Número do processo: 1.0209.00.010282-9/001(1)
Relator: PEREIRA DA SILVA
Relator do Acordão: PEREIRA DA SILVA
Data do acordão: 27/03/2007
Data da publicação: 25/05/2007
Inteiro Teor:
EMENTA: ANULAÇÃO DE TÍTULO CAMBIAL. CHEQUE. SUSTAÇÃO.
DESACORDO COMERCIAL. FACTORING. TERCEIRO DE BOA-FÉ.
INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS. Não pode ser oposta exceção pessoal
contra a empresa de 'factoring' portadora do cheque sustado, por se tratar de terceiro de
boa-fé, alheio ao negócio original, que foi descumprido pela não entrega das mercadorias
objeto do contrato de compra e venda. Em regra, apresentam-se como pressupostos
extrínsecos, a regularidade formal, a tempestividade e o preparo. Na ausência de qualquer
deles, fica impedida a apreciação do mérito recursal. Primeira apelação provida e segunda
apelação prejudicada.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0209.00.010282-9/001 EM CONEXÃO COM A APELAÇÃO
CÍVEL Nº 1.0209.00.010668-9/001 - COMARCA DE CURVELO - APELANTE(S):
IPYRANGA FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA PRIMEIRO(A)(S),
EDITORA DISTRIBUIDORA UNIVERSIDADE LTDA SEGUNDO(A)(S) APELADO(A)(S): ALEN ROBERTO COUTINHO ALVES - RELATOR: EXMO. SR.
DES. PEREIRA DA SILVA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à
unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO E JULGAR
PREJUDICADA A SEGUNDA.
Belo Horizonte, 27 de março de 2007.
DES. PEREIRA DA SILVA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. PEREIRA DA SILVA:
VOTO
Recursos de apelação, interpostos pela empresa IPYRANGA FACTORING FOMENTO
COMERCIAL LTDA. e, também, pela empresa EDITORA DISTRIBUIDORA
UNIVERSIDADE LTDA. contra a decisão do MM. Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de
Curvelo, nos autos da Ação de Rescisão do Contrato c/c perdas e danos c/c anulação de
título cambial ajuizada por ALEN ROBERTO COUTINHO ALVES.
Adoto o relatório da sentença (fls. 215/220), por fiel, acrescentando que o MM. Juiz julgou
procedente o pedido formulado na ação cautelar, para tornar definitiva a ordem de sustação
de protesto dos cheques emitidos pelo Autor.
Julgou procedente em parte a ação principal, para declarar ineficaz e inexigível perante o
autor os cheques, ficando ressalvado o direito de regresso do portador do título contra
eventuais coobrigados. Declarou rescindido o contrato de prestação de serviços
educacionais firmado entre o Autor e a Ré, a empresa SOCIEDADE CURVELANA DE
EDUCAÇÃO E CULTURA LTDA., conveniada da Rede Pitágoras.
A IPYRANGA FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA. interpôs recurso de
apelação às fls. 226/237, afirmando ter havido uma operação de compra e venda entre o
Autor e a Interessada, sendo que esta lhe facultou o pagamento parcelado, não se falando
em cheques emitidos em garantia de dívida.
Assevera que não participou de qualquer contrato firmado entre o Autor e a Interessada,
sendo que, em sua atividade de factoring, adquiriu, junto ao mercado, cheques de emissão
do Autor, de boa-fé, não podendo ser afetada por qualquer vício que porventura seja
reconhecido na operação daqueles.
Requer seja restabelecida a exigibilidade do título emitido pelo Autor, permitindo-lhe o
direito de receber seus créditos.
A EDITORA DISTRIBUIDORA UNIVERSIDADE LTDA. interpôs recurso de apelação
(fls. 243/250), afirmando que a sentença deve ser reformada, em face da condenação
solidária da Apelante, devido à ausência de conduta da mesma apta a gerar eventual
responsabilidade.
Sustenta que firmou contrato com a interessada, a SOCIEDADE CURVELANA, nos anos
de 1999 e 2000, onde esta adquiria o material didático da Coleção Pitágoras, para uso de
seus alunos. Afirma que o uso da marca não implicou em perda da personalidade jurídica
da interessada, inexistindo qualquer ingerência administrativa e/ou financeira da Apelante
na mesma.
Afirma não ter dado causa ao abrupto encerramento das atividades comerciais da
SOCIEDADE CURVELANA, não podendo ser aplicado o Artigo 12, do CDC, para
justificar eventual condenação solidária da Apelante, por não se encontrarem presentes
quaisquer vícios nos produtos por ela vendidos.
Requer seja reconhecida a sucumbência recíproca, compensando-se os honorários entre as
partes, com base no Artigo 21 do CPC.
Com relação ao feito cautelar, afirma ser incorreta sua condenação, por não ter dado causa
ao protesto.
O Apelado apresentou contra-razões às fls. 256/259, requerendo a manutenção da sentença.
Este, o breve relatório.
Conheço dos recursos, visto que próprios e tempestivos, estando preenchidos os demais
requisitos de admissibilidade. Passo à análise das razões recursais.
PRIMEIRA APELAÇÃO
Apelante: IPYRANGA FACTORING FOM. COM. LTDA.
Compulsando os autos, verifico que o Apelado matriculou sua filha junto ao COLÉGIO
EDUCARE DE CURVELO, mantido pela Ré, a SOCIEDADE CURVELANA DE
EDUCAÇÃO E CULTURA LTDA., para o ano letivo de 2000, adquirindo o material
didático que seria utilizado ao longo do ano, no valor de R$329,00, cujo pagamento seria
efetuado por meio de 04 cheques pré-datados no valor de R$82,25.
Entretanto, a Ré encerrou suas atividades em abril de 2000, sendo que os pais dos alunos
foram informados de que a Rede Pitágoras, responsável pelo material didático, não iria
mais fornecê-lo, razão pela qual o Autor sustou o pagamento dos últimos dois cheques.
Os cheques haviam sido cedidos para a ora Apelante, que decidiu apontá-los a protesto,
após ter sido frustrada sua compensação (fls. 08).
Razão assiste à Apelante, devendo ser reformada a sentença.
Isto porque apenas as partes que possuem ligação direta com o negócio que deu origem ao
título podem discutir a causa debendi, não sendo oponível tal defesa contra terceiro de boafé, detentor do cheque emitido.
Ao discorrer sobre os princípios gerais do Direito Cambiário FÁBIO ULHOA COELHO
assim preleciona:
"O princípio da autonomia se desdobra em dois sub-princípios - o da abstração e o da
inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. (...) O subprincípio da
abstração é uma formulação derivada do princípio da autonomia, que dá relevância à
ligação entre o título de crédito e a relação, ato ou fato jurídicos que deram origem à
obrigação por ele representada; o subprincípio da inoponibilidade das exceções pessoais
aos terceiros de boa-fé, por sua vez, é, apenas, o aspecto processual do princípio da
autonomia, ao circunscrever as matérias que poderão ser argüidas como defesa pelo
devedor de um título de crédito executado". (Manual de Direito Comercial. São Paulo, Ed.
Saraiva, 2003, p. 231)
O mestre RUBENS REQUIÃO possui o mesmo entendimento:
"Quem for demandado, enuncia o artigo 25, por obrigação resultante de cheque, não pode
opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os
portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do
devedor. São válidos para o cheque os princípios já estudados quanto à inoponibilidade das
exceções aos terceiros de boa-fé no capítulo relativo à letra de câmbio".(Curso de Direito
Comercial, vol. II, Saraiva, 1988, p. 428).
Segundo o entendimento majoritário da jurisprudência pátria:
"O cheque é título literal e abstrato. Exceções pessoais, ligadas ao negócio subjacente,
somente podem ser opostas a quem tenha participado do negócio. Endossado o cheque a
terceiro de boa fé, questões ligadas a causa debendi originária não podem ser manifestadas
contra o terceiro legítimo portador do título. Lei 7.357/85, arts. 13 e 25. Recurso Especial
conhecido e provido, para o restabelecimento da sentença de improcedência dos embargos".
(STJ. RESP 2814/MT).
"Ementa: Processo Civil - Execução - Embargos - Comercial - Cheque - Abstração - Causa
debendi - Exceção pessoal - Portador - Inoponibilidade - Má-fé - Descaracterização. O
cheque é ordem de pagamento à vista, constituindo título literal, autônomo e abstrato, pois
se abstrai da causa ensejadora da sua emissão.
É defeso ao emitente de cheque opor ao seu portador exceções fundadas em relações
pessoais com o endossante, salvo se demonstrada a má-fé daquele." (TAMG. AC 378 767 9. Relator: Juiz MANUEL SARAMAGO)
"EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA - SUSTAÇÃO DE PROTESTO - CHEQUE FACTORING - EXCEÇÕES PESSOAIS - INOPONIBILIDADE -. DISCUSSÃO
SOMENTE ENTRE AS PARTES DIRETAMENTE LIGADAS AO NEGÓCIO
ORIGINÁRIO. Sendo o cheque título literal e abstrato, a discussão da causa debendi
somente é possível entre as partes diretamente ligadas ao negócio que lhe deu origem, não
sendo oponível exceção pessoal contra terceiro de boa-fé alheio ao negócio, assim
considerados os que se dedicam licitamente à atividade de factoring, como é o caso da
apelada, detentora do cheque emitido." (TJMG.AC 480 197 - 0. Relator: Desembargador
Tarcísio Martins Costa).
Assim, a doutrina e a jurisprudência possuem o entendimento majoritário de que não pode
haver exceções pessoais contra o terceiro de boa-fé, que não tenha participado do negócio
jurídico que deu origem ao título de crédito, em função do princípio da autonomia da
cártula.
Destarte, no caso do devedor emitir cheques para pagamento a prazo, transferidos
posteriormente para terceiro de boa-fé, não poderá deixar de honrar o título, caso o credor
original descumpra o contrato com ele firmado.
A empresa de factoring tem o direito de receber o pagamento do devedor que,
posteriormente, caso seja de seu interesse, poderá demandar ressarcimento por parte do
credor originário que deixou de entregar-lhe os materiais objeto da compra e venda.
Com tais considerações, DOU PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO, para,
reformando a sentença, julgar improcedentes tanto a Medida Cautelar quanto a Ação
Principal, apenas em relação à Ipyranga Factoring Fomento Comercial Ltda., determinando
seja restabelecida a exigibilidade dos títulos emitidos pelo Autor.
Custas recursais, pelo Apelado, sendo os honorários advocatícios de 20%, com base no § 4º
do Artigo 20 do CPC, estando suspenso o pagamento, devido à concessão dos benefícios da
Justiça Gratuita.
SEGUNDA APELAÇÃO
Apelante: EDITORA DISTRIB. UNIVERSIDADE LTDA.
O julgamento da segunda apelação encontra-se prejudicado em face do resultado do
julgamento do primeiro recurso, em que se declarou improcedentes as ações principal e
cautelar.
Tornou-se irrelevante a discussão acerca da responsabilidade da segunda Apelante, pois o
pedido de indenização foi julgado improcedente pelo MM. Juiz de Primeiro Grau, não
tendo o Apelado se insurgido contra esta parte do julgado.
Com tais considerações, DOU POR PREJUDICADO O JULGAMENTO DA SEGUNDA
APELAÇÃO interposto, em face da sua flagrante intempestividade.
Custas recursais, na forma da lei, pela empresa Apelante.
A SRª. DESª. EVANGELINA CASTILHO DUARTE:
VOTO
Peço vênia ao ilustre Desembargador Relator para acrescentar algumas considerações ao
seu douto voto.
Observe-se que os embargos declaratórios opostos contra a r. decisão recorrida foram
protocolizados em 17 de novembro de 2003, no Fórum Lafayette, f. 221, e não em 19 de
novembro de 2003, conforme apontado pelo i. Relator, o que não afasta sua
intempestividade.
Ademais, o recurso de apelação foi aviado e 05 de julho de 2004, e não em 07 de julho de
2004, f. 242.
Sendo extemporâneos os embargos de declaração, deve-se considerar intempestivo o
recurso de apelação, interposto apenas em 05 de julho de 2004.
O SR. DES. ROBERTO BORGES DE OLIVEIRA:
De acordo.
SÚMULA :
DERAM PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO E JULGARAM
PREJUDICADA A SEGUNDA.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0209.00.010282-9/001
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Número do processo: 1.0209.00.010282