PROEJA
–
UMA
CONCEPÇÃO
DE
TRABALHO
INTEGRADORA?
Jessika MATOS PAES DE BARROS
[email protected]
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – UNIVERSIDADE DE LISBOA
RESUMO
Este artigo pauta-se em refletir sobre o sentido de ‘trabalho’ presente no PROEJA - Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. O
Proeja surge da abertura legal prevista Decreto 5.154/2004 com objetivo de ofertar uma educação integrada no
ensino médio direcionado aos jovens e adultos trabalhadores, um público historicamente caracterizado pela
exclusão do sistema escolar, com defasagem idade/série, diversidade étnica, cultural e socioeconômica. Para
atingir este objetivo, o Programa adota referenciais teóricos de uma formação unitária, humanizadora e livre, e
cujo ‘sentido de trabalho’ está alinhado à concepção de trabalho como princípio educativo. A partir de uma
leitura crítica do Decreto n. 5.840/2006 e do Documento Base, cujos textos estruturam o Proeja, sob a
perspectiva do seu referencial teórico, é possível observar algumas inconsistências entre a retória e a realidade.
A pesquisa adota pressupostos de uma abordagem qualitativa.
PALAVRAS-CHAVE: O trabalho como princípio educativo, educação de jovens e adultos, PROEJA.
70
INTRODUÇÃO
A educação de jovens e adultos envolve situações plurais devido à própria heterogeneidade do
seu público com itinerário escolar descontínuo, prioridade do trabalho sobre a formação
escolar, percurso laboral precário ou desemprego, baixa condição socioeconômica e pouca ou
nenhuma perspectiva de melhoria. Portanto, a questão que envolve o acesso ou não de jovens
e adultos à escolarização não é uma temática que se inaugura com a chegada do século 21,
nem no Brasil, nem no mundo. Segundo Machado (2009: 18):
Há pelo menos três séculos a humanidade se depara com a necessidade de maior acesso ao
conhecimento sistematizado pela escola por parte da população jovem e adulta, em especial a
chamada população economicamente ativa, já que é a partir do fortalecimento do Estado Liberal
e do sistema capitalista que se vê a instituição escolar como uma forte aliada na preparação de
mão de obra.
As modalidades de EJA – Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional (EP), como
hoje são tratadas pela LDB/96, tiveram, ao longo do contexto histórico da política educacional
brasileira, trajetórias distintas. A EJA seguiu na direção de erradicar o analfabetismo, e EP foi
sendo redirecionado do atendimento da mão de obra para o trabalho imediato e atender as
necessidades do mercado laboral. E embora, a luta por uma educação de qualidade para
alunos da EJA, seja antiga, a perspectiva de integração entre as duas modalidades é recente:
A origem recente da ideia de integração entre formação geral e educação profissional, no Brasil,
está na busca da superação do tradicional dualismo da sociedade e da educação brasileira e nas
lutas pela democracia e em defesa da escola pública dos 80 e particularmente no projeto da LDB,
elaborada após e em consonância da CF/88 (Ciavatta, 2010: 86).
Com a edição da LDB/96, a educação profissional foi apresentada como uma modalidade
educacional com possibilidades de organização na forma integrada. Mas essa flexibilidade foi
parcialmente negada pelo decreto 2.208/97, uma vez que este se limitou a estabelecer a
concomitância ou sequencialidade como únicas alternativas de articulação.
As críticas ao conceito dual reforçado pelo Decreto 2.208/97, contribuíram para sua revogação
através do Decreto 5.154/2004, que regulamentou a possibilidade de uma oferta educativa
‘integrada’. Machado (2009: 07) destaca que:
A integração entre EJA e EP não é tarefa fácil e de curto prazo, pois essas duas modalidades de
educação se constituíram, em geral, como realidades e campos distintos no âmbito da educação
escolar brasileira embora lidassem com um segmento social em particular: os que vivem do
trabalho e que se veem, crescentemente, excluídos do mercado de trabalho, dado ao
desemprego estrutural e às crescentes exigências de qualificação.
Com a abertura para uma educação integrada, prevista no Decreto 5.154/04, foi criado o
PROEJA, para atender ao público trabalhador na etapa do ensino médio, historicamente dual.
Sua implantação ocorreu inicialmente nas Instituições Federais de educação com o Decreto nº
71
5.478/2005, que posteriormente foi revogado pelo Decreto nº 5.480/2006, que ampliou a
oferta para as esferas estadual, municipal e sistema S de ensino.
Em 2008, o decreto 5.480/06 e o Decreto nº 5.154/04 foram incorporados pela Lei nº
11.741/08, assegurando assim a integração entre a formação profissional e a escolarização
para jovens e adultos.
A partir destas considerações, o presente estudo pauta-se em refletir sobre o sentido de
‘trabalho’ e os desafios de uma educação integradora, presente no PROEJA. Este trabalho está
estruturado em quatro itens: Os objetivos do Proeja; O sentido do trabalho no Proeja; Os
desafios do Proeja; e Proeja: uma proposta integradora?
1. OS OBJETIVOS DO PROEJA
A educação brasileira do século XXI encontra-se em um momento difícil quanto à oferta de um
ensino de qualidade, e de forma mais acentuada quando nos referimos à educação de jovens e
adultos, público este historicamente alvo de políticas precárias, assistencialistas e de baixa
qualidade.
Durante o período de elaboração da Constituição Federal/88 e da LDB /96, muito se discutiu
sobre a educação politécnica, escola unitária, uma concepção de trabalho na educação
segundo princípio educativo e uma formação integrada para o ensino médio.
A integração foi possível a partir do Decreto 5.154/04, tornando-se, portanto, a gênese deste
decreto, o pano de fundo do engendramento do Proeja, que surgiu no âmbito de lutas de
forças políticas opostas: conservadoras e os que defendiam a necessidade de uma reforma
estrutural.
O resultado do embate político se reflete nas orientações e na estrutura legal do Proeja.
Segundo o Documento Base, o Proeja tem por objetivo contemplar a educação de jovens e
adultos como política pública de educação continuada, prevendo a elevação da escolaridade e
profissionalização, com vistas a um projeto nacional de desenvolvimento soberano frente aos
desafios de inclusão social e da globalização econômica.
Para atingir estes objetivos, o Documento afirma que é imprescindível a universalização da
educação básica, aliada à formação para o mundo do trabalho, com acolhimento específico a
jovens e adultos com trajetórias escolares descontínuas, tendo como horizonte a condição
humanizadora da educação, que não se restringe a “tempos próprios” e “faixas etárias”, mas
se faz ao longo da vida. Por esse entendimento, não se pode subsumir a cidadania à inclusão
no “mercado de trabalho”, mas assumir a formação do cidadão que produz, pelo trabalho, a si
e o mundo (Brasil, Documento Base, 2007).
Considerando o público alvo do programa em contraste com os objetivos de uma educação
‘continuada’ e ao ‘longo da vida’, aliada à ‘formação para o mundo do trabalho’, nos
defrontamos de imediato com as primeiras inconsistências na base teórica do programa, que
se encontra visivelmente numa posição dicotômica entre a necessidade de oferta educativa de
qualidade e os interesses hegemônicos de uma classe dominante, situação esta que agrava a
superação do desafio de uma educação integradora para os que vivem do trabalho.
72
1.1. O SENTIDO DO TRABALHO NO PROEJA
Para compreender o sentido do trabalho presente no PROEJA, é necessário uma leitura de
seus textos oficiais e dos pontos principais de seus referenciais teóricos ideológicas baseados
em Marx e em Gramsci.
Segundo Documento Base:
A vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho não se pauta pela relação com a
ocupação profissional diretamente, mas pelo entendimento de que homens e mulheres
produzem sua condição humana pelo trabalho — ação transformadora no mundo, de si, para si e
para outrem (Brasil, Documento Base, 2007: 38).
A leitura desta parte do texto, considerada sob a perspectiva ideológica ao qual está vinculada,
orienta ao entendimento de que o sentido de trabalho do Proeja tem caráter educativo, ou
seja, que não se reduz a um formato utilitarista de estreita relação entre a formação e o
mercado laboral. Esse direcionamento é o preceitua o entendimento do trabalho como
princípio educativo.
Segundo Nosella (2001: 7) por ‘Trabalho como Princípio Educativo’, deve se entender que:
A expressão "princípio" aponta para a causa final do processo educativo (...), ou seja: o objetivo
final é o princípio organizativo e executivo de todo o processo; (...). A expressão "trabalho como
princípio educativo" (...) o "trabalho" significa o processo ontológico de humanização da natureza
que os homens, coletivamente, operam para prover à sua sobrevivência.
O entendimento do ‘sentido de trabalho’ segundo este princípio perpassa pela ‘concepção de
trabalho’ segundo a interpretação do conceito formulado por Marx e da escola unitária de
Gramsci. Segundo Marx (apud Frigotto et. al, 2005b: 57):
Um dos temas complexos e de difícil compreensão para aqueles que vivem da venda de sua força
de trabalho, ou fazem parte dos milhões de desempregados, subempregados ou com trabalho
precário, é, sem dúvida, o do trabalho como princípio educativo. Como pode ser educativo algo
que é explorado e, na maior para das vezes, se dá em condições de não escolha? Como extrair
positividade de um trabalho repetitivo, vigiado e mal remunerado?
Marx e Engels (2005) entende que o trabalho pode ser visto sob duas vertentes: na sua forma
histórica, e como algo inerente ao homem. Ao analisar o trabalho na sua forma histórica, isto
é, como a produção da vida material que se apresenta nas sociedades, afirma que o
movimento da história se dá pela luta de classes. Esta luta advém da condição de uma parcela
da sociedade ser constituída por homens expropriados do produto do seu trabalho nas
sociedades escravistas, feudal e capitalista.
Na segunda vertente, o trabalho como algo inerente ao ser humano, Marx entende que este é
o meio pelo qual os seres humanos se diferenciam dos demais seres da natureza, embora
façam parte dela. Neste sentido, mostrou que o homem, pela sua condição de espécie
73
diferenciada dos outros animais, é capaz de estabelecer relações mais complexas com o meio
em que vive e com os próprios homens. Ao descrever essa condição, que se pode entender
como condição humana, Marx (2003: 116) afirma: “A atividade vital lúcida, diferencia o
homem da atividade vital dos animais”.
É a partir das preocupações de Marx que nasce a proposta de formação omnilaterali do
homem e de uma educação que contribua para a superação das relações de subordinação da
classe trabalhadora aos interesses da classe dominante. O sonho de uma formação completa
partiu dos primeiros socialistas que buscavam o viés “omnilateral no sentido de formar o ser
humano na sua integralidade física, mental, cultural, política, científico-tecnológica” (Ciavatta,
2010: 86).
Frigotto (1989) esclarece que o trabalho pode ser assumido como princípio educativo na
perspectiva do capital ou do trabalhador. Isso exige que se distinga criticamente o trabalho
humano em si, por meio do qual o homem transforma a natureza e se relaciona com os outros
homens para a produção de sua própria existência – portanto, como categoria ontológica da
práxis humana –, do trabalho assalariado, forma específica da produção da existência humana
sob o capitalismo, portanto como categoria econômica da práxis produtiva.
E, do ponto de vista do capital, a dimensão ontológica do trabalho é subsumida à dimensão
produtiva, pois, nas relações capitalistas, o sujeito é o capital e o homem é o objeto. Assim,
assumir o trabalho como princípio educativo na perspectiva do trabalhador:
Implica superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica inverter a relação situando o
homem e todos os homens como sujeitos do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado,
de busca prática de transformação das relações sociais desumanizadoras e, portanto, deseducativas. A consciência crítica é o primeiro elemento deste processo que permite perceber
que, é dentro destas velhas e adversas relações sociais que podemos construir outras relações,
onde o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto, educativo (Frigotto, 1989: 8).
Corrobora no mesmo sentido, Ciavatta (2010: 85) quando diz que a ideia de formação
integrada sugere a superação do ser humano divido historicamente pela divisão social do
trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. O que se busca como
formação humana, assevera a autora, é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto
trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação
como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política.
Formação que nesse sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os
fenômenos.
O referencial teórico do Proeja, também faz menção à Gramsci que defendia a ideia de uma
Escola Unitária, capaz de superar aquilo que considerou o esgotamento da escola tradicional e
a necessidade de uma escola típica da sociedade industrial, porém, do ponto de vista dos
trabalhadores. A chegada da escola unitária significa o começo de novas relações entre
trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social
(Gramsci apud Nosella, 2010: 168).
74
Nas concepções de Gramsci, encontra-se a valorização da educação formal como meio
fundamental de formação da cultura. Neste sentido, a Escola Unitária por ele proposta, está
vinculada ao seu projeto de luta política e ao seu modo de ver as relações que se estabelecem
na sociedade industrial da época. Como método, “[...] a unitariedade se constrói a partir do
elemento produtivo de cada dicotomia: a filosofia, a política e a liberdade se forjam no sólido
terreno da economia e da necessidade” (Nosella, 2010: 176).
Para a realização de uma educação unitária é necessário um currículo integrado. Segundo o
Documento Base, um currículo integrado é:
Aquele que possibilite inovar pedagogicamente na concepção de ensino médio, em resposta aos
diferentes sujeitos sociais para os quais se destina, por meio de uma concepção que considera o
mundo do trabalho e que leva em conta os mais diversos saberes produzidos em diferentes
espaços sociais. Abandona-se a perspectiva estreita de formação para o mercado de trabalho,
para assumir a formação integral dos sujeitos, como forma de compreender e se compreender
no mundo (Brasil, Documento Base, 2007: 43).
Com relação a este fato, Frigotto et. al (2005b: 64) destaca que, para as pessoas que
constroem suas trajetórias formativas em tempos lineares e considerados "regulares", a
relação entre conhecimento e atividade produtiva ocorre de forma mais imediata a partir de
uma determinada etapa educacional, e no caso brasileiro, no ensino médio, por dois motivos:
porque os jovens estão configurando seus horizontes em termos de cidadania e de vida
economicamente ativa e ser possível compreender o processo histórico de transformação da
ciência, das letras, das artes e da tecnologia em força produtiva; E no caso das pessoas jovens
e adultas que não traçaram sua vida escolar com esta mesma linearidade, a relação entre
educação e mundo do trabalho ocorre de forma muito mais imediata e contraditória.
Para elas, o sentido do conhecimento não está em proporcionar, primeiro, a compreensão
geral da vida social e, depois, instrumentalizar-se para o exercício profissional. Na realidade,
muitas vezes, o acesso ou o retorno à vida escolar ocorre motivado pelas dificuldades
enfrentadas no mundo do trabalho, pela necessidade de nele se inserir e permanecer (...),
além disto, para essas pessoas a educação adquire um sentido instrumental, inclusive devido
ao fetiche com que é tratada ao se conferir à ela um poder sobre-real de possibilitar a
permanência das pessoas no mercado de trabalho (Frigotto et. al, 2005b: 65).
Com a leitura do texto do Documento Base em contraponto com a perspectiva de seu
referencial teórico, é possível identificar algumas inconsistências que dificultam sua prática:
Como ofertar uma educação unitária em uma sociedade de classes? Como programar uma
educação integrada cujos currículos seguem sendo divididos? E como ser considerada
integradora e livre, quando mantém estreita relação da formação para o mercado laboral?
75
1.1.1. DESAFIOS DO PROEJA
Ademais dos desafios no campo teórico/ prático, a realidade se apresenta ainda mais cruel.
Segundo Pnad, existe ainda uma população de 56,2 milhões de pessoas acima de 18 anos que
não frequentam a escola e não têm o ensino fundamental completo. Considerando dados
entre 2007 a 2012, houve descenso de 1,4% nas matrículas no ensino médio EJA (Brasil/Pnad,
2012b). Estes dados são confirmados pelo Censo Escolar 2012, que indicaram que a oferta EJA
apresentou queda de 3,4%, comparado com 2011 (Brasil/INEP- Censo escolar 2012a, p. 25).
No mesmo sentido corrobora os dados do IBGE (2010): “o público EJA apresenta dados
alarmantes: dentre os jovens de 18 a 24 anos, 36,5% haviam abandonado o estudo antes de
completar o ensino médio em 2010”. Cabe destacar que entre os anos de 2008 a 2011, houve
um acréscimo na procura da oferta destinada a jovens e adultos trabalhadores, em escala
nacional, mas a princípios de 2012, o decréscimo também foi substancial.
Entendemos que o aumento das taxas de matrícula pode estará vinculado ao discurso baseado
na teoria do capital humano. Esta teoria se baseia na ideia de que o indivíduo tem a
responsabilidade sobre seu próprio futuro. Se destacou em 1960 após uma conferência de
Schultz que afirmou: “Al investir en si mismos, los seres humanos aumentan el campo de sus
posibilidades. Es un camino por el cual los hombres pueden aumentar su bienestar” (Schultz,
1960, apud Acevedo,2007,p.9). Neste sentido, a orientação internacional para os países
periféricos e em desenvolvimento se baseia no discurso de considerar, na hora de planejar as
reformas da educação de cada país, de que é a educação, a ferramenta para o crescimento
econômico.
Essa não é uma situação exclusivamente brasileira. A economista inglesa Wolf (2002: xxi)
afirma que “há décadas que políticos estão obsessionados com e pela educação”. Esta
obsessão se ampara nos câmbios da economia mundial, que em seu momento de crise, os
políticos tendem e se perguntarem: o que a educação pode fazer pela economia? E a autora
defende que não se deve pensar em que a educação pode fazer pela economia, e sim
compreender que é o crescimento econômico é que influencia a melhora da educação: “a
relação de uma forma simples defendida por nossos políticos e comentaristas de que mais
gastos com a educação trarão o crescimento econômico, simplesmente não existe” (idem).
Nesta direção, destaca Frigotto que:
Devemos perguntar em que bases o projeto de desenvolvimento econômico e social do Brasil de
hoje supera ou se acomoda à lógica da divisão internacional do trabalho que, historicamente,
reduz os trabalhadores a fatores de produção e, em razão disso, torna sua formação um
investimento em “capital humano”, psicofísica e socialmente adequado à reprodução ampliada
do capital (Frigotto et. al: 2005a : 1105).
Com relação aos fatores do abandono ou não procura da escolarização formal, segundo
resultados de pesquisas com alunos realizadas por Neri (2012); Jorge (2009); Basso et. al
(2011); Dias (2011) e Pavão e Silva (2012) as razões mais citados estão: a falta de interesse,
oferta equivocada ao perfil pretendido, não identificação do aluno com o curso, deficiência na
formação docente; falta de adequação metodológica e curricular.
76
Portanto, um dos maiores desafios da política de Educação de Jovens e Adultos (EJA) é
reconhecer a necessidade de oferta de uma educação dentro de uma realidade social desigual,
disponibilizando formação básica de qualidade na qual adote o sentido do trabalho como
princípio educativo, primeiro por sua característica ontológica e, a partir disto, na sua
especificidade histórica.
1.1.1.1. PROEJA: uma concepção de trabalho integradora?
Com relação à proposta de um currículo integrado, unitário, com adoção do sentido de
trabalho como princípio educativo, observamos que tanto a legislação quanto a orientação do
Documento Base do Proeja, apresentam certas inconsistências com a proposta e interpretação
de sentido de trabalho segundo as teorias de Marx e da Escola unitária de Gramsci na qual se
inspiraram.
Sobre o caráter ambivalente do programa, Rummert (2007: 76) destaca o fato do Documento
Base se apresentar com o princípio norteador do “princípio que compreende o trabalho como
princípio educativo, compreendido este não em sua perspectiva de emprego, mas como forma
de constituição da própria humanidade”, sendo que este conceito, conflitua diretamente com
o que é concebido pelos parceiros preferenciais (sistema ‘S’) “que regulam a formação dos
trabalhadores segundo as necessidades imediatas postas pelo mercado”.
Outro fato a destacar é que, segundo o Decreto n º 5.840/2006, em seu art. 1º § 4º: “Os cursos
e programas do PROEJA deverão ser oferecidos, em qualquer caso, a partir da construção
prévia de projeto pedagógico integrado único (...)”. E, em seu art. 4º determina que:
Os cursos de educação profissional técnica de nível médio do PROEJA deverão contar com carga
horária mínima de duas mil e quatrocentas horas, assegurando-se cumulativamente:
I- a destinação de, no mínimo, mil e duzentas horas para a formação geral;
II- a carga horária mínima estabelecida para a respectiva habilitação profissional técnica;
Depreende-se da leitura dos dois artigos uma contradição. Se o objetivo é ofertar uma
educação unitária, a qual busca unidade de conhecimentos gerais e específicos, no sentido de
que uma complemente a outra, não haveria necessidade de estabelecer limites e uma
concepção de ensino separado. Neste sentido, alerta Ramos que:
Nessa perspectiva, não procede delimitar o quanto se destina à formação geral e à específica,
posto que, na formação em que o trabalho é princípio educativo, estas são indissociáveis e,
portanto, não podem ser predeterminadas e recortadas quantitativamente (Ramos, 2010: 109).
Em análise ao texto do Documento Base (2007: 19), encontramos que a educação
profissional/formação, inicial e continuada, visa melhorar as condições de vida social,
econômica, política e cultural de jovens e adultos, sendo que considera o mundo do trabalho,
mas não se restringe a ele. Porém, o mesmo se contradiz, quando diz que: “Esse tipo de
formação colaborará de uma forma mais imediata e direta para a qualificação profissional
[mas também] numa perspectiva de longo prazo, mais ousada [...]” na qual os egressos
poderão retomar seus estudos. Segundo Xavier (2013:15) esta situação contraria as ideias de
Freire sobre emancipação humana, a qual não pode ser concebida como um processo
77
longínquo. Além disso, o fato de buscar a qualificação profissional imediata nos remete à
lógica do mercado da sociedade capitalista apesar de se fazerem presentes em boa parte do
documento, citações como “devemos romper com a lógica do mercado”.
No Documento Base, a concepção de trabalho como princípio educativo, é visto como “[...]
uma concepção que se fundamenta no papel do trabalho como atividade vital que torna
possível a existência e a reprodução da vida humana e, consequentemente da sociedade”
(Brasil, Documento Base 2007: 27). Se para os documentos legais do PROEJA esta é a
verdadeira definição de trabalho como princípio educativo, como podemos relacionar o
mesmo com possibilidade de emancipação humana?
Observa-se que na prática, o sentido de trabalho, continua a ser propagado de forma a se
tornar alienante, pois não se observa sua efetividade quanto a uma real transformação social
do trabalhador. A inserção no mercado de trabalho, como citado em vários momentos no
documento base do PROEJA, condiz com o produto sociedade capitalista, ou seja, a lógica do
mercado, e desta forma negando toda e qualquer possibilidade, mesmo que remota, de
emancipação humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Teoricamente o ensino médio e formação profissional caminham no sentido da formação
integrada respaldada pelo decreto 5.154/04, mais visível, todavia na modalidade de Jovens e
adultos através do Proeja. O Programa, com a finalidade de compor uma formação integrada,
passou a realizar um papel ‘tencionador’, ou seja, impulsionador, dessa integração (entre
formação geral e profissional) em um sistema educativo historicamente dual.
Com esta releitura, podemos dizer que o Proeja, embora apresente certo compromisso com a
classe trabalhadora, também deixam transparecer inconsistências e alianças com os interesses
do capital. O discurso difundido de que a educação é a chave para o mercado laboral não
condiz com uma realidade de desemprego estrutural.
De todo o exposto, se percebe que há, todavia uma imensa necessidade uma educação
realmente voltada aos interesses de uma classe trabalhadora, cuja oferta educativa esteja
direcionada para um mundo contemporâneo, tecnologizado e exigente de mão de obra capaz
de pensar, e gerar novos conhecimentos, adaptar-se e inovar-se constantemente, capaz de
agir e reagir criticamente ademais de tomar decisões dentro de uma sociedade da qual se sinta
parte integralmente.
Desta forma é necessário primeiramente que se reconheça o PROEJA como política pública, e
que esta seja realizada sob a perspectiva de uma formação cidadã. Para isso, é primordial
manter, antes de tudo, uma postura crítica e de diálogo entre governo e a sociedade de forma
que as ofertas resultantes do Programa efetivamente contribuam para a melhoria das
condições de participação social, política, cultural e no mundo do trabalho desses coletivos, ao
invés de produzir mais uma ação de contenção social.
78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACEVEDO, C. Marlene et.al. (2007). Capital humano: Una mirada desde la educación y la
experiencia laboral. Cuadernos de Investigación n.56. Medellín /México. Acesso em junho, 17,
de
2013
em
http://publicaciones.eafit.edu.co/index.php/cuadernosinvestigacion/article/download/1287/1166.
Basso, N. S.; Grossi, G.; Grossy, J. S. & Ghiorzi, C. S. (2011). Educação profissional - ensino
médio integrado.
Acesso
em
junho,
15,
de
2013
em:
http://www.webartigos.com/artigos/eucacao-profissional-ensino-medio-integrado/76947/
Brasil (1997). Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF.
Brasil (2005). Decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005. Programa de Integração da Educação
Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.
Brasília, DF.
Brasil (2006). Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
PROEJA. Brasília, DF.
Brasil (2007). Documento Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado ao
Ensino Médio. MEC – Ministério de Educação e Cultura. Brasília/DF.
Brasil (2007). PNAD- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio. Aspectos Complementares
da Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional. Acesso julho, 03, de 2013 em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2007/suplem
entos/jovens/publicacao_completa.pdf.
Brasil (2009). INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Diretoria de Estatísticas Educacionais. Resultado Educação Básica 2009- p.16. Acesso em
agosto,
6,
de
2013
em:
http://download.inep.gov.br/download/censo/2009/TEXTO_DIVULGACAO_EDUCACENSO_200
93.pdf.
Brasil (2010). IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso em agosto, 6, de
2013 em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default_resultados_amostra.
shtm.
Brasil (2012a). INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Censo
escolar.
Acesso
em
agosto,
18,
de
2013
em:
79
http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecn
ico_censo_educacao_basica_2012.pdf
Brasil (2012b). PNAD –Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio- Glossário. Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/glossario_PNAD.p
df. Acesso em agosto, 2 de 2013.
Ciavatta, M. (2010). A Formação integrada: A escola e o trabalho como lugares de memória e
de identidade. In G. Frigotto; M. Ciavatta & M. Ramos (Orgs.), Ensino médio integrado:
Concepções e contradições (pp.83-105). São Paulo: Cortez.
Dias, D. A. G. (2011). Análise do PROEJA como política pública. 35º Encontro da ANPOC GT 08.
Universidade Federal Fluminense. Caxambu/MG. Acesso em julho, 20, de 2013 em:
http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=919&Ite
mid=353
Frigotto, G. (1989). Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador:
Impasses teóricos e práticos. In C. M. Gomez. (Org.) Trabalho e conhecimento: Dilemas na
educação do trabalhador p.8. São Paulo: Cortez: Autores Associados.
Frigotto, G.; Ciavatta, M. & Ramos, M. (2005a). A política de educação profissional no governo
lula: um percurso histórico controvertido. Revista Educação & Sociedade Campinas, 26: 92, p:
1087-1113. Acesso em setembro, 02, de 2013 em:
http://www.scielo.br/pdf/es/v26n92/v26n92a17.pdf
Frigotto, G.; Ciavatta, M. & Ramos, M. (2005b).O trabalho como princípio educativo no projeto
de educação integral do trabalhador. 1ª Conferencia Municipal de educação de Contagem
(p.57) Secretaria de Educação e Cultura de Contagem. Acesso em setembro, 07, de 2013 em:
http://www.contagem.mg.gov.br/arquivos/pdf/caderno_conferencia.pdf
Jorge, M. C. (2009). Educação profissional integrada à educação de jovens e adultos - PROEJA.
IX congresso de Educação EDUCERE – III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia Curitiba/PR.
Acesso em junho, 14, de 2013 em:
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2402_1885.pdf
Machado, M. M. (2009). A educação de jovens e adultos no Brasil Pós-Lei nº 9.394/96: A
Possibilidade de Constituir-se como Política Pública. Em Aberto, 22: 82, 17-39. Acesso em
agosto, 14, de 2013 em:
http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1576/1268.
Marx, K. (2003). Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Alex Marins. São Paulo:
Martin Claret.
Marx K. & Engels, F. (2005). O Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret.
80
Neri, M. C. (2012). As Razões Da Educação Profissional: Olhar a Partir da Demanda. RJ: Rio de
Janeiro
FGV/CPS.
Acesso
em
junho,
15,
de
2013
em:
http://www.cps.fgv.br/cps/bd/senai_razoes/Senai_Neri_texto_TEXTOFim.pdf
Nosella, P. (2010). A escola de Gramsci. 4 ed. São Paulo: Cortez.
Nosella, P. (2011). Ensino Médio: Em Busca do Princípio Pedagógico. Educação & Sociedade,
32:
117,
1051-1066.
Acesso
em
agosto,
07,
de
2013
em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=87321425008
Pavão, F. R. & Silva, R. de A. (2012). Educação de jovens e adultos/PROEJA e a problemática da
evasão escolar. VII CONNEPI. Palmas/Tocantins. Acesso em agosto, 18, de 2013 em:
http://propi.ifto.edu.br/ocs/index.php/connepi/vii/paper/viewFile/3943/2741
Resolução Nº 3/2010 (2010). Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos
aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA.
Resolução Nº 6/2012 (2012). Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional
Técnica de Nível Médio.
Ramos, M. M. (2010). Possibilidades e Desafios na Organização do Currículo Integrado. In G.
Frigotto; M. Ciavatta, & M. Ramos, (Orgs.), Ensino médio integrado: Concepções e contradições
(pp. 106-127). São Paulo: Cortez.
Romão, J. E. (2010). O ensino médio e a omnilateralidade: Educação profissional no século XXI.
EccoS,
12:
1,
27-49.
Acesso
em
setembro,
07,
de
2013,
em:
http://www.redalyc.org/pdf/715/71518577002.pdf
Rummert, S. M. (2007). Gramsci, trabalho e educação: Jovens e adultos pouco escolarizados no
Brasil actual. Cadernos Sísifo. Lisboa: Educa.
Xavier, A. (2013). Trabalho como Princípio Educativo: Uma Perspectiva de Emancipação
Humana no PROEJA. Caminhos da Educação, 4: 2. Acesso em agosto, 17, de 2013 em:
http://periodicos.franca.unesp.br/index.php/caminhos/article/view/631.
Wolf , A. (2002). Does education matter? Myths about education and economic growth.
Penguin Business: UK.
i
- O conceito de omnilateralidade formulado por Marx corresponde à concepção “de que o ser humano deve ser integralmente
desenvolvido em suas potencialidades, através de um processo educacional que leve em consideração a formação científica, a
política e a estética, com vistas à libertação das pessoas, seja da ignomínia da pobreza, seja da estupidez da dominação” (ROMÃO,
2010, p. 33).
81
Download

proeja – uma concepção de trabalho integradora?