A PUBLICIDADE E O DIREITO À INTIMIDADE NO PROCESSO
ELETRÔNICO
Plínio Lacerda Martins
Doutorando em Direito pela UFF
Mestre em Direito pela UGF
Promotor de Justiça
Felipe Lacerda Moura Martins
Mestrando em Direito pela UFF
Especialista em Direito pela UFF
Advogado
I. INTRODUÇÃO. II. BREVE HISTÓRICO DA INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL. III.
PRINCÍPIOS PROCESSUAIS QUE NORTEIAM O PROCESSO ELETRÔNICO. IV. O DIREITO À
INTIMIDADE E O DIREITO DE ESTAR SÓ. V. O ACESSO À INFORMAÇÃO E A PRIVACIDADE
DOS AUTOS ELETRÔNICOS. VI. CONCLUSÃO
RESUMO
O presente estudo tem como principal preocupação discutir as alterações no processo de
conhecimento tendo em vista a possibilidade de realização de atos processuais por
meios eletrônicos e como tal exposição dos documentos pessoais das partes na rede
mundial de computadores afeta o direito à intimidade. O estudo traz a evolução das
normas que originaram a implantação do sistema eletrônico no Brasil, tal qual os
princípios jurídicos que regem a sua aplicação e as regras que foram inseridas no
ordenamento com a edição da Lei de Informatização do Processo Judicial. Por fim,
apresentam-se as indagações que permeiam o acesso aos autos no sistema virtual,
levantando a questão da implantação deste meio em detrimento da segurança das partes
quanto à inviolabilidade de seus dados.
Palavras-chave: Processo eletrônico. Publicidade processual. Acesso aos autos
eletrônicos. Direito à intimidade.
I. INTRODUÇÃO
Parafraseando a Min. Nancy Andrighi, a respeito das novas tecnologias de
informação, "a comunicação digital transformou o mundo. Redimensionou o fenômeno
da globalização, lançando nova dinâmica sobre as relações negociais, que passaram a
ocorrer em volume, formato e tempo jamais imaginadas".
Com essa frase entendemos que o processo judicial brasileiro está mudando,
mas uma mudança necessária, advinda de novos tempos, de uma nova era na qual a
informação é rápida e facilmente acessada. Contribui para a celeridade de implantação
de novos métodos a incapacidade de manter em um espaço físico o armazenamento de
todos os processos que são protocolados diariamente em todos os municípios da nação.
Desta incapacidade, surgiu a idéia de se colocar todos os processos em um
espaço digital, contidos em um local eletrônico para serem acessados pelas partes
interessadas ou por terceiros que tiverem acesso aos autos.
Esta idéia norteou a criação do processo eletrônico: um ambiente controlado e
"imaterial" para se manter os processos judiciais em razão de estar se esgotando o
espaço físico dos cartórios, e pela necessidade urgente de se possibilitar maior
facilidade de acesso aos autos às partes.
Entretanto, a transparência e o livre acesso à informação advindos dessa
digitalização dos processos judiciais são aspectos a merecer reflexão.
Nesse sentido, leciona Ricardo Perlingeiro que estes aspectos têm duas
finalidades básicas, a saber: o controle democrático do Poder Público e a facilitação do
exercício de direitos subjetivos.
A Constituição Federal assegura ao cidadão o direito à obtenção de
informações dos órgãos públicos ao mesmo tempo em que assegura o direito à
privacidade dos dados coletados.
Assim, a informação deve respeitar o direito à privacidade e à intimidade do
indivíduo, sendo que tanto o direito de informação e o direito à intimidade são direitos
constitucionais do cidadão, deixando transparecer contradição.
No entanto, questiona-se a função do processo eletrônico como um facilitador
ao acesso dos dados particulares das partes, visto que após seu surgimento, houve uma
!3
ampliação da divulgação das informações contidas nos autos após sua digitalização e
inserção na web, onde podem ser consultados.
Será abordado em um primeiro momento, as normas que possibilitaram a
utilização de novas tecnologias nos procedimentos judiciais. Em seguida, os princípios
processuais que se aplicam aos processos eletrônicos. Após, um estudo sobre o direito à
intimidade e o direito de estar só, em contradição à exposição dos dados particulares no
processo eletrônico. Por último, será abordado o acesso aos autos digitais, a publicidade
dos atos judiciais e dos documentos eletrônicos, e sua divulgação na internet.
O objetivo do presente trabalho, sem a pretensão de esgotá-lo, busca analisar a
questão do direito à informação em contraponto ao direito à intimidade.
II. BREVE HISTÓRICO DA INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL
A modernização destacada por Ulrich Beck é uma realidade atual que faz parte
do contexto social.1
Em que pese a diversidade de previsões e inovações normativas sobre o dever
de celeridade na tramitação dos processos, o processo judicial brasileiro sempre foi
marcado por excessiva morosidade que, muitas vezes, acabava por inviabilizar a
efetivação da decisão judicial.
Cabe em primeira análise esclarecer que o processo eletrônico não vêm para
substituir os ramos de processo já existentes. Trata-se apenas de uma nova roupagem
dos procedimentos judiciais já existentes, podendo ser aplicados novos métodos ao
processo civil, criminal, trabalhista e constitucional, com algumas pequenas mudanças.
Em verdade, a informatização do processo judicial decorre de uma nova onda
de reformas do Poder Judiciário brasileiro para facilitar o acesso à jurisdição. Estaria
portanto incluído no que é chamada de terceira "onda renovatória", tendo a primeira
decorrido das mudanças para garantir a assistência judiciária e a segunda à proteção dos
direitos metaindividuais, se preocupando esta nova série de reformas com a ampliação e
facilitação do "acesso à justiça", a qual se dá pela alteração dos procedimentos
processuais e da estrutura dos órgãos judicantes.
1
BECK, Ulrich. O que é Globalização?; Trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
!4
A possibilidade de tramitação dos processos judiciais pelo meio eletrônico veio
somente com a lei 11.419/2006 (Lei de Informatização do Processo Judicial - LIPJ), a
qual permitiu a comunicação dos atos processuais, a apresentação de peças e a
transmissão do processo em um ambiente virtual, podendo ser utilizadas essas medidas
indiscriminadamente aos processos civis, penais e trabalhistas, bem como aos juizados
especiais, em qualquer grau de jurisdição, segundo art. 1º, §1º da aludida norma.
Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro já existiam tentativas de se
atualizar os procedimentos processuais, sendo várias as iniciativas legais de
incorporação gradativa de novas tecnologias para a prática dos atos processuais, que se
tornaram marcos no processo de informatização dos serviços judiciários.
De início, pode se destacar que, com a Lei do Inquilinato, Lei nº. 8.245, de
1991, surge a previsão de utilização de um meio eletrônico para a prática do ato
processual, que é a citação por fac-símile. Contudo, a citação somente será possível
desde que prevista contratualmente.2
Cabe também reportar-se à Lei nº. 9.492, de 10 de setembro de 1997, que
regulamenta o protesto de títulos e outros documentos de dívida e que, no parágrafo
único de seu artigo 8º, permitiu o apontamento de protesto de duplicatas mercantis por
meio magnético ou de gravação eletrônica de dados. Este teria sido o primeiro passo
para a normatização de novas tecnologias para uso do operador do direito.
A Lei nº. 9.800, de 26 de maio de 1999, denominada Lei do Fax, por sua vez,
permitiu às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens do tipo
fac-símile ou outro similar para o encaminhamento de petições escritas, sem, contudo,
afastar a necessidade de apresentação dos originais em juízo e sua autuação no processo
físico, a fim de comprovar a sua autenticidade.
A doutrina encara esta lei como o primeiro marco definitivo para o início da
modernização do processo judicial, eis que introduziu uma nova forma de se interagir
no processo, ainda que necessária a cópia original.
2
Art. 58 da Lei 8.245/91: Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do artigo 1º, nas ações de
despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessórios da locação, revisionais de aluguel e
renovatórias de locação, observar-se-á o seguinte:
IV - Desde que autorizado no contrato, a citação, intimação ou notificação far-se-á mediante
correspondencia com aviso de recebimento, ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual,
também mediante telex ou fac-símile, ou, ainda, se necessário, pelas demais formas previstas no Código
de Processo Civil.
!5
Já a Lei nº. 10.259, de 12 de julho de 2001, que tratou da instituição dos
juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, permitiu o uso do meio eletrônico no
recebimento de petições.
Outro importante avanço foi o trazido pelo Decreto nº. 5.450, de 31 de maio de
2005, que, regulamentando a Lei nº. 10.520, de 17 de julho de 2002, - que instituiu o
pregão no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios permitiu essa modalidade de licitação na forma eletrônica, mediante lances realizados
na rede mundial de comunicação, para aquisição de bens e serviços comuns.
De forma mais ampla e abrangente, a EC nº. 45/2004 introduziu, no título “Dos
Direitos Fundamentais”, a garantia à razoável duração do processo e aos meios que
garantem a celeridade de sua tramitação. Esse acréscimo trazido pela Emenda significou
a consagração constitucional do princípio da celeridade processual e a sua elevação a
direito e garantia fundamental, fundamentos de várias legislações posteriores.
Nesse sentido, as Leis nº. 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, nº. 11.341, de
agosto de 2006, e nº. 11.382, trouxeram modificações a artigos do Código de Processo
Civil, modificando o disposto nos art. 154, parágrafo único do CPC, permitindo aos
tribunais a comunicação dos atos judiciais mediante certificação digital, acresceu a
possibilidade de se utilizar de decisões publicadas em "mídia eletrônica" como prova de
divergência jurisprudencial no parágrafo único do art. 541, e, por fim, criando os artigos
655-A, 685-C, §3º e 689-A, os quais, respectivamente, tratam de novas formas para
obtenção de informações para proceder à penhora por meio eletrônico no processo de
execução, a possibilidade dos Tribunais de expedir provimentos detalhando o
procedimento de alienação por iniciativa particular em concurso de meios eletrônicos e
ainda de efetuarem a alienação por meio da rede mundial de computadores via páginas
virtuais criadas pelos próprios Tribunais.
Vê-se que se tratava de legislações esparsas, que permitiam o uso de recursos
tecnológicos e de informática nos tribunais; todavia, como bem ressalta Leonardo
Greco, até então não havia ocorrido uma “mudança radical do modus operandi do
processo ou do sistema normativo processual” 3.
3
GRECO, Leonardo. O processo eletrônico. In: SILVA JÚNIOR, Roberto Roland Rodrigues da (Org.).
Internet e Direito - reflexões doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2001, p. 12.
!6
Foi com a Lei nº. 11.419/06, originária do Projeto de Lei nº. 5.828/01,
apresentado como anteprojeto pela Associação dos Juízes Federais do Brasil - Ajufe -,
que se pretendeu dar um grande passo na informatização do processo e na positivação
do direito constitucional a um processo célere, introduzido pela EC nº. 45/2004.
A referida lei previu a implantação de um processo judicial totalmente virtual,
desde a petição inicial até o provimento jurisdicional, inclusive com a comunicação
eletrônica dos atos processuais.
Assim, com a recente implementação desta norma, os Tribunais vêm se
adequando ao novo sistema de informatização, ainda que não no mesmo ritmo da
protocolização de novas petições iniciais, mas focados no objetivo de extinguir o espaço
físico ocupado pelos processos em papel, o que estima-se levar muitos anos devido ao
tempo em que o processo judicial permaneceu "no papel".
Uma das normas foi a Resolução nº. 14, de 28 de junho de 2013, do STJ, que
regulamenta o processo judicial eletrônico no Superior Tribunal de Justiça, sendo que
em 2011 já existia a Resolução nº. 10/2011 que determinou o peticionamento eletrônico,
substituído pela atual Resolução 14.
Por fim, cabe citar a promulgação do novo Código de Processo Civil, em 16 de
março de 2015, que deu ao Processo Eletrônico uma efetividade para realização dos
atos por meio eletrônico, consolidando o descrito na legislação anteriormente citada.
É natural, a priori, a rejeição pela adoção de mecanismos eletrônicos, ao
argumento de ferir alguns princípios clássicos que contrapõem o direito contemporâneo.
Vale o registro, por exemplo, do doutrinador Wille Duarte Costa retratando a
resistência dos títulos de credito eletrônicos, como a duplicata eletrônica, alegando a
violação dos princípios básicos do direito cartular. Wille afirma que:
Os títulos de crédito eletrônicos correspondem à grande
novidade nos tempos atuais, principalmente pela preocupação
daqueles que buscam as novidades decorrentes da tecnologia.
É fascinante a questão, mas não podemos deixar de ter
cuidados na análise dessas inovações. Em verdade, muita
bobagem tem surgido confundindo o leitor iniciante em títulos
de crédito e provocando uma balbúrdia sem tamanho na
doutrina específica.4
4
COSTA, Wille Duarte. Títulos de Créditos Eletrônicos. (...)
!7
Tal posicionamento, muito presente no meio jurídico, é observado pela
resistência ao uso dos meios eletrônicos, e do reconhecimento da importância da
Informática no mundo atual.
Todavia, não pode-se negar que o processo eletrônico é uma grande ferramenta
para o Poder Judiciário, considerando que as sentenças passam a ser arquivadas em
meios magnéticos e disponibilizadas na internet através dos sites dos Tribunais. Neste
diapasão, os Tribunais estão implantando, em prol da segurança do site as denominadas
chaves públicas introduzidas pela MP 2200-2 de 2011, que será mais abordada em
momento posterior.
Vale a pena registrar que a introdução das chaves eletrônicas através das
Medidas Provisórias 2200 e 2200-2, tais como explicitadas acima, não tiveram sua
conversão em lei.
Contudo, informatizar, em dimensão máxima, o nosso sistema de prestação
jurisdicional passa a ser um imperativo inadiável, e indispensável para a solução dos
problemas vivenciados na aplicação do Direito, nas palavras de José Eduardo Cardoso,
consolidando assim a celeridade na prestação jurisdicional.5
O processo eletrônico traz um significativo avanço para o direito processual,
inclusive para os Juizados Especiais Cíveis, estaduais e federais, considerando que os
princípios da imediatidade, celeridade e informalidade, são básicos para os respectivos
juizados.
O TRF da 2ª Região dispõe de serviço de acompanhamento processual,
encaminhando para os escritórios dos advogados e, mesmo para as partes que se
cadastrarem, os andamentos processuais antes de serem publicados, aliado ao serviço de
petição por meio eletrônico.
O correio eletrônico encontra grande resistência por parte da maioria dos
operadores do direito, contudo, o fax não sofreu tanta resistência assim, embora o papel
pereça com o tempo.
5 ALMEIDA FILHO,
José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico.
5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. apud. José Eduardo Cardoso.
!8
III. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS QUE NORTEIAM O PROCESSO
ELETRÔNICO
Há na esfera do direito processual, alguns princípios que norteiam sua
atividade e impõem condições essenciais para o bom funcionamento de exercício
jurisdicional, visando a composição dos conflitos de interesses.
Tais princípios constituem verdadeiros requisitos de validade de
aprimoramento da atividade processual, podendo ser estendidos ao processo eletrônico.
Diversas são as classificações doutrinárias dos princípios como na lição de
Cintra, Grinover e Dinamarco, que preferem a classificação doutrinária entre princípios
informativos e princípios gerais, sendo que ambos são indispensáveis ao
aperfeiçoamento do processo.
Outros preferem a classificação entre princípios constitucionais e
infraconstitucionais, sendo que estes derivam da própria norma instrumental.
Entre os princípios constitucionais aplicáveis ao processo eletrônico destacamse o princípio da Igualdade, do Contraditório e da Ampla Defesa, do Devido Processo
Legal, da Publicidade, da Duração Razoável do Processo e do Acesso à justiça.
Dentre os princípios processuais infraconstitucionais destacam-se: principio da
Oralidade, da Imediação, da Instrumentalidade das formas, da Economia Processual, e
da Lealdade Processual e Boa-fé.
Para fins de uma análise mais resumida, optou-se por discorrer tão somente dos
princípios constitucionais no âmbito do processo eletrônico, os quais seguem
discriminados abaixo.
O princípio da Igualdade, também denominado o princípio da isonomia
processual, emana do preceito constitucional da igualdade de todos perante a lei (art. 5º
caput da Constituição Federal). Nesse sentido, a carta magna ao enunciar "que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..." proporciona às partes da
relação processual igualdade de oportunidade e de tratamento.
Com o mesmo intento, o código de processo civil, no art. 125, inciso I dispõe
que o juiz dirigirá o processo, competindo-lhe "assegurar às partes igualdade de
tratamento". É relevante destacar que a igualdade de tratamento corresponde à
!9
igualdade nas oportunidades que serão oferecidas às partes, ou seja, que nenhum ato
processual poderá ser praticado por qualquer das partes, sem que a outra possa também
ter este mesmo direito.
Assim, ao se falar em expansão do processo para o meio eletrônico, deve ser
considerada a diversidade da sociedade brasileira, eis que no país grande parte da
população não tem acesso a um computador e menor ainda é o número dos que podem
entrar na internet. Desta forma, a utilização de meios exclusivamente eletrônicos para a
tramitação dos processos poderá ser um empecilho para o acesso à justiça das pessoas
chamadas de "excluídas digitais". Por conta disso, o legislador deve levar a efeito o
princípio da igualdade no que diz respeito ao processo digital, apresentando alternativas
para os indivíduos que não têm acesso às novas tecnologias.
Porém, ainda que devam ser tomados os devidos cuidados citados, a
informatização do judiciário não pode ficar paralisada até que toda a população possua
um computador e acesso à internet. Normas que obrigam a tramitação de processos
exclusivamente pela via eletrônica, entretanto, são exemplos de diretrizes que devem
estar atreladas a uma política de inclusão digital, tal qual a formas alternativas de tutela
dos indivíduos que ficaram legalmente obrigados a utilizar do meio eletrônico para
promover o andamento da ação.
Os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, ambos derivados do
princípio do devido processo legal, são reflexo do princípio democrático da estruturação
do processo e correspondem à possibilidade de se defender das acusações apresentadas
pela parte contrária (contraditório), utilizando-se de todos os instrumentos possíveis
para a concretização desta defesa (ampla defesa), sendo estritamente relacionado ao
princípio da igualdade.
O art. 5º, LV dispõe "que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes". Observando os dispositivos legais do procedimento eletrônico
de tramitação, percebe-se que os princípios foram rigorosamente respeitados, visto que
a disponibilidade permanente dos autos processuais na rede mundial de computadores
até mesmo valoriza tais institutos.
!10
Tal valorização ocorre por todos os documentos e provas estarem sempre à
disposição dos litigantes, podendo avaliá-los de forma mais adequada para elaboração
de suas defesas.
Além disso, os atos de comunicação processual tornaram-se mais céleres por
não depender de órgãos intermediários como correios para notificar as partes via postal.
A notificação ocorre também pelo meio eletrônico, facilitando o exercício do
contraditório e da ampla defesa.
Outro princípio constitucional é o do Devido processo legal, previsto no art. 5º,
inciso LIV da CRFB que prevê que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal". A locução "devido processo legal" corresponde à tradução
para o português da expressão inglesa "due process of law" sendo que law não significa
direito e sim lei (statute law).
Alexandre Freitas Câmara, lecionando sobre o princípio do devido processo
legal, afirma que
A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser
entendida como a garantia de que todos os titulares de posições
jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela
jurisdicional, devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim
de se garantir que a já referida tutela seja capaz de
efetivamente proteger as posições de vantagem mencionadas 6
Para a garantia do devido processo legal pela via eletrônica torna-se necessária
a adoção de diversas novas diretrizes tais quais, na proteção das informações do
processo virtual devem ser observados o uso da criptografia7 e o investimento em
segurança virtual8 para evitar ataques e modificações do conteúdo dos autos eletrônicos.
Em outro olhar, certos atos processuais passam a ser mais simples, como as
intimações, notificações e citações que passam a ser realizadas via eletrônica,
dispensando o custoso serviço postal sem, no entanto, perder a legalidade e adequação
dos atos.
6
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007. p.36.
7
Conjunto de técnicas que possibilitam a transcrição de uma mensagem através de cifras e códigos de
forma a torná-la incompreensível para pessoas não autorizadas.
8
O uso de softwares e hardwares para bloqueio de ataques de crackers - especialistas em computação que
utilizam seus conhecimentos em atividades ilícitas – que podem prejudicar a segurança de um banco de
dados.
!11
Além disso, dispensam-se certos procedimentos outrora dispendiosos como
autuação de processos em pastas, numeração de páginas, costurar os anexos, juntada de
petições e certidões, dentre outros, o que é feito automaticamente pelo sistema virtual,
tornando tais procedimentos obsoletos mas respeitando o princípio processual do devido
processo legal.
O princípio da Duração Razoável do Processo, com previsão na convenção
americana de direitos humanos, pacto de Sao José da Costa Rica, que consigna no art
8º, I, que "toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz no tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer apuração penal formulada
contra ela ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza".
Tal princípio foi internalizado na Constituição Federal por meio da EC
45/2004, que criou o inciso LXXVIII no art. 5º, que assim diz: "a todos, no âmbito
judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua tramitação." Em síntese, significa que o processo
precisa ser concluído em prazo razoável sem dilações desnecessárias para alcançar o seu
resultado útil e produzir justiça.
Segundo doutrinador Edilberto Barbosa Clementino, "sem dúvida um dos
principais objetivos do judiciário com a implantação de sistemas de processamento
virtual é a promoção da celeridade processual. Esta medida contribui com a
comunicação dos atos processuais, a tramitação das petições e recursos e a análise de
documentos dos autos. Desta forma, o processo judicial virtual reduz o tempo de
tramitação, abrevia a concretização do comando das decisões judiciais restituindo mais
rápido a paz social e a justiça"9
Após a implantação do sistema de tramitação de processos por meio eletrônico,
o número de processos julgados aumentou, mas tal fato não induz, por si só, que os
litígios foram solucionados, visto que muitos processos podem ter sido extintos sem o
julgamento do mérito, por exemplo. Tal prática deve ser evitada, de modo que a
extinção sem o mérito não colabora com a celeridade processual já que a parte autora
9
CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá, 2009. p. 158.
!12
terá que ingressar com nova ação para ver seu interesse satisfeito, trazendo novos custos
ao Poder Judiciário.
O princípio do Acesso à Justiça, também denominado princípio da
inafastabilidade da jurisdição, tem previsão no art. 5º, inciso XXXV, " a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
É um dos pilares basilares da nova onda de reformas processuais, buscando que
a sociedade tenha acesso a uma ordem jurídica justa, através da apresentação de novas
alternativas que possibilitem aos cidadãos ingressar com demandas no judiciário.
Posteriormente à introdução do processo eletrônico, os números de ações
distribuídas aumentaram, tendo cumprido sua função de dar maior acesso ao poder
judiciário.
Com isso, infere-se que a informatização dos processos judiciais "diminui o
tempo para a concretização da pretensão no judiciário, bem como contribui para que a
população, principalmente a mais carente, litigue no judiciário uma vez que barateia as
custas processuais e simplifica a prestação jurisdicional."10
Por fim, a Publicidade dos atos processuais é consagrada pelo art. 5º, inciso
LX, que diz: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a
defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".
Tal princípio é considerado como uma garantia fundamental de justiça, pois ele
permite as partes o conhecimento de todos os atos do processo. O Código de Processo
Civil consigna o princípio da publicidade dos atos processuais, afirmando no art.
155: Os atos processuais são públicos.11
Ada Pellegrini Grinover leciona que “o princípio da publicidade do processo
constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição”.12
Todavia, é preciso comungarmos o princípio da publicidade com outro
princípio também de natureza constitucional, que envolve a intimidade, ligado ao
10
CLEMENTINO, 2009, p. 153.
11
Novo CPC Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os
processos.....
12
GRINOVER, Ada Pelegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo: 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 72.
!13
princípio da dignidade da pessoa humana. Ricardo Perlingeiro traz a seguinte
preocupação em relação a publicidade dos atos processuais:
(...) qual o real papel do princípio da publicidade processual e
quais suas implicações em um sistema judiciário digital e
inserido na Internet? Quais são as exceções ao livre acesso à
informação e à informação judiciária? É razoável que um
documento pessoal, uma vez judicializado, se torne público?13
O art. 5, LX, dispõe em relação a restrição a publicidade dos atos processuais,
que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem.
O art. 92, inciso IX da Constituição Federal, sobre a publicidade dos
Julgamentos, assim estabelece:
todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados
atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes,
em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação.
A lei 11.419/2006 permitiu a criação de diários oficiais eletrônicos na rede
mundial de computadores para publicação de atos judiciais e administrativos, os quais
eram tradicionalmente publicados em jornais oficiais. Com a disponibilização dos
diários através dos sítios eletrônicos, o custo do processo foi reduzido e tornou mais
fácil o acesso dos operadores do direito.
Inicialmente, porém, havia o problema de existirem diversos sítios publicando
os atos nos sistemas de cada Tribunal, o que foi solucionado com a criação do sistema
Push14, pelo qual o causídico após o cadastramento é informado por e-mail de todas as
publicações que ocorreram em seu nome nos diversos Tribunais Nacionais.
Logo, a possibilidade de a qualquer momento os interessados na lide entrarem
no sistema e verem a tramitação do processo garante o direito constitucional a
publicidade dos atos.
13
PERLINGEIRO, Ricardo . O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a publicidade
processual. Revista de Processo, v. 203, p. 149-180, 2012. p.150.
14
No direito brasileiro "consiste no cadastramento do advogado, ou de qualquer do povo, em sistema
eletrônico do tribunal (página na Internet) para o fim de receber e-mails informativos do andamento de
processos. O acompanhamento processual pelo sistema PUSH não implica em intimação relativa aos atos
processuais, e, portanto, não gera prazo a ser cumprido pelos advogados". Está relacionado ao serviço
chamado Push media pelo qual o cliente recebe informações da internet sem a necessidade de permanecer
navegando todo o tempo.
!14
Observa-se que o princípio da publicidade foi um dos princípios mais
beneficiados com o advindo da informatização dos processos, eis que não somente as
partes tem um melhor acesso aos processos como a população em geral, que utiliza
deste princípio como fiscalizador da jurisdição.
Além disso, em razão da promulgação do novo CPC, em março de 2015, deve
ser avaliada a manutenção desse princípio, dada a sua importância para o tema aqui
estudado. Assim, vemos que o princípio da publicidade previsto no art. 155 do CPC
agora vem no novo CPC previsto no art. 189, que traduz:
Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam
em segredo de justiça os processos:
I - em que o exija o interesse público ou social;
II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio,
separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de
crianças e adolescentes;
III - em que constem dados protegidos pelo direito
constitucional à intimidade;
IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento
de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na
arbitragem seja comprovada perante o juízo.
§ 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em
segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às
partes e aos seus procuradores.
§ 2o O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer
ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de
inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação.
Ainda sobre o novo CPC, também cabe citar sobre o Princípio da
Instrumentalidade das Formas, previsto no art. 154 do CPC, e mantido no art.188 do
novo CPC, também importante, estabelecendo:
Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma
determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir,
considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe
preencham a finalidade essencial.
Relevante destacar que o parágrafo único do artigo 154 convalida os atos
processuais por meios eletrônicos em atenção ao aludido princípio, assim dispondo:
Art. 154 - omissis
Parágrafo único - os Tribunais, no âmbito da respectiva
jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial
dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os
requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e
interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileiras - ICP-Brasil.15
15
Verificamos a presença de dispositivo semelhante no novo CPC nos artigos 193 e seguintes, que
regulam a prática de atos processuais pelo meio eletrônico.
!15
Todavia, o princípio da instrumentalidade das formas vem sendo aplicado de
forma mitigada, obedecendo mais ao rigor do formalismo do que à própria intenção do
ato processual. Nesse sentido, traz-se à colação o aresto do STJ cuja relatora foi a
Ministra Nancy Andrighi que censurou a reprodução de uma assinatura, por meio do
escanemanento, assim afirmando:
A reprodução de uma assinatura, por meio do escaneamento,
sem qualquer regulamentação, é arriscada na medida em que
pode ser feita por qualquer pessoa que tenha acesso ao
documento original e inserida em outros documentos. Não há
garantia alguma de autenticidade, portanto.
A aplicação do princípio da instrumentalidade das formas,
invocado pelas recorrentes, deve encontrar limites exatamente
no princípio da segurança jurídica. Não se trata de privilegiar
a forma pela forma, mas de conferir ao jurisdicionados,
usuários das modernas ferramentas eletrônicas, o mínimo de
critérios para garantir a autenticidade e integridade de sua
identifcação no momento da interposição de um recurso ou de
apresentação de outra peça processual.
O disposto no artigo 365 do CPC não legitima a utilização da
assinatura digitalizada para interposição de recursos no
âmbito desta corte. Recurso Especial Não conhecido.16
Por fim, o novo Código de Processo também traz em seu artigo 11 que "Todos
os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos", mantendo o princípio
para os processos futuros, dada a importância da transparência dos atos processuais.
Entendidos os diversos princípios que atuam no processo eletrônico, e sua
aplicação, cabe o enfoque quanto à publicidade dos atos processuais e sua importância
quanto à divulgação das informações contidas no processo, cujo tema será abordado no
próximo capítulo.
IV. O DIREITO À INTIMIDADE E O DIREITO DE ESTAR SÓ
Todo brasileiro tem direito ao respeito de sua intimidade. É o que determina o
inciso X do art. 5º da Constituição Federal, e complementa: não só o cidadão brasileiro
16
STJ. REsp nº. 1.442.887-BA (2013/0080078-8). Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgado 06 de maio de
2014.
!16
tem o direito à sua privacidade, como tal direito é inviolável, assim como a sua
intimidade, sua honra, e sua imagem17.
Há também dispositivo no atual Código Civil sobre o direito à privacidade, o
qual em seu artigo 21 não só reitera a inviolabilidade da vida privada como também
menciona que o juiz deve adotar as medidas cabíveis para impedir ou cessar ato
contrário à privacidade, mediante requerimento de interessado que teve seu direito
invadido.18
Pois bem, com base nessa proteção, deve ser avaliado o conceito de
privacidade, tal qual o de intimidade, perante os diversos entendimentos doutrinários e
adequá-los ao propósito do presente estudo.
Segundo depreende-se da obra de Alexandre de Moraes, o direito à intimidade
é espécie do gênero "vida privada", visto que este engloba todos os outros por possuir
uma definição mais abrangente. Assim conceitua:
Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção
constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo
intransponível por intromissões ilícitas externas.
A proteção constitucional consagrada no inciso X do art. 5º refere-se
tanto à pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas, abrangendo,
inclusive, à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de
comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas etc.).
Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam
grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da
menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de
incidência do segundo.
Assim, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo
da pessoa , suas relações familiares e de amizade, enquanto vida
privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive
os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo
etc.19
O autor faz referência em mesma obra sobre decisão do STF sobre a utilização
da imagem da pessoa sem autorização:
Direito à proteção da própria imagem, diante da utilização de
fotografia em anúncio com fim lucrativo, sem a devida
autorização da pessoa correspondente. Indenização pelo uso
17
Artigo 5º, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
18
Art. 21, CC - A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado,
adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
19
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 54.
!17
indevido da imagem. Tutela jurídica resultante do alcance do
direito positivo.20
Já Guilherme Peña de Moraes21, em seu livro, classifica os direitos contidos no
inciso X (intimidade, privacidade, honra e imagem) como direitos à integridade moral, a
qual se caracteriza como um valor social e moral da pessoa humana.
Esta categorização, entretanto, se enquadraria apenas no que se refere à pessoa
física, e não jurídica, a qual não seria passível de sentir uma lesão moral em seu âmago,
visto que inumana e inanimada. Esse entendimento se depreende da expressão
"humana" dada pelo autor, e que irá ser abordada separadamente pelo mesmo ao
diferenciar a intimidade da privacidade.
O direito à intimidade refere-se à exclusão do conhecimento de outros tudo que
se refira ao comportamento do indivíduo, ao seu modo de ser, seus traços de
personalidade, enquanto o direito à privacidade refere-se à guarida da convivência do
indivíduo na sociedade que integra, sua relação com outras pessoas.
Especifica, ainda mais, a intimidade em interior e exterior, sendo a primeira
envolta em uma natureza física e mental, inerente ao homem fora da coletividade, visto
que o "indivíduo afasta-se da multidão, recolhendo-se ao seu refúgio" enquanto a
segunda trata da natureza psicológica, sendo inerente ao homem dentro da coletividade,
posto que "mesmo imerso no tumulto coletivo, o indivíduo se isola, decretando-se
alheio e impenetrável às solicitações dos que o rodeiam"22.
Guilherme Peña leciona ainda que o direito à privacidade é relativo à
convivência entre as pessoas delimitada por três esferas concêntricas e sobrepostas, a
saber: a esfera social, a esfera privada, e a esfera individual ou íntima.23
Na esfera social, as pessoas humanas procuram satisfazer os seus interesses
enquanto membros da sociedade, cujos fatos são suscetíveis de conhecimentos por
20
2ªT. - Rext. nº 91328/SP - v.u. - Rel. Min. Djaci Falcão, Diário da Justiça, Seção I, 11 dez.1981, p.
12.605.
21
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
22
COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só: Tutela da Intimidade in Revista dos Tribunais,
n. 713. São Paulo: RT, 1995, p. 87. Apud. MORAES, Guilherme Peña de. 2014. p.566.
23
MORAES, Guilherme Peña. op. cit. p. 567.
!18
todos. Já na esfera privada, as pessoas procuram satisfazer os seus interesses enquanto
membros de uma comunidade, compreendendo fatos que podem ser compartilhados
com um número restrito de pessoas. Na esfera individual ou íntima, as pessoas
procuram satisfazer os seus interesses isoladas do grupo social, resguardadas as suas
particularidades, contemplando fatos que estão subtraídos do conhecimento de todas as
outras.24
Tércio Sampaio ratifica o entendimento acima exposto ilustrando:
No que diz respeito à vida privada, é a informação de dados
referentes às opções da convivência, como a escolha de amigos,
a freqüência de lugares, os relacionamentos civis e comerciais,
ou seja, de dados que, embora digam respeito aos outros, não
afetam, em princípio, direitos de terceiros (exclusividade da
convivência).
Pelo sentido inexoravelmente comunicacional da convivência,
a vida privada compõe, porém, um conjunto de situações que,
usualmente, são informadas sem constrangimento. São dados
que, embora privativos - como o nome, endereço, profissão,
idade, estado civil, filiação, número de registro público oficial,
etc.-, condicionam o próprio intercâmbio humano em
sociedade, pois constituem elementos de identificação que
tornam a comunicação possível, corrente e segura.25
Ricardo Perlingeiro leciona que o acesso à informação não se limita ao Poder
Legislativo nem ao Executivo, mas também se estende ao Poder Judiciário, não apenas
quanto às suas funções administrativa atípicas, mas, especialmente, quanto à prestação
jurisdicional.26
Contudo, uma questão ponderada por Perlingeiro merece reflexão, ou seja, um
documento particular submetido ao Tribunal deve ser divulgado como público?
Nesse sentido, vale trazer as lições de Stefano Rodotá, doutrinador italiano que
ressalta:
(...) parece cada vez mais frágil a definição de 'privacidade",
demonstrando assim que indivíduos e grupos controlam o
24
JENNINGS, Charles. Direito à Privacidade São Paulo: Futura, 2000, p. 51.
25
SAMPAIO, Tércio. Sigilio de Dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do
Estado. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67231/69841> Acesso em
12/04/2015.
26
PERLINGEIRO, Ricardo. O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a publicidade
processual. Revista de Processo, 2012. p. 156
!19
exercício de poderes baseados na disponibilização de
informações.27
Destaca Rodotá que as novas formas de coleta e tratamento de informações
possibilitadas sobretudo pelos recursos a computadores, no qual adiciona-se dados a
instituições públicas e privadas é uma realidade comum a todas as organizações sociais
modernas.28
Faz-se necessário delinear uma fronteira de proteção de dados frente às
inovações tecnológicas para a tutela das liberdades individuais e também ao direito à
informação.
Ulrich Beck afirma que um dos pontos mais essenciais que distinguem a
primeira modernidade da segunda é a "irreversibilidade do sucesso da globalidade".29
Anthony Giddens disserta que com o advento da modernidade, a
reflexibilidade assume um caráter diferente, com a rotinização da vida cotidiana, não
tendo nenhuma conexão intrínseca com o passado. A reflexivilidade da vida social
moderna consiste assim no fato de que as práticas sociais são constantemente
examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas,
podendo ser alteradas a partir de descobertas sucessivas que passam a informá-las.30
Com o advento da sociedade de tecnologia de informação, vinculada à
modernidade, os conflitos envolvendo o direito à informação e o direito à privacidade
são cada vez mais constantes no nosso dia a dia.
A crítica feita pelos doutrinadores envolvendo "a modernidade reflexiva"
envolve o dinamismo da sociedade moderna que está acabando com os conceitos
tradicionais relacionando a família como célula nuclear, os papéis do sexo, e inclusive o
direito à privacidade, afirmando que o progresso pode transformar em auto-destruição
dos conceitos, direitos e interesses.
27
RODOTÁ, Stefano. A vida na Sociedade de Vigilância: A privacidade hoje/ Maria Celina Bodim de
Moraes (Org)/ Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda (trad). Rio de Janeiro. São Paulo. Recife:
Renovar, 2008. p. 24.
28
RODOTÁ, op. cit. p.24.
29
BECK, Ulrich. O que é Globalização?; Trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 203.
30
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade; Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Editora
UNESP, 1991, p. 45.
!20
No Brasil, o direito de acesso à informação está previsto no art. 5, inciso
XXXIII que estabelece:
(...) todos tem direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo
ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança
da sociedade e do Estado;31
O artigo 37, §3º, inciso II, da Constituição Federal, estabelece que a lei
disciplinará a forma de participação do usuário na administração pública direta e
indireta regulando especialmente o acesso dos usuários a registros administrativos e as
informações sobre atos de governo, sendo certo que o artigo 216, §2º, do texto
constitucional assevera que cabem à Administração Pública, na forma da lei a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos
dela necessitem.
A lei 12.527/2011 regulamenta o direito constitucional de acesso às
informações públicas, sendo que essa norma entrou em vigor em 16 de maio de 2012,
criando mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa física ou jurídica, sem
necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e
entidades, valendo esta lei para os três poderes da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
Contudo, cumpre destacar que o "direito ao esquecimento" ou o "direito de
estar só" é um direito que o cidadão possui que determinado fato seja exposto ao
público, causando sofrimento ou transtornos em sua vida.32
E certo a frase que a internet não esquece. Este direito ao esquecimento vem
sendo reconhecido pela Jurisprudência estrangeira, conforme decisão da Corte Européia
de Justiça reconhecendo que os usuários tem o direito de pedir a exclusão de sites de
busca que apresente informações pessoais desatualizadas ou imprecisas.
Nesse caso específico, foi requerido ao Tribunal de Justiça da União Européia
(TJUE) que os resultados de busca pelo nome de usuário, relacionados à venda de uma
31
32
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.
O direito ao esquecimento também é chamado de "direito de ser deixado em paz" ou "direito de estar
só". Nos Estados Unidos, o direito ao esquecimento é conhecido como "the right to be left alone" e está
relacionado intimamente ao direito à privacidade, "right to privacy". http://jus.com.br/artigos/28362theright-to-be-let-alone-consideracoes-sobre-o-direito-ao-esquecimento#ixzz3QfBT2mc
!21
casa para pagar dívidas ocorrida há vários anos fossem apagados, denominando assim
de direito de ser esquecido ou right to be forgotten.33
O STJ também vem proferindo decisões envolvendo o tema direito ao
esquecimento, como por exemplo, reportagens veiculadas no programa Linha Direta, da
TV Globo, como a Chacina da Candelária, no qual a pessoa obteve o direito à
indenização por danos morais por ter seu nome veiculado no programa citado que
tratava do episódio ocorrido em 1993, no Rio de Janeiro. Conforme a decisão, a menção
ao nome do acusado, que acabou absolvido, causou danos à sua honra, já que ele teve o
direito de ser esquecido reconhecido.34
Por outro lado, o próprio STJ reconheceu que não deve ser aplicado esse
direito em detrimento do direito à divulgação, como no caso envolvendo o processo da
Xuxa em face da Goggle. Na década de 1990 a apresentadora Xuxa conseguiu tirar das
locadoras do país "Amor Estranho Amor" (1979), no qual ela protagoniza cenas eróticas
com uma criança. Entretanto, as imagens foram parar na internet, e, em 2010, a
apresentadora entrou com uma ação que buscava impedir o site de buscas de listar
resultados referentes aos termos "Xuxa", "pedofilia" e semelhantes. Em 2012, o STJ
considerou que a Goggle não deve fazer controle prévio dos conteúdos publicados na
web por meio da eliminação de resultados de busca. Logo, prevalece o direito à livre
divulgação sobre o direito ao esquecimento.
Em artigo publicado em livro coordenado por Guilherme Magalhães Martins, a
Profª. Thaita Campos Trevizan traz outra decisão do STJ na qual foi deferida a retirada
de conteúdo ofensivo da rede mundial de computadores dentro do prazo de 24 horas
pelo provedor, sob pena de responder solidariamente com o autor do dano por se tratar
de omissão praticada.35Segue a ementa desta decisão:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. REDES SOCIAIS.
MENSAGEM OFENSIVA. CIÊNCIA PELO PROVEDOR.
REMOÇÃO. PRAZO. 1. A velocidade com que as informações
33
GUTIERREZ, Felipe. Venci o Google. Publicado em 23 de maio de 2014. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/167235-venci-o-google.shtml.>
34
BARAN, Katna. Os limites do direito de ser esquecido. Publicado em 14 de junho de 2013. Disponível
em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id=1381368&tit=Oslimites-do-direito-de-ser-esquecido>
35
TREVIZAN, Thaita Campos. A tutela da imagem da pessoa humana na internet na experiência
jurisprudencial brasileira. in MARTINS, Guilherme Magalhães (coord.). Direito Privado e Internet. São
Paulo: Atlas, 2014, p. 190.
!22
circulam no meio virtual torna indispensável que medidas
tendentes a coibir a divulgação de conteúdos depreciativos e
aviltantes sejam adotadas célere e enfaticamente, de sorte a
potencialmente reduzir a disseminação do insulto, minimizando
os nefastos efeitos inerentes a dados dessa natureza. 2. Uma vez
notificado de que determinado texto ou imagem possui
conteúdo ilícito, o provedor deve retirar o material do ar no
prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de responder
solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da
omissão praticada. 3. Nesse prazo de 24 horas, não está o
provedor obrigado a analisar o teor da denúncia recebida,
devendo apenas promover a suspensão preventiva das
respectivas páginas, até que tenha tempo hábil para apreciar a
veracidade das alegações, de modo a que, confirmando-as,
exclua definitivamente o perfil ou, tendo-as por infundadas,
restabeleça o seu livre acesso. 4. O diferimento da análise do
teor das denúncias não significa que o provedor poderá
postergá-la por tempo indeterminado, deixando sem satisfação
o usuário cujo perfil venha a ser provisoriamente suspenso.
Cabe ao provedor, o mais breve possível, dar uma solução final
para o conflito, confirmando a remoção definitiva da página de
conteúdo ofensivo ou, ausente indício de ilegalidade,
recolocando-a no ar, adotando, nessa última hipótese, as
providências legais cabíveis contra os que abusarem da
prerrogativa de denunciar. 5. Recurso especial a que se nega
provimento.36
O assunto do direito ao esquecimento foi alvo de debate na 6ª Jornada de
Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, no ano de 2013, criando o Enunciado
53137.
Assim, o direito fundamenta à inviolabilidade da sua intimidade, vida privada,
honra, e imagem, são direitos assegurados no inciso X do art. 5º da carta magna,
conforme evidenciado anteriormente, sendo certo que essa proteção também é trazida
no art. 21 do CC e na Lei 12.965/2014, também conhecida como Marco Civil, que
estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da internet no Brasil,
destacando o art. 7º desta, que fala sobre a inviolabilidade da intimidade e da vida
privada sob sua tutela, trazendo a possibilidade de indenização decorrente de sua
violação.
36
STJ. REsp nº. 1.323.754/RJ (2013/0080078-8). Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgado em 12 de
junho de 2012.
37
Enunciado 531: a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao
esquecimento. Justificativa: os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vem-se
acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das
condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não
atribui a ninguém o direito de pagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a
possibilidade de discutir o uso que é dado ao fatos pretéritos, mas especificamente o modo e a finalidade
com que são lembrados.
!23
Tércio Sampaio entende que alguns dados do indivíduo, embora privativos,,
condicionam o próprio intercâmbio humano em sociedade, pois constituem elementos de
identificação que tornam a comunicação possível, corrente e segura. Contudo, deve haver
segredo sobre outros, conforme leciona:
Por isso, a proteção desses dados em si, pelo sigilo, não faz
sentido. Assim, a inviolabilidade de dados referentes à vida
privada só tem pertinência para aqueles associados aos
elementos identificadores usados nas relações de convivência,
as quais só dizem respeito aos que convivem.
Dito de outro modo, os elementos de identificação só são
protegidos quando compõem relações de convivência
privativas: a proteção é para elas, não para eles.
Em conseqüência, simples cadastros de elementos
identificadores (nome, endereço, R.G., filiação, etc.) não são
protegidos. Mas cadastros que envolvam relações de
convivência privadas (por exemplo, nas relações de clientela,
desde quando é cliente, se a relação foi interrompida, as razões
pelas quais isto ocorreu, quais os interesses peculiares do
cliente, sua capacidade de satisfazer aqueles interesses, etc.)
estão sob proteção. Afinal, o risco à integridade moral do
sujeito, objeto do direito à privacidade, não está no nome, mas
na exploração do nome, não está nos elementos de
identificação que condicionam as relações privadas, mas na
apropriação dessas relações por terceiros a quem elas não
dizem respeito. Pensar de outro m o d o seria tornar impossível,
no limite, o acesso ao registro de comércio, ao registro de
empregados, ao registro de navio, etc, em nome de uma
absurda proteção da privacidade.38
Depreende-se da leitura de Tércio que o sigilo não deve recair sobre as informações
privadas, como dados de registro da pessoa (identificação civil, matrícula em órgão público,
etc.) mas sim sobre aquelas íntimas, as quais tratam de relações entre indivíduos que caso
divulgadas, trariam constrangimento e causariam dano de natureza moral de difícil ou
impossível reparação aos envolvidos.
O referido sigilo, neste sentido, deve recair sobre quaisquer documentos tragam
conteúdo de intimidade, ainda que possuam certo viés de publicidade, como por exemplo,
declaração de imposto de renda, cujas informações devem ser cedidas tão somente ao órgão
fiscalizador governamental e a ninguém mais.
V. O ACESSO À INFORMAÇÃO E A PRIVACIDADE DOS AUTOS
ELETRÔNICOS
Conforme mencionado no capítulo anterior, os atos processuais são públicos,
obedecendo assim o princípio da publicidade.
38
SAMPAIO, Tércio. op. cit.
!24
O processo eletrônico não é exceção a tal princípio, devendo os registros
consignados através de meios eletrônicos atingir ampla transparência.
Contudo, o sigilo da documentação nos autos é possível no processo
eletrônico? Cabe aqui trazer um acórdão em processo cujo relator foi o Min. Ricardo
Lewandowski, no qual foi reconhecida a necessidade de restrição de acesso aos autos
por terceiros, cabendo o acesso aos documentos instrutórios somente aos legitimados
com base no art. 155, I do CPC, conforme segue:
Aprecio, em primeiro lugar, o pedido da empresa requerente
para que seja atribuído tratamento sigiloso aos documentos
internos a estes autos de suspensão de tutela antecipada. A
razão para a restrição de acesso consiste no fato de, nos
documentos anexos, haver uma série de informações de
parceiros comerciais cujos dados podem ser considerados
sigilosos, circunstância indicativa de que não devem ser
acessados publicamente. Entendo que essa razão é suficiente
para justificar a restrição de acesso àqueles documentos, dada
a necessidade de preservar a relação da requerente com seus
parceiros comerciais. Aplica-se aqui o contido no inc. I do art.
155 do CPC. Nesse contexto, atento ao embasamento legal do
pedido da requerente, decreto a restrição de acesso aos
documentos instrutórios apenas às partes, aos advogados da
ação e ao Procurador-Geral da República, mas permanece
público o acesso às petições e decisões.39
Esta restrição, de dar tratamento sigiloso aos documentos internos, é necessária
para manter a privacidade e impedir de ser acessados publicamente? Ate que ponto
impedir o cidadão de ter acesso a estes documentos internos resguarda as
particularidades de uma esfera privada, sendo que o interesse é público?
Conforme citado por Guilherme Peña, na esfera social, as pessoas humanas
procuram satisfazer os seus interesses enquanto membros da sociedade, cujos fatos são
suscetíveis de conhecimentos por todos. Já na esfera privada, as pessoas procuram
satisfazer os seus interesses enquanto membros de uma comunidade, compreendendo
fatos que podem ser compartilhados com um número restrito de pessoas. Na esfera
individual ou íntima, as pessoas procuram satisfazer os seus interesses isoladas do
grupo social, resguardadas as suas particularidades, contemplando fatos que estão
subtraídos do conhecimento de todas as outras.40
39
Diário da Justiça Eletrônico. Processo 00355171020148080024. STF. Relator Min. Ricardo
Lewandowski. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20141218_250.pdf>
Acesso em 16/04/2015.
40
JENNINGS, Charles. Direito à Privacidade. São Paulo: Futura, 2000, p. 51.
!25
O novo Código de Processo Civil conforme citado, ressalta a importância da
publicidade dos atos processuais, in verbis:
Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam
em segredo de justiça os processos:
I - em que o exija o interesse público ou social;
II - que versem sobre casamento, separação de corpos,
divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda
de crianças e adolescentes;
III - em que constem dados protegidos pelo direito
constitucional à intimidade;
IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento
de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na
arbitragem seja comprovada perante o juízo.
§ 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em
segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às
partes e aos seus procuradores.
§ 2o O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer
ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de
inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação.
O professor Ricardo Perlingeiro, conforme acima descrito, reflete qual o limite
da divulgação dos atos processuais por meio eletrônico, considerando que a constituição
federal assegura o direito do cidadão à informação, e o mesmo texto constitucional
também tutela o direito à privacidade de dados pessoais.
Contudo, para avaliar a publicidade dos autos eletrônicos, necessário se faz
destacar o conceito do que seria um documento eletrônico.
O processo eletrônico, como já dito, trata-se de uma inovação tecnológica para
armazenamento dos documentos físicos no ambiente digital, de modo a ter um fácil
acesso aos autos. Dessa forma, desde a digitalização dos documentos físicos até a sua
inserção no sistema eletrônico do Tribunal
Entretanto, não se limita à digitalização das provas obtidas no mundo físico,
podendo se valer de conteúdo produzido em ambiente virtual.
Humberto Dalla diz que a publicidade dos atos processuais, trazida pela
Constituição em seus artigos 5º, LX e 93, IX, constitui uma projeção do direito
constitucional à informação e suporte para a efetividade do contraditório, garantindo o
controle da sociedade sobre a atividade jurisdicional desenvolvida.
Todavia, o conceito de publicidade abordado aqui não engloba tão somente o
contido na norma quanto aos atos processuais legítimos. Para uma análise mais
aprofundada, e adequação ao tema aqui trazido, deve-se entender como público não
somente os atos processuais proferidos pelo Juízo no decorrer do processo, mas também
!26
tudo aquilo que pode ser acessado por terceiros não interessados no processo após o seu
upload para o ambiente digital.
Assim, entende-se que quaisquer documentos constantes dos autos eletrônicos,
seja ele fornecido pelas partes ou digitado em cartório, faz parte de um ambiente virtual
que pode ser facilmente acessado por terceiros que não possuem qualquer interesse nos
autos.
Para melhor compreensão, deve ser evidenciado como o Direito brasileiro trata
o documento eletrônico, pois, trazendo entendimento das idéias de Leonardo Greco, na
obra de Marco Aurélio Greco, Direito e Internet41, um dos caminhos a serem seguidos
para a consecução do Processo Eletrônico seria a regulamentação do que seria o
documento eletrônico.
Em primeiro momento, podemos ver a definição de documento eletrônico
trazida pelo PLS nº. 672/99, que em seu art. 2º o define como "a informação gerada,
enviada, recebida, armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, optoeletrônicos ou similares", mas tal definição não torna o conceito de documento
eletrônico rígido, eis que, advindo novas formas de tecnologia, a norma teria de sofrer
alteração.
A virtualização do documento ou a criação do mesmo no meio eletrônico não
ilide sua força probante, conforme afirmam José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda
Alvim Wambier: "Considera-se documento qualquer representação material de um fato.
Assim, filmes, fotografias, documentos eletrônicos (considera-se ex vi legis,
documentos), são cada um ao seu modo, documentos"42.
Logo, não só a cópia digital de documentação física passa a ser considerada
como documento para a constituição dos autos eletrônicos como também quaisquer
documento produzido virtualmente, tais como telas "congeladas" de páginas de sites,
arquivos de vídeos postados na web, ou mesmo um link que direciona para um local na
web onde podem ser encontradas as provas informadas.
41
GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Direito e Internet - Relações
Jurídicas na Sociedade Informatizada. São Paulo: RT, 2001.
42
MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno. São Paulo:
RT, 2009, v. 1, p. 217.
!27
Tal façanha pode ser feita inclusive pelo serviço de dropbox, onde os
documentos ficam armazenados nas "nuvens" dos servidores e a pessoa que tiver acesso
a esse link irá ser direcionada ao documento desejado.
Nesse sentido, poderia uma parte apresentar como prova uma tela de uma
página sua em uma rede social, a qual possui base para o fundamento de seu pedido,
sem que esta prova fosse refutada pelo Juízo, desde que relevante para o processo.
Entende-se, portanto, que ao se tratar de documento eletrônico, deve ser dada
uma abrangência maior ao seu conceito, não podendo limitá-lo apenas àquele produzido
a partir de processador de texto, visto que a fotografia digital ou o conteúdo de um site
não são produzidos por tal programa e ainda assim devem ser considerados como
documento eletrônico. Desse modo define João Batista Lopes: "uma representação de
um ato ou um fato, por meio de suporte material eletrônico, ou seja, que tenha sido
produzido eletronicamente"43.
A lei 11.419/06 determina em seu artigo 11 que os documentos eletrônicos
serão considerados originais para todos os efeitos legais, legitimando o pensamento aqui
exposto.44
Tarcisio Teixeira informa que o regulamento jurídico para os documentos
eletrônicos se deu pela Medida Provisória 2.200/01, que criou a infra-estrutura das
chaves públicas brasileiras - ICP-Brasil, a fim de garantir autenticidade, integralidade e
validade jurídica em documentos eletrônicos, composta de uma autoridade estatal,
gestora, da política, e das normas técnicas de certificação.45
O art. 4º da Lei 12.527 de 2011, que regula o acesso à informações previsto no
inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da
Constituição Federal define o documento eletrônico como uma unidade de registro de
informações, qualquer que seja o suporte ou formato, dando uma abrangência maior à
sua interpretação.
43
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 185/186.
44 Art.
11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia
da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os
efeitos legais.
45
TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico: doutrina, jurisprudência e prática. São
Paulo: Saraiva, 2013, op. cit., p. 106.
!28
Em adendo, o novo CPC, Lei 13.105 de 2015, também dispõe sobre os
documentos eletrônicos, tanto sua utilização nos processos convencionais (físicos)
quanto nos processo eletrônicos, tratando sobre aquele nos artigos 439 a 441, e sobre
estes apenas quanto à sua força probante no artigo 422, §1º, e somente se tratando de
fotografia extraída da rede mundial de computadores.
O novo código traz também os procedimentos acerca da prática eletrônica de
atos processuais, em sua Seção II do Capítulo I do Título I do Livro IV, que dita sobre
os atos processuais, e sua forma.
A referida seção apresenta no art. 193 a possibilidade dos atos processuais
serem totalmente digitais, "de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados,
armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei".
O artigo 194 versa sobre a publicidade dos atos e o acesso das partes ao
processo eletrônico, devendo o sistema de automação processual respeitar tais preceitos,
inclusive observando as "garantias da disponibilidade, independência da plataforma
computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e
informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções".
Em seguida, devemos entender como pode ser acessado o documento
eletrônico no servidor do tribunal, o que também é trazido pelo Código promulgado, no
art. 195 e seguintes, cabendo aqui uma análise individual dos artigos 195 e 196, dada
sua importância:
Art. 195. O registro de ato processual eletrônico deverá ser
feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de
autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio,
conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça,
confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves
públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei.
Conforme trazido pelo artigo acima, os atos processuais eletrônicos devem ser
perpetuados através da utilização das chaves públicas, inovação que foi implementada
no sistema jurídico brasileiro pela MP 2.200 de 2001.
Através da ICP-Brasil, é concedida autenticidade, integridade e validade
jurídica aos documentos em forma eletrônica, tal qual às aplicações de suporte e das
aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, e ainda à realização de
transações eletrônicas seguras, que deve ser tratada de forma uniforme em prol da
segurança jurídica. Tal posicionamento foi adaptado do veto presidencial com enfoque
!29
na MP 2200-2/2001, ao impedir a inclusão do parágrafo único no art. 154 do CPC/73,
que somente veio a ser inserido 5 anos após, em 2006, com o advento da Lei nº. 11.280,
que trouxe a utilização da ICP-Brasil para o processo civil.
Art. 196.
Compete ao Conselho Nacional de Justiça e,
supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a
comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e
velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a
incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e
editando, para esse fim, os atos que forem necessários,
respeitadas as normas fundamentais deste Código.
O art. 196 reitera a importância da uniformização do sistema de infraestrutura
de chaves públicas brasileiras para todos os atos processuais eletrônicos, atribuindo ao
CNJ, prioritariamente, a regulamentação da prática e comunicação dos atos processuais
e a compatibilidade dos sistemas, tendo os tribunais um controle supletivo de tais
sistemas.
O CNJ de fato vem sendo o grande patrono das mudanças tecnológicas no
processo brasileiro, editando atos que implementam os diversos sistemas eletrônicos
utilizados pelos tribunais (ou SGBD), como o PROJUDI, eSAJ, PJe, EJUD, DPC,
dentre outros.
Em 18 de dezembro de 2013, o CNJ editou a Resolução nº 185, a qual
oficializou o software PJe - Processo Judicial Eletrônico, já utilizado em 11 Estados
brasileiros no ano de 2014, como o sistema eletrônico que deve ser utilizado para a
prática dos atos judiciais, de modo a estabelecer a supracitada uniformidade dos
sistemas processuais eletrônicos. No entanto, o PJe não exclui a utilização dos demais
sistemas já em uso, de modo que ambos conviverão em harmonia, até um eventual
momento em que terão de se fundir, que ainda resta indeterminado pela dificuldade de
tal ato.
Por fim, deve ser analisada a extensão dos conceitos trazidos pela Lei
12.527/2010 aos autos eletrônicos.
Inicialmente, a norma institui em seu artigo 3º a finalidade de que "os
procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de
acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios
básicos da administração pública", tal qual apresenta diretrizes para embasar tal
objetivo, dentre as quais destacam-se a observância da publicidade como preceito geral e do
!30
sigilo como exceção e a divulgação de informações de interesse público, independentemente de
solicitações.
Outro aspecto relevante refere-se à necessidade do causídico possuir um
certificado eletrônico para o exercício da advocacia. Nos Tribunais Superiores, como
STJ e STF, que adotam o processo digital, o advogado sem esta ferramenta terá
dificuldade de acesso à informação, muito embora os atos processuais sejam públicos,
exige aquisição desta ferramenta que é indispensável à modernização da profissão.
Verifica-se ainda que a promulgação dos atos processuais pela via eletrônica
hoje é uma realidade, não só consolidada pelo novo Código de Processo Civil, mas pela
prática forense. Da mesma forma, a validade da intimação eletrônica traduz um avanço,
celeridade, e concretude, e não estabelece uma violação ao direito processual da parte.
Não verifica-se ilegalidade na comunicação dos atos processuais pelo meio
eletrônico, não só pelo princípio da instrumentalidade das formas previsto no art. 154 do
CPC/73, ratificado no art. 188 do novo CPC, não se cogitando de nenhuma nulidade
processual, conforme já explicitado anteriormente. Logo, trata-se de um avanço no
direito processual.
A validade da intimação eletrônica atende ao princípio da publicidade do ato
processual, não sendo possível o requerimento de devolução de abertura de novo prazo
processual ao argumento de que a parte não foi devidamente notificada.
Necessário o cadastramento do causídico no portal do processo eletrônico do
sítio do Tribunal de Justiça para os fins de validade da intimação eletrônica.
No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça editou a Resolução nº 16 de 2009 do
Órgão Especial, buscando assim se ater aos termos do art. 5º da Lei Federal nº. 11.419
de 2006.46
Nesse sentido, traz-se à colação o acórdão da lavra da Des. Denise Levy
Tredler, cujo julgamento foi proferido em 27/02/2015, na 21ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, cuja ementa é a seguinte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO AGRAVADA QUE
INDEFERIU O REQUERIMENTO DE DEVOLUÇÃO DO
PRAZO RECURSAL. Validade da intimação eletrônica, o que
dispensa a publicação do ato processual no Diário Oficial,
46
Dispõe o artigo 10 da Resolução nº 16 de 2009: Art. 10. As intimações dos Membros do Ministério
Público, dos Defensores Públicos, dos Procuradores dos entes Públicos, dos Advogados e das partes,
serão feitas por meio eletrônico através do sítio do Tribunal de Justiça na internet, na forma
regulamentada por Ato da Presidência, de acordo com o estabelecido no art. 5º da Lei nº. 11.419/2006.
!31
quando o advogado da parte é cadastrado no portal do
processo eletrônico do sítio do Tribunal de Justiça, nos termos
do artigo 5º, da Lei Federal nº 11.419, de 2006, e do art. 10, da
Resolução nº 16, de 2009, do col. Órgão Especial. Ônus do
patrono da parte, em acompanhar as intimações eletrônicas, tal
como exige o inciso VI, do art. 22, da aludida Resolução.
Desinfluente o argumento de ter sido a sentença publicada no
D.O, vez que não invalida a intimação eletrônica realizada na
forma da lei, a par de ter havido outras intimações eletrônicas
realizadas nestes autos. Precedentes jurisprudenciais do egr.
Superior Tribunal de Justiça e desta col. Corte de Justiça.
Recurso a que se nega seguimento, com base no caput, do art.
557 do Código de Processo Civil.
Nos termos do art. 5º, inciso XII, da CF, "é inviolável o sigilo (...) de dados (...)
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".
A doutrina entende que um banco de dados na internet é um conjunto de
conhecimentos que, para o usuário, é visto como uma única ação. A integridade de uma
transação depende de cinco propriedades conhecidas como ACID, correspondendo à
atomicidade, corretude, consistência, isolamento e durabilidade.
A respeito da atomicidade, é entendido como uma transação que não pode ser
executada pela metade, é o denominado princípio do "tudo ou nada". Corretude é uma
transação que deve ser efetuada com o programa que preserva a consistência do banco
de dados, de responsabilidade do programador que codifica a transação. Já a
Consistência é uma transação que se executa se o estado do banco de dados permanecer
consistente após o seu fim. Isolamento surge da necessidade de execuções concorrentes.
Por fim, a durabilidade, quando ocorrer falha no banco de dados, após a execução com
sucesso de uma transação, a durabilidade garante por algum mecanismo, a recuperação
das informações perdidas.47
Dito isto, deve-se atentar que o banco de dados deve ser protegido pelo SGBD
- Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados, que se trata de um conjunto de
programas de computador (softwares) responsáveis pelo gerenciamento de uma base de
dados. Tem como objetivo retirar da aplicação cliente a responsabilidade de gerenciar o
acesso, a manipulação e a organização dos dados. O SGBD possui uma interface para
que seus clientes possam incluir, alterar ou consultar dados previamente armazenados.
47
Orientações de José Carlos de Araújo Almeida Filho. op. cit. p.306/307.
!32
Esse sistema de gerenciamento, ou gestão, de banco de dados varia entre os
Tribunais, conforme já explicado, tendo sido criados sistemas variados para suprir cada
necessidade, podendo coexistir, por exemplo, um sistema para o peticionamento
eletrônico de 1º grau na Justiça Cível, outro para a Justiça Trabalhista e outro para a
Federal.
Logo, observa-se que seria esta uma forma de restrição ao acesso de dados,
visto que o advogado que não tiver cadastro naquele órgão não terá acesso aos autos dos
processos sob seu sistema de banco de dados.
Contudo, o acesso é realmente restrito somente aos processos que tramitam sob
segredo de justiça, cujos autos tenham sido decretados como sigilosos pelo Juízo da
causa. Do contrário, qualquer advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem
dos Advogados do Brasil pode acessar os documentos internos de qualquer processo.
É sabido que os advogados possuem a prerrogativa de obter informações de
qualquer processo, esteja este em andamento ou mesmo findo, desde que não esteja sob
segredo de justiça, direito este estabelecido na Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, inciso
XIII48.
Tal prerrogativa seria uma afronta ao direito à privacidade e intimidade
estabelecidos na Constituição, mas, ainda que pareça existir uma controvérsia, entendo
que o princípio da intimidade, por ser hierarquicamente superior, deve ser privilegiado,
quando posto em cheque com a prerrogativa do causídico não habilitado nos autos do
processo.
Sobre o tema, leciona o Prof. Ricardo Perlingeiro, ao dispor sobre a aplicação
do princípio da publicidade no processo administrativo:
A publicidade, no procedimento administrativo brasileiro,
restringe-se aos atos e às decisões administrativas, de modo
que o acesso aos autos processuais na íntegra, compreendendo
documentos e outros escritos, somente pode ser exercido pelos
interessados (arts. 3º, 11 e 46) e, eventualmente, pelos
advogados. Isto significa dizer que é direito do interessado que
não sejam reveladas as informações em poder da
Administração, referentes à vida pessoal, sigilos profissionais
48
Lei nº 8906/94. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Barasil. Art. 7º
São direitos do advogado: (...)XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou
da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração,
quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;
!33
ou comerciais, a exemplo da lei alemã de procedimento
administrativo.49
E acrescenta, ao tratar sobre o processo judicial, que, o princípio da
publicidade vem sendo interpretado a ponto dos autos e dos documentos das partes
serem disponibilizados integralmente a qualquer pessoa, com ou sem interesse na causa.
Seguindo a crítica apontada por Perlingeiro, entendo que esta restrição, de dar
tratamento sigiloso aos documentos internos, é necessária para manter a intimidade das
partes no processo, tal qual impedir seus dados de serem acessados publicamente, não
cabendo a sua violação por mero capricho.
Nesse sentido, deve sim o Judiciário salvaguardar o interesse particular em
quaisquer casos, não somente aqueles que entender se tratar de assunto que não tenha
repercussão geral, isto porque a lei tão somente refere-se à publicidade dos atos
processuais, e não de seus documentos instrutórios.
VI. CONCLUSÃO
Na sociedade de informação em que vivemos, toda e qualquer informação
passa a ser privilegiada, e de rápido e fácil acesso. Esta passa a ser uma questão a qual o
Judiciário tem de lidar para proteger o interesse das partes e separar o privado do
público.
Ademais, diante dos fatos narrados e da análise apresentada, constata-se que o
processo de informatização somente conseguirá repetir as mesmas violações a direitos e
prerrogativas antes já existentes, agravando-se, pelo advento da complexidade
telemática, a prestação jurisdicional.
Com isso, agregado à facilidade de acesso aos autos por meio de bancos de
dados eletrônicos, compreende-se que o Judiciário deve fortificar o sistema de
gerenciamento de banco de dados de modo que apenas as partes envolvidas no
processo, tal como seus patronos, possuam direito a visualizar os documentos instruídos
nos autos digitais, cabendo a publicidade apenas às decisões do Juízo.
49
PERLINGEIRO, Ricardo. Revista de Processo, 2012.
!34
Assim, pode-se dizer que o meio eletrônico tenta tão somente reproduzir o
ambiente originário, do foro e das secretarias ou cartórios, obviamente que guardadas as
devidas proporções que o ambiente virtual exige, não se propondo a quebrar os já
estabelecidos paradigmas do processo judiciário brasileiro.
A título de exemplificação, seguem alguns casos evidenciados no dia-a-dia
forense, tais quais: as reclamações de advogados, eventualmente veiculadas na
imprensa, de que um determinado sistema de diversos estados não funciona com a
presteza suficiente ou ainda pedidos da OAB de alguns estados para a paralisação da
expansão deste sistema; a existência de dificuldades técnicas como o cumprimento por
instituições financeiras de ordens judiciais documentadas por meio de alvará judicial
eletrônico; as dificuldades de acesso à internet no país por advogados nos interiores e
pelos próprios jurisdicionados, onde segundo dados do IPE – Instituto de Pesquisa
Econômica, menos de 7% (sete por cento) dos lares brasileiros têm acesso à internet por
meio de conexão de banda larga.
A própria OAB tem se preocupado com a realização de cursos e simpósios
relacionados com o treinamento de advogados e estagiários para a utilização dos
sistemas de inclusão digital, mas pouco tem sido feito, escrito ou discutido, sobre o
dano marginal imposto pela implantação do sistema e suas dificuldades, assim como
sobre como este sistema se propõe a sanar os problemas anteriormente existentes, e em
que medida estes não estão sendo agravados.
No aspecto dos dados e documentos digitais contidos no processo eletrônico
constata-se que vigora o principio da publicidade previsto não somente no art. 155 do
CPC(art. 189 do Novo CPC), não sendo lícita a restrição de acesso, salvo os casos que
envolve o direito a intimidade, que deverão ser preservados na forma do art. 5, LX da
CF.
No Brasil, o direito de acesso à informação está previsto no art. 5, inciso
XXXIII que estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações
de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no
prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
!35
Já a publicidade dos atos processuais é consagrada pelo art. 5º, inciso LX, que
diz: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem".
No meu entendimento, os atos processuais devem ser públicos, mas não os
documentos que estão submetidos ao crivo do Poder Judiciário, para não incidir na
violação do direito à intimidade, preservado pela Carta Magna.
No processo eletrônico, os dados e documentos digitalizados devem ser
resguardados pois o Judiciário como guardião não pode ceder às curiosidades populares,
que poderão ser utilizadas de forma constrangedora. Assim, o princípio da
substitutividade deve prevalecer no sentido de substituir a vontade das partes sem
contudo causar danos à intimidade das mesmas que estão sub-rogadas ao poder
judicante.
Não obstante o dever de guarda dos documentos devidamente depositados em
juízo, não deve prosperar em face dos advogados que devem ter livre acesso, sob pena
de responder por responsabilidade pela má utilização ou mau uso destes dados em prol
do princípio maior da ampla defesa.
Conclui-se portanto, com o pensamento de que o processo de informatização
do judiciário foi implementado para adequar-se a apenas um problema: a falta de espaço
nos cartórios tal qual possibilitar maior acesso aos autos. No entanto, acabou criando
outro, que seria a falha na proteção para os dados digitalizados visto o crescente número
de processos judiciais, que podem facilmente ser violados por qualquer advogado
portador de um certificado digital, não havendo sido estabelecido um limite para o
acesso descontrolado, afora a imposição do sigilo.
VII. REFERÊNCIAS
!36
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo
Eletrônico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. São Paulo: RT, 2006, v. 1.
ARBIX, Daniel do Amaral. Processo eletrônico (Lei n. 11.419/06) in As novas reformas do
CPC e de outras normas processuais. org. Maurício Giannico e outro. São Paulo:
Saraiva, 2009.
BARAN, Katna. Os limites do direito de ser esquecido. Publicado em 14 de junho de 2013.
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/
conteudo.phtml?id=1381368&tit=Os-limites-do-direito-de-ser-esquecido> Acesso em
22 de março de 2015.
BECK, Ulrich. O que é Globalização?; Trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra,
1999.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012. v. 1.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Iuris,
2008. v. 1.
CARPENA, Marcio Louzada. Da garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional e o
processo contemporâneo in As garantias do cidadão no processo civil. org. Sérgio
Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. Comentários à Lei do Processo Eletrônico. São
Paulo: Ltr, 2010.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. e outros. Teoria Geral do Processo. 20. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá, 2009
COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só: Tutela da Intimidade in Revista dos
Tribunais: São Paulo, n. 713, 1995.
COSTA, Wille Durte. Títulos de Credito Eletrônicos. Disponível em <http://
w w w. r e v i s t a d i r. m c a m p o s . b r / P R O D U C A O C I E N T I F I C A / a r t i g o s /
willeduartecosta01.pdf.> Acesso em 19/04/2015.
CRUZ, Fabrício Bittencourt da. SILVA, Thais Sampaio da. O processo eletrônico versus
processo físico no contexto do direito fundamental à razoável duração do processo. A
experiência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na redução dos tempos médios
de tramitação processual. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, n. 3, Ano I
(2012). Disponível em: < http://www.idb-fdul.com> Acesso em 22 de março de 2015.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. v. 1.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil Volume 1. 14. ed. Salvador: Juspodivm,
2012.
FLACH, Daisson. Processo e realização constitucional: a construção do “devido processo”. in
Visões críticas do processo civil brasileiro. Coordenadores Guilherme Rizzo Amaral e
Marcio Louzada Carpena. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Juízes e judiciário: história, casos, vidas / Vladimir
Passos de Freitas et al. – Curitiba: Edição do Autor, 2012.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade; Tradução de Raul Fiker. São Paulo:
Editora UNESP, 1991.
GRECO, Leonardo. O processo eletrônico. In: SILVA JÚNIOR, Roberto Roland Rodrigues da
(Org.). Internet e Direito - reflexões doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2001.
!37
GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Direito e Internet Relações Jurídicas na Sociedade Informatizada. São Paulo: RT, 2001.
GRINOVER, Ada Pelegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo.18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
GUTIERREZ, Felipe. Venci o Google. Publicado em 23 de maio de 2014. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/167235-venci-o-google.shtml.> Acesso em
22 de março de 2015.
JENNINGS, Charles. Direito à Privacidade São Paulo: Futura, 2000, p. 51.
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002.
MARTINS, Guilherme Magalhães (coord.). Direito Privado e Internet. São Paulo: Atlas, 2014.
MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno. São
Paulo: RT, 2009.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 18. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1996.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Sexta Série. São Paulo: Saraiva,
1997.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil – Teoria Geral do Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. v. 1.
PERLINGEIRO, Ricardo. A codificação do direito à informação na América Latina. A&C.
Revista de Direito Administrativo & Constitucional, v. 56, p. 1, 2014.
_____________. O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a publicidade
processual. Revista de Processo, v. 203, p. 149-180, 2012.
______________. Information access laws in the world: compilation of national laws,
legislative bills and model codes on the right of access to the official information. 1. ed.
Niterói: Eduff, 2014.
PERLINGEIRO, Ricardo (Org.); RIBEIRO, Fernanda (Org.); SILVA NETO, Maria Luísa
(Org.). Direito e Informação que responsabilidade(s)?. 1. ed. Niterói: Eduff, 2013.
PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2009.
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008.
PORTO, Sérgio Gilberto. USTÁRROZ, Daniel. Lições de Direitos Fundamentais no Processo
Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
RIBEIRO, Fernanda (Org.); SILVA NETO, Maria Luísa (Org.); PERLINGEIRO,
Ricardo (Org.). A informação jurídica na era digital. 1. ed. Porto: Edições
Afrontamento, 2012.
RODOTÁ, Stefano. A vida na Sociedade de Vigilância: A privacidade hoje/ Maria Celina
Bodim de Moraes (Org)/ Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda (trad). Rio de
Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008.
SAMPAIO, Tércio. Sigilio de Dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função
Fiscalizadora do Estado. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/
viewFile/67231/69841> Acesso em 12/04/2015.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil Volume 1. 25. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007.
!38
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros,
2008.
SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 5. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. v. 1.
TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico: doutrina, jurisprudência e prática.
São Paulo: Saraiva, 2013.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. MEDINA, José Miguel Garcia.
Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em 22 de março de 2015.
____. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em 22 de
março de 2015.
____. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8906.htm>. Acesso em 22 de março de 2015.
____.Lei n.º 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 22 de março de 2015.
____.Lei nº. 11.419 de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo
judicial, altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm> Acesso em 22 de março de 2015.
____. Lei nº. 12.527 de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no
inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da
Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei
no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de
1991; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm> Acesso em 22 de março de 2015.
____. Lei nº. 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm> Acesso
em 29 de março de 2015.
Diário da Justiça Eletrônico. Processo 00355171020148080024. STF. Relator Min. Ricardo
Lewandowski. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/
DJE_20141218_250.pdf> Acesso em 16 de abril de 2015.
STJ. REsp nº. 1.442.887-BA (2013/0080078-8). Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgado 06 de
maio de 2014. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?
num_registro=201300800788&dt_publicacao=14/05/2014> Acesso em 16 de abril de
2015.
STJ. REsp nº. 1.323.754/RJ (2012/0005748-4). Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgado em 12
de junho de 2012. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?
registro=201200057484&dt_publicacao=28/08/2012> Acesso em 16 de abril de 2015.
Download

Baixar artigo - Revista MPCON