
PºR.P.61/2015 STJ-CC
Data de homologação:
25-09-2015
Recorrente:
Domingos M…., advogado.
Recorrido:
Conservatória do Registo Predial de …...
Assunto:
Registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, encontrando-se o prédio
inscrito na matriz a favor de pessoa diversa do autor da herança, lavrado provisoriamente por dúvidas
com fundamento no facto de o requerimento de inscrição a favor do mesmo autor da herança não se
mostrar instruído com prova documental do cumprimento do “trato sucessivo” – Recusa da
conversão com fundamento no facto de as dúvidas não se mostrarem removidas – Impugnação da
recusa, impugnando os fundamentos da provisoriedade por dúvidas - (I)nexigência da inscrição
matricial em nome do autor da herança - (I)nexigência de prova documental do cumprimento do
“trato sucessivo”relativamente ao titular da inscrição matricial.
Palavras-chave:
Matriz – harmonização – trato sucessivo -
Relatório
1. É o seguinte o teor do despacho de que foi objeto o pedido de registo de aquisição em comum
e sem determinação de parte ou direito, efetuado na Conservatória do Registo Predial de ….. pela Ap.25.. de
2015/03/31, em relação aos prédios descritos sob os nºs 3543/20070206 e 3635/20071211 da freguesia de V….,
concelho de L…. :
«PROVISÓRIO POR DÚVIDAS
Obsta ao registo do acto, tal como é requisitado, o seguinte motivo:
Tendo falecido Manuel ….. em 1994, não sendo já exigível a prova documental do imposto de
selo com a relação dos bens herdados, deverá provar documentalmente que:
1 – O pedido de averbamento na matriz em nome dos herdeiros de Manuel ....., agora
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apresentado cumpre o “trato sucessivo” do titular ou titulares que constavam na matriz
anteriormente aos 2 actos considerados nulos judicialmente - (justificação notarial, e compra e
venda, alterado matricialmente que vais ser o nome da “Nova …….- Construções e
Empreendimentos Urbanos, S.A. que adquiriu, por compra, a A… Joaquim e mulher, que por
sua vez justificaram o imóvel em causa, actos não registados, MAS objecto de decisão judicial
de nulidade para ambos, sem na inscrição de acção estar registralmente reconhecido o imóvel
como Baldio), facto que levará à reposição dos anteriores nomes matriciais, que não devem
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ser incompatíveis, demonstrando as consecutivas transmissões até ao “de cujus” .- (arºs 68º e
70º, 31º nº 1, todos do C.R.P. e 28º nº 1 e 63º C.I.S.).»
1.1. Dos documentos matriciais constava ser titular dos rendimentos a sociedade “Nova ...... –
Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.”, tendo o pedido de registo sido instruído também com
requerimento subscrito pela mesma sociedade, no sentido de que passasse a ser titular a herança de Manuel
....., e ainda com cópia do registo central de contribuinte, relativo ao NIF da mesma herança, e com cópia de
relação de bens apresentada no serviço de finanças.
1.2. A única inscrição em vigor (que se mantém) era a da decisão judicial (provisoriamente
registada enquanto ação, entretanto convertida em definitiva) de declaração de nulidade da escritura de
justificação e de compra e venda, na qual foram justificantes e vendedores A… Joaquim e mulher, Júlia …, e
compradora a sociedade “Nova ...... – Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.”, cuja autora foi a
“Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de V…”.
2. Pela Ap. 44.., de 29 de Maio de 2015, foi pedida a conversão da inscrição anteriormente
referida - mediante apresentação de certidão do processo de imposto sucessório instaurado por óbito de Manuel
....., emitida em 19 do dito mês, e duplicado de requerimento de 28 do mesmo mês, apresentado no serviço de
finanças, para averbamento dos prédios no NIF de Manuel ..... – a qual foi recusada nos seguintes termos:
«Art.71º nº 1 C.R.P.
RECUSADO o registo de conversão da Ap.25../20150331 por remoção de dúvidas, uma vez
que estas não se mostram removidas de acordo com o explicitado no despacho, verificando-se
ter sido efectuado novo pedido ao Serviço de Finanças em 29/05/2015, dia da apresentação
deste registo, para averbar a matriz dos artigos dos prédios em causa no NIF da Herança de
Manuel ......
Ora esse pedido já tinha sido formulado em Março e só o indeferimento do mesmo levaria a
novo pedido, não se sabendo ainda se este será deferido pelo que, só após o deferimento do
mesmo se poderá proceder à conversão desta inscrição, se ainda em vigor.
- artºs 43º/1, 68º e 69º nº 1 e), ambos do C.R.P.»
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3. É do despacho de recusa anteriormente citado que vem interposto o presente recurso, cujos
termos aqui se dão por integralmente reproduzidos e cujas alegações, no essencial, se reconduzem às
seguintes conclusões
«- A lei não sujeita ao princípio do trato sucessivo a titularidade dos prédios na matriz;
- O registo não pode ser recusado, com fundamento de que o requerimento apresentado nas
finanças ainda não produziu efeitos (isto é, foi deferido ou indeferido);
- São as inscrições no registo predial que definem a situação jurídica dos prédios;
- As matrizes valem apenas para efeitos fiscais;
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- A harmonização das matrizes com o registo predial cinge-se à localização, área e artigo;
- Mostram-se cumpridas todas as obrigações fiscais decorrentes da herança aberta por óbito de
Manuel .....;
- Atento o exposto, os documentos apresentados e as disposições legais aplicáveis e o registo
requerido obedece ao princípio da legalidade;
- Não existe fundamento legal para a recusa do registo de conversão.»
4. A recorrida sustentou a recusa impugnada, em despacho cujos termos também se dão aqui
por integralmente reproduzidos, cuja fundamentação assenta essencialmente na consideração de que, com a
impugnação da decisão de recusa, o que o recorrente visa é a anterior decisão de qualificação do registo como
provisório por dúvidas, não oportunamente impugnada, “o que não lhe cabe aproveitar agora”.
Visando aclarar a fundamentação da provisoriedade por dúvidas, refere que não exigiu o
deferimento do requerimento de alteração da titularidade fiscal, mas sim a prova documental das transmissões
ocorridas (“trato sucessivo”) entre os titulares à data da justificação e compra e venda, cuja reposição se impôs
por efeito da declaração de nulidade, e o autor da herança, invocando para o efeito o disposto nos artigos 8º/4 e
130º do C.I.M.I..
Saneamento
Como vimos, a recorrida considerou no despacho de sustentação que, ao impugnar a decisão de
recusa, o que o recorrente verdadeiramente contesta é a fundamentação da qualificação do registo como
provisório por dúvidas, não oportunamente impugnada, considerando-a fora do âmbito da presente impugnação,
o que não a impediu de a procurar explicitar ou aclarar.
Ora, como tem sido defendido por este Conselho1, o facto de não se ter impugnado a
qualificação de um registo como provisório, não constitui obstáculo à reapreciação da respetiva fundamentação
em impugnação de recusa da respetiva conversão, pelo que não devemos dar-nos por impedidos de apreciar o
fundamento da qualificação do registo que se visou converter.
O processo é o próprio, as partes legítimas, o recurso tempestivo, e inexistem questões prévias
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ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito.
Pronúncia: a posição deste Conselho vai expressa na seguinte
Deliberação
1
Cfr. Pº R.P.94/99 DSJ-CT, in BRN nº 12/99 (Caderno II) e Pº R.P.116/2009 SJC-CT, disponível em www.irn.mj.p (Doutrina)
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1. No âmbito da exigência da harmonização entre a descrição predial e a inscrição
matricial prevista no art. 28º/1 e 2 do Código de Registo Predial, não cabe a concordância entre o titular
tabularmente inscrito, ou a inscrever, e o titular matricial (seja ele o proprietário, o usufrutuário ou o
superficiário), já que a mesma apenas se reporta a elementos de identificação do prédio, nuns casos
(rústicos submetidos a cadastro geométrico) quanto à localização, área a artigo e noutros (urbanos e
rústicos não submetidos a cadastro geométrico) quanto ao artigo e área2.
2 - A presunção de que a propriedade, o usufruto ou o direito de superfície pertencem
a quem como tal figure na matriz, tem efeitos meramente fiscais, nomeadamente para efeito da
responsabilidade pelo pagamento do Imposto Municipal Sobre Imóveis (art.8º 1 e 4 e 12º/5 do Código do
Imposto Municipal Sobre Imóveis), carecendo de fundamento legal, no âmbito do princípio da legalidade
( art. 68º do CRP), a exigência de prova da elisão dessa presunção3.
3 - Muito menos ainda pode constituir fundamento de qualificação desfavorável a
circunstância de o requerimento apresentado no serviço de finanças (instruído com prova de que está
ilidida aquela presunção fiscal), não se mostrar instruído com prova dos factos consubstanciadores do
“trato sucessivo” até ao “novo” titular fiscal.
2
Já no Pº 48/89 ( in Regesta nº 4/89) se produziu idêntica afirmação, embora no âmbito de norma com redação diferente da
atual, mas não abrangendo igualmente a titularidade fiscal.
A recorrida não assentou a sua qualificação desfavorável inicial (provisoriedade por dúvidas),nem a subsequente recusa de
conversão, na falta de harmonização. A exigência de harmonização está implícita, mas, não fosse o outro fundamento invocado e teria
sido dada por verificada com a apresentação do duplicado do requerimento, ainda que pendente.
Estranhamente, na fundamentação de direito foi mencionado o artigo 31º/1 do CRP, relativo à prova da inscrição matricial e da
pendência de alteração – a inscrição não estava em falta e foi apresentado pedido de alteração - e foram mencionados os artigos 28º/1
e 63º do Código de Imposto de Selo( que respeitam respetivamente à obrigação de prestar declarações e relacionar os bens e às
obrigações de fiscalização) para mais quando, em função da data do óbito, se deu por dispensada a prova de que o imposto de selo
(imposto sucessório à data do óbito) se encontrava assegurado.
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A fundamentação de facto, não suportada por qualquer disposição legal, está muito para lá da harmonização, não se bastando
a recorrida com o pedido de alteração da inscrição matricial, exigindo prova documental do cumprimento do “trato sucessivo”.
3
Também não foi, em si mesma, a existência da presunção fiscal da titularidade a favor da “Nova ...... – Construções e
Empreendimentos Urbanos, S.A.” que constituiu fundamento da qualificação desfavorável, até porque, mesmo que a recorrida tivesse
elegido essa exigência de elisão da presunção como fundamento da qualificação - “prova em contrário”( presunção iuris tantum - art.
350º/2 do Código Civil) - essa prova
estaria assegurada
com o requerimento supra mencionado, que foi “instruído” com a decisão
judicial de declaração de nulidade da compra e venda efetuada pela dita “Nova ...... – Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.”,
cuja decisão final se mostra inclusive registada.
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4. Concretamente quanto ao caso dos presentes autos, inexiste fundamento legal
para a exigência de que o requerimento apresentado no serviço de finanças para inscrição dos prédios a
favor da herança de Manuel ..... seja instruído com prova documental do cumprimento do “trato
sucessivo”, a partir dos titulares repristinados por efeito da declaração judicial de nulidade da compra
efetuada por “Nova ...... – Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.”, constante da matriz, até ao autor
da herança4.
Em face do exposto, propomos a procedência da presente impugnação.
Deliberação aprovada em sessão do Conselho Consultivo de 25 de setembro de 2015.
4
Com o pedido de registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito foi apresentado requerimento
dirigido ao serviço de finanças, subscrito pela “Nova ...... – Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.” , datado de 4 de Março de
2015 e instruído com a decisão judicial de nulidade da escritura de justificação e compra e venda, e em que simplesmente se pedia que
deixassem de estar inscritos a favor da requerente “Nova ...... – Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.”, para passarem a estar
inscritos a favor da herança de Manuel ....., por efeito daquela declaração de nulidade.
Perante a qualificação do registo como provisório por dúvidas, foi apresentado no serviço de finanças novo requerimento em
28 de Maio de 2015, agora subscrito por representante da cabeça de casal da herança de Manuel ....., no qual novamente se pede a
inscrição em nome da herança indivisa de Manuel ....., mas agora para deixar de estar inscrita em nome dos titulares repristinados por
efeito da dita declaração de nulidade, no qual se invoca que o cabeça de casal “não tem modo de alcançar” a prova exigida pela
Conservatória (titulares agora inscritos faleceram no Brasil há mais de 40 anos; a maioria dos seus herdeiros também residiu e faleceu no
Brasil; esses herdeiros partilharam verbalmente os prédios que tinham em Portugal, tendo os prédios aqui em causa ficado a pertencer a
Manuel ....., por óbito de quem foi instaurado o competente processo de imposto sucessório).
Dos elementos que constituem o presente recurso não é possível saber se houve despacho sobre o primeiro requerimento e,
tendo havido, qual o respetivo teor. A ser verdade o que consta do segundo requerimento, a inscrição matricial foi alterada, e terá deixado
de constar a “Nova ...... – Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.” , por repristinação dos anteriores, sem inscrição a favor da
herança. Este resultado tanto pode ter sido causado pelo deferimento apenas da parte do pedido em relação à qual a “Nova ...... –
Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.” tinha legitimidade, ou seja, para que deixasse de ser titular fiscal, com indeferimento,
nomeadamente por não lhe ter sido reconhecida igual legitimidade, do pedido de inscrição a favor da herança. Mas também pode ter-se
dado o caso de a repristinação ter sido oficiosa e de o requerimento se encontrar ainda pendente de decisão.
No despacho de sustentação é dado como certo que o primeiro requerimento foi indeferido e defende-se que só após o
deferimento do segundo requerimento se poderá proceder á conversão.
Ora, se o fundamento da provisoriedade por dúvidas foi a falta de prova do cumprimento do “trato sucessivo” – a partir dos
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titulares repristinados e até ao autor da herança - seria coerente admitir que a conversão pudesse ter lugar em face dessa prova, ainda
que o requerimento ainda não tivesse sido deferido, como aliás se admitiu na qualificação inicial, e não apenas em face da prova da
inscrição matricial já alterada.
Em conformidade com o que afirmámos no texto, a questão não tem razão de ser, independentemente do que se tenha
efetivamente passado, pois, logo à partida, a circunstância de os prédios se mostrarem inscritos a favor de pessoa diversa do autor da
herança (seja a “Nova ...... – Construções e Empreendimentos Urbanos, S.A.”, sejam os repristinados) não deve constituir obstáculo ao
registo definitivo.
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Luís Manuel Nunes Martins, relator.
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Esta deliberação foi homologada pelo Senhor Presidente do Conselho Diretivo, em 25.09.2015.
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