REFLEXOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA OS PROFESSORES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Paulo Sérgio Garcia
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – Brasil.
Resumo:
Este artigo mostra os reflexos de algumas políticas implantadas pelo Governo Federal nas últimas
décadas. Revelamos, inicialmente, que a avaliação em larga escala, a partir da implantação do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), sobretudo da criação do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), impôs aos professores maiores responsabilidades
em relação ao sucesso ou fracasso dos alunos. Mostramos também que o aumento na oferta de
formação de professores por meio da educação a distância, em um projeto desordenado de
expansão desta modalidade no Brasil, trouxe processos de simplificação e aligeiramento dos
cursos, individualizado a formação e retirando-a do contexto da universidade, contribuindo ainda
mais para o processo de despolitização e desqualificação do professor.
Palavras-chave: Políticas públicas. Avaliação. Formação de professores. Educação a Distância.
Abstract:
This article examines some educational policies implemented by the Brazilian federal government
in recent decades. Our initial findings reveal that large-scale evaluation as from the implementation
of the Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), especially the creation of the Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), imposed greater responsibilities for teachers in
relation to the success and failure of students. Furthermore, findings show that the increase in the
provision of teacher education through distance education, in a disorganized project, simplified and
individualized teacher education, removing it from the context of university. This policy ended up
contributing to the process of depoliticization and disqualification of teacher education.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996,
(LDBEN/96), formaram os marcos legais de grandes reformas educacionais das últimas décadas.
A primeira ampliou os direitos à educação e a segunda tratou das finalidades da educação
escolar, suas formas de organização e articulação dos sistemas de ensino.
A atual Constituição Federal, instituindo o marco jurídico-institucional, no Art. 206, inciso VII,
determinou a “garantia de padrão de qualidade” para a Educação. Também o Art. 214 estabeleceu
a existência do Plano Nacional de Educação, com o intuito de promover, inciso III, a “melhoria da
qualidade do ensino”. A LDBEN/96, em seu artigo terceiro, inciso IX, propôs a “garantia de padrão
de qualidade” como princípio do ensino e definiu no Art. 4º, inciso IX, “padrões mínimos de
qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos
indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. Outros artigos desta
legislação também fizeram referência à qualidade (70º, 71º, 72º, 74º e 75º).
Paralelamente, a preocupação com a qualidade do ensino no Brasil, trazida pelas Constituição
Federal e LDBEN/96, foi acompanhada pela obrigatoriedade da implantação de medidas de coleta
de informação, recenseamento escolar e verificação de desempenho acadêmico. O texto da
LDBEN/96 mostra no Art. 9º, inciso V e VII que:
Art. 9º A União incumbir-se-á de: V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a
educação;
VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino
fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a
definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino.
As reformas, a partir das legislações citadas na década de 1990, tornaram a avaliação da
educação no Brasil como uma política de Estado. Neste processo, foram criados o Sistema de
Avaliação da Educação Básica, em 27 de dezembro de 1994, Portaria n. 1.795, e o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004.
O Saeb é composto por dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc).
A Aneb se realiza por amostragem das redes de ensino, focando as gestões dos sistemas
educacionais e, por essas características, recebe o nome de Saeb em suas divulgações.
A Anresc é conhecida como Prova Brasil (PB) e foi estabelecida em 2005. Trata-se de um exame
de larga escala que é aplicado em todos os alunos matriculados nas redes de ensino. No ano de
2007, foi criado e implantado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Ele
combina os resultados dos exames da PB, a proficiência, com o fluxo escolar, ou seja, as taxas de
aprovação e reprovação.
O Sinaes, no ensino superior, é formado pela avaliação das instituições, dos cursos e do
desempenho dos estudantes. Esses três componentes são avaliados com relação, entre outras
coisas, ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao desempenho dos alunos, à gestão e à
responsabilidade da instituição, ao corpo docente e às instalações.
O sistema usa vários instrumentos para a realização da avaliação. Entre eles está a avaliação
externa, a autoavaliação, a avaliação dos cursos, informações referentes ao censo e o Exame
Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).
Neste processo, a partir do Enade como principal componente, surgiram dois índices também para
a avaliação da educação superior: o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de
Cursos Avaliados da Instituição (IGC).
O sistema de avaliação brasileiro é, portanto, formado pelo Saeb para a educação básica,
representada, sobretudo, nos ensinos fundamental e médio pelo Ideb, e pelo Sinaes para o ensino
superior com alguns indicadores (CPC e IGC).
Há muitas controvérsias em relação à política de avaliação, sobretudo na educação básica. O
Ideb, apesar de trazer avanços para diagnosticar e monitorar o desempenho dos alunos e das
escolas, não é um indicador que pode, por si só, explicar a qualidade da educação, utilizando
testes padronizados de leitura e matemática.
Paralelamente a essas mudanças no campo da avaliação, outras políticas foram lançadas para a
formação inicial de professores e em serviço nas redes públicas, por meio da utilização da
educação a distância (Ead). Uma dessas políticas do Governo Federal foi o lançamento do
programa Sistema de Universidade Aberta do Brasil (UAB), que culminou, em 2009, com o Plano
Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor).
O sistema UAB foi estabelecido pelo Decreto 5.800, de 8 de junho de 2006, e entre seus objetivos
está a busca para democratizar, expandir e interiorizar a oferta de ensino superior público e
gratuito no Brasil. A prioridade deste sistema é a formação de professores para a educação básica
por meio do uso da metodologia da educação a distância, com a integração entre instituições
públicas de ensino superior de estados e de municípios brasileiros.
Nesse sistema, são desenvolvidos cursos em universidades públicas (federais, estaduais e
municipais) e nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. São ofertados cursos de
formação de professores, entre outros, de licenciatura e de formação contínua em várias áreas
(DOURADO, 2008). Já em 2010, no sistema UAB, existiam 307 cursos de licenciatura na
modalidade a distância no Brasil. (SOMMER, 2010).
O sistema UAB foi uma das iniciativas do governo brasileiro, com o intuito de incentivar, por meio
de políticas públicas, o crescimento da educação a distância no Brasil. Um projeto de expansão
em que cursos de bacharelado, de licenciatura, de graduação e de tecnólogos podem ser
realizados a distância por alunos de vários municípios e regiões brasileiras.
Este artigo discute alguns reflexos das políticas implantadas pelo Governo Federal nas últimas
décadas, sobretudo a avaliação em larga escala a partir da implantação do Sistema de Avaliação
da Educação Básica, tendo como ponto central o Ideb e a formação de professores a distância,
considerando o projeto de expansão desta modalidade no Brasil.
1. As Avaliações da Educação Básica no Brasil
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) tem o objetivo de promover
estudos e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro. Tal situação visa subsidiar a
formulação e a implementação de políticas públicas para a área educacional, considerando a
questão da qualidade e da equidade. O Inep objetiva também produzir dados para gestores,
pesquisadores, educadores e público em geral, por meio de levantamentos estatísticos da
educação básica, incluindo a modalidade de educação de jovens e adultos.
O Inep possui a Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb), que é responsável pelo
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem), o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), a
Provinha Brasil e o Saeb.
O Pisa é um programa de avaliação internacional padronizada desenvolvido em conjunto pelos
países participantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
É aplicado em alunos de 15 anos, em avaliações que são realizadas com periodicidade trianual
nas áreas de Linguagem, Matemática e Ciências.
O ENEM é um exame com periodicidade anual, oferecido aos alunos concluintes ou que já
concluíram o Ensino Médio. É uma prova realizada para avaliar a qualidade do ensino deste
segmento no país e seu resultado pode ser utilizado para o acesso ao ensino superior e
universidades públicas através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU).
O Encceja é um exame gratuito e voluntário e serve para conceder periodicamente certificados de
conclusão do Ensino Fundamental e Médio para aqueles que não tiveram a oportunidade de
concluir os estudos na idade escolar adequada. Trata-se de uma avaliação de aferição de
competências e habilidades e saberes adquiridos no processo escolar ou extraescolar de jovens e
adultos que não tiveram acesso aos estudos ou não puderam finalizá-los na idade própria.
A Provinha Brasil é uma avaliação que visa diagnosticar o nível de alfabetização das crianças
brasileiras que estão matriculadas no 2º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas. A
avaliação conta com duas fases, no início e no término do ano letivo. Essas duas etapas permitem
que professores e gestores analisem o que foi agregado na aprendizagem das crianças no
período em que a avaliação ocorreu. A prova permite também conhecer o nível de alfabetização
das crianças e atuar na qualidade do ensino.
O Saeb, como estabelece recentemente a Portaria n.º 931, de 21 de março de 2005, é composto
por duas avaliações complementares, Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc).
A Aneb produz resultados médios de desempenho amostrais, promovendo pesquisas que
investigam a equidade e a eficiência dos sistemas e redes de ensino por meio da aplicação de
questionários, sendo utilizada desde 1995.
A Anresc (Prova Brasil) é realizada a cada dois anos, avaliando as habilidades em Língua
Portuguesa (leitura) e em Matemática (resolução de problemas). Ela é aplicada em estudantes de
4ª série/5º ano e 8ª série/9º ano de escolas da rede pública de ensino com mais de 20 estudantes
matriculados. Objetiva, entre outras coisas, evidenciar os resultados de cada escola das redes,
visando a melhoria da qualidade.
No Brasil, os primeiros debates sobre a importância da criação e implantação de um sistema de
avaliação em larga escala ocorreram nos anos de 1980. Na década de 1990, foram realizadas as
primeiras avaliações. A partir de 1992, decidiu-se que a aplicação passaria a ser realizada pelo
Inep, que se responsabilizaria também pelas estatísticas. Com o passar do tempo, entre 1995 e
2001, ocorreram melhorias no sistema, trazendo várias inovações.
Entre elas, em 1995, por exemplo, uma nova metodologia estatística foi incorporada: a Teoria de
Resposta ao Item (TRI). Trata-se de uma modelagem estatística utilizada em medidas
psicométricas, sobretudo na área de avaliação de habilidades e conhecimentos. Atualmente, têm
sido avaliados os estudantes do quinto e do novo ano do Ensino Fundamental e da 3ª série do
Ensino Médio.
Em 1997, foram criadas as matrizes de referência que seriam avaliadas nos testes, por meio de
uma consulta nacional sobre os conteúdos utilizados nas escolas, relacionadas às competências e
habilidades, as quais os alunos deveriam dominar em cada série. Tal situação permitiu maior
precisão técnica na construção dos itens do teste e na análise dos resultados.
Em 2001, as matrizes foram atualizadas sob uma consulta de professores de vários estados. Em
2005, foi desenvolvida outra avaliação, a Prova Brasil, que tem também natureza quase censitária.
O Saeb sofreu mudanças com a introdução da Prova Brasil, deixando de ser uma medida amostral
e bianual, passando a ser um instrumento sistemático de avaliação em larga escala, ainda,
bianual. Os resultados dos sistemas, redes e escolas são divulgados, com grandes impactos na
mídia e no meio educacional.
O Ideb: possibilidades e limitações
O Censo da Educação Básica também sofreu alterações, passando a ser realizado também pelo
aluno e não somente pela escola. Os dados do Censo e os resultados da Prova Brasil passaram a
ser utilizados e formaram o indicador “Ideb” para a verificação da qualidade da educação básica.
O Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, mostra que:
Art.3o A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB,
calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento
escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do
Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB, composto pela Avaliação Nacional da
Educação Básica - ANEB e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil).
Parágrafo único. O IDEB será o indicador objetivo para a verificação do cumprimento de
metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso.
O Ideb é um indicador que permite monitorar a educação básica, fornecendo elementos para
subsidiar políticas públicas. É um dos indicadores mais conhecidos e de repercussão na
sociedade brasileira. Ele combina a pontuação média dos alunos que realizam a Prova Brasil e a
taxa média de aprovação da etapa de ensino adequada, obtida no censo escolar. O índice se
relaciona, portanto, à aprendizagem e ao fluxo escolar.
Na opinião de Ronca (2013), o Ideb apresenta alguns pontos positivos. Entre eles ressalta-se,
inicialmente, a articulação entre os conceitos de fluxo e desempenho, fornecendo informações
para as escolas e para os sistemas. Desta forma, gestores e professores podem identificar
habilidades e dificuldades dos alunos nas áreas contempladas na avaliação: leitura e matemática.
O indicador permite também diagnosticar, monitorar e agrupar informações para que decisões
sejam tomadas com relação a políticas publicas e estabelece metas objetivas e individualizadas
para cada escola, sistema de ensino, município e estados brasileiros, buscando equiparar a meta
nacional aos países desenvolvidos até ano de 2021. Tal situação visa, entre outras coisas, atuar
na questão das repetências e evasões que impossibilitam muitos jovens de continuar estudando.
Mas o Ideb, índice de avaliação da educação básica, também apresenta várias limitações. O
sistema de avalição precisa superá-las para que a educação seja efetivamente baseada na
qualidade e equidade.
É preciso ter cautela para assumir que as avaliações em larga escala e indicadores como o Ideb
possam captar a complexidade do contexto escolar, analisando apenas dois fatores relacionados
à qualidade do ensino, quais sejam: o fluxo e o desempenho, associados mais diretamente com a
questão da leitura e da matemática.
A complexidade da escola não pode ser captada por um único indicador de qualidade. Muitas
outras dimensões se relacionam à qualidade. Dentre os vários fatores que influenciam a
aprendizagem do jovem, está a infraestrutura (IE) das escolas, a formação e atuação docente, a
gestão escolar, o nível socioeconômico, entre outros.
A Infraestrutura caracteriza-se pelo sistema de elementos estruturais, inter-relacionados, que inclui
o edifício escolar, as instalações, os equipamentos e os serviços necessários para garantir o
funcionamento da escola e impulsionar a aprendizagem do aluno. Vários estudos no Brasil já
mostraram que a IE tem relação direta com o desempenho do aluno (CASTRO FLETCHER, 1997;
BARBOSA; FERNANDES, 2001; ALBERNAZ; FERREIRA; FRANCO, 2002; SOARES, 2004;
FRANCO; BONAMINO, 2005; FRANCO; SZTAJN; ORTIGÃO, 2007; LEE; FRANCO; ALBERNAZ,
2004; FRANCO; SZTAJN; ORTIGÃO, 2007; SÁTYRO; SOARES, 2007).
A formação e atuação docente é outra questão que interfere na qualidade da formação dos jovens.
Em relação ao professor de Ciência, por exemplo, Garcia, Malacarne e Bizzo (2009) mostraram
que muitos docentes têm altas cargas de atuação, diante um quadro de formação inicial
diversificado, precário e fragmentado. Trata-se de professor que, pela formação e pelas exigências
de atuação, está longe de ter habilidades profissionais e tempo livre para se comprometer com os
processos de atuação reflexiva requerida para a realidade da escola brasileira e com os modelos
de formação de professores.
Há ainda as questões ligadas à gestão educacional, às características da rede em que a escola
está inserida e o nível socioeconômico dos alunos (NSE). Estudos já demostraram que grande
parte do desempenho acadêmico dos jovens brasileiros está relacionada à família (ao redor de
dois terços), a um conjunto de variáveis agregadas, sobretudo a escolaridade dos pais e ao nível
socioeconômico (ALBERNAZ; FERREIRA; CRESO, 2002; FELICIO; FERNANDES, 2005). A outra
parte do desempenho, o efeito escola, dos adolescentes está associado às características da
escola (FLETCHER, 1997; FERRÃO; BELTRÃO; SANTOS, 2002a). Os fatores individuais e o
nível socioeconômico explicam a maior porcentagem da variação observada entre as proficiências
dos estudantes, mais do que os fatores escolares.
Portanto, não são factíveis de comparação escolas localizadas em determinadas áreas, por
exemplo, de risco, sem infraestrutura adequada, com professores mal formados e condições de
trabalho precárias, atendendo alunos de famílias de baixa renda com pais, muitas vezes,
analfabetos ou sem eles, com outras unidades escolares situadas nos grandes centros, com boa
IE, professores mais bem formados, estudantes de famílias de renda alta e que possuem pais com
elevado capital cultural.
O Ideb também não integra qualidade e equidade, aspectos fundamentais na sociedade brasileira,
refletidos na desigualdade escolar. Nas palavras de Ronca (2013) em relação ao Ideb, podem
ocorrer situações em que:
[...] uma escola apresente um alto Ideb e desigualdade. Os gestores não dispõem de
informações, a partir do Ideb, sobre as razões do resultado obtido por determinada escola e
sobre o desempenho de alunos pobres, negros, pardos ou índios. Podemos chegar, então,
ao paradoxo de uma escola com bom desempenho no Ideb praticar a discriminação ou não
ter estratégias para lidar com a desigualdade. A relação entre indicadores da qualidade da
educação e equidade é de fundamental importância no contexto atual da sociedade
brasileira, profundamente marcada pela desigualdade. Trata-se de uma característica que
envolve questões de raça, gênero, nível socioeconômico e que se configura, também, em
relação às regiões geográficas em que o país é dividido (p. 80-81).
O Ideb tem ainda criado alguns efeitos indesejáveis como a valorização excessiva, por parte das
escolas e das redes de ensino, dos conhecimentos provenientes das disciplinas de Português e
Matemática, que são aqueles explorados para a elaboração do indicador em cada unidade
escolar. Isto tem feito com que os sistemas utilizem várias estratégias na busca de uma nota
melhor. Alguns, por exemplo, ampliam os tempos de aprendizagem dos alunos em relação a
essas duas disciplinas, outros lançam testes similares na tentativa de preparar os alunos para a
Prova Brasil ou desenvolvem mecanismos de reforço escolar nestas matérias. Não é incomum
ainda que o indicador crie certa competição e rivalidade entre escolas e os sistemas de ensino.
Por fim, existe a questão de que o Ideb é elaborado com a média dos resultados dos estudantes
que realizam a prova. A escola não dispõe de informações específicas sobre, por exemplo, o
desvio padrão para conhecer a variação dos dados. Desta forma, um grupo de bons alunos pode
influenciar a média. Neste sentido, não é descabido supor que escolas na tentativa de obter um
Ideb mais alto criem obstáculos para que os alunos mais fracos realizem o exame. Tal processo
tem acontecido porque o indicador tem se transformado em um ranking de escolas e sistemas,
interpretado de forma isolada e não contextualizada.
Como afirmaram Assis e Amaral (2013):
[...] Baseando-se apenas nos dois indicadores – Prova Brasil e fluxo escolar –, o Ideb
passou a indicar, com grande campanha midiática, a qualidade da educação básica
brasileira, servindo ainda para a montagem de rankings de escolas e de estados da
federação. Instalou-se, assim, a política de rankings na educação básica.
Como consequência de todo esse processo de avaliação que, por um lado, não considera a
complexidade da escola e, por outro, tem gerado efeitos indesejáveis, os dados são utilizados
como referência para a implementação de políticas, entre elas, aquelas relacionadas à
responsabilização dos professores pelo sucesso ou fracasso dos alunos. Tal situação tem gerado
também a implantação de uma suposta meritocracia, onde bônus como prêmios são
estabelecidos.
A globalização acirrou a competitividade entre as nações e, neste processo, a educação passou a
ser vista como sinônimo de produtividade. Nesse processo, a formação para a cidadania cede o
posto à preparação para o trabalho. Esse fator competitivo, que é essência da meritocracia, é
também um dos fatores que vem causando estresse no sistema educacional na educação básica.
Professores têm sido mais cobrados e responsabilizados pelo sucesso ou fracasso dos alunos.
Professores, sobretudo aqueles que lecionam a disciplina de Português e Matemática, sentem-se
pressionados pelos gestores escolares para a obtenção de resultados e, muitas vezes, transferem
tal pressão para os alunos, instituindo nas aulas testes similares àqueles que acontecem na Prova
Brasil. Além deste fato, como toda a escola é avaliada pelo Ideb, os professores dessas disciplinas
são também pressionados pelos colegas que ensinam na mesma escola.
A meritocracia esconde desigualdades nos sistemas de educação, sobretudo do ponto de vista da
garantia da IE das escolas e do custo-aluno-qualidade. A avaliação por mérito na educação
responsabiliza os professores, no entanto não considera e nem distingue as condições em que os
mesmos concorrem para a obtenção do reconhecimento meritocrático. Em condições desiguais, o
mérito torna-se plausível para alguns e inatingível para outros. Tal situação tem gerado certo
preconceito e punições entre os que não alcançam os objetivos.
Por outro lado, no entanto, o Documento da Conferência Nacional de Educação (Conae, 2014)
mostra novas possibilidades para a construção de um Sistema Nacional de avaliação na educação
básica que poderá superar a visão simplista do Ideb:
[...] a avaliação deve considerar o rendimento escolar, mas, também, situar as outras
variáveis que contribuem para a aprendizagem, tais como: os impactos da desigualdade
social e regional na efetivação e consolidação das práticas pedagógicas, os contextos
culturais nos quais se realizam os processos de ensino e aprendizagem; a qualificação, os
salários e a carreira dos/das professores/as; as condições físicas e de equipamentos das
instituições; o tempo de permanência do/da estudante na instituição; a gestão democrática;
os projetos político-pedagógicos e planos de desenvolvimento institucionais construídos
coletivamente; o atendimento extraturno aos/às estudantes que necessitam de maior apoio;
e o número de estudantes por professor/a em sala de aula, dentre outros, na educação
básica e superior, pública e privada. (BRASIL, 2013, p. 60).
A análise da qualidade da educação brasileira deve envolver o desenvolvimento de metas e a
ampliação das dimensões da educação, utilizando outros indicadores que procurem captar melhor
a complexidade da escola e não responsabilize somente o professor pela qualidade do ensino. O
Projeto de Lei referente ao Plano Nacional de Educação, que tramita no Congresso Nacional,
ressalta, entre outras coisas, a exigência do regime de colaboração para o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica; a utilização dos resultados da avaliação como subsídios para
melhorar a qualidade da educação e para a implantação de políticas públicas; e a utilização de
diferentes dimensões da escola e diferentes indicadores para captar melhor as variáveis da
qualidade do sistema de ensino.
2. Políticas públicas em relação à formação superior a distância no Brasil
A LDBEN/96 foi um dos primeiros marcos na definição de políticas em relação à educação
superior a distância. Esta Lei, em seu artigo 80, estabeleceu que o poder público é o responsável
por incentivar o desenvolvimento de programas de ensino a distância em todos os níveis e
modalidades de ensino. Foi definido também que a Ead seria organizada em regime especial e
oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União, responsável por regulamentar
os processos, realizar exames e registros de diplomas. O controle da avaliação de cursos de Ead
e a autorização para sua implementação ficaria a cargo dos sistemas de ensino.
O Ministério da Educação (MEC) passou a organizar novas diretrizes e políticas, visando, entre
outras coisas, expandir o ensino superior a distância, focando como fator estratégico a formação
inicial de professores. Em 1996, foi criada a Secretaria de Educação a Distância (Seed) com o
objetivo de promover inovações, utilizando a Ead e outras Tecnologias de Informação e
Comunicação. A Seed visa à criação e implementação de políticas públicas, à criação de projetos
para a democratização do acesso à educação superior, ao incentivo da pesquisa, entre outros.
Essa Secretaria implementou políticas incentivando a oferta de cursos superiores a distância
através de consórcios e parcerias. Tal situação possibilitou a criação da Universidade Virtual
Pública do Brasil (UniRede), em 2001.
A partir de 1998, muitos Institutos de Ensino Superior (IES) obtiveram autorização do MEC para
oferecer cursos a distância. Como afirma Moran (2002), esses cursos eram, em sua maioria
(80%), para a formação de professores (Pedagogia), pois existia a necessidade de habilitá-los
para o nível superior até o final da chamada Década da Educação, exigência do artigo 87, § 4º, da
LDB. O Plano Nacional de Educação (LEI nº 10.172/2001) também incentivou a formação de
professores por meio da ampliação de vagas na Ead.
O MEC, por meio de políticas, passou, juntamente com a Seed, a criar projetos para o
desenvolvimento da Ead. Em 1997, criou o Programa de Apoio à Pesquisa em Educação a
Distância (Paped), o ProInfo (Portaria, MEC/522) para promover o uso da Telemática como
ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino público tanto fundamental como médio e, em
2005, lançou também o Pró-Licenciatura (Programa de Formação Inicial para Professores em
Exercício no Ensino Fundamental e no Ensino Médio), com cursos de graduação a distância em
nível de licenciatura para professores que participam, sem formação específica na disciplina, da
rede pública e que estão, efetivamente, ministrando aulas. Um projeto centrado, sobretudo, na
formação inicial para docência (Ensino Fundamental e/ou Médio) daqueles que não possuíam esta
formação e visando a melhoria da qualidade da educação básica.
Papel importante cumpriu o decreto 5.622/05, de 20 de dezembro de 2005, que regulamentou o
artigo 80 da LDBEN/1996, estabelecendo a Ead em seu artigo 1º
[...] como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos
de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e
comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em
lugares ou tempos diversos. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996, p. 28).
Esse decreto instituiu também a obrigatoriedade de encontros presenciais para avaliações,
estágios obrigatórios, defesa de trabalhos de conclusão de curso e atividades relacionadas a
laboratórios.
No projeto de expansão do ensino superior a distância, o MEC lançou, com uma de suas políticas
mais afirmativas, o programa Sistema de Universidade Aberta do Brasil (UAB), criado pelo Decreto
5.800, de 8 de junho de 2006, com o objetivo, entre outras coisas, de democratizar, expandir e
interiorizar a oferta de ensino superior público e gratuito no Brasil.
Garcia (2013) mostrou que
[...] A UAB tem por prioridade a formação de professores para a educação básica, e para
isso ela promove uma integração entre instituições públicas de ensino superior de estados
e de municípios brasileiros. A Universidade atua também no aperfeiçoamento dos
processos da gestão das instituições de ensino superior, na avaliação da educação superior
a distância, na pesquisa e no financiamento dos processos de implantação, execução e
formação de recursos humanos. Já em 2006, a UAB oferecia cursos em 17 estados,
municípios e no Distrito Federal, nas diferentes áreas do conhecimento humano. Entre
esses cursos estão os de licenciatura em Física, Química, Biologia. Em 2009, já existiam 74
instituições credenciadas na UAB com 774 polos de apoio presencial em várias cidades do
interior do Brasil. Essa ocorrência tinha o objetivo de levar para essas cidades o ensino
público, gratuito e de qualidade. Neste Sistema Universidade Aberta do Brasil (Sistema
UAB), existiam, em 2010, 307 cursos de licenciatura. Dados do Censo da Educação
Superior de 2008 mostraram, em várias áreas, que 115 instituições ofereciam 647 cursos
de graduação, com um crescimento nas matrículas da ordem de 96,9%. Houve também um
aumento de 135% nos concluintes (em relação a 2007) e, desta forma, em números
absolutos, tínhamos 727.961 alunos matriculados e 70.068 formados e diplomados
(Brasil/Inep, 2009).
Em 2010, o sistema atendia em mais de mil polos estrategicamente distribuídos em todo o Brasil
e, em 2013, ampliou a rede de cooperação para atender mais de 800 mil alunos/ano.
A UAB é um programa da Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de
aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (Capes) em parceria com a Secretaria de Educação
a Distância, do MEC. A Capes coordenou diversas ações para o lançamento do Plano Nacional de
Formação dos Professores da Educação Básica (PARFOR). Este Plano instituiu a colaboração
entre União, estados e municípios com o intuito de criar uma estratégia de formação inicial e
continuada de professores. No mesmo sentido, foram criados os Fóruns Estaduais Permanentes
de Apoio à Formação Docente, a fim de identificar as necessidades da Ead relacionadas às
licenciaturas.
As licenciaturas, de forma presencial e a distância, são ministradas no PARFOR. São cursos de
primeira licenciatura para professores sem graduação e de segunda, para licenciados, atuando
fora da área de formação e também cursos de formação pedagógica para aqueles que são
bacharéis e não possuem licenciatura. As instituições formadoras que estão participando do
PARFOR receberam recursos adicionais do MEC que até 2011 somavam um montante de 700
milhões.
Essas iniciativas realizadas pelo MEC e pela Seed têm feito com que o ensino superior a distância
no Brasil apresente, nos últimos anos, um grande crescimento. Já existem muitas instituições
credenciadas e autorizadas pelo MEC para oferecer cursos superiores a distância.
A educação superior, graduação, em 2004, tinha 107 cursos, 189 em 2005, 349 em 2006 e, em
2007, já totalizavam 408 cursos. O número de alunos saltou de 59.611, em 2004, para 369.766,
em 2007, e a oferta de vagas nos vestibulares chegou a ultrapassar, em 2007, 1 milhão e
quinhentos mil (MEC/Inep, Censo da Educação Superior 2002 a 2007). Em relação ao número de
cursos, o maior crescimento aconteceu entre 2005 e 2007, promovido pela adesão das IES
públicas que passaram a adotar de forma mais sistemática a Ead e pela equiparação legal da
graduação a distância à presencial (GATTI & BARRETO, 2008). Em 2011, o total de cursos
ofertados em Ead já era de 9.065, sendo 3.971 autorizados/reconhecidos e 5.094 livres (ABED,
2010).
O crescimento da Ead trouxe grandes discussões em relação a esta modalidade em todo o país,
sobretudo quanto à formação inicial de professores. Alguns autores não acreditam na Ead, são
contra sua legislação e questionam sua adoção indiscriminada como política pública, sobretudo
para a formação inicial de professores (FÉTIZON & MINTO, 2007). Outros, no entanto, utilizam
argumentos diferentes. Advogam que o avanço desta modalidade é importante em um país onde
menos de 40% dos municípios têm uma IES e ainda 14% dos brasileiros apresentam
necessidades especiais sem possibilidades de participar de cursos presenciais (LITTO, 2009).
Para Litto, os problemas relacionados à implantação da Ead no ensino superior associam-se ao
conservadorismo da classe sindical e aos professores das universidades, sobretudo aqueles que
habitam as faculdades de educação.
Há aqueles autores que defendem o crescimento da Ead como uma alternativa para um país de
dimensões continentais, desigualdades regionais e carências educacionais (SCHLÜNZEN, 2009).
Outros utilizam o argumento de que ela auxilia na democratização do ensino superior, pois
somente 11% dos jovens de 18 a 24 anos têm acesso (SANCHEZ, 2007). Outros, discutindo a
falta de professores habilitados (com déficit de aproximadamente 235 mil professores para o
Ensino Médio em todas as áreas, 23,5 mil somente na disciplina de Física), são a favor da
expansão dos cursos, desde que sejam atendidos os princípios de qualidade (CUNHA, 2006).
Gatti e Barreto (2008) afirmam que o crescimento rápido da Ead, incentivado sobretudo pela
implantação do sistema UAB em parceria com as IES públicas, limitou as discussões essenciais
em relação à formação inicial de professores e acabou gerando uma expansão acelerada e
desordenada do sistema. As autoras evidenciam que
[...] a urgência política de montar um novo sistema que reverta a situação de iniquidade de
acesso ao ensino superior em prazo pequeno parece não se coadunar com o tempo
requerido para que políticas desse porte e dessa envergadura tenham condições de se
expandir com base no amadurecimento de experiências, na criação de respostas
inovadoras a uma realidade nova e mutante a ser enfrentada e na montagem de uma
infraestrutura permanente e sólida que assegure a qualidade dos serviços prestados
(p.112-113).
A expansão acelerada para lidar com os problemas de acesso ao ensino superior esbarrou em
questões de qualidade tanto relacionadas à infraestrutura como em termos efetivos de
aprendizagem dos alunos.
A questão da aprendizagem tem de ser discutida com muita cautela. Apesar de a maioria das IES
que oferecem cursos a distância estarem em sintonia com a legislação atual em termos de tempo
de formação e com as premissas atuais da formação de professores e da ação pedagógica, a
carga horária presencial, no entanto, é reduzida a um conjunto de encontros nos polos, muitas
vezes mensais, outras vezes, no início e no final do semestre (GARCIA, 2013).
A questão da equiparação do tempo em relação às modalidades, presencial e a distância (Decreto
5.622), busca somente uma alternativa para evitar a crítica do aligeiramento dos cursos e “não se
refere somente à quantidade de anos (tempo cronológico de duração do curso), e sim à forma de
trabalho individual, com pouco ou quase nenhum momento presencial, que caracteriza um modo
de apressar a formação dos sujeitos” (MALANCHEN, 2008, 130-131).
Essa redução de tempo simplifica a formação e, consequentemente, contribui para a
desqualificação do professor. Menos conteúdos, menos possibilidades de debates, de pesquisas
desenvolvidas, de intervenção dos professores, de vivências na universidade. Tudo isso interfere
na formação docente, dificultando a construção de processos reflexivos.
Além dos fatores de aligeiramento e de simplificação da formação, outro ponto importante é que a
expansão da Ead, como projeto do Governo, retira o professor da universidade, do locus
formação, lançando-o em um processo de formação individualizada. Tal situação desfavorece as
vivências acadêmicas e a construção da identidade do professor, que são ações necessárias para
a formação de um profissional autônomo, reflexivo e politizado.
As vivências acadêmicas possibilitam, entre outras coisas, o engajamento docente em debates e
discussões sobre a educação brasileira por meio de conversas, reuniões e assembleias. Isto
favorece a mobilização politica e social, contribuindo para o processo de politização docente.
Em uma análise das políticas da década de 1990, Moraes (2004, p. 11), questionou a formação a
distância, observando que
[...] um efeito notório desse procedimento ao lado da desintelectualização do professor é a
despolitização da formação docente em nome de um novo modelo técnico. Essa
racionalidade sugere que a prática docente é neutra por se voltar quase que
exclusivamente ao campo intraescolar. Dispensa, assim, o conhecimento como campo de
inteligibilidade do mundo e desobriga, portanto, o pensamento de considerar as
determinações desse mesmo mundo. Ao fim e ao cabo, despolitiza a formação e a própria
prática, pois, mesmo aceitando a ideia de conflito, restringe-o à imediaticidade.
Neste processo, o futuro professor, ou aquele que está em serviço, não tem oportunidade da
vivência acadêmica nem de se engajar em debates e discussões sobre a educação brasileira
dentro da universidade como espaço fundamental para a construção da identidade do docente.
Da forma como está organizada, a Ead trouxe também outro ponto de desconfiança. Trata-se dos
tutores, presencial e a distância. A formação de professores que atuam na formação presencial é
muito mais abrangente e sólida e se consolidou em nível de pós-graduação.
Garcia (2013), analisando cursos superiores a distância, mostrou que aos tutores cabia, entre
outras coisas, dominar conteúdos, a norma culta, as ferramentas de aprendizagem e as
metodologias. Eles atuavam no acompanhamento dos discentes nos conteúdos, nas questões
teórico-metodológicas do curso, auxiliando nas dúvidas, fomentando debates e corrigindo os
trabalhos realizados pelos alunos.
O autor afirma que há diferenças quando tais tarefas são realizadas
[...] por professores que atuam na formação presencial, com cursos de mestrado e
doutorado, com regime de dedicação exclusiva, com sólida formação nos conteúdos e nas
questões teórico-metodológicas do curso. Essas diferenças podem ser apontadas, por
exemplo, até mesmo na correção dos trabalhos dos alunos quando realizado por um tutor
ou por um professor. Com grande parte da formação sendo realizada por tutores, neste
processo simplificado de formação, o ensino acaba se dissociando da pesquisa, pois esses
tutores não apresentam formação em pesquisa como os professores. (p.853).
Lapa e Pretto (2010, p. 91) levantam outra questão relevante relacionada ao salário dos tutores de
Ead, que se constitui em uma baixa remuneração, com ausência de vínculo empregatício com a
universidade e a falta de reconhecimento profissional. Tal situação evidencia ainda mais a
precarização do trabalho docente, já discutida por vários autores (GARCIA, 2009; FRANCH, 1995;
SAMPAIO; MARIN; 2004).
A baixa remuneração, por exemplo, força os baixos salários, induzindo os profissionais à busca de
múltiplas jornadas de trabalho e isto afeta o tempo livre desse profissional. Sampaio e Marin
(2004, p. 1210) afirmam, por exemplo, que o salário “é um fator que incide pesadamente sobre a
precarização do trabalho dos professores, pois a pauperização profissional significa pauperização
da vida pessoal nas suas relações entre vida e trabalho, sobretudo no que tange ao acesso a bens
culturais.”
No momento atual, a não ser que mudanças sejam realizadas nesta modalidade de ensino, o que
poderá surgir a partir de novas legislações, da presença de novas tecnologias, ou de novas formas
de organizar a formação, o crescimento acelerado da Ead como política de formação docente
trouxe consequências para a formação inicial do professor. Fatores como a carga horária
reduzida, o aligeiramento e a simplificação da formação, a retirada do locus da formação da
universidade, a precarização do trabalho docente e o gerenciamento de grande parte do curso
realizado por tutores favorecem a despolitização e desqualificação do professor. Tal situação,
evidentemente, tem consequências para a qualidade da educação básica.
Considerações finais
As políticas editadas e lançadas pelo Governo Federal nas últimas décadas tiveram diferentes
consequências para os professores. Por um lado, eles foram mais responsabilizados pelos
resultados dos alunos em avaliações em larga escala; por outro, os processos de formação
docente por meio da educação a distância foram simplificados e aligeriados.
A avaliação em larga escala, sobretudo com a criação do Ideb, que trouxe avanços para o
acompanhamento da qualidade da educação básica no Brasil por meio da proficiência e do fluxo
escolar, responsabilizou ainda mais os professores pelo sucesso ou fracasso dos alunos, sem
considerar outras dimensões da qualidade e equidade na escola, tais como a infraestrutura, a
habilidade dos gestores de gerir o sistema, a formação e as condições de trabalho dos
professores e o nível socioeconômico dos alunos.
O ideb, que tem grande apoio da mídia, induziu à meritocracia traduzida, na realidade brasileira,
em bônus como prêmios para os professores. A avaliação por mérito responsabiliza os
professores, desconsiderando as condições de trabalho. Neste caso, é como se todos
concorressem com as mesmas condições iniciais para competir. A sobrecarga maior tem recaído
sobre aqueles que ministram a disciplina de Português e Matemática. No entanto, têm surgido
alguns indicativos (Conae, 2014) que apontam para a superação deste sistema de avaliação
unidimensional: uma análise mais ampla da qualidade da educação brasileira, envolvendo o
desenvolvimento de metas e outras dimensões e indicadores para melhor captar melhor a
complexidade da escola.
Em relação à ampliação da oferta de formação de professores, utilizando a educação a distância,
o projeto de expansão, acelerado e desordenado, acaba por simplificar e aligeirar a formação,
provocando uma redução de importantes encontros presenciais. Tais aspectos acarretam impacto
indiscutível na formação docente. Além disso, o fato de o futuro professor realizar a maioria das
atividades em casa ou no trabalho, por meio das tecnologias, individualiza o percurso formativo e
o retira do contexto da universidade, onde acontecem as vivências acadêmicas que contribuem de
forma favorável para a construção da identidade docente. A partir do exame das circunstâncias
citadas, podemos concluir que a formação docente por meio da Ead tem contribuído para o
processo de despolitização e desqualificação do professor, fato este que merece ser revisto para
que se possa garantir um magistério de alto desempenho aos nossos aprendizes.
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REFLEXOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS