Qual o valor que os prefeitos devem repassar às câmaras?
Algumas pessoas têm me procurado sobre dúvidas quanto aos repasses feitos pelas prefeituras
às câmaras. Em regra, queixam-se que os valores transferidos pela prefeitura oscilam todos os
meses. Questionam: os repasses não deveriam ser em parcelas fixas? Refletindo sobre o tema,
apresento algumas considerações a respeito. Qualquer dúvida, favor entrar em contato
conosco no e-mail [email protected]. Também não deixe de visitar o meu blog
www.alipiofilho.blogspot.com.br.
Boa leitura!
1.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a Constituição Federal já fixa o valor
máximo das despesas dos legislativos municipais (excetuadas as despesas com inativos).
Esse teto está previsto nos incisos I a VI do art. 27-A:
I – 7% (sete por cento) para Municípios com população de até 100.000
(cem mil) habitantes;
II – 6% (seis por cento) para Municípios com população entre 100.000
(cem mil) e 300.000 (trezentos mil) habitantes;
III – 5% (cinco por cento) para Municípios com população entre 300.001
(trezentos mil e um) e 500.000 (quinhentos mil) habitantes;
IV – 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) para Municípios
com população entre 500.001 (quinhentos mil e um) e 3.000.000 (três
milhões) de habitantes;
V – 4% (quatro por cento) para Municípios com população entre
3.000.001 (três milhões e um) e 8.000.000 (oito milhões) de habitantes;
VI – 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) para Municípios com
população acima de 8.000.001 (oito milhões e um) habitantes.
Quase a totalidade dos municípios de nosso estado (Amazonas) encontra-se na faixa de
7% (inciso I). Portanto, ao elaborarem suas propostas orçamentárias, é preciso que as
câmaras de vereadores identifiquem, primeiramente, qual o percentual máximo de seus
gastos (excluídas as despesas de inativos). Conforme os incisos referidos, isso dependerá
da população da comuna.
2.
Encontrado o percentual, é preciso que os legislativos municipais identifiquem qual o
valor efetivamente arrecadado nas duas categorias de receitas orçamentárias a seguir,
no exercício de elaboração da proposta orçamentária:
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a) a receita tributária;
b) as transferências constitucionais previstas no §5º do art. 153 e nos arts. 158 e 159.
Esse procedimento está em conformidade com as exigências contidas no caput do art.
29-A da Constituição Federal:
O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios
dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá
ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita
tributária e das transferências previstas no § 5º do art. 153 e nos arts.
158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior.
Uma primeira observação que temos a fazer nessa etapa diz respeito ao fato de serem
consideradas as receitas efetivamente realizadas. Isso significa que o legislador
constitucional deseja que a base de cálculo para a aplicação do percentual referido no
tópico 1 corresponda ao valor efetivamente arrecadado pela prefeitura. Portanto, o que
interessa aqui é o valor que chegou aos cofres públicos da prefeitura, e não sua previsão.
E aqui já temos um problema.
Sabemos que todos os entes federativos possuem um calendário para a elaboração,
consolidação e aprovação dos projetos de lei orçamentária. Imaginemos, então, a
seguinte situação:
Num determinado município, a prefeitura tem até 31 de agosto de cada ano para enviar
ao legislativo a proposta orçamentária consolidada. Como a proposta da câmara deverá
compor a proposta consolidada, ela deverá enviar sua proposta para o chefe do executivo
municipal antes de 31 de agosto, em tempo razoável, a fim de que o prefeito possa
inseri-la na proposta geral. Como o teto da despesa total das câmaras (excluídos os
gastos com inativos) deverá corresponder às receitas tributária e de transferências
efetivamente
arrecadadas
até
o
final
do
exercício
de
elaboração
da
proposta
orçamentária (conforme caput do art. 29-A da CF), à época do envio de sua proposta
orçamentária, ela não disporá dessa informação. A solução será fazer uma previsão de
qual será o valor total arrecadado naquelas duas rubricas orçamentárias e, a partir daí,
aplicar o percentual referido no tópico 1 para saber qual o valor total de suas despesas
que constará em sua proposta.
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Essa solução, aliás, foi a adotada pela LDO do município de Manaus que dispôs sobre a
elaboração e execução da lei orçamentária para 2013 (Lei 1.684/2012), verbis:
Art. 10. A proposta orçamentária do Poder Legislativo será elaborada
com base no somatório da arrecadação efetiva das receitas estabelecidas
no caput do art. 29-A da Constituição Federal, até o mês de agosto, com
as suas respectivas previsões para o último quadrimestre do exercício de
2012 (...) (grifo nosso)
Ou seja, uma parte das despesas totais da câmara estará assentada numa previsão de
arrecadação, e não num valor real. Desta feita, aprovada a proposta orçamentária
(normalmente no mês de dezembro) poderão resultar 03 (três) situações:
Primeira situação: o valor total consignado na proposta da câmara (excetuado os
gastos com inativos) está correto. O cálculo feito corresponde à efetiva arrecadação das
receitas tributária e de transferências nos quatro últimos meses do exercício. O
ordenador de despesas “acertou na mosca” (situação essa que, embora difícil de ocorrer,
é possível que ocorra).
Nesta hipótese, a lei orçamentária anual (a esta altura já aprovada e publicada) não deve
sofrer alteração alguma. O prefeito deverá realizar os repasses para a câmara tomando
por base a dotação aprovada. Se transferir abaixo dessa dotação, estará sujeito a
responder por crime de responsabilidade previsto no inciso III do parágrafo segundo do
art. 29-A da Constituição Federal (os crimes de responsabilidade de prefeitos e
vereadores são regidos pelo Decreto-lei 201/67).
Segunda situação: o valor total consignado na proposta da câmara (excetuando os
gastos com inativos) é superior ao valor efetivamente arrecadado a título das receitas
tributária e de transferências. Coloquemos isso em números:
Dados da Proposta orçamentária da Câmara
• Receitas tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até a
data em que a câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de reais;
• Previsão de arrecadação das Receitas tributária e de transferências pela prefeitura
após a data em que a câmara enviar sua proposta orçamentária (até 31 de
dezembro): 60 milhões de reais;
• Base de cálculo da despesa total da câmara (exceto os gastos com inativos): 180
milhões;
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• Percentual: 7% (para municípios de até 100 mil habitantes);
• Total das despesas da câmara (exceto os gastos com inativos): 12,6 milhões (180
milhões X 7%);
• Valor mensal a ser repassado pelo prefeito à câmara: 1.050.000 (12,6 milhões/12
meses).
Dados da arrecadação em 31/Dezembro
• Receitas tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até a
data em que a câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de reais;
• Receitas tributária e de transferências efetivamente realizadas após a data em que a
câmara enviar sua proposta orçamentária (só tomado conhecimento em 31/12): 40
milhões de reais;
• Base de cálculo real: 160 milhões;
• Percentual: 7% (para municípios de até 100 mil habitantes);
• Total das despesas da câmara (exceto os gastos com inativos): 11,2 milhões (160
milhões X 7%);
• Valor mensal a ser repassado pelo prefeito à câmara: 933.333,33 (160 milhões/12
meses).
Nesta hipótese, perceba que a previsão de arrecadação das receitas tributária e de
transferências foi frustrada no último quadrimestre. Pretendia-se arrecadar 60 milhões,
mas, na verdade, foram arrecadados apenas 40 milhões. Ora, isso comprometeu o
cálculo feito pela câmara de suas despesas totais à época em que enviou sua proposta
orçamentária para a prefeitura. Ou seja, foi aprovado um total de gasto (12,6 milhões,
excetuando os inativos) superior ao real (11,2 milhões, excetuando os inativos).
Em tais casos, o prefeito deverá transferir apenas 11,2 milhões, e não 12,6 milhões. A
razão é simples: se ele efetuar repasse que supere os limites definidos nos incisos I a VI
do art. 29-A da Constituição Federal (no exemplo dado em relação ao inciso I), ele
incorrerá em crime de responsabilidade, consoante inciso I, parágrafo segundo, do art.
29-A, CF. Lembrando que nesses valores não está computada a despesa com inativos. Se
considerarmos os gastos com inativos, o valor a ser repassado será 11,2 milhões +
gastos com inativos.
Mas poderá existir alguém que questione: o inciso III do parágrafo segundo, art. 29-A,
da CF, determina que também o prefeito responderá por crime de responsabilidade caso
ele envie os repasses a menor em relação à proporção fixada na lei orçamentária. Como
sair dessa “saia justa”? Respondemos: na verdade, a “saia justa” é apenas aparente.
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A lei orçamentária deverá se adequar à regra constitucional. Havendo conflito entre
ambas, prevalece a orientação da Carta Magna. E esta é taxativa ao dizer que o total dos
gastos do legislativo municipal (excluídos os gastos com inativos) não poderá ultrapassar
os limites percentuais contidos em seu art. 29-A. Somente a despesa com inativos
poderá ir além desses limites. Nenhuma mais. Afinal de contas, a ordem expressa no
inciso III, parágrafo segundo, do art. 29-A só tem sentido se as dotações contidas na lei
orçamentária para o legislativo municipal respeitarem os limites previstos no seu caput.
Do contrário, não faria sentido impor limites e, mais adiante, desrespeitá-los.
Aliás, em minha opinião, caberá às leis de diretrizes orçamentárias regularem tais
situações, a fim de que o aparente conflito de normas não leve a discussões
intermináveis entre os poderes executivo e legislativo.
Uma disposição do tipo “na hipótese de no último quadrimestre a arrecadação nas
rubricas X e Y ocorrer abaixo da previsão correspondente ficará o prefeito municipal
desobrigado de realizar os repasses excedentes relacionados” talvez resolveria o
problema. Mas é preciso igualmente que haja norma impondo ao legislativo municipal a
necessidade
de
contingenciar
suas
dotações
orçamentárias
correspondentes.
Do
contrário, o gestor da câmara se verá no direito de empenhar toda a dotação legislativa
contida na lei de orçamento. Se essa for sua conduta, também ele poderá responder por
crime de responsabilidade “em razão de ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por
lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes” (inciso V do
Decreto-lei 201/1967).
Portanto, nem o presidente da câmara poderá ordenar despesas em sua totalidade, nem
o prefeito ficará obrigado a repassar-lhe o valor excedente.
Caso inexista disposição na LDO nesse sentido (provavelmente a maioria das LDOs não
tratam dessa lacuna) imediatamente após o encerramento do exercício, é necessário que
tanto o presidente da câmara quanto o prefeito municipal identifiquem eventuais
divergências quanto às receitas efetivamente arrecadadas a título de receitas tributária e
de transferências. Se existirem, providências deverão ser tomadas, a fim de que ambos
se previnam.
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Terceira situação: é uma situação inversa da anterior. Aqui o valor total consignado na
proposta da câmara (excetuando os gastos com inativos) é inferior ao valor efetivamente
arrecadado a título das receitas tributária e de transferências. Coloquemos isso em
números:
Dados da Proposta orçamentária da Câmara
• Receitas tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até a
data em que a câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de reais;
• Previsão de arrecadação das Receitas tributária e de transferências pela prefeitura
após a data em que a câmara enviar sua proposta orçamentária até 31 de dezembro:
60 milhões de reais;
• Base de cálculo da despesa total da câmara (exceto os gastos com inativos): 180
milhões;
• Percentual: 7% (para municípios de até 100 mil habitantes);
• Total das despesas da câmara (exceto os gastos com inativos): 12,6 milhões (180
milhões X 7%);
• Valor mensal a ser repassado pelo prefeito à câmara: 1.050.000 (12,6 milhões/12
meses).
Dados da arrecadação em 31/dezembro
• Receitas tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até a
data em que a câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de reais;
• Receitas tributária e de transferências efetivamente realizadas após a data em que a
câmara enviar sua proposta orçamentária (só tomado conhecimento em 31/12): 80
milhões de reais;
• Base de cálculo real: 200 milhões;
• Percentual: 7% (para municípios de até 100 mil habitantes);
• Total das despesas da câmara (exceto os gastos com inativos): 14 milhões (200
milhões X 7%);
• Valor mensal a ser repassado pelo prefeito à câmara: 1.166.666,67 (200 milhões/12
meses).
Nesta hipótese, o comportamento das receitas tributária e de contribuições no último
quadrimestre do exercício foi além do esperado. Com efeito, a dotação para as despesas
totais da câmara (exceto inativos) permaneceu a menor. Na LOA consta um repasse
anual de 12,6 milhões quando, na verdade, o valor total a ser transferido deverá ser de
14 milhões. A solução aqui é a autorização/abertura de um crédito adicional para a
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Câmara pela diferença, isto é, no valor de 2 milhões de reais, logo no início do exercício.
O crédito adicional autorizado/aberto bastará para adequar a LOA ao limite do inciso I do
art. 29-A.
Antes de finalizarmos, temos ainda mais três aspectos a considerar no contexto dos
repasses de valores da prefeitura à câmara:
1. os repasses deverão ocorrer até o dia vinte de cada mês (inciso II, parágrafo segundo,
art. 29-A, da CF). O prefeito responderá por crime de responsabilidade se ultrapassar
essa data-limite;
2. as despesas com inativos são as únicas que ficaram de fora do teto constitucional das
despesas dos legislativos municipais. Isso significa que os repasses correspondentes à
dotação contida na LOA deverão ser transferidos obrigatoriamente pelo prefeito. Aqui
não cabe avaliar se houve ou não arrecadação em alguma rubrica orçamentária. A
câmara tem direito ao valor correspondente, configurando crime de responsabilidade
do prefeito a não realização dos repasses respectivos;
3. os repasses realizados pelas prefeituras às câmaras devem ser uniformes, em regra.
Não há como conceber transferências de valores do tipo: em janeiro (500.000); em
fevereiro (300.000); em março (450.000), etc.
Os prefeitos devem estar cientes de que os repasses para as câmaras não devem oscilar
em razão de sua arrecadação. A conta será simples:
Total de receita arrecadada no mês: X
(-) Repasse para a Câmara: Y
= Disponibilidades financeiras à disposição da prefeitura para atender suas despesas: X –
Y
A prefeitura não deve comprometer os repasses para as câmaras alegando pura e
simplesmente que a “arrecadação caiu”. A Câmara tem autonomia orçamentária e
financeira, e o prefeito é obrigado a efetuar os repasses, independentemente de cores
partidárias.
A oscilação nas transferências de recursos é decorrente, muitas vezes, do fato de os
prefeitos não programarem convenientemente suas despesas. Se adotassem essa
conduta, certamente que honrariam os repasses.
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Se, contudo, numa situação extrema, o prefeito tiver que repassar valores à câmara de
forma oscilada, isto é, de forma irregular, o prefeito terá de compensar o valor repassado
a menor num mês com outro repassado a maior no outro (ou nos próximos), de tal
forma que, ao final do exercício, todo o valor que ele estará obrigado a repassar seja
efetivamente repassado. Do contrário, conforme pontuamos, poderá incorrer em crime
de responsabilidade.
Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE-AM
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Qual o valor que os prefeitos devem repassar às