A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E OS MEIOS QUE
GARANTAM A CELERIDADE DE SUA TRAMITAÇÃO
Mirna Cianci (*)
.
O acesso à justiça comporta significado que compreende uma gama de princípios
processuais, entre eles o devido processo legal, o contraditório e a efetividade, que,
conjugados, proporcionam ao jurisdicionado o processo justo, corolário do tema.
A razoável duração do processo, alçada a nível constitucional pela Emenda
Constitucional 45,1 não surgiu como novidade no sistema pátrio, não só porque revela-se
como resultado do principio da inafastabilidade da jurisdição na concepção que se coloca,
como também porque já encontrava previsão na Convenção Européia para Salvaguarda dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em 4.11.19502 sob a égide do
qual sobreveio o Pacto de San Juan da Costa Rica,3 incorporado ao direito pátrio pelo Decreto
678, de 6.11.1992.4
* Procuradora do Estado de São Paulo; Coordenadora e Professora da Escola Superior da PGE/SP. Mestre em
Direito Processual Civil pela PUCSP
1
Art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
2
Artigo 6.º (Direito a um processo equitativo) 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada,
equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o
qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o
fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o
acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo,
quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando
os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida
julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser
prejudicial para os interesses da justiça.
3
Art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto San José de Costa Rica: Toda pessoa tem
direito a ser ouvida com as garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, instituído por lei anterior, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra
ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.
4
O Brasil não foi signatário do Pacto de São José da Costa Rica, mas sim, aderiu à Convenção posteriormente,
pelo Decreto 678/92. A adesão de um Tratado ou Convenção é o ato posterior do Estado aderente que se
compromete a aplicar no seu ordenamento jurídico interno sem confrontá-lo, ao passo que se o Brasil fosse
signatário este assumiria a obrigação de cumprimento total e somente se eximiria do cumprimento total através
da denúncia do Tratado à Corte Internacional de Justiça, o que não ocorre na adesão, que é ato posterior e que o
Para a figuração do exato significado e alcance do tema, a doutrina tem debatido os
diversos enfoques capazes de dar suporte à efetividade do direito fundamental à celeridade
processual, em especial a responsabilidade do Estado, o princípio da cooperação entre os
sujeitos do processo e as demais garantias processuais.
Não se pode negar auto aplicabilidade ao dispositivo,5 mas será de extrema fragilidade
a exegese que resulta seja considerado, em razão do assento constitucional, verdadeira
panacéia, não só porque, se assim fosse, já o seria exigível por conta dos preceitos
constitucionais pré-existentes, como porque não se solucionam problemas estruturais do
Judiciário sob tão pálida iniciativa.
Nesse foco, a responsabilidade estatal também não se revela como resultado adequado.
A responsabilidade do Estado tanto pode ser apurada em razão do risco da atividade pública,
como em decorrência da culpa verificada no desempenho dessa atividade, por seus agentes,
conforme o caso. De acordo com MENEGALE “a responsabilidade do funcionário público é o
‘substratum’ da responsabilidade do Estado; onde de fato não houve responsabilidade direta
do funcionário, não pode haver responsabilidade indireta do Estado”.6
Em regra tem, portanto, fundamento na atitude culposa do agente, que tenha liame
com o dano verificado. HAURIOU apud JOSÉ DE AGUIAR DIAS, ao comentar a teoria do risco
administrativo, adverte que apenas excepcionalmente se deve utilizar o risco como
pressuposto necessário à responsabilidade civil, quando insuficiente a teoria da culpa e que a
evolução da culpa para o risco depende de obra legislativa e não de interpretação
jurisprudencial.7 CAIO TÁCITO acompanha esse entendimento, afirmando que o sistema que
encontra ressonância na jurisprudência brasileira é o da culpa administrativa, reservando-se o
princípio do risco aos casos excepcionais consagrados em lei.8
Em especial nos casos de omissão, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO afirma que
"o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou..", vale dizer: quando
descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra: quando se comporta ilicitamente ao abster-
Estado pode adequá-lo ao ordenamento jurídico interno, independente de denúncia no âmbito internacional. (in
http://www.uj.com.br/online/forum/ - acesso em 10.02.2008).
5
O Min. Celso de Mello, em voto proferido, afastou o cabimento do mandado de injunção para “viabilizar e
operacionalizar o princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).” Em sua decisão traz
elenco de medidas constantes de inúmeros projetos legislativos, todos visando a maior celeridade dos ritos
processuais. (STF-MI 715/DF, rel. Min. CELSO DE MELLO, 25.2.2005).
6
MENEGALE, J. Guimarães. Direito Administrativo e Ciência da Administração. Rio de Janeiro: 1937, p. 360.
7
AGUIAR DIAS, José. Responsabilidade Civil, Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, p. 606.
8
TÁCITO, Caio. Revista de Direito Administrativo, vol. 55, p. 262.
2
se".9 E ainda: " A responsabilidade por omissão supõe dolo ou culpa em suas modalidades de
negligência, imprudência ou imperícia, embora possa tratar-se de uma culpa não
individualizável na pessoa de tal ou qual funcionários, mas atribuída ao serviço estatal
genericamente",10 para concluir que " só o exame concreto dos casos ocorrentes poderá
indicar se o serviço funcionou abaixo do padrão a que estaria adstrito por lei".11
Essa doutrina tem larga aceitação e, independente do fundamento da ação, a alegação
de omissão estatal não poderá ser analisada sob o aspecto do risco, sendo defeituosa a inicial
que contenha essa causa de pedir na hipótese aqui versada. Isso porque a omissão decorre do
descumprimento de dever legal, atento à regra constitucional do artigo 5º, inciso II12 e
somente no exame do caso concreto se poderá avaliar a responsabilidade do ente público,
obviamente sob a égide da ilicitude civil.
Na verdade, tal qual o direito comum, a teoria do risco administrativo, que é aquela
decorrente da atividade extracontratual do Estado por atos de gestão, rende ensejo à
responsabilidade independente da averiguação de culpa, porque de risco exclusivamente se
trata, quando o ato lícito praticado pela Administração Pública tenha efeitos danosos sobre o
indivíduo, de caráter genérico e anormal, sendo inexigível da parte o sacrifício a ela imposto,
em benefício da coletividade.
O saudoso Mestre HELY LOPES MEIRELLES abordou o tema afirmando que, na
avaliação do risco administrativo, não se cogita da culpa da Administração, bastando que a
vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público.
Ensina que tal teoria baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e
na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade, impondo-lhes ônus não
suportado pelos demais, concorrendo, portanto, todos os demais administrados para a
reparação, sendo o risco e a solidariedade social os suportes dessa doutrina.13
ELCIO TRUJILLO, autor de obra exclusivamente dedicada ao assunto, coloca como
pressuposto da indenizabilidade decorrente da atividade lícita do Estado, “o ato lícito que
venha a causar um prejuízo especial e anormal, isto é, ato impositivo de sacrifício e não,
9
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos
Administrativos. Revista dos Tribunais, Volume 552. São Paulo: RT, p. 11.
10
Op. cit., p. 13.
11
Op.cit., p. 15.
12
Artigo 5º, inciso II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
13
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Malheiros Editores, 22ª ed., p.
563.
3
simplesmente, restritivo de direito”.14 Ainda assim, o ato deverá ter natureza administrativa e
revela-se em razão do risco imposto pela atividade pública.
Disso resulta que a licitude que rende ensejo à responsabilidade objetiva, resultante do
risco da atividade administrativa não se coaduna com a responsabilidade por conduta
omissiva, que pressupõe culpa (rectius ilícito). JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, em obra
antiga, dedicada à discussão do tema da responsabilidade do Estado por ato lícito à luz do
ordenamento da época, considera que a necessidade de apuração de culpa na conduta do
agente estatal tem como pressuposto a aplicação do direito privado e que a teoria do risco
administrativo somente se verifica na seara da atividade lícita do Poder Público.15
O mesmo Autor afirma que a Administração Pública não poderia ser responsável
independentemente da averiguação de culpa, em qualquer hipótese, a menos que se considere
– hipótese inaceitável – a máquina estatal e todas as suas ramificações, como
excepcionalmente perigosa, tornando indenizáveis situações que não se enquadram como
típicas de risco ou de perigo.16
Nesse espectro, diante do vago conceito de “razoável duração”, ficaria difícil, senão
impossível, localizar o ilícito de modo concreto a ponto de erigi-lo a um dever legal cuja
omissão no cumprimento poderia deflagrar o direito reparatório. Melhor exemplificando: O
que seria prazo razoável? Dois anos; três anos; três anos e um dia?17 Enfim, não seria viável
imputar ao Estado a responsabilidade casuisticamente, sem critério técnico.18
14
TRUJILLO, Élcio. Responsabilidade do Estado por Ato Lícito. LED, 1996, p. 101.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos. Coimbra:
Livraria Almedina – LAEL, p. 90.
16
Op. cit., p. 96.
17
Samuel Miranda Arruda em alentada tese bem observa que “não há como identificar tempo razoável com um
ano e meio, cinco anos e meio, quatro anos, sem que essa fixação seja reputada de discricionariedade abusiva”.
(ARRUDA, Samuel Miranda. O Direito Fundamental à Razoável Duração do Processo. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006, p. 289)
18
Amaro Cavalcanti, em obra específica, afirma que "quando se tratar de um dever geral de prestar certos
serviços, ou de tomar as medidas convenientes acerca de certos ramos da administração, digamos, relativamente
à saúde pública, à segurança das pessoas ou da propriedade, à conservação necessária de vias públicas, e coisas
semelhantes - e da sua omissão, por inadvertência ou simples negligência da respectiva autoridade ou
funcionário resultar um dano, nem por isso somente se deverá logo concluir que ao Estado resulta uma obrigação
de indenizá-lo. Seria tolher por demais a Administração Pública na liberdade de ação que institucionalmente lhe
compete; sendo, neste ponto, de manifesta procedência a ponderação feita por LOENING, de que o indivíduo
não tem o direito de ação contra o Estado (keinen Rechstsanspruch an den Staat), para obrigá-lo a cumprir seus
fins próprios, ou para que as leis e regulamentos, promulgados no interesse geral do Estado, sejam desde logo
executados." (CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade Civil do Estado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956,
atualizada por José de Aguiar Dias, p. 399).
15
4
A doutrina desde logo revelou preocupação com a elasticidade do conceito,
mencionando UADI LAMÊGO BULOS19 a propósito, que “o problema está em saber o que
significa “razoável duração do processo”, bem como quais os meios para assegurar a rapidez
de seu trâmite. Oxalá o legislador logre o êxito em esclarecer tal ponto”.
Ainda, não será demais vislumbrar, o direito indenizatório, mero paliativo, em
absolutamente nada soluciona a demora da máquina estatal, apenas transfere aos próprios
jurisdicionados20 a “punição” que, de resto, deverá submeter-se aos mesmos trâmites do
mesmo Judiciário para satisfazer o prejuízo do lesado.
Ademais disso, incumbe às partes provocar a atuação jurisdicional, evitando delongas
e demoras injustificadas, e disso exsurge o princípio da cooperação entre os sujeitos do
processo, dispondo as partes de meios hábeis a coibir as condutas meramente
procrastinatórias, que revelam temeridade sujeita à reparação e punições legais.
Portanto, não só ao juiz cabe velar pela rápida solução do litígio (CPC,art. 125,I) como
também aos jurisdicionados incumbe a fiscalização e requerimento de imediatas providências,
como se verifica, por exemplo, no diploma processual, (CPC, art. 133) , de acordo com o qual
“Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de suas funções, proceder
com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva
ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as
hipóteses previstas no n. II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao
juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias”
(g.n.).
São, portanto, taxativas as hipóteses de responsabilidade estatal, decorrentes da
atuação judicial, nos moldes legais, sendo descabido perquirir acerca do tema à margem desse
elenco.
Socorrem a parte institutos presentes no ordenamento processual civil. Sendo, e.g.,
caso de urgente fruição, cabível será o pleito de antecipação de tutela (CPC, art. 273), hábil a
impedir o perecimento do direito. O Superior Tribunal de Justiça bem delineou o tema ao
trazer como suposição que “a tutela de urgência pressupõe a impossibilidade de
19
BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva 2007, p. 397, p. 397.
O E.Superior Tribunal de Justiça, a respeito de ação indenizatória por morte de detento, decidiu que “O Estado
não é um ente inanimado. Anima-o, move-o o povo, os que labutam, os que trabalham. Os ressarcimentos que
ele paga decorrem da produção dos trabalhadores, de qualquer seara, mas trabalhadores”. STJ-REsp 285.684-SP
– Relator Min. Milton Luiz Pereira – DJU 17mai02. Exatamente no mesmo sentido: TJSP – AC 258.177-1/8, de
16.09.96
20
5
cumprimento de liturgias que posterguem a prestação jurisdicional, sendo essa a ratio
aferível na gênese do novel instituto”.21
De fato, o instituto da antecipação de tutela inaugurou um novo capítulo na história do
direito pátrio, fazendo vigorar de modo efetivo a prestação jurisdicional, diante da
possibilidade de perecimento e da volatividade do direito subjetivo, capaz de, por si, dar real
significado à solução do tempo no processo, naquilo que seja cabível ou suficiente a aplicação
desse recurso, sem prejuízo da utilização das medidas cautelares, tendentes à segurança do
direito posto em juízo.
Em seguida, com a institucionalização das astreintes e a ampliação dos poderes de
atuação oficiosa do juiz, bem como a possibilidade da utilização de técnicas processuais
adequadas para a consecução do fim perseguido, foi o demandante municiado de meios
eficazes a fazer valer o cumprimento das determinações judiciais, que abreviam a atuação do
direito e tornam suportável a espera do trâmite processual.22
A par disso, dispõem as partes do sistema recursal que comporta também nessa sede, a
antecipação de tutela ou a suspensividade, inclusive de efeito ativo, conforme o caso,
ferramentas também disponíveis e acessíveis a quem demonstre, desde logo, a
verossimilhança do direito.
A atuação irresponsável da parte que venha a provocar o empecimento do processo em
qualquer de suas fases também pode ser contida pela cominação de penalidades resultantes do
reconhecimento da temeridade processual, cada vez mais específicas, ora previstas para a
atuação genérica, ora previstas em sede recursal ou de execução e a sua imposição traduz
exatamente o atendimento, por meio do devido processo legal, do fim colimado, de
abreviação do tempo de duração do processo.
21
REsp 834.678/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26.06.2007, DJ 23.08.2007 p.
216. Marinoni acompanha esse entendimento, destacando que “o procedimento ordinário, como é intuitivo, não é
adequado à tutela de todas as situações de direito substancial e, portanto, a sua universalização é algo impossível.
Aliás, ao que hoje se assiste nos sistemas do direito romano-canônico é uma verdadeira demonstração de
superação do procedimento ordinário, tendo a tutela urgente se transformado em técnica de sumarização e, em
última análise, em remédio contra a ineficiência deste procedimento” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela
Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença. 2ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 24).
22
Kazuo Watanabe destaca a respeito que “particularmente no artigo 461, para a tutela específica da obrigação
de fazer ou não fazer ou para a obtenção do resultado prático correspondente, valeu-se o legislador da técnica
de combinação de todos eles para conceber um processo que realmente propiciasse uma tutela efetiva,
adequada e tempestiva, como determina o princípio constitucional da proteção judiciária”. (WATANABE,
Kazuo. Da cognição no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Central de Publicações Jurídicas: Centro Brasileiro de
Estudos e Pesquisas Judiciais, p. 48).
6
DINAMARCO23 bem demonstra a intenção do legislador, ao veicular através da EC-45
não só o direito à razoável duração do processo, como outras medidas capazes de reduzir os
trâmites processuais. Afirma o Autor que:
“(...) os reformadores estiveram conscientes de que a maior debilidade do Poder
Judiciário brasileiro em sua realidade atual reside em sua inaptidão a oferecer uma
justiça em tempo razoável, sendo sumamente injusta e antidemocrática a outorga de
decisões tardias, depois de angustiosas esperas e quando, em muitos casos, sua
utilidade já se encontra reduzida ou mesmo neutralizada por inteiro. De nada tem
valido a Convenção Americana de Direitos Humanos, em vigor neste país desde 1978,
incorporada que foi à ordem jurídica brasileira em 1992 (dec. n. 678, de 6.11.92); e foi
talvez por isso que agora a Constituição quis, ela própria, reiterar essa promessa mal
cumprida, fazendo-o em primeiro lugar ao estabelecer que “a todos, no âmbito judicial
e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º., inc. LXXVIII, red. EC n. 45, de
8.12.04). E, passando da palavra à ação, a emenda n. 45 trouxe também três
disposições de caráter eminentemente pragmático e destinadas a acelerar, que são: (a)
a que suprime férias coletivas em todas as Justiças e em todos seus graus jurisdicionais
e (b) a que consagra em nível constitucional o automatismo judiciário e (c) a que
determina a distribuição imediata em todos os juízos e tribunais”. Acrescente-se ao rol
a criação das súmulas vinculantes, tentativa do legislador de uniformizar a conduta
jurisdicional como modo de agilizar a atividade do Judiciário, exterminando initio litis
as pretensões a respeito das quais já se tenha pronunciado desfavoravelmente a
Suprema Corte.
Prazo razoável e celeridade não são sinônimos, posto que a razoabilidade pode assumir
diferentes feições de acordo com a necessidade instrutória de cada processo e suas
circunstâncias particulares; e o processo dispõe de técnicas avançadas e hábeis, em sua
moderna versão instrumental. Claro está que o processo de conhecimento, porque visa à
definição do direito, requer atos e ritos distintos daqueles exigidos para a execução, onde se
cuida da realização coativa do direito declarado, assim como em relação ao processo cautelar,
23
DINAMARCO, Cândido Rangel. O Processo Civil na Reforma Constitucional do Poder Judiciário.
Disponível em http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivoID_48.pdf, acesso em 10.02.2008.
7
que busca a segurança do interesse em lide. Há adequação teleológica também quando o
procedimento é adaptado aos valores preponderantes em cada caso.24
Portanto, respeitados os princípios que norteiam o direito processual, mais
especificamente o devido processo legal, atendido estará o preceito, posto que o conceito
fluido que resulta do termo “razoável” melhor se coaduna com a sua adaptação ao
cumprimento exato dos ritos processuais, sem dilações desnecessárias ou imprestáveis,25
revelando-se mais que o acesso à justiça, o acesso ao processo justo, resultado do qual às
partes serão assegurados todos os meios de atuação previstos no ordenamento jurídico, hábeis
à consecução do direito e ao amplo exercício da defesa, mantido o equilíbrio processual.26
Na prática, o tema tem sido aplicado de forma bastante moderada e, em regra, à luz
das normas processuais. Ilustra o asserto a conduta do Superior Tribunal de Justiça, que
proferiu interessante decisão onde afastou a forma em favor da celeridade, verificada a
ausência de prejuízo:
AUTORIDADE
COATORA
-
INDICAÇÃO
ERRÔNEA
PRECEDENTES
AFASTADOS NA ESPÉCIE - PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - PRAZO
RAZOÁVEL - DIRETO FUNDAMENTAL O Magistrado deve velar pela rápida
solução do litígio e buscar suprir entraves que contribuem para a morosidade
processual e inviabilizam a prestação jurisdicional em prazo razoável.
Na hipótese dos autos, em que houve indicação da Autoridade Coatora pelo
Magistrado, o mandado de segurança não deve ser extinto sem julgamento do mérito.
24
Abordagem interessante do tema, por Fredie Didier Jr. (Sobre dois importantes (e esquecidos) princípios do
processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Site: www.jusnavigandi.com.br), “Três são,
basicamente, os critérios objetivos de que se vale o legislador para adequar a tutela jurisdicional pelo
procedimento: um, a natureza do direito material, cuja importância e relevância impõem uma modalidade de
tutela mais efetiva; o segundo, a forma como se apresenta o direito material no processo; o terceiro, a situação
processual da urgência. São exemplos do primeiro critério as possessórias, os alimentos, a busca e apreensão em
alienação fiduciária, a liminar em ação civil pública etc. Do segundo critério, exsurgem o mandado de segurança,
ação monitória e a tutela antecipada genérica do art. 273, CPC, recentemente implementada no direito brasileiro.
São exemplos de tutela de urgência os procedimentos especiais de alimentos, mandado de segurança preventivo
etc. Imaginar, por exemplo, que o procedimento ordinário seria capaz de resolver os ingentes problemas da tutela
dos direitos difusos é, no mínimo, demonstração de ingenuidade. O nosso código foi concebido para a tutela de
direitos individuais ("Tício versus Caio", segundo expressão de Mancuso) e patrimoniais, tendo pouca utilidade
para a tutela de direitos personalíssimos ou coletivos. Não por outro motivo que pulularam – e pululam –
procedimentos especiais e alterações no rito comum, de modo a que melhor se declarem e efetivem estes
direitos, antigamente órfãos da tutela adequada.
25
O Supremo Tribunal Federal decidiu a respeito que “o julgamento sem dilações indevidas constitui projeção
do princípio do devido processo legal” (RTJ 187/933, rel. Min. Celso de Mello).
26
Por óbvio que o monopólio da jurisdição gera ao jurisdicionado o direito de servir-se do processo e, como na
lição de Chiovenda, “a necessidade de servir-se do processo para obter razão não deve se reverter em dano para
quem não pode ter o seu direito satisfeito senão mediante o processo” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de
Direito Processual Civil, v. I. Trad. da 2ª ed. por Paolo Capitanio, Bookseler, 1998, p. 199).
8
Os precedentes judiciais que, de forma reiterada, afirmam ser defeso ao juiz modificar
a indicação da Autoridade Coatora, devem ter, na espécie, a aplicação afastada, sob
pena de a prestação jurisdicional se fazer em desrespeito ao direito fundamental
inserto no inc. LXXVII, do art. 5º, da Constituição da República.27
Essa conduta resulta, não isoladamente do direito à razoável duração do processo, mas
da aplicação do princípio da proteção28 , de há muito admitido em nosso ordenamento e
fartamente utilizado, resultado da correta interpretação do artigo 244 do diploma processual
civil. OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA afirma que essa regra (CPC, art. 244) aplica-se inclusive
às nulidades absolutas, pois o contrário somente se poderia concluir através de interpretação
contrario sensu do dispositivo, o que considera inaceitável.29 HUMBERTO THEODORO JUNIOR
também a respeito admite que “as nulidades, mesmo que absolutas, não escapam à incidência
dos princípios da finalidade e do prejuízo”.30 TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER,31 em célebre
monografia, afirma também que “parece-nos não ser exagero dizer que o sistema das
27
MS 9.526/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 09.08.2006, DJ 12.03.2007 p. 197.
28
Adoção - Deferimento aos requerentes com conseqüente extinção do pátrio poder da genitora biológica Recurso da requerida - Busca a improcedência da inicial. O pedido inicial foi formulado diretamente pelos
requerentes, que não possuem capacidade postulatória – Posteriormente, foi-lhes nomeado procurador, que
ratificou os termos da inicial – Inexistência de prejuízo para a requerida, em vista, inclusive, dos termos da
contestação, ou seja, houve observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa – Princípio da
instrumentalidade das formas – Ausência de prejuízo e princípio da proteção integral afastam a possibilidade de
pronunciamento de nulidade.
Mérito – A pretensão da requerida não merece acolhida – Provas de ordem oral e técnica indicam a procedência
da inicial como a solução que atende aos interesses da menor – Abandono material e moral caracterizado –
Acompanhamento e orientação da genitora não apresentaram resultados positivos – Demonstrada a inexistência
de vínculos afetivos entre a recorrente e a adotanda – Presentes os pressupostos ao deferimento da adoção –
Medida atende aos superiores interesses da criança – apelo improvido. (APELAÇÃO CÍVEL n. 77.007.0/0-00,
da Comarca de LARANJAL PAULISTA - Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - 28
de maio de 2001 - NUEVO CAMPOS - Relator (g.n.).
29
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: RT, 3ª ed., p. 235).
30
THEODORO Jr., Humberto. Processo de Conhecimento, 1981, p. 363. O Superior Tribunal de Justiça, em
fundamentada decisão, também admite a convalidação das nulidades absolutas, em razão do princípio do
prejuízo e da finalidade:PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DO REVISOR NO
JULGAMENTO DA APELAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE
DAS FORMAS. 1. O defeito de forma só deve acarretar a anulação do ato processual impassível de ser
aproveitado (art. 250 do CPC) e que, em princípio, cause prejuízo à defesa dos interesses das partes ou sacrifique
os fins de justiça do processo. Consagração da máxima pas des nullité sans grief. 2. Deveras, informado que é o
sistema processual pelo princípio da instrumentalidade das formas, somente a inutilidade que sacrifica os fins de
justiça do processo deve ser declarada. 3. A doutrina e os tribunais, todavia, com todo acerto, desconsideram a
aparente ressalva contida nas palavras sem cominação de nulidade, entendendo que, mesmo quando absoluta a
nulidade e ainda quando esteja cominada pela lei, a radicalização das exigências formais seria tão irracional e
contraproducente quanto em caso de nulidade relativa” (Cândido Rangel Dinamarco. In: “Instituições de Direito
Processual Civil” v. II, 2002, Malheiros, p. 600-601). 4. As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem
ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC.
Teoria do fato consumado.Precedentes da Corte. 5. O estudante que, por força de decisão liminar, matriculou-se
em instituição de ensino, e já concluiu o curso, tem o seu direito consolidado pelo decurso do tempo. Teoria do
fato consumado.6. Recurso parcialmente provido para reconhecer a aplicação do art. 462, do CPC (REsp
532577/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04.11.2003, DJ 24.11.2003, p. 227).
31
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo: RT, 4ª ed, p. 196.
9
nulidades processuais no direito brasileiro gira em torno da lei e, fundamentalmente, do
princípio do prejuízo, visto especialmente sob este aspecto de cerceamento de defesa”.
Verifica-se com essa abordagem que o direito processual dispõe de instrumentos
capazes de abreviar o tempo no processo, rejeitando idas e vindas desde que preservada a
plena atuação do contraditório e do devido processo legal, o que, muito antes da “novidade” ,
já tinha vinha sendo operacionalizado, além de constantemente buscado nas sucessivas
reformas.32
Equivocada, todavia, revelou-se a conduta do Judiciário na solução de lide onde foi
concedido o direito à celeridade em razão única e exclusiva da demora na solução
administrativa, sem perquirição dos requisitos legais necessários. Foi como decidiu o Superior
Tribunal de Justiça, em aresto que tomou a seguinte ementa:
MANDADO
DE
SEGURANÇA.
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO.
REQUERIMENTO DE ANISTIA. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO.
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.
1. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da
eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir
que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento
administrativo.
2. A despeito do grande número de pedidos feitos ao Ministro da Justiça e dos
membros da Comissão de Anistia, seu órgão de assessoramento, serem pro bono,
aqueles que se consideram atingidos no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de
outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, não podem ficar aguardando,
indefinidamente, a apreciação do seu pedido, sem expectativa de solução num prazo
razoável.
3. Ordem concedida.33
32
Em determinada oportunidade, o Ministro Celso de Mello, relator em mandado de injunção anotou em seu
voto que “já existem em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos
legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional (CPC, art. 133,II e art. 198; LOMAN, art. 35,II, III e VI, art.
39, art. 44 e art. 49,II, v.g.) de modo a neutralizar, por parte dos magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos
ou dilações indevidas na resolução dos litígios. Não custa destacar, neste ponto, considerada a perspectiva ora
em análise, a indiscutível importância que assume o reconhecimento, em favor dos cidadãos, do direito de ver
julgados, em prazo razoável, sem demora excessiva ou dilações indevidas, os litígios submetidos à apreciação do
Poder Judiciário”STF, MI 715/DF, Rel. Min. Celso de Mello, 25.02.2005.
33
MS 10.792/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10.05.2006,
DJ 21.08.2006, p. 228.
10
Por óbvio que, presentes os pressupostos à concessão da perseguida anistia, teria o
demandante direito à sua imediata obtenção, porque não se admite, pena de negar vigência a
dispositivo constitucional que outorga o acesso incondicionado à justiça, seja exigido o
esgotamento da via administrativa, de sorte que o fundamento da decisão poderia – e deveria
– ter sido única e exclusivamente a presença dos requisitos legais e não a demora na solução
administrativa, revelando-se inadequada a base da decisão. A propósito, melhor decidiu o
Tribunal Regional Federal, na voz da Relatora, ao decidir que “a mora administrativa não
autoriza, por si só, o exercício pelo Poder Judiciário, de funções atribuídas à Administração
Pública”, advertindo quanto o risco de ferimento a outro princípio, o da separação de
Poderes.34
O mesmo comedimento não se verifica na seara criminal, onde a supremacia do direito
à liberdade e a previsão legal expressa do tempo plausível (ainda que não peremptório) para o
encerramento da instrução processual dão medida ao termo “razoável” que perde a fluidez que
se verifica em outras áreas, impedindo análise subjetiva.
Sob esse pálio, o Superior Tribunal de Justiça tem concedido ordem de habeas corpus
com freqüência, ao argumento de que “a garantia da razoável duração do processo alcança o
julgamento em caráter definitivo da causa, impondo-se, para a caracterização de sua violação,
a análise da adequação, necessidade e proporcionalidade da restrição da liberdade”.35
Mas não será a existência de prazo na legislação infraconstitucional a regra capaz de
conferir executoriedade ao direito fundamental ao tempo no processo. SAMUEL MIRANDA
34
AI 2005.02.01.008154-3, DJ de 2.12.2005, Rel. Des. Vera Lúcia Lima.
HC 81.996/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
29.11.2007, DJ 17.12.2007, p. 349. Ainda a propósito: HABEAS CORPUS. ROUBO. SIMULAÇÃO DE
ARMA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA.EXCESSO DE PRAZO CONFIGURADO (7 MESES).
AUSÊNCIA DE COMPLEXIDADE DO FEITO. PROCESSO AGUARDANDO DILIGÊNCIAS PARA
LOCALIZAÇÃO DO ENDEREÇO DAS VÍTIMAS. MODUS OPERANDI QUE NÃO JUSTIFICA, NA
HIPÓTESE, A PRISÃO CAUTELAR. INEXISTÊNCIA DE PERIGO CONCRETO À INTEGRIDADE FÍSICA
DOS OFENDIDOS. PACIENTE RECONHECIDAMENTE PRIMÁRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A
concessão de Habeas Corpus em razão da configuração de excesso de prazo é medida de todo excepcional,
somente admitida nos casos em que a dilação (1) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela
acusação; (2) resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao princípio da razoável duração do
processo, previsto no art. 5o., LXXVIII da Constituição Federal; ou (3) implique ofensa ao princípio da
razoabilidade. 2. O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve ser entendido
como prazo peremptório, visto que subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que
sua superação não implica necessariamente em constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um
juízo de razoabilidade; entretanto, na hipótese, a simplicidade do feito, que tem apenas um acusado, a
desnecessidade de expedição de cartas precatórias, bem como a paralisação do processo apenas em razão de
diligências do Juízo para a localização do endereço das vítimas, único obstáculo erigido para o alongamento da
instrução criminal, implica ofensa ao art. 5º, LXXVIII da CF/88 e ao princípio da razoabilidade. 3. omissis.(HC
90.847/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 28.11.2007, DJ
17.12.2007, p. 282).
35
11
ARRUDA36 bem observa que “pode haver lesão à lei sem lesão à Constituição e lesão
constitucional sem que tenha sido ultrapassado o prazo legal”, isso porque o critério do devido
processo legal, que norteia a análise da razoabilidade, pode alargar ou diminuir os ritos,
sempre à vista da adequação do instrumento ao direito material subjacente, tarefa não
necessariamente decorrente dos termos legais, ou como ensina CARNELUTTI:37 “Se a justiça é
segura, não é rápida; se é rápida, não é segura”.
Portanto, melhor enfoque resulta da análise sistemática, capaz de dar razoabilidade à
sua aplicação e, ao mesmo tempo, proporcionar a exegese abrangente do instituto,
compreendido não como um direito isolado, mas resultado de toda a atuação constitucional no
terreno do processo.
CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA38 a respeito bem destacou que:
“(...) o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública
indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser
compreendido como mera técnica, mas, sim, como instrumento para a realização de
valores e especialmente valores constitucionais, impõe-se considerá-lo como direito
constitucional aplicado. Nos dias atuais, cresce em significado a importância dessa
concepção, se atentarmos para a íntima conexidade entre a jurisdição e o instrumento
processual na aplicação e proteção dos direitos e garantias assegurados na
Constituição. Aqui não se trata mais, bem entendido, de apenas conformar o processo
às normas constitucionais, mas de empregá-las no próprio exercício da função
jurisdicional, com reflexo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão
judicial e na maneira como o processo é por ele conduzido”, revelando a preocupação
com a leitura constitucional do processo, que tem pautado as recentes reformas.
Nessa linha, são critérios capazes de dar molde à razoável duração do processo (i) a
complexidade e natureza da causa e dos interesses envolvidos, que serão a medida da
instrução e do devido processo legal; (ii) a atuação das partes, que deverá ser exigente e
responsável na condução do processo, com a utilização de todos os meios disponíveis a dar
efetividade ao direito imediato e (iii) da jurisdição, onde dispõe Estado-juiz de meios cada vez
36
Op. cit., p. 290.
Dirito e Processo. Nápoli: Morano, 1958, p. 154.
38
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista
de Processo n. 113. SP-jan-fev 2004 – São Paulo: RT, p. 10
37
12
mais ampliados de dar efetividade às decisões judiciais e de punir as condutas
procrastinatórias.39
Em célebre monografia, CAPELLETTI e GARTH40 que tratam do acesso à justiça,
mencionam que a falta de atendimento da justiça num prazo “razoável” traduz uma justiça
inacessível. A lição não pode ser entendida de modo isolado e vem ocupando o estudo do
processo civil, revelando-se as recentes reformas como desdobramento da denominada
“terceira onda” que rende ensejo a um novo “enfoque”, melhor abrangido na leitura
proporcional dos ditames constitucionais.
Não por outro motivo, o texto magno expressamente alia “a razoável duração do
processo” aos “meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, de modo que o alcance
da garantia será resultado da conjugação da tempestividade e do consagrado due process of
law e não de um determinado tempo que seja aquilatado em um juízo aleatório e subjetivo,
sem parâmetro legal.
UADI LAMMÊGO BULOS41 menciona que “como se pode vislumbrar, o art. 5º.,
LXXVIII não consagra simples recomendação, sem maior vigor ou valimento, porque é uma
“norma jurídica”, ou, como diria Hans Kelsen, uma norma jurídica não autônoma. Mas,
como qualquer outra norma, é um ato de vontade, emanada do poder competente. Trata-se de
uma norma superior, dotada de um mínimo de eficácia (mera possibilidade de a norma poder
ser, ao mesmo tempo, aplicada, ou não, obedecida, ou não)”.
A virtude da ascensão constitucional do tema, que não tem a cor da novidade, reside
mais na inspiração que trouxe às reformas do processo, todas visando a efetividade e a
aceleração de ritos, como por exemplo a adoção do sincretismo processual; a simplificação da
atuação da fase executiva, com a adoção da não-suspensividade como regra e assim por
diante, além das demais iniciativas legislativas que se encontram em andamento, considerado
que o preceito já se encontrava implicitamente abrangido pela garantia de acesso ao
Judiciário.
Portanto, ao invocar o direito fundamental à “razoável duração do processo”, deverá o
jurisdicionado utilizar-se dos meios disponíveis e aptos a dar efetividade à aceleração de ritos
39
Freqüentemente tem sido aplicada a multa a que se refere o parágrafo 2º do artigo 557 do CPC, ao recorrente
que pretenda veicular pretensão manifestamente improcedente, com intuito evidentemente procrastinatório,
contra decisão emitida pelo juízo singular, decorrência da ampliação dos poderes do relator.
40
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988.
41
BULOS, Uadi Lammêgo. Razoável Duração do Processo. In: www.saraivajur.com.br, acesso em 10.2.2008 –
g.n.
13
e à obediência das formas indispensáveis, sendo essa a ferramenta apta à aplicação da nova
regra constitucional , sob o molde do due process of law. LUIZ RODRIGUES WAMBIER42 reforça
esse argumento ao mencionar que:
“(...) a verdade por todos admitida é que o reconhecimento de direitos, tidos como
fundamentais, no plano constitucional, cairia no vazio se a seu lado não houvesse,
também, a previsão de um conjunto de instrumentos eficazes para a sua própria e
efetiva realização, ou seja, é preciso que ao lado do reconhecimento dos direitos
prevejam-se também os mecanismos para que eventual desrespeito seja afastado e
esses direitos “existam” na vida da sociedade, não apenas formalmente”.
Em conclusão, pode-se dar colorido cético ao retrato aqui figurado, posto que não
traduz nenhuma solução mágica como a sugerida por quem empreste ao texto constitucional
exegese revolucionária, mas não se trata de concluir pela inoperância do direito erigido a
garantia constitucional, mas dar-lhe ares de realidade, revelando as vertentes de sua
operacionalização, hábeis a colocar em equilíbrio a efetividade e a garantia da observância do
devido processo legal.
No mais, cabe à administração do Judiciário a árdua tarefa de localizar as causas
internas de enredo das demandas judiciais, eliminar as etapas “mortas” do processo, enfim,
modernizar o aparelho, pois não há na seara do Legislativo aptidão para, pelo meio normativo,
ainda que com autoridade constitucional, reduzir o tempo no processo ou o volume de
demandas que hoje atulham os escaninhos. MURITIBA,43 muito oportuno anota que “a
sociedade pós-moderna exige resultados rápidos. O próprio direito subjetivo é um fenômeno
efêmero, capaz de perder a sua significância se a tutela jurisdicional for postergada”.
CONCLUSÕES
1) A razoável duração do processo, alçada a nível constitucional pela Emenda
Constitucional 45, não surgiu como novidade no sistema pátrio, não só porque revelase como resultado do principio da inafastabilidade da jurisdição na concepção que se
coloca, como também porque já encontrava previsão na Convenção Européia para
42
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A efetividade do processo e a nova regra do art. 14 do CPC. In: CALMON,
Eliana & BULOS, Uadi Lammêgo, Direito Processual – Inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, p. 357.
43
MURITIBA, Sérgio. Ação Executiva Lato Sensu e Mandamental. São Paulo: RT, 2005, p. 106.
14
Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em
4.11.1950 sob a égide do qual sobreveio o Pacto de San Juan da Costa Rica,
incorporado ao direito pátrio pelo Decreto 678, de 6.11.1992;
2) Respeitados os princípios que norteiam o direito processual, mais especificamente o
devido processo legal, atendido estará o preceito, posto que o conceito fluido que
resulta do termo “razoável” melhor se coaduna com a sua adaptação ao cumprimento
exato dos ritos processuais, sem dilações desnecessárias ou imprestáveis, revelando-se
mais que o acesso à justiça, o acesso ao processo justo, resultado do qual às partes
serão assegurados todos os meios de atuação previstos no ordenamento jurídico,
hábeis à consecução do direito e ao amplo exercício da defesa, mantido o equilíbrio
processual.
3) “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º., inc.
LXXVIII). PRAZO RAZOÁVEL, na melhor exegese do dispositivo, significa a
disponibilidade, ao jurisdicionado, de todos os meios previstos em nosso
ordenamento, hábeis à prestação jurisdicional tempestiva. E o próprio ordenamento
jurídico contempla ferramentas capazes de fazer valer tais instrumentos.
4) O conceito de razoável duração do processo tem portanto esse sentido instrumental e
não alberga a responsabilidade do Estado. A licitude que rende ensejo à
responsabilidade objetiva do Estado, resultante do risco da atividade administrativa
não se coaduna com a responsabilidade por conduta omissiva, que pressupõe culpa
(rectius ilícito). Nesse espectro, diante do vago conceito de “razoável duração”, ficaria
difícil, senão impossível, localizar o ilícito de modo concreto a ponto de erigi-lo a um
dever legal cuja omissão no cumprimento poderia deflagrar o direito reparatório contra
o Estado, no caso de ofensa ao princípio da razoável duração do processo. São
taxativas as hipóteses de responsabilidade estatal, decorrentes da atuação judicial, nos
moldes legais, sendo descabido perquirir acerca do tema à margem desse elenco.
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