Aula 17: Dinâmica de Sistemas Mecânicos: Variáveis Generalizadas: Sistema
Holonômico Generalizado: Velocidades, Forças e Quantidades de
Movimento Generalizadas. Exemplo.
Sistema Holonômico Generalizado
Se todos os vínculos em um sistema dinâmico são holonômicos, o sistema é dito ser
holonômico. Usando coordenadas generalizadas é possível desenvolver uma representação
generalizada que se aplica a sistemas holonômicos de complexidade arbitrária. Na
representação generalizada é conveniente introduzir velocidades generalizadas, forças
generalizadas, e quantidades de movimento associadas às coordenadas generalizadas.
Considere um sistema holonômico de N partículas de massa mi (i = 1,..., N), como indicado
na Fig. 37. Seja
ηl, η2, ..., ηm
(195)
um conjunto completo de coordenadas generalizadas. Por exemplo, as coordenadas
cartesianas das partículas. Nesse caso, m = 3N. Se alguns vínculos já foram subtraídos ao
estabelecer as coordenadas (195), então m < 3N. Por exemplo, se certa partícula é vinculada
ao plano XY, a coordenada Z para a partícula pode ser omitida em (195). Supondo que ainda
há p vínculos a serem subtraídos, o conjunto (195) não é independente e os vínculos
holonômicos são da forma
hl(ηl, η2, ..., ηm, t) = 0
h2(ηl, η2, ..., ηm, t) = 0
.................................
(196)
hp(ηl, η2, ..., ηm, t) = 0.
O rolamento vinculado (184) e o vínculo variável no tempo (186) são exemplos de vínculos
da forma (196).
Fig. 37 - Sistema de N partículas de massa sujeitas a vínculos holonômicos (não
mostrados). O sistema tem n graus de liberdade com 1 ≤ n ≤ 3N.
72
Uma vez que há p vínculos entre as m coordenadas, existem apenas n = m − p coordenadas
independentes, e o sistema têm n graus de liberdade. Ocasionalmente, é conveniente
empregar o conjunto redundante (195) e incluir as relações de vínculo (196), por meio das
técnicas descritas na aula 15. Na maioria dos casos é mais conveniente selecionar desde o
início, um conjunto de coordenadas generalizadas,
ξl, ξ2, ..., ξn,
(197)
que é completo e independente e para o qual o correspondente conjunto de variações,
δξl, δξ2, ..., δξn,
(198)
é também um conjunto completo e independente. Qualquer configuração admissível do
sistema pode ser representada pelas coordenadas (197), e qualquer variação admissível
pode ser representada pelo conjunto (198). A análise de sistemas holonômicos é geralmente
mais simples em termos de tais coordenadas.
O vetor posição Ri de qualquer partícula mi na Fig. 37 é dado pelas coordenadas (197) e, se
houver vínculos variáveis no tempo, pelo tempo t,
Ri = Ri(ξl, ξ2, ..., ξn, t).
(199)
A velocidade dessa partícula é dada por
vi =
n
dR i
∂R
∂R i
= ∑ i ξ& j +
.
dt
∂t
j =1 ∂ξ j
(200)
As derivadas temporais das coordenadas generalizadas, ξ& j , são chamadas de velocidades
generalizadas. A equação (200) indica que as velocidades reais das partículas são
geralmente combinações complicadas das velocidades generalizadas. O termo final à direita
de (200) representa o efeito (se houver) de um vínculo externo variável no tempo.
Na abordagem variacional consideram-se configurações admissíveis vizinhas no mesmo
instante de tempo. A variação da posição do vetor Ri da i-ésima partícula da Fig. 37 é
expressa em termos das variações das coordenadas generalizadas pela variação de (199), ou
seja,
n
∂R
(201)
δR i = ∑ i δξ j .
j =1 ∂ξ j
Forças Generalizadas
Suponha agora que sobre cada partícula mi da Fig. 37 age uma força fi. Determinemos o
incremento de trabalho total realizado por este conjunto de forças sob uma variação
admissível de configuração do sistema. Usando (201), tem-se
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N
∑f
i =1
N
i
n
• δR i = ∑∑ f i •
i =1 j =1
∂R i
δξ j
∂ξ j
n  N
∂R i 
= ∑  ∑ fi •
δξ j .

∂ξ j 
j =1  i =1
(202)
Cada um dos n parênteses em (202) é constituído pelo somatório das N componentes das
forças reais ao longo das direções δRi resultantes de um incremento numa única
coordenada generalizada ξj. Estes somatórios são denominados de forças generalizadas e
são denotados por
N
∂R i
,
j = 1, 2, ..., n.
(203)
Ξ j = ∑ fi •
∂ξ j
i =1
Substituindo (203) em (202), tem-se
N
∑f
i =1
n
i
• δR i = ∑ Ξ j δξ j .
(204)
j =1
O incremento total de trabalho das forças reais que atuam no sistema ao longo dos
deslocamentos δRi é igual ao incremento total de trabalho das forças generalizadas atuando
ao longo dos deslocamentos generalizados correspondentes δξj. Uma vez que cada termo de
(204) tem dimensão de trabalho, as dimensões de Ξj dependem das dimensões de ξj. Se ξj
tem a dimensão de comprimento, então Ξj tem a dimensão de força, se ξj representa um
ângulo, então Ξj tem a dimensão de torque.
Quando é necessário obter a força generalizada Ξj correspondente a um determinado
conjunto de forças reais fi, pode-se usar a fórmula (203), ou pode-se usar a (204) e o fato
das variações (198) serem independentes, como segue: Para obter Ξ1, por exemplo,
considere a variação na qual todas as δξj são nulas exceto δξ1. Estude a geometria do
sistema para determinar o δRi correspondente e avaliar o lado esquerdo de (204). Uma vez
que o lado direito é simplesmente Ξ1 δξ1, a força generalizada Ξ1 é obtida dividindo ambos
os lados por δξ1.
A natureza do conjunto das forças reais fi e das forças generalizadas correspondentes Ξj
pode ser arbitrária, ou seja, as forças generalizadas podem ser usadas para descrever
qualquer um dos seguintes conjuntos de forças: todas as forças que atuam no sistema, as
forças externas, forças internas, as forças conservativas, as forças não-conservativas, ou
qualquer outro conjunto bem definido de forças. Neste curso, as forças generalizadas Ξj são
usadas mais comumente para descrever as forças não-conservativas que atuam num
sistema.
Quantidades de Movimento Generalizadas
Para o sistema holonômico da Fig. 37, a co-energia cinética é dada por
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N
N
i =1
i =1
T ∗ = ∑ Ti * = ∑ ∫ p i • dv i .
vi
(205)
0
Para a partícula de massa mi movendo-se no espaço tridimensional tem-se que a derivada
da co-energia cinética Ti* em relação à velocidade vi da partícula resulta na quantidade de
movimento pi da partícula, isto é,
∂Ti *
∂  vi
=
 p i • dv i  = p i .

∂v i ∂v i  ∫0
(206)
Substituindo (200) em (205) observa-se que T* é uma função das coordenadas
generalizadas ξi, das velocidades generalizadas ξ&i , e do tempo t. A derivada da co-energia
cinética (205) em relação à velocidade generalizada ξ& é denominada de quantidade de
k
movimento generalizada, πk, correspondente à coordenada ξk. Usando (200), tem-se
πk =
N
N
N
∂T ∗
∂Ti* ∂v i
∂v i
∂R i
.
p
pi •
=
•
=
•
=
∑
∑
∑
i
&
&
&
∂ξ k i =1 ∂v i ∂ξ k i =1
∂ξ k i =1
∂ξ k
(207)
A quantidade de movimento generalizada, πk, é, portanto, um somatório de componentes
das quantidades de movimento reais, pi, ao longo das direções dos deslocamentos δRi
resultantes de um incremento δξk na coordenada generalizada ξk.
Quando não há vínculos variáveis no tempo em um sistema holonômico há uma identidade
interessante relacionando as quantidades de movimento reais e as generalizadas. Essa
identidade é obtida expressando a soma das funções do estado cinético (108), em termos de
variáveis generalizadas. Quando os vínculos variáveis com o tempo estão ausentes (200)
reduz-se a
n
∂R
(208)
v i = ∑ i ξ& j .
j =1 ∂ξ j
Substituindo (208) em (108), mudando a ordem do somatório e substituindo a definição de
quantidade de movimento generalizada (207), obtém-se
n
N
 N ∂R
 n
T + T ∗ = ∑ v i • p i = ∑ ξ& j  ∑ i • p i  = ∑ ξ& jπ j .
 i =1 ∂ξ
 j =1
j =1
i =1
j


(209)
Assim, a soma T + T* para um sistema com vínculos invariantes no tempo pode ser obtida
somando os produtos escalares entre as velocidades reais vi e as quantidades de movimento
correspondentes pi; ou pela soma dos produtos das velocidades generalizadas ξ& j e as
quantidades de movimento generalizadas correspondentes, πj. Observe o paralelismo entre
a definição (203) para a força generalizada e a definição (207) para a quantidade de
movimento generalizada. Observe também o paralelismo entre (204) e (209). Em (204)
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tem-se que a soma dos produtos escalares entre as forças e os deslocamentos reais é igual à
soma dos produtos entre as forças e os deslocamentos generalizados. Em (209) tem-se que
a soma dos produtos escalares entre as velocidades e as quantidades de movimento reais é
igual à soma dos produtos entre as velocidades e quantidades de movimento generalizadas.
Exemplo. Para ilustrar as relações entre velocidades, forças e quantidades de movimento
reais e velocidades, forças e quantidades de movimento generalizadas, correspondentes a
uma escolha particular de coordenadas generalizadas, considere o pêndulo esférico
mostrado na Fig. 38. Uma única partícula de massa m é suspensa por uma haste rígida, de
massa desprezível, de comprimento a, a partir de uma junta esférica, de atrito desprezível,
na origem. Este é um sistema holonômico com dois graus de liberdade e sem vínculos
forçantes, externos, variantes no tempo. Os ângulos φ e θ indicados na Fig. 38 formam um
conjunto completo e independente de coordenadas generalizadas: ξl = θ, ξ2 = φ. O vetor
posição R da partícula de massa é
R = a sin θ cos φ uX + a sin θ sin φ uY − a cos θ uZ,
(210)
que é uma ilustração de (199). Derivando (210) em relação ao tempo, obtém-se
v=
(
)
dR
= a θ& cosθ cos ϕ − ϕ& sin θ sin ϕ u X
dt
+ a θ& cos θ sin ϕ + ϕ& sin θ cos ϕ uY + aθ& sin θu Z .
(
)
Fig. 38 - Pêndulo esférico com a força que age
paralelamente ao eixo X.
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(211)
A velocidade real (211) é, portanto, uma função complicada das velocidades generalizadas
ξ& = θ& e ξ& = ϕ& . Para comparar com o resultado geral (200) reagrupe os termos em (211),
1
2
obtendo-se
v=
dR
= (a cosθ cos ϕu X + a cosθ sin ϕu Y + a sin θu Z )θ&
dt
+ (− a sin θ sin ϕu X + a sin θ cos ϕu Y )ϕ& .
(212)
Para obter as forças generalizadas correspondentes a força real f = f0uX, usa-se (204) como
segue: Para uma variação na qual ξl = θ, considere um incremento δθ enquanto δφ = 0, o
trabalho realizado por f é o produto de f0 pela componente X do deslocamento δR. Esta
componente é
a cos θ cos φ δθ,
(213)
como pode ser visto diretamente a partir da geometria da Fig. 38 ou aplicando o operador
variacional em (210). Substituindo (213) em (204), tem-se
Ξ1δξ1 = f 0 a cosθ cos ϕδθ .
(214)
Agora, basta cancelar δξ1 = δθ de ambos os lados de (214), obtendo-se
Ξ1 = f 0 a cosθ cos ϕ .
(215)
De forma similar, para uma variação na qual ξ2 = φ, considere um incremento δφ enquanto
δθ = 0, resultando
(216)
Ξ 2 = − f 0 a sin θ sin ϕ .
Observe que uma vez que ξ1 e ξ2 são ângulos, as forças generalizadas tem as dimensões de
torque. Observe também que a força generalizada Ξ1 correspondente a ξl = θ pode ser
interpretada como o momento de f em torno do eixo AA, que é o eixo para a rotação
infinitesimal δθ. A força generalizada Ξ2 correspondente a ξ2 = φ pode ser interpretada
como o momento de f em torno do eixo Z, que é o eixo para a rotação infinitesimal δφ.
Para obter as quantidades de movimento generalizadas comecemos por avaliar a co-energia
cinética em termos das coordenadas generalizadas. Se considerarmos a relação newtoniana
entre a quantidade de movimento real p da partícula de massa e a velocidade v, p = mv,
onde v é dada por (211), a co-energia cinética é
(
)
T * = ½ mv 2 = ½ ma 2 θ& 2 + ϕ& 2 sin 2 θ .
(217)
Então, de acordo com (207), obtém-se
π1 =
∂T ∗
= ma 2θ&
∂θ&
π2 =
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∂T ∗
= ma 2ϕ& sin 2 θ .
∂ϕ&
(218)
Observe que a quantidade de movimento generalizada π1, correspondente a ξl = θ pode ser
interpretada como o componente do momento angular da partícula em torno do eixo AA (o
eixo para δθ) e que a quantidade de movimento generalizada π2, correspondente a ξ2 = φ
pode ser interpretada como o componente do momento angular da partícula em torno do
eixo Z (o eixo para δφ).
A identidade (209) para sistemas com vínculos invariantes no tempo reduz-se, no presente
caso, a
v • p = ξ&1π 1 + ξ&2π 2 .
(219)
Usando (212) e (218), o aluno pode facilmente verificar a validade de (219).
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72 Aula 17: Dinâmica de Sistemas Mecânicos: Variáveis