PRAZERES
•RESTAURANTE
CONCEITO FOOD STORE
Transparência e linhas tortas
De aprendiz relutante a chef apaixonado pela sua cozinha, bastou a Daniel
Estriga cruzar-se com as pessoas certas para descobrir o seu caminho.
E regressar à casa de partida, para criar um restaurante à sua medida,
de conceito bem definido – chamou-lhe «nova tradição».
T E X T O D E J O Ã O M ESTRE | FOTOGRAFIAS DE GONÇALO VILLAVERDE/GLOBAL IMAGENS
CALDEIRADA DE PREGADO
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JANTARES TEMÁTICOS
H
á quem cresça com o sonho de um
dia ser cozinheiro. E quem o descubra
motivado pela memória da comida da
avó, da mãe, da tia. Pois nem um nem outro
são o caso de Daniel Estriga. «Não gostava de
comer, sequer», atira o jovem chef de 26 anos.
Mais: «Sempre tentei fugir desta vida, porque
tinha o exemplo dos meus pais e isto é uma
prisão.» Refere-se à pastelaria/fábrica que
está na família vai para três décadas, na qual
cresceu e onde sempre soube que não queria
trabalhar. Porém, mesmo para quem é dado
a certezas, a vida é feita de caminhos tortos.
Chegar ao Conceito Food Store exige alguma memória para direções. O caminho
sinuoso contrasta com as linhas direitas que
regem o espaço que Daniel abriu há três anos,
não muito longe da pastelaria dos pais, em
Bicesse, Cascais. Uma sala pequena, mesas
(e cadeiras) de traço depurado onde não se
sentam muito mais do que uma vintena, uma
cozinha envidraçada, completamente exposta.
Apaixona-o essa coisa da proximidade com o
cliente. Na sala, é o próprio que, sendo possível,
serve à mesa, traz o vinho. «É este o modelo
de negócio do futuro», acredita. «No fundo, é
um barco fácil de navegar.» Ao leme, Estriga
trabalha um receituário assente na cozinha
tradicional portuguesa, com ligeiro favoritismo
pelo Alentejo. Chama-lhe «nova tradição»: «Está
lá a receita original, não estou a inventar nada,
antes trabalho-a de outra forma, mudo um ou
outro detalhe, mas não deixa de saber àquilo
evasões agosto
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que é.» A prova chega à mesa sob a forma de
um bacalhau com grão em que a posta é de
meia cura e confitada, e o grão vem em puré
aveludado. Acrescenta-lhe ainda cogumelos
salteados e rebentos de funcho, sem nunca
trair aquilo a que o prato se propõe.
Carta escrita, com especialidades fixas,
é coisa que não há no Conceito. Os pratos
vão mudando consoante o mercado e Daniel
prefere apresentar as opções pessoalmente,
para que a explicação não se perca entre as
linhas de um menu. O gosto pelo serviço de
sala, aprendeu-o com Paulo Morais (Umai).
De início, espantava-o ver aquela autoridade
nacional em cozinha oriental a servir
clientes, a levantar mesas. Tinha 17
anos e acabara de aterrar na cozinha
do chef Morais (na altura, na Bica do
Sapato), para um estágio do curso da
Escola de Hotelaria do Estoril – no qual
se inscreveu sem grande convicção.
Deixou-se deslumbrar e nunca mais
olhou para trás. Passou depois pela brigada de
Bertílio Gomes, no já extinto Vírgula, e fez parte
da equipa inicial do Largo, de Miguel Castro e
Silva. Até que decidiu que estava na hora de se
lançar por conta própria, com o Conceito. Já
tinha o seu serviço de chef ao domicílio, que o
fez assentar arraiais na cozinha da pastelaria
dos pais, onde montava a sua mise en place noite
fora. O local onde sabia que nunca haveria de
trabalhar. Ou como os caminhos podem ser
imprevisivelmente previsíveis.
O Conceito nasceu para ser
muito mais do que apenas um
restaurante. Daniel Estriga prefere vê-lo como uma espécie
de tubo de ensaio para novos
projetos – como os encontros
Favas Contadas, que juntam
nesta cozinha jovens talentos
que criam, de raiz, jantares
irrepetíveis, menus de edição
limitada subordinados a um
determinado conceito. A edição
inaugural, em maio, teve o
Japão como ponto de partida e
lotação esgotada. Para agosto
(dias 22 e 23), o mote é «As
aparências iludem... um jantar
com pasteleiros». Ou seja:
pratos criados com ­aparência,
textura, empratamento ou
técnica de ­sobremesa. Entre
os convidados, estarão Diogo
­Lopes, que passou pela ­brigada
de Heston Blumenthal, e José
Pedro (Altis Belém). Os jantares
têm preço fixo, também ele
inédito: 40 euros.
Rua Pequena, lote 1, Bicesse (Cascais)
Tel.: 218085281
De terça a domingo, das 12h00
às 15h30 e das 19h30 às 23h00
(domingo só almoço;
reserva recomendada)
Preço médio: 25 euros
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