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UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
REGINA TELEKEN SCHLINDWEIN
A GARANTIA DA CELERIDADE DE TRAMITAÇÃO PROCESSUAL EM
HARMONIA COM A SEGURANÇA JURÍDICA NOS ATOS PRATICADOS
PELO OFICIAL DE JUSTIÇA
Ijuí (RS)
2014
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REGINA TELEKEN SCHLINDWEIN
A GARANTIA DA CELERIDADE DE TRAMITAÇÃO PROCESSUAL EM
HARMONIA COM A SEGURANÇA JURÍDICA NOS ATOS PRATICADOS
PELO OFICIAL DE JUSTIÇA
Monografia final apresentada ao Curso de
Graduação em Direito, objetivando a aprovação no
componente curricular Monografia.
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais.
Orientadora: Ms. Eloísa Nair de Andrade Argerich
Ijuí (RS)
2014
2
D
edico este estudo a todos que de
uma forma ou de outra me
auxiliaram e me ampararam durante esses anos
de caminhada acadêmica.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus Pai, fonte de toda
luz, sabedoria, serenidade e paz.
À minha família, pela compreensão
nos momentos de ausência.
À
minha
orientadora,
professora
Eloísa Nair de Andrade Argerich, exemplo de
sabedoria, dedicação, comprometimento e
gentileza.
Ao professor Joaquim Gatto, pela
grande contribuição como componente da
Banca Examinadora.
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“A diligência executa rapidamente o
que a inteligência pensou com calma. A pressa
é uma paixão de tolos: como não percebem o
perigo, agem sem atenção. Os sábios, ao
contrário, costumam pecar por serem lentos,
pois a reflexão obriga a parar. Às vezes, o
acerto de uma observação se perde pela
negligência em agir. A presteza é a mãe do
sucesso. Muito consegue quem não deixa nada
para amanhã. Correr devagar é um lema
precioso.”
(Baltazar Gracian y Morales)
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RESUMO
Por meio desta pesquisa almeja-se demonstrar que apesar de uma aparente contradição
entre as garantias constitucionais da celeridade processual e da segurança jurídica, é o
equilíbrio entre ambas que garante uma prestação jurisdicional justa ao caso concreto. E que
essa ponderação deve se dar, também, nos atos praticados pelo Oficial de Justiça, dada a
presunção de veracidade, como consequência da fé pública. Outrossim, sua ação ou omissão
poderão acarretar dilações processuais indevidas e violação aos direitos e garantias
individuais.
Palavras-chave: Garantias. Celeridade Processual. Segurança jurídica. Harmonia. Atos
do Oficial de Justiça. Presunção de veracidade. Fé pública.
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ABSTRACT
Through this research aims to demonstrate that despite an apparent contradiction
between the constitutional guarantees of procedural celerity and legal certainty, is the balance
between the two that ensures fair adjudication to the case. And that consideration should also
give the acts performed by bailiff, the presumption of truthfulness, as a consequence of public
faith. Moreover, their action or inaction may cause undue procedural delays and violation of
individual rights and guarantees.
Key words: Guarantees. Celerity Procedure. Legal certainty. Harmony. Official Acts
of Justice. Presumption of truthfulness. Public faith.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
1 ATOS PROCESSUAIS E AS ATRIBUIÇÕES DO OFICIAL DE JUSTIÇA............... 10
1.1 Origem e aspectos históricos das atividades do Oficial de Justiça ............................... 10
1.2 Atribuições do Oficial de Justiça: fé pública e materialização dos atos ...................... 14
1.3 Importância da forma e da documentação do ato processual pelo Oficial de
Justiça ...................................................................................................................................... 17
1.4 Princípios regulamentadores da forma .......................................................................... 20
1.5 Prazos processuais para o Oficial de Justiça e o andamento processual..................... 22
2 A GARANTIA DA CELERIDADE DE TRAMITAÇÃO PROCESSUAL EM
HARMONIA COM A SEGURANÇA JURÍDICA NOS ATOS PRATICADOS
PELO OFICIAL DE JUSTIÇA ............................................................................................ 25
2.1 Antecedentes históricos e legais acerca da celeridade processual no direito
comparado ............................................................................................................................... 25
2.2 A recente incorporação constitucional do art. 5º, inciso LXXVIII da CF/88 ............. 28
2.3 A celeridade processual em harmonia com a segurança jurídica nos atos
praticados pelo Oficial de Justiça ......................................................................................... 30
2.4 Análise de casos concretos ............................................................................................... 34
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 38
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 40
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso procura demonstrar que os atos praticados
pelo Oficial de Justiça são de suma importância para o desenrolar do processo, e que os
mesmos influenciam na entrega da prestação jurisdicional.
Aborda, também, a garantia da celeridade de tramitação processual que, desde a
edição da Emenda Constitucional 45/2004, é prevista expressamente na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), em seu art. 5º, inciso LXXVIII: “a todos, no
âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Nesse contexto, a pesquisa visa analisar ainda, a recente recepção constitucional,
demonstrando a preocupação do legislador em assegurar os direitos do cidadão quanto à
razoável duração do processo e à celeridade processual, considerando que a demora na
prestação jurisdicional implica em insegurança jurídica e descrédito na justiça.
Por outro lado, o estudo demonstra que não se pode, em busca de uma justiça célere,
atropelar outros direitos e garantias fundamentais, tais como o da segurança jurídica, este
respaldado, entre outros valores, pela garantia do contraditório e da ampla defesa (art. 5º,
inciso LV, da CF/88).
Inicialmente, no primeiro capítulo, o estudo apresenta aspectos históricos e atribuições
do Oficial de Justiça, bem como a importância da forma e da documentação do ato processual
pelo Oficial de Justiça. Apresenta, também, os princípios regulamentares da forma e os prazos
processuais que deverão ser cumpridos de forma irrestrita pelo Oficial de Justiça, sob pena de
invalidar os atos processuais produzidos.
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No segundo capítulo aborda a garantia da celeridade de tramitação processual que,
desde a edição da Emenda Constitucional 45/2004, é prevista expressamente na CF/88, em
seu art. 5º, inciso LXXVIII. Procura-se, entretanto, demonstrar que na busca pela efetividade
da prestação jurisdicional necessário se faz a harmonização dessa garantia com outras, tais
como a da segurança jurídica, respaldada, entre outros valores, pela garantia do contraditório
e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF/88). Aborda-se, ainda, a harmonização das
garantias de celeridade processual e segurança jurídica nos atos praticados pelo Oficial de
Justiça.
Para tanto, são analisados casos concretos, os quais apresentam, quando do
cumprimento do mandado da medida determinada (pleiteada), a busca ou a ausência da
harmonização das garantias de celeridade processual e segurança jurídica. Assim, ao pensar a
definição de processo como busca de uma solução justa da lide, ocorre a pacificação social
naquele caso concreto, dentro de um espaço de tempo razoável.
Ainda, para maior compreensão do tema a ser abordado, enfoca-se a importância da
missão do Oficial de Justiça como executor de ordens judiciais, bem como a prerrogativa
deferida pela lei para certificar, dando fé do ocorrido em suas diligências.
Enfim, o objetivo geral desta monografia é verificar se os atos praticados pelo Oficial
de Justiça influenciam no agir, no caminhar, no desenrolar do processo. E, também, se a
harmonização dessas duas garantias – celeridade e segurança jurídica – nos atos praticados
pelo Oficial de Justiça influenciam a qualidade da prestação jurisdicional.
Por derradeiro, salienta-se que a jurisdição visa à realização da justiça nos casos
concretos, mas para que isso ocorra é necessário que exista confiança recíproca dos
envolvidos no sistema jurídico como um todo, sendo inegável o grande valor social do serviço
realizado pelo Oficial de Justiça.
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1 ATOS PROCESSUAIS E AS ATRIBUIÇÕES DO OFICIAL DE JUSTIÇA
Não se pode negar que a garantia da celeridade de tramitação processual e os atos
realizados pelo Oficial de Justiça são de suma importância para a efetivação da prestação
jurisdicional.
Na realidade, ao verificar que os atos processuais judiciais são atividades realizadas
pelo próprio Juiz ou por serventuários da Justiça, dotados ou não de fé pública, observa-se que
a participação do Oficial de Justiça exerce um papel preponderante para a efetiva celeridade
da tramitação processual. Na maioria das vezes, os atos praticados pelo Oficial de Justiça
possibilitam que o processo se efetive de forma rápida, eficiente e adequada, mas existem
casos em que as dificuldades relativas às condições materiais e as circunstâncias apresentadas
para o cumprimento do mandado fazem com que a diligência se prolongue e não atenda a
celeridade prevista no art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88 e no Código de Processo Civil.
Salienta-se que as atividades do Oficial de Justiça são dotadas de fé pública, sendo
esta a qualidade e a autoridade de uma atestação. Os atos praticados pelo Oficial de Justiça
têm presunção juris tantum, o que significa que se presumem verdadeiros até que se prove o
contrário. Sugere-se, então, que os atos praticados pelo Oficial de Justiça são de fundamental
importância para a celeridade processual e para o andamento do processo.
Este capítulo apresenta aspectos históricos e atribuições do Oficial de Justiça, bem
como ressalta a importância da forma e da documentação do ato processual pelo Oficial de
Justiça. Abordam-se, também, os princípios regulamentares da forma e os prazos processuais
que deverão ser cumpridos de forma irrestrita pelo Oficial de Justiça, sob pena de invalidar os
atos processuais produzidos.
1.1 Origem e aspectos históricos das atividades do Oficial de Justiça
É de suma importância analisar a origem e os aspectos históricos que confirmam a
importância do Oficial de Justiça para o cumprimento das ordens emanadas pelas autoridades
públicas dotadas de jurisdição e, assim, verificar as suas atribuições em face dos atos
processuais e da celeridade processual.
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Para tanto, é necessário realizar uma abordagem não apenas evolutiva e histórica, mas
também relativa à forma e à documentação dos atos processuais praticados pelo Oficial de
Justiça. Cabe, ainda, destacar os prazos, que devem ser cumpridos para o bom andamento
processual e, de forma genérica, os princípios processuais que dão sustentação à sua
atividade.
Historicamente, o Oficial de Justiça tem origem na época do Direito Hebraico, mas
sua função como auxiliar da Justiça perpassou vários períodos históricos. Nesse rumo sustenta
Pires (2001, p. 20) que:
[...] a origem do Oficial de Justiça se deu no Direito Hebraico. Os Juízes de Paz
tinham, nessa época, alguns Oficiais encarregados de executar as ordens que lhe
eram confiadas. No Direito Justiniano, foram atribuídas ao apparitor as funções
desempenhadas pelos Oficiais de Justiça atualmente. Nas legislações medievais,
eram de pouca importância os Oficiais de Justiça. Entretanto, à medida que vai se
difundindo o Direito Romano e Canônico readquirem os Oficiais de Justiça a
posição de auxiliares do juiz.
Verifica-se, portanto, que o Oficial de Justiça como auxiliar dos juízes remonta do
século passado, pois lá no Direito Hebraico a presença deste servidor já era necessária para o
cumprimento das ordens dos Juízes de Paz.
As atribuições destinadas ao Oficial de Justiça naquele tempo não diferem das
atribuídas a ele no século XII, quando “o território da Inglaterra medieval era percorrido por
grupos de juízes itinerantes, de confiança do rei, que se ocupavam em resolver todas as
espécies de processos nos quais interessavam politicamente.” Evidente está que esses juízes
necessitavam de pessoas para auxiliá-los no cumprimento das decisões, por isso, dias antes de
empreenderam viagem, encaminhavam uma ordem aos responsáveis pela segurança daquela
comunidade para que convocassem os homens mais importantes da região para auxiliar nas
atividades (CEDRO, 2009, p. 25).
O Oficial de Justiça, entretanto, passou a ter um certo status, ou seja, adquiriu uma
posição mais privilegiada e com funções determinadas a partir da “formação dos Estados
nacionais modernos [...] mas essas transformações não ocorreram de forma homogênea, mas
sim, de acordo com a especificidade de cada época e de cada sociedade.” (CEDRO, 2009, p.
27).
12
Para não deixar dúvidas quanto à importância que passou a ser conferida ao Oficial de
Justiça, interessante reportar aos anos de 1212 a 1223, quando
O terceiro rei de Portugal, D. Afonso II, durante o período de 1212 a 1223, dedicouse ao fortalecimento do poder real e restringiu privilégios da nobreza ao estabelecer
uma política de centralização jurídico-administrativa inspirada em princípios do
direito romano: supremacia da justiça real em relação à senhorial e a autonomia do
poder civil sobre o religioso. Dentre as medidas tomadas, houve a nomeação do
primeiro meirinho-mor do reino (o magistrado mais importante da vila, cidade ou
comarca), com jurisdição em determinada área, encarregado de garantir a
intervenção do poder real na esfera judicial. Cada meirinho-mor tinha à sua
disposição outros meirinhos que cumpriam suas ordens ao realizarem diligências.
(Livro I, título 17). (CEDRO, 2009, p. 28).
O que se percebe é que o Oficial de Justiça já se encontrava em posição privilegiada
desde os tempos mais remotos, já que pertencia a mais alta classe social e política da época.
Mais tarde, porém, em Portugal, com a fundação da Monarquia, houve o surgimento
da instituição dos Oficiais de Justiça, também denominados de sagio ou saion, ou ainda, de
meirinhos ou meirinus. Assevera Nary (1985, p. 10, grifos do autor) que, no direito português,
“o meirinho se distinguia, pois, do meirinho-mor, este era magistrado. Aquele era Oficial de
Justiça, que prende, cita, penhora e executa outros mandados judiciais; é oficial dos ouvidores
e dos vigários gerais.”
Um dos aspectos históricos que chama a atenção e está mencionado nas Ordenações
Filipinas é relacionado ao uso de armas pelo Oficial de Justiça, o que está relatado no Livro I,
Título 57:
Ordenamos que todos os Tabelliaes das Notas... e Meirinhos dante elles, cada hum
destes seja obrigado a ter, e tenha continuadamente comsigo couraças e capacete,
lança e adarga (escudo oval de couro), para quando cumprir nas cousas de seus
Officios e por bem da Justiça com as ditas armas servirem...sob pena de qualquer
destes, assi da Justiça, como da Fazenda, aqui declarados, que as ditas armas não
tiver, perder por o mesmo caso seu Officio, para o darmos a quem houvermos por
bem. (CEDRO, 2009, p. 29, sic).
Não é de espantar tal decisão para a época, pois se sabe que a função exercida pelo
Oficial de Justiça sempre envolveu situações de riscos, pois agiam em nome do Rei ou do
Corregedor de Justiça. Dessa forma, as Ordenações Filipinas traziam as atribuições do
meirinho enumeradas e traçavam um perfil específico para o desempenho dessa função,
como se pode ver a seguir:
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Durante o período de 1603 até finais do século XIX, as ordenações filipinas eram
consideradas espinha dorsal das estruturas administrativas e jurídicas de Portugal,
sendo que, em um de seus livros, enumeravam as atribuições dos meirinhos. Havia o
meirinho-mor, hoje denominado Corregedor de Justiça, e que “[...] deveria ser
homem muito principal e de nobre sangue [...] ao meirinho-mor pertence pôr em sua
mão, um meirinho que ande continuamente na corte, o qual será seu escudeiro de
boa linhagem, e conhecimento bom.” (Livro I, título 17). (CEDRO, 2009, p. 28, sic).
A título de curiosidade e informação, que pode auxiliar na compreensão da
importância que sempre teve a função do Oficial de Justiça na realização dos atos processuais,
ressalta-se que essa já era conhecida até mesmo na Bíblia. Em seus estudos, Cedro (2009, p.
31) muito bem retrata essa realidade:
[...] desde os tempos bíblicos do Antigo Testamento, havia notícias de que o rei Davi
nomeara 6.000 oficiais de justiça para estarem à disposição dos juízes,
principalmente em casos penais e religiosos. No direito romano, base das
instituições jurídicas modernas ocidentais, eram os “apparitores” e “executores” que
auxiliavam juízes e legisladores em atos e em sentenças processuais. (CEDRO,
2009, p. 31).
Percebe-se, portanto, que nos tempos bíblicos o Oficial de Justiça era mero auxiliar
dos juízes e legisladores, dando sequência aos atos processuais, principalmente, no que dizia
respeito à execução das sentenças. A esse respeito, Cedro (2009, p. 33, grifo do autor)
comenta que
No capítulo 5, versículos 25 e 26 do Novo Testamento Bíblico (capítulo este
conhecido como o Sermão da Montanha), vemos uma referência à profissão do
Oficial de Justiça (a título de exemplo histórico) feita por Jesus de Nazaré enquanto
fazia sua pregação: “25 Entra em acordo sem demora com o teu adversário,
enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o
juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. 26 Em verdade te digo que não
sairás dali, enquanto não pagares o último centavo. É claro que, pelo contexto
exegético, a passagem trata sobre a pregação de uma vida que agrada a Deus. Jesus
não tinha o objetivo de pregar sobre o oficialato. Interessante também, é que, na
Bíblia, existe mais uma referência ao oficialato em Atos dos Apóstolos, Capítulo 16,
do versículo 35 ao 40. Este capítulo trata sobre a prisão do Apóstolo Paulo e
Barnabé na cidade de Tiatira (uma das colônias gregas na época, a qual fazia parte
do Império Romano): “Quando amanheceu, os pretores enviaram oficiais de justiça,
com a seguinte ordem: Põe aqueles homens em liberdade. 36 Então, o carcereiro
comunicou a Paulo estas palavras: Os pretores ordenaram que fôsseis postos em
liberdade. Agora, pois, sai e ide em paz. 37 Paulo, porém, lhes replicou: Sem ter
havido processo formal contra nós, nos açoitaram publicamente e nos recolheram ao
cárcere, sendo nós cidadãos romanos; querem agora, às ocultas, lançar-nos fora?
Não será assim; pelo contrário, venham eles e, pessoalmente, nos ponham em
liberdade. 38 Os oficiais de justiça comunicaram isso aos pretores; e estes ficaram
possuídos de temor, quando souberam que se tratava de cidadãos romanos. 39
Então, foram ter com eles e lhes pediram desculpas; e, relaxando-lhes a prisão,
rogaram que se retirassem da cidade. 40 Tendo-se retirado do cárcere, dirigiram-se
para a casa de Lídia e, vendo os irmãos, os confortaram. Então, partiram.” Neste
caso, observa-se claramente a aplicação do Direito Romano. Por terem sido presos
sem motivo aparente, pois a prisão fora devida à expulsão de um demônio (o que
não tinha nada de ilegal), Paulo, além de ser cidadão romano e conhecedor da lei,
invoca seus direitos.
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Não é de se estranhar que houvesse a necessidade da presença de um Oficial de Justiça
para dar cumprimento às ordens dos soberanos romanos, pois esses detinham o poder de
determinar a prisão e a pena de morte daqueles que discordavam de suas ideias.
Prossegue a História mostrando que com o passar do tempo, outros ordenamentos
jurídicos já faziam menção a essa função. O Direito Francês antigo dividiu em duas categorias
os auxiliares de justiça da época, ou seja, havia o Oficial Judiciário e o huissier. O primeiro
era comparável aos escrivães e escreventes da atualidade, enquanto que o segundo se
comparava aos atuais Oficiais de Justiça (PIRES, 2001).
Nesse sentido, observa Souza Pinto (apud NARY, 1985, p. 11) que:
O direito brasileiro, ao tempo do Império sancionou os princípios fundamentais
bradados de Portugal. Na síntese de Souza Pinto, é o oficial de justiça aquele que
tem por encargo executar as ordens e os mandados dos juízes. Os Juízes de Direito e
de Paz podiam nomear e demitir livremente os Oficiais de Justiça [...].
Verifica-se, portanto, que no Direito brasileiro, desde os tempos imperiais, o Oficial de
Justiça sempre assumiu um papel preponderante, haja vista que aos juízes cabia emitir os
mandados para cumprimento das decisões e esses eram cumpridos por homens nomeados ou
designados pelos próprios juízes. O Oficial de Justiça era sempre escolhido entre aqueles que
possuíam mais condições para impor e cobrar o determinado judicialmente.
1.2 Atribuições do Oficial de Justiça: fé pública e materialização dos atos
Com a Proclamação da República do Brasil foram definidas as atribuições dos Oficiais
de Justiça. Cabe mencionar, contudo, a título de informação, que é comum se verificar em
textos jurídicos e históricos a expressão “meirinho” para se designar aqueles que cumprem
ordens do Juiz e, até os dias de hoje, alguns advogados e magistrados utilizam-se dessa
expressão quando querem “achincalhar” os Oficiais de Justiça. Sabe-se, porém, que como
auxiliar da Justiça, sua presença para a realização e celeridade dos atos processuais é
imprescindível.
Os auxiliares da justiça encontram-se previstos no Código de Processo Civil brasileiro,
que em seu art. 139 apregoa: “São auxiliares do juízo, além de outros, cujas atribuições são
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determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o oficial de justiça, o perito,
o depositário, o administrador e o intérprete.” (grifo nosso).
Importante referir que a maioria dos atos processuais necessita da participação do
Oficial de Justiça para o andamento do processo. Como a maior parte de suas funções é
exercida de forma externa, compreende-se que é um elo na formação e desenvolvimento do
processo judicial. Esse auxiliar da justiça é considerado o longa manus do Juiz, ou seja, “a
mão do Magistrado”, aquele que realiza o ato processual, que materializa a decisão judicial,
mantendo contato direto com as partes.
Para a Associação Brasileira dos Oficiais de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
(2001/2003, p. 4, grifo do autor):
A máquina judiciária pode ser comparada a um corpo que trabalha em prol da
sociedade, através de juízes e serventuários, e, dentre esses, a figura do Oficial de
Justiça certamente merece destaque, pois é o ‘longa manus’, ou seja, a mão da lei, a
mão da justiça, aquele que realiza o ato como se fosse a mão do Magistrado,
fazendo materializar a pretensão jurisdicional das partes e com isto,
consequentemente, sua participação torna-se vital para o bom andamento da maioria
dos atos processuais, inclusive sob pena de invalidade dos mesmos. Não houvesse
sua participação, certamente haveria uma desestruturação na máquina judiciária,
pois de outra forma caberia aos magistrados a efetivação direta de todos os atos
processuais, o que seria completamente ilógico e prejudicial a todo o sistema.
Mesmo sendo o Oficial de Justiça apenas uma das peças dessa engrenagem, sua
missão, como já exposto, é muito relevante para que o Poder Judiciário consiga
cumprir seu papel perante a sociedade.
Salienta-se que toda e qualquer diligência realizada pelo Oficial de Justiça deve
ocorrer mediante ordem expressa do Juiz, a qual leva o nomem juris de mandado. De Paulo
(2007, p. 223) traduz mandado como uma “ordem escrita do juiz ao Oficial de Justiça para
que realize determinada diligência ou transmita a quem de direito uma ordem judicial.”
Percebe-se, portanto, que a missão desse auxiliar de Justiça é, em sua essência, o
cumprimento de mandados judiciais. Assim, pode-se afirmar que o Oficial de Justiça é um
mensageiro, um executor de ordens, sendo-lhe vedado praticar atos que não estejam
determinados no mandado.
Ainda, no entendimento de De Paulo (2007, p. 247):
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Oficial de Justiça é o auxiliar de justiça incumbido de cumprir as determinações
judiciais necessárias ao andamento do processo ou julgamento das causas e
ordenadas por autoridade competente, tais como citações, notificações, intimações,
arrestos, penhoras, entre outras.
Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 222), “são auxiliares da Justiça todas
aquelas pessoas que de alguma forma participam da movimentação do processo, sob a
autoridade do juiz, colaborando com este para tornar possível a prestação jurisdicional.”
O Oficial de Justiça é considerado auxiliar permanente do juízo, encarregado,
tradicionalmente, das diligências externas determinadas pelo juiz, dividindo-se estas,
basicamente, em duas espécies: atos de comunicação processual (citação, intimação) e atos de
constrição judicial (penhora, arresto, sequestro, busca e apreensão, prisão).
O Código de Processo Civil, em seu art. 143, incumbe ao Oficial de Justiça:
I- fazer pessoalmente as citações, prisões, penhoras, arrestos e mais diligências
próprias do seu ofício, certificando no mandado o ocorrido, com menção de lugar,
dia e hora. A diligência, sempre que possível, realizar-se-á na presença de duas
testemunhas;
II- executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;
III- entregar, em cartório, o mandado, logo depois de cumprido;
IV- estar presente às audiências e coadjuvar o juiz na manutenção da ordem.
As atribuições dos Oficiais de Justiça ainda estão previstas nas normas de organização
judiciária de cada Estado, conforme determina o art. 125 da CF/88.
Para Marinoni e Mitidiero (2010, p. 186), são as seguintes as atribuições do Oficial
de Justiça:
O Oficial de Justiça auxilia o órgão jurisdicional cumprindo fora de sede do juízo as
suas determinações. Tem função de comunicação, constrição, certificação, polícia e
de avaliação, todas mencionadas no artigo em comento [...]. Os atos do Oficial de
Justiça têm fé pública, gozando de presunção de veracidade (STJ, 5ª Turma, REsp
793.512/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 05.10.2006, DJ 23.10.2006, p.
352). A ausência de duas testemunhas da diligência ou a recusa de uma das partes de
assinar determinado auto, lavrado por oficial de justiça não afeta a existência, a
validade ou a eficácia do ato (STJ, 4ª Turma, REsp 345.658/AM, rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, j. em 19.02.2002, DJ 15.04.2002, p. 227).
Verifica-se, portanto, que o Oficial de Justiça é um auxiliar do juízo, cujos atos são
dotados de fé pública, sendo que seus atos gozam de presunção de veracidade e lisura. Isso
significa que que suas certidões são tidas como verdadeiras, somente podendo ser contestadas
mediante prova robusta em contrário (presunção juris tantum).
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De Paulo (2007, p. 154) define fé pública como sendo “a confiança que se deve ter a
respeito dos documentos emanados de autoridades públicas ou de serventuários de justiça em
virtude da função ou ofício exercido.”
Vislumbra-se, então, que é em decorrência da missão como executor de ordens
judiciais que existe a prerrogativa do Oficial de Justiça de certificar, dando fé do ocorrido em
suas diligências.
A Associação Brasileira dos Oficiais de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
(2001/2003, p. 8, grifo do autor) refere que:
[...] a fé pública é uma atestação qualificada. Aquilo que o Oficial de Justiça
realiza no âmbito de suas funções, ele o faz asseverando ser verdadeiro. Dá a sua
fé. Tal afirmação de verdade, lançada nas certidões, encontra o respaldo da lei e
somente pode ser derrubada mediante prova robusta em contrário.
Consequentemente, a fé pública do Oficial de Justiça encerra a qualidade e a
autoridade de uma atestação. Por isto, todas as suas diligências devem ser
documentadas através de certidões e autos, que devem ser lavrados de forma
circunstanciada, obedecendo algumas formalidades legais. Essa presunção de
veracidade, como consequência da fé pública, é extremamente importante para que
haja segurança a todos que participam do processo de modo a demonstrar a
qualidade do seu trabalho na instrução judicial.
Percebe-se, então, que o Oficial de Justiça, em cumprimento ao mandado judicial,
deve efetuar diligências no sentido de buscar o resultado constante naquele comando judicial,
observando que aquela diligência efetuada deve ser documentada mediante certidão ou auto,
sempre de forma clara, concisa, minuciosa e dando-lhe fé.
Ressalta-se que a forma e documentação do ato processual realizado pelo Oficial de
Justiça, em cumprimento aos mandados judiciais, são fundamentais para a busca da efetivação
da prestação jurisdicional, tema que será abordado a seguir.
1.3 Importância da forma e da documentação do ato processual pelo Oficial de Justiça
Observa-se que, no ordenamento jurídico pátrio, os atos processuais que abrangem
aqueles praticados pelo Oficial de Justiça, desencadeados no desenrolar do processo, possuem
como objetivo primordial, a busca, naquele caso concreto, da solução do conflito.
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Lenza (2011, p. 258) define ato processual como a “conduta humana voluntária que
tem relevância para o processo.” O autor refere ainda que “os atos processuais devem ser
praticados em conformidade com o que determina a lei. Ela preestabelece a sequência em que
eles devem ser realizados e, em regra, a forma a que devem obedecer.”
Entende-se, então, que toda atividade desenvolvida pelo Juiz, pelo Ministério Público,
pelas partes, pelos serventuários, na busca pela efetivação da prestação jurisdicional,
constitui-se em ato processual.
No entendimento de Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 364, grifo nosso) a esse
respeito,
A cooperação de auxiliares da Justiça no processo faz-se através de atos de
movimentação, documentação, comunicação e execução. A movimentação e a
documentação fazem-se precipuamente através do escrivão e seus funcionários
(escreventes). São atos de movimentação processual: a conclusão dos autos ao juiz,
a vista às partes, a remessa ao contador, a expedição de mandados e ofícios. São atos
de documentação: a lavratura dos termos referentes à movimentação (conclusão,
vista, etc.), a feitura do termo de audiência, o lançamento de certidões, etc. A
execução é ordinariamente encargo do oficial de justiça: trata-se de atos realizados
fora dos auditórios e cartórios, em cumprimento ao mandado judicial (penhora,
prisão, busca e apreensão, etc.). A comunicação processual, consistente em citações
ou intimações, é realizada pelo escrivão, com o auxílio dos Correios, ou pelo oficial
de justiça, em cumprimento a mandados judiciais.
É evidente que a movimentação processual passa por vários serventuários da Justiça,
mas é pelas mãos do Oficial de Justiça que esses atos determinados pelo juízo são efetivados.
A celeridade processual, sem sombra de dúvida, é determinada pelo agir diligente desse
auxiliar da Justiça, e assim vai se exteriorizar, dando forma ao ato processual.
Para Marinoni e Mitidiero (2010, p. 191): “a forma do ato processual é a maneira
como ele deve se exteriorizar. [...] A necessidade de forma serve à segurança jurídica e
prestigia a liberdade das partes.”
Constata-se que no sistema processual brasileiro, os atos processuais não dependem de
forma pré-determinada. Muitos tampouco possuem forma descrita em lei. Nesse sentido, a
orientação contida no art. 154 do Código de Processo Civil é a seguinte: “Os atos e termos
processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente o exigir,
reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.”
19
Apesar do grande número de atos processuais que fazem parte de um processo, apenas
os atos de citação e intimação são fundamentais para a sua concretização. Em regra, a certidão
atesta a ocorrência de um fato (citação, intimação), enquanto o auto é a narrativa de uma
medida (penhora, arresto, sequestro), exigindo-se deste uma forma mais rigorosa. Já a citação
é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender. De acordo com
o art. 226 do CPC:
Art. 226. Incumbe ao Oficial de Justiça procurar o réu e, onde o encontrar, citá-lo:
I – lendo-lhe o mandado e entregando-lhe contrafé;
II – portando por fé se recebeu ou recusou a contrafé;
III – obtendo a nota de ciente, ou certificando que o réu não a apôs no mandado.
A intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos processuais para que
faça ou deixe de fazer alguma coisa. De acordo com Marinoni e Mitidiero (2010, p. 236):
“Frustrada a intimação pelo correio tem essa de ser realizada por Oficial de Justiça. A
intimação por Oficial de Justiça tem, no mais das vezes, caráter subsidiário, salvo quando a lei
impõe desde logo sua realização por esse modo.”
Nesse rumo, não se pode deixar de mencionar o que prescreve o Código de Processo
Civil sobre o tema, que assim estabelece:
Art. 239. Far-se-á a intimação por meio de oficial de justiça quando frustrada a
realização pelo correio.
Parágrafo único. A certidão de intimação deve conter:
I – a indicação do lugar e a descrição da pessoa intimada, mencionando, quando
possível, o número de sua carteira de identidade e o órgão que o expediu;
II – a declaração de entrega da contrafé;
III – a nota de ciente ou certidão de que o interessado não a apôs no mandado.
Observa-se que, tanto a citação quanto a intimação devem observar as prescrições
legais, sob pena de, havendo prejuízo em virtude da não observância, serem nulas. Segundo o
art. 247 do Código de Processo Civil: “As citações e intimações serão nulas quando feitas sem
observância das prescrições legais.”
A documentação do ato processual praticado pelo Oficial de Justiça no cumprimento
do mandado judicial não se restringe apenas à elaboração de certidões. Há inúmeros casos de
elaboração de autos: auto de arresto, auto de sequestro, auto de afastamento do lar, auto de
busca e apreensão, auto de embargo de obra nova, entre outros, sendo o mais utilizado o auto
de penhora.
20
Para Lenza (2011, p. 613), a “penhora é ato de constrição que tem por fim
individualizar os bens do patrimônio do devedor que ficarão afetados ao pagamento do débito
[...].”
A fim de regulamentar o auto de penhora, o art. 665 do Código de Processo Civil
arrola os requisitos que o referido procedimento deverá conter:
Art. 665. O auto de penhora conterá:
I – indicação do dia, mês, ano e lugar em que foi feita;
II – os nomes do credor e do devedor;
III – a descrição dos bens penhorados, com os seus característicos;
IV – a nomeação do depositário dos bens.
Nesse sentido asseveram Marinoni e Mitidiero (2010, p. 662) que: “O não
cumprimento de qualquer das formalidades ali postas invalida o auto de penhora, provado o
prejuízo para os fins de justiça do processo.”
Cita-se, também, o posicionamento dos Tribunais Superiores, entre eles o Superior
Tribunal de Justiça, que ressalta:
[...] Na realização das diligências que lhe são designadas, deve o oficial de justiça
observar fielmente o que lhe foi incumbido, observando as formalidades legais. Os
atos que executa, na qualidade de longa manus do juiz, são a exteriorização do
cumprimento das ordens emanadas pelo Poder Judiciário que, na administração da
justiça, atua em nome da sociedade para a satisfação de direitos. As formalidades
legais devem ser cumpridas de forma irrestrita pelo oficial de justiça, sob pena de
invalidar os atos processuais que produziu [...]. (Acórdão nº 2007/0067364-4,
Primeira Turma, 15 de maio de 2007).
Observa-se que no ordenamento jurídico pátrio, os atos processuais realizados no
decorrer do processo devem seguir as formalidades previstas em lei.
1.4 Princípios regulamentadores da forma
Os princípios são norteadores de toda ação processual, bem como das atividades
relativas à prestação jurisdicional. Quando se fala em princípio, é necessário esclarecer que se
trata de uma orientação, uma conduta a ser seguida, como bem explicita Resende (2012, p.
19):
21
Regras são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou
permitem algo em termos definitivos; os princípios, por sua vez, são normas que
exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as
possibilidades fáticas e jurídicas.
O Direito Processual Civil é orientado por normas (leis) e princípios e, nesse mesmo
sentido, pelos atos processuais. São princípios regulamentadores da forma: princípio da
publicidade; princípio da tipicidade; e princípio da instrumentalidade das formas.
O princípio da publicidade dos atos processuais é uma garantia prevista na CF/88 e
regulamentada no art. 155 do Código de Processo Civil, constituindo-se em “mecanismo de
controle das decisões judiciais.” (LENZA, 2011, p. 70).
A este respeito referem Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 75) que:
O princípio de publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo
no tocante ao exercício da jurisdição. A presença do público nas audiências e a
possibilidade do exame dos autos por qualquer pessoa representam o mais seguro
instrumento de fiscalização popular sobre a obra dos magistrados, promotores
públicos e advogados. Em última análise, o povo é o juiz dos juízes.
A publicidade dos atos processuais é a regra, mas, excepcionalmente, restringe-se o
acesso às partes e aos seus procuradores. O Código de Processo Civil dispõe que correrão em
segredo de Justiça as causas que exigirem o interesse público e que dizem respeito a
casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimento e guarda
de menores. A referida restrição encontra respaldo inclusive na CF/88, em seu art. 5º, inciso
LX: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem.”
Com relação ao princípio da tipicidade os atos processuais devem conter os requisitos
exigidos na lei, ao menos os básicos, correspondendo, assim, a um modelo previamente
consignado. Nesse sentido, Greco Filho (1999, p. 7-8) assevera:
Assim, ao se falar em petição inicial, apelação, sentença, depoimento pessoal, etc., já
se antevê o tipo de ato de que se trata, devendo, cada um deles, ao ser praticado,
assumir a configuração legal. Pode-se dizer, portanto, que o esquema de
desenvolvimento do processo já está todo definido, cabendo aos seus sujeitos a
atuação de acordo com ele e suas alternativas.
22
Já o princípio da instrumentalidade das formas encontra-se consagrado nos arts. 154 e
244 do Código de Processo Civil, os quais preceituam:
Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão
quando a lei expressamente o exigir, reputando-se válidos os que, realizados de
outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o
juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.
Nesse rumo ensinam Marinoni e Mitidiero (2010, p. 239):
[...] Só se pode prestigiar a forma no Estado Constitucional na medida em que sirva
à segurança jurídica e à liberdade das partes, fora daí, observá-la a qualquer custo
importa em fetichismo formal, absolutamente condenável em um sistema processual
que consagra como regra a instrumentalidade das formas dos atos do processo.
Verifica-se, portanto, que uma vez atendida à finalidade essencial do ato, embora
praticada por outra forma que não aquela expressa em lei, o mesmo é válido.
1.5 Prazos processuais para o Oficial de Justiça e o andamento processual
O prazo é outro requisito fundamental para a realização do ato processual praticado
pelo Oficial de Justiça, e por este deve ser observado. Segundo entendimento de Gonçalves
(2010, p. 223), o prazo pode ser definido como:
[...] é a distância de tempo que medeia entre dois atos ou fatos. O processo é um
conjunto de atos encadeados que se sucedem no tempo. Para que ele não se eternize,
a lei estabelece limites temporais dentre os quais o ato processual deva ser praticado.
O prazo é sempre uma quantidade de tempo que se fixa para a realização do ato, e
conta-se a partir de um outro ato que lhe seja anterior ou posterior [...].
Para o Oficial de Justiça, prazo é o período compreendido entre a data do recebimento
do mandado (que flui, corre) e a data de cumprimento e posterior devolução daquele comando
judicial ao Cartório.
Nesse sentido, o ensinamento de Marinoni e Mitidiero (2010, p. 203) é que:
Prazos são lapsos temporais que existem entre dois termos (termo inicial, dies a quo,
e termo final, dies ad quem) dentro dos quais se prevê a oportunidade para ação ou
omissão. Os prazos existem no processo para balizar no tempo o exercício das
diversas posições jurídicas que os seus participantes titularizam ao longo do
procedimento. A observância dos prazos constitui direito das partes e representa
garantia de igualdade e segurança ao longo do processo.
23
O Código de Processo Civil (CPC), em seu art. 177, prevê que: “Os atos processuais
realizar-se-ão nos prazos prescritos em lei. Quando esta for omissa, o juiz determinará os
prazos, tendo em conta a complexidade da causa.”
O ordenamento jurídico pátrio é omisso em relação ao prazo que o Oficial de Justiça
dispõe para o cumprimento do mandado judicial, ou seja, para o cumprimento da ordem
emanada do juiz. O CPC faz referência, apenas, em seu art. 143, inciso III, que uma das
incumbências do Oficial de Justiça é entregar, em cartório, o mandado, logo depois de
cumprido.
No entendimento de Gonçalves (2010, p. 223):
[...] Em contrapartida, há os prazos impostos ao juiz e seus auxiliares, que não são
preclusivos, porque não há a perda da faculdade, nem o desaparecimento da
obrigação de praticar o ato, ainda que superado o prazo estabelecido em lei. O Juiz
não se exime de sentenciar apenas porque ultrapassou o prazo de dez dias previsto
em lei. As consequências do desrespeito ao prazo impróprio são administrativas,
como sanções àquele que deu causa ao retardo. Não há, porém, sanções processuais.
Observa-se que os prazos impostos ao juiz e seus auxiliares não são preclusivos,
entretanto, a obrigação de praticar o ato não desaparece com o decurso do prazo, podendo,
inclusive, o servidor que deu causa ao retardo, sofrer as consequências dos arts. 193 e 194 do
Código de Processo Civil.
Art. 193. Compete ao juiz verificar se o serventuário excedeu, sem motivo legítimo,
os prazos que este Código estabelece.
Art. 194. Apurada a falta, o juiz mandará instaurar procedimento administrativo, na
forma da Lei de Organização Judiciária.
Nesse sentido, lecionam Marinoni e Mitidiero (2010, p. 196) que:
Compete ao juiz, na direção do processo, verificar se os seus auxiliares excederam,
sem motivo legítimo, os prazos legais ou judiciais a ele assinalados. Se não há
motivo legítimo, poderá o servidor ser responsabilizado administrativamente (art.
194, CPC). Havendo, não há ilicitude na conduta do serventuário. O excessivo
acúmulo de serviço cartorário ou de secretaria constitui motivo legítimo [...].
Constatado o excesso de prazo, mandará o juiz da causa instaurar processo
administrativo, com ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV, CRFB), para apuração
de existência ou não de motivo legítimo para a falta do servidor e sua eventual
responsabilização. O processo segue a forma preceituada na legislação de
organização judiciária local.
24
O Código de Processo Civil preceitua em seu art. 144:
Art. 144. O escrivão e o oficial de justiça são civilmente responsáveis:
I – quando, sem justo motivo, se recusarem a cumprir, dentro do prazo, os atos que
lhe impõe a lei, ou os que o juiz, a quem estão subordinados, lhes comete;
II – quando praticarem ato nulo com dolo ou culpa.
Verifica-se que os Oficiais de Justiça, assim como os demais auxiliares do juízo,
quando no exercício de suas funções, possuem deveres e obrigações, respondendo pelos danos
que causarem, seja por ação ou omissão. Sua responsabilidade é pessoal e deve ser buscada
em ação própria (processo administrativo para fins de apuração de eventual responsabilidade
do servidor). A esse respeito ensina Gonçalves (2010, p. 203) que:
No exercício de suas funções, o escrivão e o oficial de justiça respondem pelos
danos que causarem a terceiros, seja por ação ou omissão. No caso de omissão,
responderão quando, sem justo motivo, se recusarem a cumprir, dentro do prazo, os
atos que lhes impõe a lei ou os que o juiz, a que estão subordinados, lhes comete; em
caso de ação, quando praticarem ato nulo com dolo ou culpa.
Observa-se que, mesmo não havendo um prazo próprio fixado em lei para a devolução
do mandado judicial pelo Oficial de Justiça a Cartório, este serventuário deve primar sua
conduta no conjunto de normas que regem o Código de Processo Civil e nos princípios
emanados na Carta Magna.
O próximo capítulo aborda a garantia da celeridade processual prevista na CF/88, em
seu art. 5º, inciso LXXVIII. Ao longo do seu desenvolvimento são analisados os seus
antecedentes históricos, sua recente recepção constitucional, assim como a celeridade em
harmonia com a segurança jurídica nos atos realizados pelo Oficial de Justiça quando no
cumprimento do mandado judicial. A fim de ilustrar o estudo, são apresentados casos
concretos à luz dos instrumentos julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul.
25
2 A GARANTIA DA CELERIDADE DE TRAMITAÇÃO PROCESSUAL EM
HARMONIA COM A SEGURANÇA JURÍDICA NOS ATOS PRATICADOS PELO
OFICIAL DE JUSTIÇA
Neste capítulo é abordada a garantia da celeridade de tramitação processual que, desde
a edição da Emenda Constitucional 45/2004, é prevista expressamente na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), mais precisamente em seu art. 5º, inciso
LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Não se pode deixar de mencionar que a recente recepção constitucional demonstra a
preocupação do legislador em assegurar os direitos do cidadão quanto à razoável duração do
processo e à celeridade processual, considerando que a demora na prestação jurisdicional
implica em insegurança jurídica e descrédito na justiça.
Por outro lado, não se pode, em busca de uma justiça célere, atropelar outros direitos e
garantias fundamentais, tais como o da segurança jurídica, o qual está respaldado, entre outros
valores, pela garantia do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF/88).
Para tanto, serão analisados dois casos concretos: o primeiro, de penhora de bens, e o
segundo, de busca e apreensão de menor, cujos casos apresentam, quando do cumprimento do
mandado da medida determinada (pleiteada), a busca ou a ausência da harmonização das
garantias de celeridade processual e de segurança jurídica. A análise dos casos permite a
busca de uma solução justa da lide, proporcionando a pacificação social, dentro de um espaço
de tempo razoável.
2.1 Antecedentes históricos e legais acerca da celeridade processual no direito
comparado
Antes de falar sobre a garantia da celeridade da tramitação processual e a sua
incorporação no texto constitucional, é necessário verificar os antecedentes históricos e legais
deste instituto em outros ordenamentos jurídicos.
A preocupação com a celeridade da prestação jurisdicional não é um tema recente.
Suas primeiras manifestações ocorreram no direito anglo-saxão, no século XII. Segundo
Arruda (2006, pp. 29-30):
26
A primeira evidência do reconhecimento do direito speedy Tryal na Inglaterra dá-se
em 1166 no Assize of Clarendon. Em que pese à primazia cronológica, é importante
centrarmos esta sucinta análise histórica nos dispositivos da Magna Carta e do
Habeas Corpus Act. Isto se justifica seja pelo relevo que suas normas assumiram,
seja pela forma mais detalhada como o direito foi regulado nos dois documentos.
Na Inglaterra, em 1215, a Magna Carta, outorgada pelo Rei João Sem Terra, limitou o
poder, até então absoluto, de seus monarcas. Esta Magna Carta submetia o monarca a um
corpo escrito de normas, devendo o Rei renunciar a certos direitos, a respeitar determinados
procedimentos legais e reconhecer que a sua vontade estaria sujeita à lei.
A referida lei previa, em seu art. 39, que é o devido processo legal e não a vontade do
soberano que deve prevalecer:
Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou
tornado fora - da - lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos
contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal de seus
pares, ou pela lei da terra. (ARRUDA, 2006, p. 30).
A preocupação com a celeridade processual e com o acesso à justiça encontrava-se
estampada em seu art. 40: “A ninguém venderemos, a ninguém recusaremos ou atrasaremos,
direito ou justiça.” (ARRUDA, 2006, p. 30, grifo nosso).
Vislumbra-se, assim, que seu objetivo maior era limitar as arbitrariedades cometidas
pelos governantes do poder. A referida Magna Carta é considerada o embrião dos direitos
humanos.
Para Lenza (2011, p. 5), “durante a Idade Média, a Magna Carta de 1215 representa o
grande marco do constitucionalismo medieval, estabelecendo, mesmo que formalmente, a
proteção a importantes direitos individuais.”
Outro importante registro, também ocorrido na Inglaterra, foi o Habeas Corpus Act,
em 1679. Esta lei foi criada durante o reinado do Rei Charles II, e demonstrou uma clara
preocupação com a morosidade nos julgamentos de processos criminais com súditos
encarcerados.
Nesse sentido, Porto e Ustárroz (2009, p. 100) afirmam que:
27
A recepção do direito fundamental à tutela tempestiva percorreu um caminho
interessante. Suas primeiras manifestações ocorreram na seara criminal, pelo
sentimento de injustiça ocasionado pela manutenção de prisões provisórias, antes
dos julgamentos definitivos, por tempo excessivo. Marcelo Terra Reis identifica no
Habeas Corpus Act um expressivo precedente de aspiração a um julgamento célere,
embora registre que, já no século V, há notícia de que Justiniano tenha criticado o
fato de alguns processos demorarem mais que a própria vida dos litigantes e que
Constantino fixara em um ano o prazo para o desenvolvimento de um feito criminal.
Posteriormente, em 1776, a Declaração de Direitos de Virgínia, nos Estados Unidos,
consolidou o direito à vida, à liberdade e à propriedade, considerados direitos básicos do
homem. Em seu art. 10 consta que:
Em todos os processos por crimes capitais ou outros, todo indivíduo tem o direito de
indagar da causa e da natureza da acusação que lhe é intentada, tem de ser acareado
com os seus acusadores e com as testemunhas; de apresentar ou requerer a
apresentação de testemunhas e de tudo que for a seu favor, de exigir processo rápido
por um júri imparcial e de sua circunvizinhança, sem o consentimento unânime do
qual ele não poderá ser declarado culpado. Não pode ser forçado a produzir provas
contra si próprio; e nenhum indivíduo pode ser privado de sua liberdade, a não ser
por um julgamento dos seus pares, em virtude da lei do país.
A Constituição dos Estados Unidos foi aprovada pela Convenção Constitucional da
Filadélfia, no ano de 1787. A referida legislação prevê um sistema de alterações por
intermédio de Emendas. As dez primeiras são designadas como Carta dos Direitos dos
Estados Unidos (Bill of Rights) por conterem os direitos básicos do cidadão face ao poder do
Estado. A Emenda Constitucional nº 06 é denominada Cláusula do Julgamento Rápido
(instituto da speedy trial clause).
A Convenção da Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais,
aprovada em Roma, no ano de 1950, além do direito à vida, à liberdade e à segurança, fixa o
direito a que a sua causa seja examinada com equidade, publicidade e num prazo razoável por
um tribunal independente e imparcial. Segundo estudos de Tucci (2014, [?]):
O art. 6º, 1, da Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma no dia 4 de novembro de 1950,
prescreve que: “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e
publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial
instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o
fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida” 14. Foi, sem
dúvida, a partir da edição desse diploma legal supranacional, que o direito ao
processo sem dilações indevidas passou a ser concebido como um direito subjetivo
constitucional, de caráter autônomo, de todos os membros da coletividade (incluídas
as pessoas jurídicas) à tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável, decorrente
da proibição do non liquet, vale dizer, do dever que têm os agentes do Poder
Judiciário de julgar as causas com estrita observância das normas de direito positivo.
28
No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, também
chamada de Pacto de São José da Costa Rica (ratificada pelo Brasil, em 1992), é uma das
bases do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Esta Convenção
consagra direitos civis e políticos, entre outros, o direito à liberdade pessoal e às garantias
judiciais. A referida Convenção prevê em seu art. 8º, I:
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um
prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter
civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Por fim, Porto e Ustárroz (2009, p. 101) fazem a seguinte reflexão sobre a
Constituição Italiana, a Carta Portuguesa e a Constituição Espanhola:
Nos sistemas comparados, encontra-se a manifestação do princípio em inúmeras
Constituições e Tratados. Na Constituição Italiana, ele está presente no art. 111
(“durata ragionevole”). Na Carta Portuguesa, o artigo 20 garante “decisão em prazo
razoável”. Na Espanha, é garantido o direito ao processo sem “dilaciones indebidas”
(art.24).
Tudo isso demonstra que muitos tratados, convenções e pactos internacionais
garantem o direito fundamental da duração de tempo razoável na prestação jurisdicional.
Observa-se, portanto, que a preocupação com a demora na prestação jurisdicional não é
recente, nem regionalizada, mas propagada em diversos países.
2.2 A recente incorporação constitucional do art. 5º, inciso LXXVIII da CF/88
A Emenda Constitucional nº 45/2004 incorporou ao art. 5º da CF/88, o inciso
LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação.”
Observa-se que o referido princípio já se encontrava presente no ordenamento
brasileiro, seja pelo direito fundamental ao acesso à justiça (art. 5°, XXXV da CF/88), seja
pelo devido processo legal (art. 5°, LV da CF/88). Da mesma forma, o Pacto de São José da
Costa Rica (Convenção Americana dos Direitos Humanos – 1969) foi integrado ao
ordenamento pátrio a partir da edição do Decreto n. 678/92, o qual ressalta em seu art. 8°,
parágrafo 1º: “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de
um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente [...].”
29
No entendimento de Gonçalves (2010, p. 34, grifo nosso) a esse respeito, tem-se:
A rigor, já se poderia encontrar fundamento, em nosso ordenamento jurídico, para a
adoção da regra, no devido processo legal (já que, para que o processo alcance seu
desiderato é preciso que chegue a termo dentro de um prazo razoável). Ademais, o
Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, que foi ratificado, já o consagrava. O
dispositivo revela a preocupação geral do legislador com um dos entraves mais
problemáticos do funcionamento da justiça: a demora no julgamento dos
processos. Boa parte das alterações e acréscimos havidos na legislação processual,
nos últimos anos, tem por fim buscar uma solução mais rápida para os conflitos.
Esse princípio é dirigido, em primeiro lugar, ao legislador, que deve cuidar de editar
leis que acelerem e não atravanquem o andamento dos processos. Em segundo lugar,
ao administrador, que deverá zelar pela manutenção dos órgãos judiciários,
aparelhando-os de sorte a dar efetividade à norma constitucional. E, por fim, aos
juízes, que, no exercício de suas atividades, devem diligenciar para que o processo
caminhe para uma solução rápida.
Nesse mesmo sentido enfatizam Porto e Ustárroz (2009, p. 100):
A incorporação constitucional da duração razoável, enquanto direito fundamental, é
recente. Como é sabido, ocorreu com a Emenda Constitucional nº 45/2004. Segundo
o inciso LXXVIII do art. 5º, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação.” Cumpre recordar, no entanto, que, por força do § 2º do art. 5º, CF, e
pela previsão no art. 8º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a
duração razoável já poderia ser reconhecida na ordem constitucional.
Observa-se que o direito à celeridade processual, previsto na CF/88, é um direito
fundamental do indivíduo, a ele inerente antes mesmo da aprovação da Emenda
Constitucional nº 45/2004. O referido princípio sempre esteve implícito no ordenamento
jurídico constitucional, tendo em vista a recepção, pelo Brasil, das Declarações e Tratados
referentes aos direitos do homem, sobretudo, o Pacto de São José da Costa Rica.
Até então, o princípio da celeridade processual era garantido pelo art. 5º, § 2º, da Carta
Magna, que assim apregoa: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Nesse sentido, antes da introdução do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição
Cidadã, o legislador aprovou diversas leis, cujo princípio orientador é o da celeridade
processual. Um exemplo é a Lei dos Juizados Especiais nº 9.099/95, orientada pelos critérios
da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade.
30
Segundo os ensinamentos de Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 51), o Estado, ao
legislar ou ao praticar atos de jurisdição, exerce o seu poder estatal, objetivando um bem
maior, que é a pacificação social. Afirma o autor que: “É indispensável a consciência de que o
processo não é mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas, acima disso, um
poderoso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado.”
Verifica-se, assim, que antes mesmo da vigência da Emenda Constitucional nº
45/2004, já havia a preocupação do legislador com o direito à razoável duração do processo e
os meios que garantem sua celeridade processual, buscando atender os anseios da população.
2.3 A celeridade processual em harmonia com a segurança jurídica nos atos praticados
pelo Oficial de Justiça
Para melhor compreensão da importância do princípio da razoável duração do
processo, há necessidade de se entender que o mesmo está a serviço dos interesses do cidadão
e visa à celeridade processual, consequentemente, à justiça no caso concreto, pacificando os
conflitos. Verifica-se, desta forma, que:
Em caso de conflito entre os valores já referidos, parece-nos ser indispensável
conferir proeminência ao da qualidade da prestação jurisdicional e da segurança
jurídica, a despeito da novel disposição constitucional. Não deve o aplicador do
direito olvidar-se de que o direito processual é instrumental, servindo de veículo aos
direitos subjetivos do jurisdicionado, de modo que não se justifica imprimir-se-lhe
celeridade caso esta implique em prejuízo, ainda que eventual, ao direito pelo
mesmo assegurado. Em outras palavras: não se pode sacrificar o fim em nome dos
meios. (SGARBOSSA; JENSEN, 2005, p. [?]).
Não resta dúvida de que o direito do jurisdicionado é de suma importância para a
concretização do acesso à justiça, bem como à realização com equidade, pois elimina o
conflito existente entre as partes. Certamente que a segurança jurídica faz parte do conjunto
de princípios informadores do Direito Processual, uma vez que: “a segurança jurídica se
obtém mediante os pronunciamentos jurisdicionais, a saber, segurança quanto à existência,
inexistência ou modo de ser das relações jurídicas.” (DINAMARCO, 2003, p. 196).
Isso significa que a jurisdição visa à realização da justiça nos casos concretos, mas
para que isso ocorra é necessário que exista confiança recíproca dos envolvidos no sistema
jurídico como um todo. Entra aqui a certeza do serviço prestado pela jurisdição, pois as partes
sentem-se seguras quando denotam que o juiz tem a função pacificadora, sendo relevante a
sua atuação em uma atividade tão importante para a efetivação da justiça.
31
Alude Dinamarco (2003, p. 196) nesse diapasão que:
É inegável o grande valor social desse serviço que o Estado presta através do
processo e do exercício da jurisdição. Sucede, porém, que a segurança, ou certeza
jurídica, é em si mesma fator de pacificação: a experiência mostra que as pessoas
mais sofrem as angústias da insatisfação antes de tomarem qualquer iniciativa
processual ou mesmo durante a litispendência, experimentando uma sensação de
alívio quando o processo termina, ainda que com solução desfavorável.
É evidente que a missão exercida pelos Magistrados e pelos Oficiais de Justiça no
cumprimento da atividade jurisdicional tem um significado ímpar na efetivação do direito do
jurisdicionado, que busca incessantemente o atendimento de suas demandas sociais e a
efetividade do processo.
Sobre esse assunto, Dinamarco (2003, p. 364, grifo do autor) sustenta que: “Falar em
efetividade do processo e ficar somente nas considerações sobre o acesso a ele, sobre o seu
modo de ser e a justiça das decisões que produz significaria perder a dimensão teleológica e
instrumental de todo o discurso.”
Isso significa que é indispensável criar uma harmonia entre a garantia da celeridade
processual e o cumprimento das etapas processuais. Ademais, o que se espera de um processo
é que as decisões sejam as mais justas possíveis e que, tanto juiz como os demais
serventuários da Justiça atuem segundo as regras processuais, dentro de uma dinâmica que
possibilite o contraditório e a ampla defesa, demonstrando o compromisso com a missão
social pacificadora.
A esse respeito se manifesta Dinamarco (2003, p. 196, grifos do autor), afirmando:
Isso não significa que a missão social pacificadora se dê por cumprida mediante o
alcance das decisões, quaisquer que sejam é desconsiderado o teor das decisões
tomadas. Entra aqui, a relevância do valor justiça. Eliminar conflitos mediante
critérios justos – eis o mais elevado escopo social das atividades jurídicas do Estado.
A efetividade processual, portanto, é uma busca constante e exige que a condução do
processo se dê num tempo suficiente para não comprometer o acesso eficaz à Justiça. Sobre o
tema, Cianci (2013, p. 56) emite interessantes comentários:
A utilização inadequada, pelos atores do processo, dos recursos e meios processuais,
ainda que disponíveis para a preservação da ampla defesa constitucionalmente
assegurada, reclama a conduta consciente, com mudança de postura na condução do
processo.
32
[...]
Nessa empreitada, tenha-se em mira que o acesso à Justiça, com a agilidade e
tempestividade que exige a modernidade, pressupõe a efetividade em todas as suas
acepções, cercada de todas as garantias constitucionais, num exercício que prestigia
o valor “justiça”, traduzido como meio de acesso à Ordem Jurídica justa, aqui
considerada como ordem eficaz, tempestiva e legal.
Observa-se que o atropelo dos atos processuais, o dispensar de algumas formalidades,
a “corrida” para atender os anseios da sociedade, muitas vezes pressupõe o não atendimento
das necessidades dos jurisdicionados, o que pode levar a cometimentos de injustiças e até de
uma atuação irresponsável dos atores judiciais.
Cianci (2013, p. 56) é contundente em suas manifestações ao argumentar que:
São, a toda evidência, bem vindas quaisquer iniciativas capazes de abreviar ritos,
dispensar formalismos inúteis, ainda que esse não seja o único foco comprometedor
do acesso eficaz à justiça, mas não se deve ter longe que cabe também à
administração do Judiciário a árdua tarefa de localizar as causas internas de enredo
das demandas judiciais em eliminar as etapas mortas do processo, enfim, modernizar
o aparelho, pois não há, na seara do Legislativo, aptidão para, pelo meio normativo,
ainda que com autoridade constitucional, reduzir o tempo no processo ou o volume
de demandas que hoje atulham os escaninhos.
Também, nesse sentido, cabe a ponderação de Faria (2013 [?]): “Exigir-se a pronta
entrega da prestação jurisdicional é fazer ouvidos mouros aos perigos de se imporem fórmulas
(in)acabadas para a resolução de conflitos sociais [...].”
Verifica-se, desta forma, uma preocupação em buscar na realização da atividade
jurisdicional, a harmonização do ideal de uma celeridade processual com as demais garantias
constitucionais, como a ampla defesa e contraditório, pois, necessariamente, um processo
justo não é o mais célere, e, talvez sim, aquele no qual se pondera o tempo decorrido e a
segurança jurídica obtida.
No mesmo sentido consta a manifestação de Koehler (2013, p. 33):
Em verdade, o antagonismo entre celeridade processual e segurança jurídica é
apenas aparente, o que garantirá a aplicação da justiça ao caso concreto, ao fim e ao
cabo, é o equilíbrio entre ambas. Deve o legislador, portanto, colocar os dois
princípios em uma balança, sopesando-os com prudência, para que não exista, de um
lado, celeridade excessiva, que pode gerar injustiça na decisão, e, de outro, uma
perpetuação de discussões e recursos, que prolonguem indefinidamente a prestação
da justiça.
33
Como visto, observar princípios e garantias constitucionalmente previstas, é falar em
efetividade do processo e, dessa forma, transformar o procedimento em um processo com
resultado útil, pacificando conflitos segundo critérios de justiça.
Ainda sobre a realização dos atos processuais harmonizados com a segurança jurídica
e a celeridade, Koehler (2013, p. 34) leciona que
Por fim, a ideia do equilíbrio entre tempo e segurança no bojo do processo é muito
bem expressa por Fernando da Fonseca Gajardoni, ao assertar que o grande desafio
do processo civil contemporâneo reside no equacionamento desses dois valores. O
autor defende que a celeridade não pode ser confundida com precipitação, e
segurança não pode ser confundida com eternização da demanda. [...] O juiz não
pode, a pretexto de julgar em tempo razoável, proferir o julgamento sem os
elementos probatórios imprescindíveis à elaboração da decisão. A solução ideal
deve ser buscada no caso concreto, sob o manto do princípio de razoabilidade.
A harmonização dessas duas garantias, ou direitos, ou ainda, princípios, deve-se dar
também quando sai do plano abstrato (juiz – decisão, sentença) e vai para o resultado prático
(oficial de justiça – mandado), concretizando, assim, o Direito de forma eficaz.
Sobre o tema, é interessante a lição de Koehler (2013, p. 107), ou seja:
Importante ressaltar que, além do juiz, diversas outras autoridades concorrem para a
definição do processo em um tempo razoável, dentre eles, escrivães, oficiais de
justiça, peritos técnicos, analistas e técnicos judiciários; em suma, todos os
componentes do órgão judicial e demais auxiliares da justiça. Assim é por muitos
motivos. Primeiro, porque os auxiliares da justiça intervêm na lide de modo a
contribuir para a sua resolução, influindo, em consequência, em seu prolongamento
no tempo. Segundo, pois os auxiliares da justiça não se distinguem substancialmente
do julgador, e seus atos (ou suas omissões) são diretamente imputáveis à autoridade
judiciária.
Verifica-se, dessa forma, que na busca por uma prestação jurisdicional eficiente, é
necessário o comprometimento de todos os atores judiciais – juízes, promotores, advogados e
serventuários da Justiça.
Assim, no almejar do resultado prático de uma tutela judicial adequada e esperada, é
possível que o Oficial de Justiça, no cumprimento de um determinado comando judicial, ante
a existência de um novo fato, retroceda, optando por levar ao conhecimento do julgador
daquele caso concreto, submetendo o caso à sua apreciação, e consultando quanto ao
procedimento a ser adotado.
34
Assim, infere-se que a celeridade processual, tão buscada hodiernamente, não pode
sobrepor-se à qualidade jurisdicional nem à segurança jurídica – valores consagrados no
ordenamento pátrio brasileiro – sob pena de se perder do objetivo maior: o direito do
jurisdicionado.
Para uma maior compreensão, o item que segue apresenta dois casos concretos, nos
quais se busca conciliar ou não as garantias constitucionais da celeridade processual e da
segurança jurídica.
2.4 Análise de casos concretos
Durante todo o percurso desta pesquisa, almejou-se demonstrar que apesar de uma
aparente contradição entre as garantias constitucionais da celeridade processual e da
segurança jurídica, é o equilíbrio entre ambas que garantirá uma prestação jurisdicional justa
ao caso concreto. Essa ponderação deve se dar também nos atos praticados pelo Oficial de
Justiça, porque a sua ação ou omissão poderá acarretar dilações processuais indevidas.
Expõe-se em primeiro lugar, o caso concreto em que o Oficial de Justiça, cumprindo
um mandado de penhora de bens em uma Execução de Sentença por Responsabilidade Civil
em Acidente de Trânsito (ajuizada no ano de 2006), procede, em 2007, a penhora dos direitos
e ações, indicados pelo credor, decorrentes do contrato de alienação fiduciária que o
executado possui sobre o caminhão Ford F/4000. Em 2011, o Juiz do feito, em despacho
saneador, declara a nulidade absoluta da penhora realizada e, consequentemente, a de todos os
demais atos a partir daquela constrição, alegando tratar-se de penhor cedular referente a
crédito rural e não contrato de alienação fiduciária. Observa-se que o credor da ação é diverso
do credor pignoratício. Inconformado com referida decisão, o autor da ação interpõe Agravo
de Instrumento, tendo os Desembargadores da Décima Primeira Câmara Cível do Estado do
Rio Grande do Sul, em 2012, à unanimidade, negado provimento ao recurso por entenderem
que o bem dado em garantia em Cédula de Crédito Rural é impenhorável até o vencimento da
dívida.
Colaciona-se, a seguir, a ementa do referido caso concreto:
35
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL EM
ACIDENTE DE TRÂNSITO. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. PENHOR
CEDULAR. Não se tratando de contrato de alienação fiduciária, não há direitos e
ações a penhorar. Nulidade da penhora. Direito de preferência por parte do credor
pignoratício. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO (Agravo de
Instrumento nº 70044905271, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Baiard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 15/02/2012).
Observa-se que entre a data da penhora e a do julgado decorreram aproximadamente
quatro anos. Pergunta-se: o Oficial de Justiça, quando do cumprimento do comando judicial,
poderia, caso o executado lhe informasse a condição e, em busca da harmonização das
garantias de celeridade processual e da segurança jurídica, ter retroagido, deixando de
proceder a penhora e informando que se tratava de penhor cedular referente a crédito rural,
consultando o juízo do feito quanto ao procedimento a ser adotado?
Conforme o ordenamento jurídico pátrio não cabe ao Oficial de Justiça descumprir as
ordens judiciais, mesmo que essas violem direitos e garantias individuais. O mesmo
regramento normativo possibilita, porém, que para tornar possível a prestação jurisdicional
dentro dos parâmetros de justiça, o Oficial de Justiça pode, no momento do desempenho de
suas funções, no caso concreto, “recuar”, evitando que tão importante mister afete a validade
ou a eficácia do ato. Qual o caminho a ser trilhado? O simples cumprimento da diligência
determinada, exercendo tão somente a missão de executor judicial, ou, talvez, devolver o
mandado, deixando momentaneamente de cumpri-lo, informando e consultando o Juiz do
feito sobre qual o melhor procedimento a ser adotado para o atendimento daquela diligência?
Ao desempenhar a função de longa manus, ou seja, aquele que realiza o ato como se fosse a
mão e os olhos do magistrado, o Oficial de Justiça busca observar critérios de segurança
jurídica como forma de gerenciamento da qualidade da prestação jurisdicional
Para corroborar a missão de longa manus, transcreve-se uma decisão do Egrégio
Tribunal de Justiça, em que o Oficial de Justiça, dotado da prerrogativa da fé pública e
asseverando ser verdadeiro o ato praticado, informa a desocupação do bem imóvel sobre o
qual o executado alega a proteção da impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/90, o que
assegura às partes interessadas a presunção de veracidade.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À PENHORA. EXECUÇÃO FISCAL.
BEM DE FAMÍLIA. ART. 5º DA LEI Nº 8.009/90. NÃO COMPROVAÇÃO DE
RESIDIR NO IMÓVEL. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. Na forma do art.
5º da Lei nº 8.009/90, para fins de aferição da impenhorabilidade reputa-se
“residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para
36
moradia permanente”. Faturas de serviços básicos trazidas aos autos demonstram
que o consumo de água e energia elétrica no imóvel foi ínfimo no ano de 2013,
quase sempre igual a zero. Há também nos autos certidão de oficial de justiça
informando desocupação do bem. Ausência de comprovação de que o imóvel sirva
de residência do embargante, não se enquadrando no conceito de bem de família.
Precedentes desta corte. APELAÇÃO PROVIDA (Apelação Cível nº 70058428251,
Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto
da Rocha Filho, Julgado em 12/03/2014, grifo nosso).
Verifica-se que a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul deu-se com base nas provas produzidas nos autos, inclusive na certidão do Oficial de
Justiça. A Vigésima Primeira Câmara Cível entendeu por afastar a impenhorabilidade alegada
pelo executado.
Na verdade, para o desempenho das funções jurisdicionais, constata-se que o Oficial
de Justiça assume um papel preponderante para tornar exequível as determinações judiciais.
O segundo caso objeto de análise deste estudo diz respeito ao cumprimento de
Mandado de Busca e Apreensão de Menor que goza de proteção integral, tanto pela
Constituição Federal de 1988 quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo esse a
parte vulnerável da ação interposta pelos familiares. Trata-se de pedido de busca e apreensão
formulado pelo pai, dentro da Ação de Dissolução de União Estável e Pedido de Guarda de
seu filho, que na época do ajuizamento contava com sete anos de idade e se encontrava na
guarda da mãe. Em dezembro de 2005 foi expedido Mandado de Busca e Apreensão da
criança e sua entrega ao pai. O Oficial de Justiça, após diligências efetuadas, devolveu o
referido comando judicial, informando que não foi possível, naquele momento, dar
cumprimento à referida determinação judicial visto o menor ter se desesperado, chorado e
afirmado que sairia somente acompanhado da mãe, que não queria ir junto e que não gostava
do pai. Ante a certidão exarada, o Magistrado do feito designou audiência de conciliação para
a data seguinte, ocasião em que a criança foi entregue ao pai. Inconformada com a decisão
que deferiu a guarda provisória de seu filho ao genitor, a mãe interpôs Agravo de Instrumento.
Em janeiro de 2006, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, em decisão monocrática, deu provimento ao agravo, deferindo a guarda da criança à
mãe.
A seguir consta a ementa do Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do RS para
o presente caso concreto:
37
Ementa: AGRAVO. GUARDA. CRIANÇA QUE APRESENTA DIFICULDADES
EMOCIONAIS, MANIFESTANDO, CONTUDO, APEGO PELA MÃE E PELA
FAMÍLIA MATERNA NÃO PODE, CONTRA SUA MANIFESTA VONTADE,
SER ENTREGUE AO PAI, COM QUEM NÃO MANTÉM VINCULAÇÃO
AFETIVA SIGNIFICATIVA, DEMONTRANDO INCLUSIVE RESISTÊNCIA À
FIGURA DA COMPANHEIRA DELE. AGRAVO PROVIDO (Agravo de
Instrumento nº 70013878939, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 31/012006).
Nesse caso, por se tratar de procedimento que busca preservar os interesses da criança,
a qual, conforme já mencionado anteriormente, é protegida pela Constituição Federal de 1988
e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, exige do Oficial de Justiça um agir na condução
do mandado pautado no bom senso, na cautela e na ponderação.
Para a Associação Brasileira dos Oficiais de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
(2001/2003, p. 9, grifos do autor):
Aproveitando um pouco o raciocínio filosófico de Platão, que conceituou o EstadoModelo tomando como parâmetro o corpo humano, nos permitimos aplicar a
analogia e imaginar que, para se conceituar um Judiciário-Modelo, onde o cérebro
é representado pelo Magistrado, o Oficial de Justiça é a representação dos olhos e
do coração desse corpo. Como base nessa tese queremos demonstrar aos colegas a
importância da figura do “longa manus” no ato de certificar.
E, por fim, enfoca-se quão importante é, em decorrência da missão como executor de
ordens judiciais, a prerrogativa do Oficial de Justiça de certificar, dando fé do ocorrido em
suas diligências. Estas informações, portanto, são de suma importância para o desenrolar do
processo e influenciam na entrega da prestação jurisdicional.
38
CONCLUSÃO
Por intermédio do presente estudo procurou-se demonstrar que os atos praticados pelo
Oficial de Justiça são fundamentais para o desenrolar do processo, influenciando de forma
direta a entrega da prestação jurisdicional.
Ao longo do estudo abordou-se a garantia da celeridade de tramitação processual que,
desde a edição da Emenda Constitucional 45/2004, é prevista expressamente na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), em seu art. 5º, inciso LXXVIII.
Constatou-se que o referido princípio já estava implícito no ordenamento jurídico
constitucional, tendo em vista a recepção, pelo Brasil, das Declarações e tratados referentes
aos direitos do homem, sobretudo, o Pacto de São José da Costa Rica.
O estudo permitiu compreender que a recente recepção constitucional demonstrou a
preocupação do legislador em assegurar os direitos do cidadão quanto à razoável duração do
processo e à celeridade processual, tendo em vista que a demora na prestação jurisdicional
implica em insegurança jurídica e descrédito na justiça.
Não se pode, todavia, em busca de uma justiça célere, atropelar outros direitos e
garantias fundamentais. Ou seja, a busca pela efetividade não pode significar a violação das
demais garantias, tal como o da segurança jurídica, este respaldado, entre outros valores, pela
garantia do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF/88).
Constatou-se os aspectos históricos e as atribuições do Oficial de Justiça, bem como a
importância da forma e da documentação do ato processual por ele cumprido. E, ainda, os
princípios regulamentares da forma e os prazos processuais que devem ser cumpridos de
forma irrestrita pelo Oficial de Justiça, sob pena de invalidar os atos processuais produzidos.
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Também, vislumbrou-se a garantia da celeridade de tramitação processual prevista
expressamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), em seu
art. 5º, inciso LXXVIII. Na busca pela efetividade da prestação jurisdicional, entretanto,
constatou-se a necessidade da harmonização dessa garantia com outras, tais como a da
segurança jurídica, respaldada, entre outros valores, pela garantia do contraditório e da ampla
defesa (art. 5º, inciso LV, da CF/88). Essa necessidade de harmonização, de equilíbrio entre
essas garantias também se dá nos atos praticados pelo Oficial de Justiça.
Para tanto, analisou-se casos concretos, os quais apresentam, quando do cumprimento
do mandado da medida determinada (pleiteada), a busca ou a ausência da harmonização das
garantias de celeridade processual e de segurança jurídica. Sua exposição permitiu vislumbrar
o efeito desse equilíbrio na busca por uma solução justa da lide, ou seja, proporcionou a
pacificação social naquele caso concreto, dentro de um espaço de tempo razoável.
Conclui-se que o Oficial de Justiça tem como missão executar as ordens judiciais,
tendo a prerrogativa deferida pela lei para certificar, dando fé do ocorrido em suas diligências.
Enfim, levando-se em conta todo o exposto, é possível inferir que os atos praticados
pelo Oficial de Justiça influenciam no agir, no caminhar e no desenrolar do processo, e que a
harmonização dessas duas garantias – celeridade e segurança jurídica – nos atos praticados
pelo Oficial de Justiça influenciam na qualidade da prestação jurisdicional.
40
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