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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA
INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE LETRAS
HALAN COELHO DA SILVA GUNTHER
A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO
PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: algumas perspectivas
sócio-linguísticas
BARRA DO GARÇAS-MT
2010
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HALAN COELHO DA SILVA GUNTHER
A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO
PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: algumas perspectivas
sócio-linguísticas
Monografia apresentada ao Departamento de Letras, como
requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciado em
Letras- Português e Literatura da Língua Portuguesa pela
Universidade Federal de Mato Grosso, sob a orientação da
Profª Me.Maria Claudino da Silva Brito.
Orientadora: Profª Me. Maria Claudino da Silva
Brito.
BARRA DO GARÇAS-MT
2010
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GUNTHER, Halan Coelho da Silva.
A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO
PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: uma perspectiva sócio-linguística.
UFMT/CUA/ICHS, 2010.
71 f.
Monografia apresentada ao Departamento de Letras, como requisito
parcial para obtenção do Grau de Licenciado em Letras-Português e
Literatura da Língua Portuguesa pela Universidade do Estado de Mato
Grosso, sob a orientação da Profª Me. Maria Claudino da Silva Brito.
1. Educação 2. Linguagem 3. Cadeia Pública 4. Reeducandos.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA
INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE LETRAS
HALAN COELHO DA SILVA GUNTHER
A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO
PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: algumas perspectivas
sócio-linguísticas
Aprovado pela Banca Examinadora em _____/_____/_____Nota________
______________________________________
Profª. Me. Maria Claudino da Silva Brito
Orientadora
______________________________________
Profª. Me. Ana Maria Penalva Mancini
Examinadora
______________________________________
Prof. Me. Eliel Ferreira da Silva
Examinador
Barra do Garças-MT,______de_____________________de 2010.
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DEDICATÓRIA
À minha querida mãe, pelo exemplo que representa para mim, pela
perseverança, amor à vida e coragem para seguir em frente,
sempre.
À minha esposa Adline, minha companheira, pessoa que me faz
crescer cada dia mais, parte integrante nessa conquista.
Aos filhos, fontes de inspiração.
À Profª Me. Maria Claudino da Silva Brito, minha orientadora, pela
atenção e agradável companhia nessa busca pelo conhecimento.
Aos meus colegas de curso, pela colaboração para o meu
conhecimento.
Aos companheiros de labuta, colegas de trabalho, verdadeiros
irmãos, símbolos de fé, entusiasmo e perseverança para conquistar
vitórias.
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AGRADECIMENTOS
À Deus, pela oportunidade de usufruir do amargo e do doce da vida.
À minha mãe, por todo o esforço em proporcionar-me o que de melhor estivesse a
seu alcance, principalmente a educação familiar, a moral e ao respeito as pessoas.
À minha esposa, que ensina-me a viver com responsabilidade, respeito e alegria.
Aos educadores que contribuíram não só para o meu crescimento acadêmico, mas
para a vida, mostrando-me a diferença entre indivíduo e pessoa, homem de
humano.
Aos amigos e aos inimigos, pois todos estão inseridos em meu processo de
crescimento.
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“O que é persuasivo é o caráter de quem fala e
não a sua linguagem”
(Menandro)
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RESUMO
O ambiente prisional no qual os reeducandos de cadeias públicas e presídios são
inseridos favorece o desenvolvimento de novos significados das palavras, uma nova
forma se comunicar que difere daquelas utilizadas no ambiente externo ao cárcere.
Neste sentido, esta pesquisa teve como fito estudar a linguagem oral utilizada como
meio de comunicação em uma Cadeia Publica de Barra do Garças-MT, verificando
alguns fatores que motivam os reeducandos a usarem tal dialeto. Para tanto,
realizou-se uma pesquisa por meio de entrevistas, com os detentos que cumprem a
sua pena em regime fechado na cadeia pública, assim como com os agentes
prisionais que mantém contato direto com os presos. Com essa pesquisa foi
possível observar o quão forte é a variação lingüística praticada pelos apenados
para se comunicarem assim como, poderem elaborar planos e estratégias para
conseguirem vantagens dentro da cadeia. No meio prisional, forma-se uma
sociedade organizada, com normas específicas, códigos secretos, linguagens
próprias. Aqueles que não pretendem ter problemas com os colegas de cárcere,
procuram aprender o mais rápido possível seu modo de vida, mesmo que isso sirva
apenas como um mecanismo de defesa.
Palavras-chave: Educação. Linguagem. Cadeia Pública, Reeducandos.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................09
1 EDUCAÇÃO E LINGUAGEM – ALGUNS CONCEITOS...............................11
1.1 Conceitos e Pareceres de Teóricos acerca da Educação........................11
1.2 Linguagem................................................................................................15
1.2.1 O nascimento ou origem da Linguagem...........................................15
1.2.2 Funções de Linguagem.....................................................................17
1.3 Variações Lingüísticas..............................................................................19
1.3.1 Variação Sociocultural.....................................................................20
1.3.2 Variação Geográfica........................................................................20
1.3.3 Variação Histórica............................................................................20
2 METODOLOGIA.............................................................................................23
2.1 Objeto de Pesquisa..................................................................................23
2.2 A escolha do Tema...................................................................................23
2.3 Uma breve contextualização de uma Cadeia Pública em Barra do GarçasMT.............................................................................................................24
2.4 Atores da pesquisa...................................................................................26
2.5 Coleta de dados .......................................................................................29
2.6 O que pretendo responder com esta pesquisa.........................................29
3 APRESENTAÇÃO DOS DADOS...................................................................31
3.1 Análise das respostas dos sujeitos da pesquisa.......................................31
3.2 Questionário aplicado aos reeducandos..................................................31
3.3 Questionário aplicado aos Agentes Prisionais..........................................36
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................43
ANEXO.......................................................................................................................45
APÊNDICE.................................................................................................................48
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INTRODUÇÃO
Esse estudo tem por objetivo compreender a linguagem oral praticada
pelos reeducandos de uma cadeia pública em Barra do Garças-MT. Essas pessoas,
as quais são submetidas ao cárcere, desenvolvem-se enquanto sociedade,
organizam-se de forma a buscar uma identidade, seja por meio de regras de
conduta específicas, comportamentos próprios e de forma bem marcante, usando
uma linguagem específica bem característica.
É sob esse aspecto – a linguagem – que o estudo se desenvolve,
abrangendo ainda, alguns conceitos de educação, pois para que haja entendimento,
interação, os atores sociais necessitam de aprender o dialeto utilizado no local onde
vivem.
As instituições prisionais encarceram pessoas acusadas ou condenadas
por agirem em desacordo com as leis. Alguns não conseguem mais se adequar as
normas de conduta externas as das cadeias, tornando-se reincidentes e sempre
retornando ao ambiente prisional.
Teoricamente as cadeias e penitenciárias, servem para punir os infratores
da lei, além de trabalharem para o retorno daqueles criminosos ao meio social,
contudo, isso não ocorre, pois o Estado não consegue fornecer os subsídios
necessários para que o delinqüente se pague por seu crime e retorne a sociedade,
pronto para ser um cidadão.
Essa ausência estrutural, fortalece ainda mais, a cultura prisional, que vai
desde as regras sociais da prisão, passando por rituais, e incluindo nesse rol, as
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mais diferentes formas de linguagem, sejam elas: as tatuagens, os gestos, as gírias,
os dialetos, as posturas etc.
Foi desenvolvido um estudo sobre a linguagem oral, o dialeto específico,
a variação lingüística particular dos detentos.
Uma forma de se comunicar, por meio de palavras novas, bem como com
a substituição de significados as palavras utilizadas no cotidiano.
Existe uma interação entre as variações lingüísticas praticadas no meio
social de modo geral, com as variações utilizadas nas prisões. Há um dialogismo,
uma vez que tais variantes interagem entre si, transpondo os muros das
penitenciárias e chegando ao conhecimento dos detentos, assim como, das
pessoas, principalmente da juventude, que está pronta para absorver tudo o que é
novo.
É comum em determinados meios sociais, o uso de gírias, inclusive
aquelas usadas em instituições prisionais, até mesmo porque um ex-detento, sai da
cadeia e traz consigo um pouco de suas experiências de cárcere. Transmitindo-as
voluntária ou involuntariamente as demais pessoas.
A estrutura do trabalho acontece da seguinte forma: no Capítulo I,
apresento algumas teorias referentes ao tema, a partir da visão de alguns autores.
No Capítulo II, falo sobre a metodologia da pesquisa, focalizando, também, os
instrumentos de coleta de dados e a minha questão-problema. Por fim, no Capítulo
III, exponho os dados coletados e procuro analisá-los, a partir do balizamento
teórico exposto no Capítulo I.
Para enriquecimento da pesquisa, foram elaboradas questões para que
parte dos envolvidos no ambiente prisional contribuíssem, com suas opiniões a
respeito do tema abordado. Esta pesquisa foi desenvolvida com o auxilio de um
grupo de agentes prisionais e alguns detentos que se voluntariaram a responder
alguns questionamentos.
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1 EDUCAÇÃO E LINGUAGEM – ALGUNS CONCEITOS
1.1 Conceitos e Pareceres de Teóricos acerca da Educação
Assevera Haidt (1999) que a palavra educação apresenta-se com dois
sentidos: o social e o individual.
É social, quando os mais antigos, ou as gerações adultas impõem-se
sobre as mais jovens, norteando o comportamento destes. Isso ocorre por meio da
transmissão do conjunto de conhecimentos, normas, valores, crenças, usos e
costumes aceitos pelo grupo social. Nesse sentido, o termo educação tem sua
origem no verbo latino educare, que significa alimentar, criar. Expressando portanto,
a idéia de que a educação é algo externo, concedido a alguém (HAIDT, 1999).
Assim concebida, a educação é uma manifestação da cultura e depende
do contexto histórico e social em que está inserida. Haidt (1999) afirma ainda, que
seus fins variam, portanto, com as épocas e as sociedades.
Do ponto de vista social, a educação, é a transferência, por meio das
gerações adultas, dos valores, normas, usos, costumes, conhecimentos aos mais
jovens. Assim sendo, a educação se dá de forma assistemática - isso nas
sociedades mais simples e primitivas. As crianças e os jovens começam a integrarse nas atividades dos adultos e pela experiência direta, conhecem as lendas, mitos,
normas de conduta, técnicas de trabalho, formas de convívio etc. Em sociedades
mais complexas, é imperativa a necessidade de se buscar técnicas e priorizar
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certos conhecimentos necessários a perpetuação daquela cultura, assim surge a
escola, instituída e regulamentada pelo grupo (HAIDT, 1999).
Do ponto de vista individual, a educação refere-se ao desenvolvimento
das aptidões e potencialidades de cada indivíduo, tendo em vista o aprimoramento
de sua personalidade. Nesse sentido, o termo educação se refere ao verbo latino
educare, que significa fazer sair, conduzir para fora. O verbo latino expressa, nesse
caso, a idéia de estimulação e liberação de forças latentes (HAIDT, 1999).
Ambos os conceitos são de cunho formativo.
Afirma James in Brandão (1985) que educação nada mais é que “a
organização
dos
recursos
biológicos
individuais,
e
das
capacidades
de
comportamento que tornam o indivíduo adaptável ao seu meio físico ou social”.
A respeito da educação Durkheim in Brandão (1985, p. 71) cita que:
A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações
que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto
suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos
intelectuais e morais renomados pela sociedade política no seu conjunto e
pelo meio especial a que a criança particularmente, se destina.
(DURKHEIM).
Este observa que aqueles mais idosos ou que têm maior tempo de
convívio em determinado meio social, político, econômico etc. exercem ações que
agem como estímulos educativos ante aqueles que estão a menos tempo inseridos
nos mesmos ambientes que eles. Assim, pode-se considerar que os mais
experientes, valendo-se de sua vivência, praticam ações educacionais nos menos
experientes, massificando e estampando os preceitos morais e intelectuais de forma
a possibilitar a vivência e convivência na sociedade em que se encontram.
Brandão (1995) afirma, ainda, que a Educação é, como outros, uma
fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas
outras invenções de sua cultura, em sua sociedade.
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Tais pensamentos remetem a idéia de que a Educação propicia ao ser
humano, a oportunidade de pelo simples fato de existir - mesmo que pelo exemplo,
por suas ações, idéias, pensamentos, posturas – ensinar algo. Melhor seria dizer
que este, torna seu ato individual, como pessoa, em um ato social, afetando
aqueles à sua volta. Seguindo essa lógica, o contrário também ocorre, ou seja,
aquilo que é tido como coletivo exerce influência no indivíduo. Brandão (1995)
segue essa lógica quando expõe que a educação:
[...] pode existir livre, e, entre todas, pode ser uma das maneiras que as
pessoas criam para tornar comum, como saber, idéia, como crença, aquilo
que é comunitário como bem, como trabalho, ou como idéia. Pode existir
também, imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e
o controle sobre o saber, como armas que reforçam a desigualdade entre
os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos.
Sobre a Educação Informal, no site do INEP (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) podemos citar que é um
processo de ensino-aprendizagem que vai além do ensinado nas escolas,
academias, etc. e que é discutido pelos educadores, os quais acreditam no
empenho das pessoas em ensinar também com ações, práticas construtivas e
salutares para a sociedade. Esse tipo de educação, a informal, transcende o
ambiente acadêmico, ou seja, o processo de aprendizagem contínuo e fortuito que
se dá fora do esquema formal e não-formal de ensino, durante toda vida - ao adotar
atitudes, aceitar valores e adquirir conhecimentos e habilidades assim como as
influências do meio social, como: a família, a vizinhança, o trabalho, os esportes, a
biblioteca, os jornais, a rua, o rádio, entre outros. Tal educação, abrange todas as
possibilidades educativas, no andamento da vida da pessoa.
Assim confirma Brandão (p. 20) dizendo:
Os que não sabem espiam, na vida que há no cotidiano, o saber que ali
existe, vêem fazer e imitam, são instruídos com o exemplo, incentivados,
treinados, corrigidos, punidos, premiados e, enfim, aos poucos aceitos
entre os que sabem fazer e ensinar com o próprio exercício vivo do fazer.”
Kerschesteiner in Brandão (1995 p. 65) diz que a Educação é uma forma
de valorização individual e organizada, sendo variável em extensão e profundidade
para cada pessoa e absorvida pela sociedade e por sua cultura.
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Cohn in Brandão (1995 p. 66) fala em Educação como sendo uma
influência determinada e consciente exercida sobre o ser humano - que está
sempre suscetível a mudanças – objetivando sua formação como pessoa.
Werner Jaeger in Brandão (1995 p.74) dá ênfase à educação, como
pertencente ao grupo. Um bem social e não apenas individual, solitário. Tal bem,
deve servir a todos os indivíduos, de forma coletiva, por meio da oralidade, da fala.
Primeiro que tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas
pertence por essência à comunidade. O caráter da comunidade imprimese em cada um dos seus membros e é no homem... muito mais que nos
animais, fonte de toda a ação e de todo o comportamento. Em nem uma
parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior força que é
no esforço constante de educar, em conformidade com o seu próprio
sentir, cada nova geração.
Brandão (1995) em seus estudos, forma seu próprio conceito de
Educação, o que na verdade é a junção de tantos outros já elaborados por diversos
pensadores. Ele conclui que:
A educação é uma prática social (como a saúde pública, a comunicação
social, o serviço militar) cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa
humana pode ser aprendido entre os tipos de saberes existentes em uma
cultura, para a formação de tipos de sujeitos, de acordo com as
necessidades e exigências de sua sociedade, em um momento da história
de seu próprio desenvolvimento.
Reitera seu pensamento quando diz acreditar em uma educação que
possua várias formas e modelos. Comenta ainda que não há um único local para se
aprender, não é só na ambiente acadêmico, com a educação formal que se aprende
e duvida ainda que aquele ambiente seja realmente o melhor para se ensinar
(BRANDÃO, 1995 p.09).
Os conceitos de Educação aqui citados, fazem menção a ela, como algo
que auxilia na melhoria da sociedade – do espaço de convivência de pessoas.
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1.2 LINGUAGEM
1.2.1 O nascimento ou origem da Linguagem
A filósofa Marilena Chauí (2002) em sua obra “Convite a Filosofia” versa
sobre a origem da linguagem. De acordo com seus estudos, a linguagem começou a
ser questionada quanto ao seu nascimento e causas na Grécia, ocasião em que
concluíram que:
[...] “a linguagem como capacidade de expressão dos seres humanos é
natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física,
anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela
palavra [...]”
Os questionamentos acerca da linguagem e seu surgimento, tiveram como
resultados iniciais, quatro soluções: a primeira tratava a linguagem como nascida por
imitação, ou seja, os homens imitavam os sons da natureza, utilizando a voz; a
segunda, via a linguagem como nascida da imitação dos gestos, ou encenação que
gradativamente foi acompanhada por sons, os quais paulatinamente foram
transformando-se em palavras; a terceira via a linguagem como resultado das
necessidades humanas como: a fome, a sede, assim como as necessidades sociais
do homem de unirem-se como meio de defesa contra animais, por exemplo.
Formando assim um vocabulário básico que, aos poucos, foi tornando-se mais
complexo; a quarta explicação afirmava que a linguagem surgiu das emoções,
principalmente do “grito” que expressava o medo, a alegria etc, assim como o choro
(dor, medo, compaixão) e do riso. (CHAUÍ, 2002 p.140)
O pensador Rousseau em Chauí (2002, p. 140) afirma acerca da origem
das línguas:
Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que
aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras vozes...Eis porque as
primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e
metódicas.
Seguindo essa idéia, a linguagem é concebida em principio pelos
sentimentos, pela paixão, portanto, traz um sentido figurativo surgindo como canto e
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poesia. Somente depois existindo a prosa. As vogais vieram antes que as
consoantes, bem como a pintura antes que a escrita. Desse modo, os homens
cantaram seus sentimentos e apenas bem depois manifestaram seus pensamentos.
Uma linguagem se estabelece ao passo que os meios de expressão se
tornam de significação. Gesto, grito, pode demonstrar o medo ou alegria, por
exemplo. Já as palavras, enunciados, do que se tratam a alegria ou o medo, dando
substância a eles, esclarecendo que esses não são apenas expressões, mas
sentimentos. (CHAUÍ, 2002 p.140).
Rousseau in Chauí (2002 p. 137) trata a linguagem como companheira do
homem em toda sua vida, e não apenas acompanhante do pensamento. É, na
verdade, segundo ele, “um fio profundamente tecido na trama do pensamento”, “o
tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de geração a geração”.
Esse pensamento remete a idéia de que a linguagem é uma peculiaridade
comunicativa exclusiva do homem, de sua relação com o mundo, da vida social e
política, de sua interação com os outros, do pensamento e das artes. (ROUSSEAU
in CHAUÍ 2002 p. 137).
Platão in Chauí, (2002 p. 137) afirmava que a linguagem é um
“pharmakon”, palavra de origem grega que significa poção com três sentidos
principais: remédio, veneno e cosmético.
O filósofo dizia que a linguagem poderia ser “um medicamento ou um
remédio para o conhecimento”, já que através da interação comunicativa, temos a
oportunidade de
conhecer nossa
ignorância e
ainda, acrescentar novos
conhecimentos com o outro. Todavia, poderia ser considerada “um veneno”, pois,
pelo poder de sedução das palavras, nos impor sorrateiramente, fascinados, aquilo
que é visto ou lido, sem ao menos questionarmos quanto à veracidade de tais
palavras. Por fim, a linguagem poderia ser “um cosmético”, uma maquiagem ou
máscara usada para obscurecer ou mesmo esconder o verdadeiro sentido de tais
palavras. (PLATÃO in CHAUÍ, 2002 p. 137).
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1.2.2 Funções de Linguagem
Para que se possa entender as funções de linguagem, primeiro deve se
conhecer as etapas de comunicação. A comunicação está presente em quase todos
os momentos da vida, não só quando se fala ou redige um texto.
A comunicação confunde-se com a própria vida. Temos tanta consciência
de que comunicamos como de que respiramos ou andamos. Somente percebemos a
sua essencial importância quando por acidente ou uma doença, perdemos a
capacidade de nos comunicar. (BORDENAVE, 1982. p. 17-19).
No ato comunicativo percebe-se a existência de alguns fatores que
nortearam todo o processo lingüístico os quais são: emissor: aquele que envia a
mensagem (pode ser um ato individual ou coletivo), receptor: a quem a mensagem é
endereçada (pode ser uma única pessoa ou grupo), canal de comunicação: é o meio
pelo qual a mensagem é transmitida, código: um conjunto de signos que possuem
regras as quais podem ser combinadas para a elaboração da mensagem e que
devem ser conhecidas pelo emissor e receptor para uma plausível compreensão do
ato e por fim, tem se o contexto: é o objeto ou a situação a que a mensagem se
refere. (CHALHUB in PEREIRA, 2003. p. 5)
Chalhub in Pereira (2003) em sua pesquisa sobre a Linguagem na
Internet: Uma perspectiva funcional cita que:
Diferentes mensagens veiculam significações as mais diversificadas,
mostrando na sua marca e traço, no seu efeito, o seu modo de funcionar. O
funcionamento da mensagem ocorre tendo em vista a finalidade de transmitir
– uma vez que participam do processo comunicacional: um emissor que
envia a mensagem a um receptor, usando do código para efetuá-la; esta, por
sua vez, refere-se a um contexto. A passagem da emissão para a recepção
faz-se através do suporte físico que é o canal.
Assim, ficaram estabelecidos, por meio dessas visões, os fatores que
embasam o ato comunicativo: emissor, receptor, canal, código, referente,
mensagem.
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08
Com base nessas concepções Roman Jakobson, lingüista russo,
desenvolveu estudos sobre as funções de linguagem, cada uma com características
próprias e guiadas a partir de seus elementos característicos.
Destarte, tem-se:
a) função referencial: busca transmitir informações objetivas sobre o
referente (objeto ou situação de que a mensagem trata) com predominância em
textos científicos e é privilegiada, nos jornalísticos;
b) função expressiva ou emotiva: centrada no remetente, o qual imprime
no texto marcas de atitudes pessoais, principalmente as emoções. Assim, de acordo
com Jakobson “tende a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira ou
simulada”. Faz uso de interjeições;
c) função conativa: centrada no destinatário, tende a organizar o texto de
forma que se imponha sobre o receptor da mensagem, persuadindo-o. É constante o
uso do vocativo e do imperativo;
d) função fática: tem por objetivo iniciar, prolongar ou mesmo encerrar o
contato entre o emissor e o receptor. Testa o canal. Diz Jakobson: “o empenho em
iniciar e manter a comunicação é típico das aves falantes; assim, a função fática da
linguagem é a única que compartilha com os seres humanos.”;
e) função metalingüística: o discurso focaliza o código, ou seja, o código é
o tema da mensagem ou é utilizado para explicar o próprio código;
f) função poética: a mensagem é elaborada de forma inovadora, com uso
de combinações sonoras, jogos de imagens ou idéias; Possui a característica de
despertar no leitor prazer estético e surpresa.
Em uma mesma mensagem verbal, podemos reconhecer quase sempre
mais de uma função, embora uma delas prevaleça.
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08
Apesar de percebermos seis aspectos básicos da linguagem, seria difícil
encontrar mensagens verbais com características de apenas uma função. A
diversidade reside não no privilégio exclusivo de alguma dessas funções, mas, sim,
numa diferente ordem hierárquica de funções. O que deve ser levado em
consideração são as características da função que mais se destaca e que imponha
seu predomínio. (JAKOBSON in PEREIRA, 1997. p. 123)
1.3 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
Toda
falante
de
uma
língua
conhece
suas
regras
gerais
de
funcionamento. O falante conhece a estrutura do idioma, mas isso não quer dizer
que todos o utilizem rigorosamente da mesma forma. Muitos são os fatores - idade,
grupo social, sexo, grau de escolaridade etc. - que interferem de forma singular que
o falante tem de se expressar. Afirmamos, assim, que um idioma está suscetível a
mudanças, ou como são chamadas - variações lingüísticas. (AMARAL et al, 2000 p.
323).
Amaral (2000) et al. enumera, de forma simples e genérica, as variações
lingüísticas:
•
Variação sociocultural = grupo social ao qual o falante pertence;
•
Variação geográfica = região em que o falante vive durante um certo tempo;
•
Variação histórica = tempo (época) em que o falante vive.
Para Travaglia (1996 p. 41):
Todos sabem que existe um grande número de variedades lingüísticas, mas
ao mesmo que se reconhece a variação lingüística como um fato, observase que a nossa sociedade tem uma longa tradição em considerar a variação
numa escala valorativa, às vezes até moral, que leva a tachar os usos
característicos de cada variedade como certos ou errados, aceitáveis ou
inaceitáveis, pitorescos, cômicos etc.
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1.3.1 Variação Sociocultural
São aquelas variações motivadas pela influência das condições sociais
das pessoas (falantes).
Dentro do que Amaral (2000) chama de variação sociocultural, Travaglia
(1996) fala sobre os dialetos na dimensão social. (TRAVAGLIA, 1996, p. 45). Para
esse autor, esses dialetos representam as variações que ocorrem de acordo com a
classe social a que pertencem os usuários da língua. Para ele, há uma tendência
para maior semelhança entre os atos verbais dos membros de um mesmo setor
sócio-cultural da comunidade. Dessa forma, consideram-se como variedades
dialetais de categoria social os jargões profissionais ou de determinadas classes
sociais como artistas, professores, médicos, policiais, marginais, favelados etc.
Travaglia ainda afirma:
A gíria, definida como forma própria de utilização da língua por um grupo
social o qual se identifica por esse uso da língua e se protege do
entendimento por outros grupos, pode também ser considerada como forma
de dialeto social.
1.3.2 Variação Geográfica
Essas variações se devem ao fato de ocorrer falas diferentes, de acordo
com a região do falante. Tais variações são observadas no aspecto sonoro ou
pronúncia, no vocabulário, bem como em certas estruturas frasais e ainda, nos
sentidos particulares conferidos a determinados vocábulos e expressões.
1.3.3 Variação Histórica
As línguas são suscetíveis a mudanças decorrentes do fator tempo. As
alterações ocorrem tanto na escrita quanto no sentido de muitas palavras. Surgem
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08
também, novos vocábulos, ao mesmo tempo em que outros, são menos utilizados
até serem esquecidos.
Conforme Ferreira (1999) em sua pesquisa: As Variações da Língua,
dialeto, são as variações de pronúncia, vocabulário e gramática de uma língua. Os
dialetos não ocorrem somente em regiões diferentes, até porque em uma certa
região podem existir as variações dialetais etárias, sociais e regionais referentes ao
sexo masculino e feminino e estilísticas concomitantemente.
Alguns dialetos servem como um identificador que aponta o nível social ao
qual pertence um indivíduo. Os dialetos mais prestigiados são os das classes em
melhor situação econômica e o da elite, os quais são tomados não mais como
dialeto e sim como sendo a própria “língua”. O dialeto usado pelas classes populares
é discriminado geralmente, por estar associado ao conceito de que tal classe, por
não dominar a norma padrão de prestígio e utilizar seus próprios meios para a
utilização da linguagem, “corrompem” a língua com esses “erros”. Contudo, a elite
também influencia nas mudanças que ocorrem na língua, pois a interação com as
classes mais baixas fazem com que a elite aprenda e use alguns termos de dialetos
de classes menos favorecidas, e a partir desse momento, o “erro” já não é mais visto
como tal.
O grupo mais jovem da população utiliza um dialeto que se contrasta
bastante com aquele praticado pelas pessoas mais velhas. Os jovens estão mais
inclinados a sorverem novidades e adotam e seguem o uso de uma linguagem
informal, ao passo que os idosos tendem a ser mais resistentes. Essa falta de
conservadorismo peculiar no dialeto dos jovens geralmente modifica a língua. Na
década de 70 algumas gírias usadas pela juventude da época foram esquecidas,
como por exemplo “pisante” para sapato ou “cremilda” para dentadura. No entanto,
“legal” é usada até hoje na linguagem informal por todas as faixas etárias.
Nem tudo que é novo e diferente se efetivará em uma língua, podendo
algumas palavras simplesmente irem se perdendo pelo tempo, assim como outros
podem continuar a serem usados.
23
08
As mulheres têm algumas características específicas quanto ao uso da
língua ao passo que os homens possuem outras. Podemos perceber essas
variações com relação ao sexo observando os diminutivos como “bonitinho”,
“gracinha”, “menininha”, usados mais pelas mulheres e aumentativos de nomes
próprios como “Carlão” e “Marcão” sendo mais usados por homens.
24
08
2 METODOLOGIA
2.1 Objeto de Pesquisa
A pesquisa trata da linguagem. Aquela utilizada por meio da fala, dentro
da informalidade, sem a preocupação com normas ou regras. Um dialeto específico
que chega ao conhecimento de todos que estão inseridos naquele ambiente. Um
local insólito que agrupa várias pessoas de diversos lugares, culturas, classes
sociais etc. pessoas que estão ali – teoricamente – por ter agido de maneira antisocial, ou seja, desobedeceu alguma norma legal e por isso é obrigada a
permanecer em um ambiente de caráter punitivo de renovação de conduta. Este
local é um ambiente prisional, uma Cadeia Pública Estadual situada em Barra do
Garças-MT.
O objeto da pesquisa busca conhecer argumentos que expliquem aquela
linguagem peculiar dos ambientes prisionais que muitas vezes chega até as ruas e
à sociedade em geral. Contudo sob outro contexto.
Essa linguagem é considerada por muitos, ou pelos desinformados, algo
proveniente simplesmente da imaginação e sem fins específicos alheios ao ato de
se comunicar. Chama-nos a atenção, o fato de algumas palavras terem seu
significado alterado para buscar alguns objetivos (status, interação, mascarar ações
ou intenções, entre outros).
Dessa forma, o foco principal é a linguagem oral usada pelos
reeducandos de uma cadeia pública, para conhecermos um pouco mais da cultura
criada no Sistema Prisional.
25
08
2.2 A escolha do Tema
Essa
pesquisa
procura
conhecer
a
linguagem
utilizada
com
predominância em uma instituição prisional estadual em Barra do Garças-MT. O
dialeto usado pelos reeducandos podem ter objetivos específicos ou não, podem
ser apenas uma nova maneira de se expressar verbalmente, simplesmente uma
variação lingüística sem maiores objetivos.
Para melhor entender, temos que conhecer e esse é meu objetivo. A
partir de então respeitar e continuar a pesquisar essa forma de comunicação e a
cultura desses ambientes. Afinal, apesar de serem presos, estarem reclusos e
isolados da sociedade, ainda assim, eles formam sua própria sociedade, interagindo
entre si, e formando mecanismos para o funcionamento de uma sociedade, mesmo
com as respectivas limitações.
2.3 Uma breve contextualização de uma Cadeia Pública em Barra do GarçasMT.
A pesquisa foi realizada no ano de 2010 em uma Cadeia Pública em
Barra do Garças-MT. Tal instituição é de responsabilidade do Estado de Mato
Grosso e se destina – teoricamente – a reclusão de presos que ainda não foram
condenados.
A Cadeia é parte integrante do sistema de Segurança Pública, ocupando
o papel institucional de proteger a comunidade contra pessoas que possam
provocar perigos intencionais a sociedade e, o bem-estar das pessoas
encarceradas, isoladas, não constitui prioridade. Esse estabelecimento penitenciário
destina-se ao recolhimento de presos provisórios, e cada comarca conterá pelo
menos uma, cadeia a fim de resguardar o interesse da administração da justiça
criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.
Nesse meio, barreiras que comumente separam as esferas da vida,
como: alimentação, sono, trabalho e lazer são regras punitivas. Todas as
26
08
necessidades individuais de vida são desempenhadas em um mesmo local e sob as
mesmas ordens emanadas pelos agentes públicos. Além das atividades diárias
serem realizadas em grupo, sendo todas elas tratadas igualitariamente e obrigadas
a desempenhar as mesmas atividades. Vale ressaltar que tais atividades são
rigorosamente estabelecidas em horários que são impostos pelo serviço público. As
diversas atividades obrigatórias são relacionadas em um plano estratégico que,
supostamente atenda aos anseios da instituição.
A Cadeia Pública de Barra do Garças-MT, conforme informações
fornecidos por alguns profissionais da Segurança Pública da região, foi fundada em
l977. Nessa época, continha apenas duas celas com capacidade para 10 presos
cada. Naquela época ela abrangia toda a Região do Araguaia, e devido a esse fato,
a cadeia chegou a acolher cerca de 90 a 100 presos (FRANÇA, 2010 p. 29).
Atualmente a cadeia de Barra do Garças-MT, tem capacidade para abrigar
70 presos, mas na realidade, 157 reeducandos estão encarcerados, amontoados
naquela cadeia. Os reeducandos estão distribuídos em 12 celas das quais apenas
uma delas é destinada para presos do sexo feminino – hoje são 14 mulheres. É
plausível comentar que de acordo com pesquisa realizada em 03 de novembro de
2.010, dos 154 presos que ali estão, 45 já estão condenados, sendo alguns deles a
penas superiores a 20 (vinte) anos de reclusão. Dentre eles, Além desses há uma
população de 26 presos em regime semi-aberto, dentre eles seis são do sexo
feminino.
Há 28 (vinte e oito) funcionários entre agentes administrativos, agentes
prisionais e diretoria, sendo 20 (vinte) do sexo masculino e 8 (oito) do sexo
feminino.
Existem alguns reeducandos, que exercem funções dentro da cadeia, são
chamados de cela livres ou como eles dizem “ correria “. Eles tem a função de
auxiliar no interior da cadeia, seja na limpeza, na entrega da comida, prestar
serviços ao próprios presos, como entregar bilhetes, recados aos colegas ou aos
agentes e diretoria etc.
27
08
Alguns presos não são aceitos pelos demais, tais como: os estupradores,
os ladrões que roubam outros presos na cadeia, os delatores, e aqueles que devem
a outros presos. Esses detentos ficam em uma cela denominada “seguro”, para
preservar sua integridade física. Antigamente havia a cela dos evangélicos, hoje não
existe mais esta distinção. Possui também o RDD (regime disciplinar diferenciado)
aplicado aqueles que desobedecem as normas estabelecidas pelo sistema prisional,
tal regime consiste em proibição de visitas, banhos de sol, além de o detento poder
ficar isolado dos demais em uma cela específica. Mas isso só ocorre em situações
bem drásticas.
A referida instituição prisional, está localizada na região central de Barra
do Garças-MT, mais precisamente à rua Goiás nº 794, fundos com a Delegacia
Municipal de Polícia de Barra do Garças. É considerada um local com péssimas
condições estruturais. Alguns situações já tiraram o sossego da vizinhança, pois a
cadeia já foi cenário de rebeliões e cenas de horror em tempos não muito distantes,
deixando não só os moradores que residem nas proximidades mas também os
funcionários que ali trabalham, em risco.
2.4 Atores da pesquisa
Na referida Cadeia, estão aproximadamente 45 (quarenta e cinco)
reeducandos condenados, alguns com pena superior a de 20 (vinte) anos de
reclusão. E dentre os detentos há maior incidência em traficantes e praticantes de
roubos e furtos.
A tabela 01 demonstra o perfil dos reeducandos entrevistados.
28
08
Tabela 1 – Perfil dos Reeducandos
Perfil dos Reeducandos
Total de
participantes
Nº
%
10
100
Sexo
Feminino
Masculino
04
06
40
60
Idade
De 18 a 25 anos
De 26 à 40 anos
Acima de 40 anos
03
05
02
30
50
20
Solteiro
Estado Civil Convivente
Outros
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Grau de
Escolaridade Ensino Superior
Pós-graduação
06
02
02
01
06
02
01
60
20
20
10
60
20
10
Não Julgado
Tempo de
De 01 a 05 anos
Condenação De 06 a 10 anos
De 11 a 20 anos
02
03
02
03
20
30
20
30
A identificação dos sujeitos da pesquisa foi opcional, não sendo, portanto,
objeto de análise.
Sessenta por cento dos entrevistados são do sexo masculino. E a maioria
deles tem idade entre 26 e 40 anos, ou seja, 50% (cinqüenta por cento).
Os
reeducandos com idade entre 18 e 25 anos correspondem a 30% (trinta por cento) e
os com idade acima de 40 anos somam 20% (vinte por cento). Os detentos solteiros
são a maioria e representam 60% (sessenta por cento) da amostragem, há os
conviventes e outros tipos de relacionamentos com 20% (vinte por cento) cada.
No universo de aproximadamente 160 reeducandos encarcerados na
cadeia pública em estudo, aproximadamente 08% (oito por cento) dos detentos
participaram da entrevista por meio de questionário escrito e cerca de 30% (trinta
por cento) dos Agentes Prisionais, participaram da pesquisa.
29
08
A maioria dos detentos são brancos e pardos e tem pouca escolaridade,
mas algo que chamou a atenção, foi que dentre os poucos com nível superior, há
um pós-graduado – condenado a 16 anos pelo crime de homicídio – o qual é
professor.
Foram entrevistados 10 (dez) reeducandos, uma pequena mostra do total
de encarcerados. Isso se deve ao fato de não haver interesse por parte deles em
participar da pesquisa.
Ao que se refere aos funcionários do sistema prisional, foram
entrevistados a mesma quantidade, 10 (dez) agentes ligados diretamente com os
detentos.
Tabela 2 – Perfil dos Agentes Prisionais
Perfil dos Agentes Prisionais
Total de
participantes
Nº
%
10
100
Sexo
Feminino
Masculino
02
08
20
80
Idade
De 18 a 30 anos
De 31 à 40 anos
06
04
60
40
03
03
04
02
07
01
30
30
40
20
70
10
04
06
40
60
Solteiro
Estado Civil Convivente
Casado
Ensino Médio
Grau de
Ensino Superior Incompleto
Escolaridade
Ensino Superior Completo
Tempo de
Serviço na
Instituição
Até 05 anos
Acima de 05 anos
Trabalham na Cadeia Pública, 28 (vinte e oito) agentes públicos do
Sistema Prisional, sendo 08 (oito) mulheres. Os funcionários com idade de 18 a 30
anos são 60% (sessenta por cento) dos entrevistados, sendo os 40% (quarenta por
cento) restantes pertencentes a faixa etária entre 31 e 40 anos. Em partes iguais
30
08
estão divididos os agentes solteiros e conviventes, formando a soma de 60%
(sessenta por cento) os 40% (quarenta por cento) restantes correspondem aos
casados. A respeito da escolaridade, os de nível superior incompleto representam
70% (setenta por cento) dos entrevistados, ao passo que os de nível médio são
20% (vinte por cento) e apenas 10% (dez por cento) tem o nível superior concluído.
Quanto ao tempo de serviço, 40% (quarenta por cento) têm até 05 anos de serviço
e 60% (sessenta por cento) acima de 05 anos.
2.5 Coleta de dados
As informações foram conseguidas por meio de entrevistas com os
agentes, além de questionário aplicado a eles e aos presos. Foi utilizada também a
observação para dar melhor suporte para a pesquisa.
O questionário aplicado foi efetivado com respostas dadas pelos atores
sociais, orientados a preencher tais questionamentos a cerca da linguagem,
primando pela transcrição de seus reais pensamentos, com o fito de tornar esta
pesquisa a mais próxima possível da realidade.
2.6 O que pretendo responder com esta pesquisa
Com esse estudo tem-se o objetivo de aprimorar o conhecimento acerca
da linguagem, mais especificamente aquela utilizada no sistema prisional em Barra
do Garças-MT, uma pequena unidade que abriga detentos de todo o estado de Mato
Grosso, mas que interagem por meio de seu dialeto com as demais prisões em nível
nacional. Existe ainda, a pretensão de conhecer um pouco mais dessa cultura
comunicacional e porque não dizer social, daqueles que transformam seu próprio
ambiente de acordo com suas necessidades.
31
08
Isso considerando o fato de que a Cadeia também constitui-se numa
sociedade, como afirma Tompsom in Santos (2003) em sua pesquisa sobre “O
FENÔMENO DA PRISONIZAÇÃO”:
“O significado da vida carcerária não se resume aos muros e grades, celas e
trancas: ele deve ser buscado na consideração de que a penitenciária é
uma sociedade dentro de uma sociedade, uma vez que numerosas feições
do mundo livre foram alteradas drasticamente no interior da sociedade
prisional”.(THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária, 1980.)
Os reclusos, mesmo isolados, procuram alguma forma de inter-relação de
socialização, não se esquecendo jamais dessa peculiaridade do ser humano que é
viver em sociedade, mesmo que essa seja radicalmente cruel e desumana.
32
08
3 APRESENTAÇÃO DOS DADOS
Em nosso primeiro capítulo, expomos à luz da epistemologia da
linguagem alguns referenciais a respeito de questões sócio-linguísticas. O homem –
ser social – é capaz de se expressar satisfatoriamente, podendo, além de dizer o
que pensa, sente ou pretende, manipular a linguagem para conseguir alcançar
certos objetivos, sejam eles interacionais ou não.
A linguagem oral no sistema prisional se dá por dialetos específicos com
objetivos definidos, não apenas um, mas vários.
Alguns usam o dialeto prisional para esquivar-se do sistema e assim
conseguirem vantagens ilicitamente; outros, a usam para, enquanto estiverem
naquele degradante ambiente, interagirem com os demais sem sofrer represálias e
perseguições,
simplesmente
ser mais um
como
os outros
e
passarem
despercebidos; há ainda, os que praticam tais linguagens para demonstrar poder,
força, enfim, para se destacar em meio aos colegas de cárcere.
A partir de entrevistas e questionários aplicados tanto aos agentes,
quanto aos detentos, serão expostas as opiniões dos sujeitos da pesquisa acerca
da linguagem oral utilizada no ambiente prisional.
3.1 Análise das respostas dos sujeitos da pesquisa
3.2 Questionário aplicado aos reeducandos
33
08
Que tipo de linguagem você usa na Cadeia?
Trinta por cento dos entrevistados, responderam que utilizam“ o português
correto “. Entre as explicações sobre a resposta, temos:
“para manter o respeito com minha pessoa.”
“a mesma que usava lá fora. Nada de gíria.”
Dez por cento afirma usar a mesma linguagem de que praticava quando
estava em liberdade, contudo, também aprendeu a linguagem do “sistema”.
Alguns - trinta por cento – afirmam não utilizar a linguagem peculiar da
cadeia pois não vêem beleza, nem vantagem alguma em praticar esse tipo de
linguagem, além do que dizem tentar manter o respeito por meio de uma linguagem
mais formal.
Abaixo a resposta de um entrevistado:
“Português correto para manter o respeito com minha pessoa.”
A maioria, ou seja, os sessenta por cento, diz empregar no cotidiano,
“gírias e códigos específicos do cárcere”. Dizem ainda que oitenta por cento são
gírias aprendidas na cadeia.
Por que você usa esse tipo de linguagem?
A maioria dos presos, afirmam, entre outros motivos, valerem-se do dialeto
local para maior interação no ambiente carcerário, para uma comunicação mais
clara. A seguir algumas das respostas:
“por vários motivos, entre eles o de se nivelar ao meio, para me
proteger e para melhor entendimento com os demais detentos.”
34
08
“são a maioria aqui.”
“é devido o local e as pessoas que estamos convivendo no dia
dia” (sic)
“convivência da cadeia.”
“essa linguagem é conseqüência do lugar que estamos” (sic)
Os quarenta por cento restantes, não concordam, como já respondido na
questão anterior com o uso de gírias, e reiteram suas convicções de que as
linguagens de cadeia não chamam a atenção de ninguém, é feia e discriminada.
Segue uma resposta contrária as da maioria:
“não uso, mais se usace (sic), seria para fazer com que os
outros presos me entendece (sic) melhor.”
Você acredita que poderá usar a linguagem aprendida na cadeia no meio social
sem ser discriminado?
Trinta por cento dos questionados afirma que aprendeu tal linguagem nas
ruas e não na cadeia e nunca foi discriminado por isso, portanto acredita sim, poder
usar essa linguagem em outros ambientes sociais. Segue resposta de um dos
encarcerados:
“penso que sim, em alguns lugares. Que ocasiões não seja (sic)
formal.”
A maioria – setenta por cento – pensa que a linguagem da cadeia deve
ser praticada apenas naquele meio social, pois seu uso em outras situações
acarretariam com certeza em discriminação. Em seguida, algumas respostas:
35
08
“não, pois preso sem linguagem já é descriminado (sic), imagina
com modos feio (sic). Falo sempre como meus pais me
ensinaram.”
“não, não acredito porque será sim discriminado essas palavras
que eles falam e muuito(sic) feio eu mesmo descrimino (sic).”
“eu, nessa opinião não usaria esse palavriados (sic) no convívio
social pois cada lugar tem seu jeito de se falar”
Você consegue expressar as suas vontades, idéias e opiniões usando a
linguagem da cadeia?
Uma resposta chamou a atenção, pois diz: “fora do cárcere com certeza
encontrarei dificuldades.” Este que fez tal afirmação é um dos praticantes do dialeto
da cadeia, contudo o usa como recurso de interação e defesa.
Sessenta por cento das respostas avaliam que sim, conseguem expressar
suas vontades usando a linguagem da cadeia. Vejamos os comentários:
“sim pois aqui todos sabem o que significa”
“sim. Porque só muda a forma das palavras, mais com o mesmo
sentido da palavra no original. Como em um bate-papo pela
internet que altera as forma(sic) mais a essência é mesma.”
Os quarenta por cento restantes, afiançam que não, não conseguem se
expressar satisfatoriamente, uma vez que se recusam a utilizar tal linguagem.
Você poderia ser discriminado na cadeia por não usar a linguagem deles?
36
08
A resposta – “as vezes mas não me encomoda (sic) de verdade. Coisas
feias não podia se pronunciada(sic) então não me encomoda (sic) nem um minuto.”
– compõe dez por cento das respostas.
Sim. Seria discriminado pelos presos por não usar sua linguagem,
abrange vinte por cento das afirmações. Em uma delas o reeducando afirma: “a
linguagem social não é bem aceita na prisão.”
A maioria – setenta por cento - diz que não. Não seriam discriminados por
usarem uma linguagem diferente da local. Dizem alguns:
“ não cada um tem sua opinião e se expressa do jeito (sic) que
acha certo.”
“ De modo algum, somos respeitados pelo que cada um é (sic),
ou seja, presos igual aos outros. Não pelo tipo de(sic) linguagem
que usamos.”
“não aqui cada qual vivi (sic) da sua maneira e jeito que é...”
Em que essa linguagem lhe ajuda?
A metade da população questionada responderam de forma análoga,
dizendo que tal linguagem não auxilia em nada, não passa de mais uma forma de se
expressar. Uma das respostas afirma que tal linguagem é mais uma falha no
processo de ressocialização.
Os outros cinqüenta por cento acreditam que auxiliam no convívio daquela
sociedade, é uma língua necessária a eles. Para melhor ilustrar, seguem algumas
opiniões dos detentos:
“ na prisão facilita o entendimento, dá proteção e nivela a
pessoa.”
37
08
“a nos impor no meio dos ladrão (sic) ou seja no meio dos outros
presos”
“na sociedade eu não sei mais (sic) no sistema, ajuda a
comunicação entre nós.”
Ao questionar se haveria algo mais a comentar sobre o assunto, ressalto
três deles:
“Existem varias forma de linguagem, e nos adaptamos ao meio
em que vivemos, não que seja uma regra porque você ta(sic) na
cadeia, tenha que se comunicar através de gírias. É como o
nome da nossa língua, descordo em chamar de português, um
nome mais correto seria brasileiro, por essa flexibilidade de
adaptar a linguagem de acordo ao modo que se vive.”
“a vida por detrás da grades e muito sofrida, e vale ressaltar que
sistema carcerário não consegue mudar a maneira de viver,
muito pelo contrario só prejudica.”
“que tem preso (a) que usa linguagem feia para se aparecer
porque não a nescecidade(sic) de gíria para ser bandido.” [...]
[...] E pouco beneficio para o preso ocupar a mente para não
pensar besteira.”
Tais respostas levam a reflexão sobre o dinamismo da língua portuguesa
e as diversas variedades lingüísticas. A necessidade de o homem se adaptar, e
nesse caso, a comunicação, a linguagem é fator preponderante para que ocorra
essa interação. A mesma necessária a quaisquer sociedade, em seus mesmos
níveis e sofrendo também preconceitos decorrentes do tipo de linguagem utilizada.
38
08
3.3 Questionário aplicado aos Agentes Prisionais
Você acredita que os reeducandos utilizam uma linguagem diferenciada
(gírias) para tentar ludibriar os agentes? De que forma?
As respostas negativas correspondem a vinte por cento, sendo que em
uma delas vem o seguinte comentário:
“na verdade as linguagens utilizadas na maioria das unidades
prisionais são um reflexo da familiaridade com pessoas de perfil
semelhante, sendo assim, estas formas de expressão verbal(sic)
não vem acompanhada de fatores de natureza persuasiva ou
ameaçadora, até mesmo porque Agentes Penitenciários estão
acostumados a lidar com estas pessoas.”
Outro agente respondeu que sim e que não -
“sim. Utilizam de gestos e códigos para tentar ludibriar ou ocultar
atos ilícitos. Não. Os reeducandos possuem uma linguagem
própria que é utilizada nas ruas e unidades prisionais.”
A maioria acredita que sim, que tal linguagem é para ludibriar o sistema.
Afirmam que os presos mantêm diálogos aparentemente normais, usando
termos supostamente rotineiros, mas com outros significados agregados (códigos)
convencionados entre eles, em que apenas eles sabem o real sentido. Eles dão
diferentes nomes aos objetos, com o fito de confundir os agentes.
Alguns comentaram ainda, que além da linguagem oral, eles usam gestos,
assovios, entre outros. Permitem que os agentes conheçam apenas aquilo que for
conveniente saber.
39
08
Para você porque os presos usam esse dialeto para se comunicarem?
Alguns disseram que os presos praticam essa linguagem para fortalecêla, pois é exclusiva deles essa forma de comunicação.
A maioria afirma que esses códigos específicos são para manterem sigilo
de seus assuntos. Para que os agentes não conheçam o conteúdo de seus
diálogos. Um verdadeiro código secreto.
Alguns acrescentaram que é uma forma de “status”, como uma
identidade. Outros crêem na hipótese de ser conseqüência do baixo grau de
escolaridade, além de servir como uma nova forma de comunicação, criada por
eles, uma cultura própria
.
Você conhece amplamente a linguagem utilizada pelos detentos?
Dos
agentes entrevistados, trinta por cento deles alegam não
compreenderem o dialeto utilizado pelos reeducandos.
Os setenta por cento restantes acreditam entender boa parte do código
dos presos, mas são convictos de que só sabem aquilo que aqueles consentem
saber.
Muitas vezes, os agentes sabem que os detentos estão tramando algo,
tratando de assuntos referentes a ilícitos, contudo, não conseguem saber do que
realmente estão falando. Isso se deve a substituição de significados.
Exemplo: arroz = pasta base. Usam a palavra em um contexto totalmente
avesso ao normalmente utilizado.
40
08
Os detentos recém chegados já conhecem a linguagem usada pelos
presos daquele local? Demoram muito tempo para aprender?
A respeito da internalização da linguagem da cadeia, Aristóteles in Chauí
(2000) afirma que: “O saber prático é o conhecimento daquilo que só existe como
conseqüência de nossa ação e, portanto, depende de nós”.
Os agentes quase que unanimemente concordam que muitos detentos
recém chegados não conhecem as gírias de cadeia, entretanto, aprendem em um
curto intervalo de tempo. Afirmam ainda, que apenas os reincidentes ou aqueles
que estão no seio da criminalidade a algum tempo que já tem conhecimento da
linguagem usada na cadeia.
Concordam que aqueles que já fazem parte do sistema, conhecem
amplamente a linguagem, mas há a distinção de crimes, a exemplo disso seriam os
receptadores ou vendedores de produtos pirateados, ou ainda aqueles que
cometeram crimes de menor potencial ofensivo. Estes geralmente não conhecem
as gírias de cadeia, ao passo que os traficantes e ladrões (praticantes de roubos e
furtos) têm maior conhecimento de tal linguagem.
Palavras novas surgem com freqüência?
A maior parte dos agentes entrevistados acredita que sim, palavras novas
mudam com freqüência, todavia, ressaltam que, além disso, eles usam as mesmas
palavras com sentidos diferentes. Então surgem novas palavras e expressões com
exemplifica um dos atores da pesquisa: “pode crer” ou seja, com certeza, é
verdade, enfim, é uma afirmação positiva, confirmação de algo que está certo. Na
atualidade eles usam “possas crer” com o mesmo significado.
De onde vem as influências para a utilização da linguagem no sistema
prisional pelos detentos?
41
08
As opiniões são quase que unânimes quando afirma que são várias as
influências para o uso da linguagem da cadeia, entre elas estão: a baixa
escolarização, os ambientes freqüentados, o próprio universo da criminalidade, da
vida reclusa na cadeia, os criminosos reincidentes, do grupo social marginalizado,
da cultura dentro da cadeia etc.
Gostaria de acrescentar algo a mais sobre esse assunto?
Alguns comentários são válidos para esta pesquisa, tais como o de um
agente ao salientar que os adolescentes reclusos em ambientes prisionais, ou
melhor, sócio-educativos também praticam a mesma linguagem da mesma forma e
com os mesmos objetivos.
Dizem ainda, que as gírias usadas aqui em Barra do Garças-MT, são
entendidas em qualquer lugar do Brasil.
É de se considerar o comentário a seguir:
“esses comportamentos, ações e forma de comunicação são na
verdade uma espécie de portal de entrada com o objetivo de
obter aceitação e respeito dentre os colegas de cela, e a falta
de instrução e cultura agravam ainda mais o problema, pois
estes comportamentos podem funcionar no convívio dentro da
unidade, mas em um convívio social esses comportamentos
são repudiados e dificultam a reinserção de ex-detentos no
mercado
de
trabalho,(sic)
retornando
assim,
para
a
marginalidade. Que conseqüentemente os levam a cometerem
novos delitos e acabam voltando pra cadeia.”
O exposto na citação acima foi exposto por um Agente Prisional,
responsável pela disciplina da referida Cadeia.
42
08
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo permitiu um conhecimento a mais sobre a cultura prisional e
a linguagem oral praticada pelos reeducandos.
Alguns fatores como a desestruturação da família, a pobreza, a falta de
escolarização, o local, influenciam muito na linguagem de um modo geral e, na
cadeia não é diferente, é apenas agravada a situação por conta do inóspito
ambiente e péssimas condições de vida. Isso forma um círculo vicioso. Tanto no
sentido da prática de uma única forma de linguagem, ou de variação lingüística para
todas as ocasiões, o que gera preconceito. Além do que grande parte daqueles que
entram na cadeia pela primeira vez, retornam a ela, mas com crimes cada vez mais
graves.
Na cadeia não se aprende somente diferentes formas de comunicação,
aprende-se também como cometer novos crimes, mantém-se novas relações, com
diversas pessoas. Como um dos entrevistados afirmou: “o crime é organizado”.
Vejo a necessidade de em conhecer mais da cultura da sociedade
carcerária, assim como suas diversas formas de expressão. Afinal a língua falada
nas alas e celas, é a nossa Língua Portuguesa e, portanto, é digna de estudos.
Aliado a esse fator, há a questão que precisamos considerar que é o fato de a língua
ser viva. Ela evolui e se transforma a todo momento porque ela é praticada por
homens dentro da sociedade, que também se modifica constantemente. A
população carcerária do país também contribui para que a língua se transforme.
43
08
Percebemos isso quando os autores como Amaral, Travaglia e outros chamam a
nossa atenção para as variações lingüísticas.
Fatores alheios a essa pesquisa, tais como a precariedade do ambiente, a
dificuldade em encontrar presos voluntários a participar da pesquisa, violência das
mais diversas formas, verbal, física, moral etc. impediram um maior aprofundamento
nas questões específicas do estudo. Contudo foi muito proveitoso esse estudo e
necessárias foram as experiências para melhor entendimento e elaboração desta
pesquisa.
As raízes do crime são muitas, especialmente a questão sócio-econômica.
Enquanto isto não ocorre, conclui-se que para se chegar o mais próximo possível
dos objetivos da pena o sistema penitenciário deve adotar políticas que valorizem o
trabalho prisional, a assistência educacional formal e profissionalizante, o esporte, o
lazer, o contato com o mundo exterior, além de assegurar os direitos humanos de
cada cidadão e o individualizar.
Infelizmente, embora haja suporte legal para garantir àqueles que
cumprem pena em instituições carcerárias, um tratamento mais humano que
respeite suas particularidades, com o intento de devolver o apenado a sociedade por
meio da educação, da profissionalização e da formação de um sujeito mais humano,
o Estado aparenta ainda não conseguir cumprir seus próprios preceitos.
44
08
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Português: Novas Palavras: literatura, gramática, redação, 2000. São Paulo. Ed.
FTD.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação, 16ª Edição, 1985. Ed. Brasiliense
CHAUÍ, Marilena. Filosofia-Série Novo Ensino Médio (Volume Único), 2002. Ed.
Ática.
Educação Informal-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira.Disponível em: http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/thesaurus.asp?
te1=122175&te2=122350&te3=37527. Acesso em 02-10-2010
FERREIRA. Ana Cláudia Fernandes. As Variações da Língua. Disponível em:
http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/v00003.htm.
Acesso em 05-10-2010.
FRANÇA, Abel Cesar Silva. A Lei 7.210/84 em face da ressocialização na Cadeia
Pública de Barra do Garças. 2010
HAIDT, Regina Célia Cazaux. Curso de Didática Geral-Série Educação. 6ª edição,
1999. Ed. Ática.
INFANTE, Ulisses. Do texto ao contexto: Curso prático de leitura e redação. 1991.
Ed. Scipione.
PEREIRA,
Alessandra-Marques.
Linguagem
Na
Internet
Uma
Perspectiva
Funcional. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/11945256/Linguagem-NaInternet-Uma-Perspectiva-Funcional-Alessandra-Marques-Pereira. acesso em 0210-2010.
SANTOS, Edna Teresinha dos. O Fenômeno da Prisionização: Uma experiência no
Complexo Médico-Penal do Paraná. 2003.
45
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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de
gramática no 1º e 2º graus. 1996. Ed Cortez.
46
08
ANEXO
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ANEXO A – Cópia dos Questionários aplicados aos Agentes Prisionais com suas
respectivas respostas
Nome (não é necessário):_____________________________________________________
Idade:___________
Sexo: ( )Masculino ( )Feminino
Naturalidade:____________________________
Estado civil: ( )Solteiro ( )Casado ( )Convivente ( )Outros
Escolaridade: ( )Fund. ( )Médio ( )Sup. Inc. ( )Sup. Compl. ( )Pós-graduação
Cargo e função:________________________________________________
Tempo de serviço:__________________
Você acredita que os reeducandos utilizam uma linguagem diferenciada
(gírias) para tentar ludibriar os agentes?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Para você porque os presos usam esse dialeto para se comunicarem?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Você conhece amplamente a linguagem utilizada pelos detentos?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Os detentos recém chegados já conhecem a linguagem usada pelos presos daquele
local? Demoram muito tempo para aprender?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Palavras novas surgem com freqüência?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
De onde vem as influencias para a utilização da linguagem no sistema prisional
pelos detentos?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Gostaria de acrescentar algo a mais sobre esse assunto?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
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ANEXO B – Cópia dos Questionários aplicados aos Reeducandos de uma Cadeia
Pública de Barra do Garças-MT com suas respectivas respostas.
Nome (não é necessário):____________________________________________________
Idade:_______ Sexo: ( )Masculino ( )Feminino Cor: ( )Branca ( )Parda ( )Negra
Naturalidade:____________________________
Estado civil: ( )Solteiro ( )Casado ( )Convivente ( )Outros
Escolaridade: ( )Fund. ( )Médio ( )Sup. Inc. ( )Sup. Compl. ( )Pós-graduação
Profissão:__________________
A quanto tempo está preso?____________________________________________
Foi condenado a quanto tempo de prisão?_________________________________
Qual o crime?________________________________________________________
Já foi preso outras vezes?______________________________________________
Que tipo de linguagem você usa na Cadeia?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Por que você usa esse tipo de linguagem?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Você acredita que poderá usar a linguagem aprendida na cadeia no meio social sem
ser discriminado?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Você consegue expressar as suas vontades, idéias e opiniões usando a linguagem
usada na cadeia?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Você poderia ser discriminado na cadeia por não usar a linguagem deles?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Em que essa linguagem lhe ajuda?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Algo mais que gostaria de comentar sobre esse assunto?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
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ANEXO C – GÍRIAS E CÓDIGOS UTILIZADAS POR DETENTOS*
Ajudazinha
alcagüetar
Alcagüete
Agá
Arregaçar
Arroz
Avião
Bagulho
Balançar a cadeia
Balinha
Barca
Bereu
Barulho ou fazer um
barulho
Berro
Bico de Pato ou
mergulhão
Bicuda
Bigorna
Boi
Boiar
Bomba, birico,
macaquinho ou
papagaio
Bonde
Botar ferro pra
dentro
Bota fora
Botinha
Braço (ou shock)
Brinca demais
Brinquedo
Bronca
Cabrito
Cabuloso
Propina, suborno
Dedurar, passar informação ou acusar alguém
Aquele que alcagüeta, delata
Simular, dar cobertura
“Botar pra quebrar”, espancar, se dar bem. Ex. : vamos
arregaçar a fita; vamos arregaçar o Giba
Pasta base
Indivíduo que repassa drogas, vende drogas, ou apenas
transporta para alguém. Ex.: fazer um avião, aviãozinho, etc.
(Ver também mula)
Maconha, também são assim chamadas as mercadorias
resultantes de furtos e roubos
Revolta /gritaria
Porção destinada a fazer cigarro de maconha
Viatura policial que realiza escoltas, significa apenas as
viaturas maiores, tipo Blaser ou
F-1000, eventualmente refere-se a ROTAM
Bilhete
Revelar-se, promover gritarias
Revólver
Instrumento usado para esquentar água
Estoque / faca
Porta da cela
Buraco dentro do coletivo, destinado à satisfação das
necessidades fisiológicas
Ser preso, transitar, não ficar escondido, “Dar trela”.
Aparelho celular habilitado e utilizado pelos presos no interior
de cadeias ou estabelecimentos penais diiversos
Transferência de uma cadeia (ou presídio) para outro; também
utilizado como evasão, fuga (fazer um bonde)
O mesmo que passar o cano
Advogado
Cigarro com filtro
Pessoa de confiança, pode ser homem, mulher ou criança
Expressão exageradamente empregada e que significa facilitar
muito, dar muita bobeira, dar muita trela
Arma ou armas em geral
Assalto
Veiculo adulterado, roubado ou furtado; detento homossexual
ou que é obrigado a ter relações sexuais com outros presos
Incerto, arriscado, perigoso, ameaçador. Ex.: fita é cabulosa;
Dim é um cara Cabuloso
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Caído
Cair
Canelar
Cano
Capa – preta
Careta
Cascuda,
Casinha
Cavala
Cavalo doido
Cento e setenta e
Um (171)
Chepa ou Julia
Chica ou Tereza
Chico ou trator
choca
cofre
Coisa, feijão
Colar o brinco
Come – quieto
Corneta
Correria, corre ou
manobra
Coruja
Cria
Dichavar
Desesseis
Doze ou trinta e três
Draga
Enquadrar
Esculacho
Estar de cara
Limpa
Farinha, cimento ou
poeira
Ferrari
Fita
Geral (GG)
Graneleira
Jacaré
Jega
Latrô
Maria doida (ou
Maria Louca)
Melzinho
Mal vestido
Ser preso. Ex.: o “China” caiu (o “China” foi preso)
Correr, fugir
Arma , revólver
Juiz
Cigarro comum
Vasilha utilizada nas refeições, marmita
Emboscada, armadilha
Mulher bonita e grande
Fuga sem planejar
Faroleiro, malandro, pessoa que argumenta bem, mentiroso
Comida
Corda que liga uma cela a outra
Bater em outro preso
Bebida fermentada feita dentro da cadeia
Pessoa que carrega objeto no ânus
Maconha
Tapa na cara / orelha
Homossexual que mantém relacionamento sexual
Pequeno canudo para aspirar cocaína
Perseguir, correr atrás, realização de tráfico de drogas, cela
livre.
Cueca
Pessoa nascida e criada na favela, geralmente recrutada pelo
tráfico
Ato de desmanchar o torrão de maconha
Viciado
Traficante
Arma de fogo
Tirar satisfação, acuar, ameaçar [Policial – emprego diverso: o
assaltante está enquadrado (incurso) no artigo 157
Desmoralização na frente de outros (normalmente é realizada
pelos policiais), tapas na cara, etc.
Pessoas que não estão sob o efeito das drogas
Cocaína
Cachimbo para uso de pasta base ou craque
Fato qualquer, podendo ser criminoso ou não, dependendo do
teor da conversa. Ex.: estou na fita (estou participando de...)
Revista completa nas celas
Mulher que traz drogas na vagina
Serra
Cama
Pessoa que mata para roubar
Aguardente produzido clandestinamente pelos próprios
detentos no interior da cadeia
Aparelho celular produto de furto ou roubo que é repassado
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Moçar
Moita
Mula
Mulher firmeza
Na tora
Não dá nada
Nóia
Olheiros
Pagar pau
Passar o cano
Patrão
Pela ordem (pronúncia
“pela ordi”)
Pé – preto; 18; porco
Perereca
Praia
Preto
Quebrar a perna
Rato de Xadrez ou
jacaré
Remédio
Rita
Sapo
Seguro
Talarico
Tatu
Tchôla
Teresa
Tijolo
Tocar o foda-se
Tranca
Truta
Vai cair, Vai rodar
Vazar
Xis nove
para os detentos
Esconder algum objeto ou esconder-se, homiziar-se. Ex.: estou
mocado; mocar a bomba (esconder o telefone celular).
Qualidade de quem não aparece, não se expõe, “fica na moita”
Pessoa que realiza o tráfico de drogas ou simplesmente o
transporte. Ex.: O mula, estava fazendo uma mula.
Companheira que não falta às visitas semanais
Na marra, à força, de qualquer jeito, na frente de todos, na
cara-de-pau
Não tem problema, está tudo certo
Usuário ou dependente de drogas, fissura. Noiado significa
doidão, drogado, alucinado. Pode também significar qualquer
tipo de droga que se tem à mão. Ex.: eu tenho a nóia etc
O mesmo que vigias
Ter medo, titubear, não enfrentar; pode também significar
discussão, reprimenda, repreensão
Introduzir arma para o interior de estabelecimento prisional
Chefe de quadrilha
Tudo bem, tudo certo. Expressão muito empregada nos
diálogos, como saudação inicial e despedida
Policial militar
Fogão artesanal, feito por presos, para esquentar comida
Dormir no chão
Maconha
Prometer algo e não cumprir
Preso que rouba as celas dos colegas
Droga.
Colher afiada que serve como faca de cozinha
Cadeado
Cela separada , privada do convívio com os outros internos
Homem que paquera mulher de outro
Buracos, escavados nas paredes e devidamente camuflados
para esconder drogas e celulares , túnel para fuga
Mulher de bandido, amante, namorada, prostituta. Nunca
utilizado para referir-se à esposa
Corda feita de lençol
Tablete de maconha
Voluntarismo, arriscar, ir para cima, fazer algo com
inconseqüência. Ex.: estamos cercados, vamos tocar o foda-se
Castigo / isolamento
Membro de quadrilha, parceiro de confiança para prática de
crimes diversos, homem de confiança pessoal, pessoal leal
Vai ser executado, morto
Fugir
Interno informante
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linguagem oral num presídio