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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA
CLÍNICA E INSTITUCIONAL
MARCOS LOURENÇO CARDOSO
AUTORIZANDO-SE A SER SUJEITO DE SUA APRENDIZAGEM
CRICIÚMA, DEZEMBRO 2009
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MARCOS LOURENÇO CARDOSO
AUTORIZANDO-SE A SER SUJEITO DE SUA APRENDIZAGEM
Monografia apresentada à Diretoria de Pósgraduação da Universidade do Extremo Sul
Catarinense - UNESC, para a obtenção do
título de especialista em Psicopedagogia
Clínica e Institucional.
Orientadora: Profª. Drª. Clarice Monteiro
Escott
CRICIÚMA, DEZEMBRO 2009
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo Dom da vida e pela Graça da vocação.
Aos meus coirmãos Rogacionistas, que souberam entender as minhas
ausências e me incentivaram nesta busca do conhecimento.
Aos meus irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas, sobrinhos-netos que
sempre me encorajam na caminhada.
À
orientadora desta pesquisa
Clarice
Monteiro
Escott, por seu
profissionalismo, pela amizade, por ser gremista (como eu) e por ter despertado em
mim o desejo de aprender sempre mais.
Ao
Bairro
da
Juventude,
que
oportunizou
o
estágio
clínico
e
acompanhamento.
Aos amigos e amigas de todas as horas, por me fazerem ainda mais
apaixonado pelo processo ensino-aprendizagem.
Aos meus amados padrinhos, que são um porto seguro para mim.
Àqueles e àquelas que são sinais de Deus e de vida em minha vida.
A R, por ter me ensinado que a felicidade é fruto das pequenas conquistas
e dos pequenos aprendizados.
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“Se eu pudesse deixar algum presente à você,
deixaria aceso o sentimento de amar a vida.
A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora.
Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se repetissem.
A capacidade de escolher novos rumos.
Deixaria o respeito àquilo que é indispensável:
Além do pão, o trabalho.
Além do trabalho, a ação.
E quando tudo mais faltasse,
Um segredo: o de buscar no interior de si mesmo
a resposta e a força para encontrar a saída.”.
Mahatma Ghandi
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RESUMO
Este relatório monográfico apresenta um relato de caso, com o objetivo de realizar
um diagnóstico psicopedagógico clínico. O estágio foi realizado no município de
Criciúma-SC, com um adolescente de 14 anos de idade, que frequenta o 5.º ano do
ensino fundamental. Foi encaminhado pela escola porque não consegue se
concentrar, não estuda, raramente faz as atividades e exercícios complementares,
falta autonomia em desenvolver as atividades propostas pela professora. O
diagnóstico psicopedagógico evidenciou um contrato de sobrevivência com a mãe,
gerando nele a falta de autonomia e a dificuldade na aprendizagem, impossibilitando
a construção de conhecimentos. Sua modalidade de aprendizagem é
hipoassimilativo-hiperacomodativo. Seu pensamento lógico matemático está na fase
intermediária entre a lógica operatória concreta e lógica operatória formal. Os
avanços, agora, são notáveis. Ao longo do atendimento foi resgatando o desejo e
autorizando-se a ser um sujeito aprendente e autônomo.
Palavras-chave: Psicopedagogia. Diagnóstico. Intervenção.
Aprendizagem. Contrato de sobrevivência e Autonomia.
Dificuldade
de
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................7
2 BREVE HISTÓRICO DA PSICOPEDAGOGIA ........................................................8
3 ESTUDO DE CASO EM PSICOPEDAGOGIA.......................................................11
3.1 MOTIVO DA CONSULTA ...................................................................................11
3.1.1 Fundamentação teórica .................................................................................11
3.1.2 Relato do Motivo da Consulta .......................................................................12
3.1.3 Análise do Motivo da Consulta .....................................................................13
3.2 ENQUADRE COM O PACIENTE........................................................................14
3.2.1 Relato do Enquadre com o paciente.............................................................14
3.2.2 Análise do enquadre com o paciente ...........................................................15
3.3 HORA DO JOGO ................................................................................................16
3.3.1 Fundamentação Teórica ................................................................................16
3.3.2 Relato da Hora do Jogo .................................................................................17
3.3.3 Análise da Hora do Jogo ...............................................................................18
3.4 HISTÓRIA VITAL ................................................................................................19
3.4.1 Fundamentação Teórica ................................................................................19
3.4.2 Relato da História Vital ..................................................................................20
3.4.3 Análise da História Vital.................................................................................21
3.5 PROVAS PROJETIVAS......................................................................................22
3.5.1 Fundamentação Teórica ................................................................................22
3.5.2 Relato das provas projetivas.........................................................................23
3.5.3 Hipótese parcial das Provas projetivas........................................................26
3.6 LECTO-ESCRITA ...............................................................................................28
3.6.1 Fundamentação Teórica ................................................................................28
3.6.2 Relato da avaliação da Lecto-Escrita ..........................................................30
3.6.3 Hipótese parcial..............................................................................................32
3.7 AVALIAÇAO DO PENSAMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO ..............................33
3.7.1 Fundamentação Teórica ................................................................................33
3.7.2 Relato da avaliação do pensamento lógico-matemático ............................34
3.7.3 Hipótese parcial..............................................................................................36
3.8 AVALIAÇÃO PSICOMOTORA ...........................................................................37
6
3.8.1 Fundamentação Teórica ................................................................................37
3.8.2 Relato da avaliação psicomotora.................................................................38
3.8.3 Hipótese parcial..............................................................................................39
4 HIPÓTESE DIAGNÓSTICA ...................................................................................40
5 PLANO DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA .............................................42
5.1 JUSTIFICATIVA..................................................................................................42
5.2 OBJETIVO GERAL.............................................................................................43
5.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS...............................................................................43
5.4 DINÂMICA OPERACIONAL ...............................................................................43
5.5 AVALIAÇÃO DO PLANO DE INTERVENÇÃO ..................................................44
6 DEVOLUÇÃO (PACIENTE, PAIS, FAMÍLIA E ESCOLA) .....................................45
6.1 PACIENTE ..........................................................................................................45
6.2 FAMÍLIA..............................................................................................................45
6.3 ESCOLA .............................................................................................................46
7 EVOLUÇÃO DO CASO .........................................................................................47
8 CONCLUSÃO ........................................................................................................48
REFERÊNCIAS.........................................................................................................49
ANEXOS ...................................................................................................................50
7
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado por meio de pesquisa e atendimento clínico
realizado
no
Estágio
do
Curso
de
Pós-Graduação,
Especialização
em
Psicopedagogia Clínica e Institucional da Unesc.
Os capítulos estão interligados.
E cada capítulo apresenta uma
fundamentação teórica, o relato do atendimento e a análise indicando uma hipótese
parcial do caso.
Primeiramente, apresenta-se um breve histórico da Psicopedagogia
Clínica e Institucional.
O capítulo três registra as etapas de um diagnóstico psicopedagógico,
relatando e analisando teoricamente os dados coletados.
O capítulo quatro traz a hipótese diagnóstica do estudo de caso.
O capítulo cinco apresenta o plano de intervenção psicopedagógica, com
sua justificativa, objetivos, dinâmica operacional e avaliação.
O capítulo seis apresenta a evolução do paciente, considerando o
processo diagnóstico e a intervenção psicopedagógica realizada.
O capítulo sete apresenta a devolução do diagnóstico ao paciente, família
e escola.
Apresenta-se, por fim, as considerações finais do trabalho realizado e as
referências utilizadas.
Para a fundamentação teórica do trabalho foram utilizados os seguintes
autores: Paín, Visca, Fernandéz, Weiss, Bossa, Escott, Di Leo, entre outros.
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2 BREVE HISTÓRICO DA PSICOPEDAGOGIA
A escola é um espaço coletivo, no qual a aprendizagem precisa circular e
acontecer. Em cada momento histórico, em cada cultura, ela necessita de uma
configuração para atender à necessidade das pessoas, de seu tempo e espaço. A
escola já existiu em casa de professores, já aconteceu sem a existência de um
espaço físico especifico, com aulas dentro e fora de diversas paredes; já foi
autoritária e preocupada com a repetição do conteúdo a ser aprendido; já foi
extremamente liberal, permissiva, focada apenas no sujeito, sem a preocupação
com o seu entorno, já buscou a conscientização do aprendiz não somente em
relação ao seu papel na sociedade; já se preocupou com a compreensão do
conteúdo trabalhado; já enfatizou as relações a fim de que a interação para a
aprendizagem aconteça; já se preocupou com os valores humanos; já teve tantas
outras formas de trazer o conhecimento formalizado para seus aprendizes, pois
“várias teorias acerca do funcionamento psíquico, afirmam que nós nascemos com
um tendência nata para a aprendizagem” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 11)
O
processo
ensino-aprendizagem
precisa
ser um
processo
natural,
espontâneo e prazeroso. Se o descobrir e o aprender não for algo prazeroso,
podemos dizer que algo está errado.
Três concepções de escola marcaram e marcam nossa história, nossas vidas:
a) Empirismo - Diretiva: nesta concepção o professor é um transmissor, um
expositor do conhecimento, e o aluno um receptor de informação, considerado uma
“tábula rasa”: O empirismo é uma hipótese sobre a qual a gênese e o
desenvolvimento do conhecimento acontecem através da experiência adquirida. “O
aluno é visto como uma tábula rasa, folha de papel em branco...” (ESCOTT;
ARGENTI, 2001, p. 27). E a aprendizagem consiste em adquirir conhecimento,
absorver o que é transmitido: “O professor fala, e o aluno escuta. O professor dita, e
o aluno copia. O professor decide o que fazer, e o aluno executa. O professor
ensina, e o aluno aprende”. (BECKER, 2001, p. 16)
Essa pedagogia terá uma sala de aula onde nada de novo acontece. O futuro
será simplesmente reproduzir o passado, e o produto desta escola é alguém que foi
levado a renunciar o direito de pensar, desistindo assim de sua cidadania e do seu
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direito ao exercício da política. Sua formação o leva a acreditar que sua ação não
seja capaz de qualquer mudança.
b) Apriorismo – Não diretiva: esta concepção tem a inteligência como
capacidade inata, ou seja, a estrutura da inteligência já esta formada. O professor é
um facilitador, organizador de condições favoráveis ao “insight’ e o aluno deve
desenvolver o conhecimento, deixar que o conhecimento venha à tona: “ o aluno já
traz um saber que ele precisa apenas trazer à consciência, organizar, ou, ainda,
rechear de conteúdo. O professor deve interferir o mínimo possível. Qualquer ação
que o aluno decida fazer é, a priori, boa, instrutiva”. (BECKER, 2001, p. 19).
Esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já
programado na sua herança genética. O professor acaba renunciando àquilo que
seria a característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de
aprendizagem do aluno.
c) Interacionismo – Relacional: nesta concepção o professor é um
problematizador, investigador: “ o aluno só construirá algum conhecimento novo, se
ele agir e problematizar a sua ação”(BECKER, 2001, p. 23). O aluno é o construtor
do conhecimento que se dá na relação com o meio. O erro é um saber relativo e
funciona como sinalizador, representa uma hipótese em relação ao conhecimento e
é o balizador de novas invenções pedagógicas. E a aprendizagem se dá na
assimilação de um novo conhecimento às estruturas mentais, acomodando-o, por
meio da ação – equilibração. O ensino é a provocação de sentidos, exploração das
hipóteses do aluno.
Acreditamos que estas concepções deram sua contribuição para o processo
ensino-aprendizagem, mas cremos que as duas primeiras (empirismo e apriorismo)
não correspondem às necessidades de uma educação coerente, comprometida,
efetiva. O empirismo limita-se em não valorizar o aluno, e favorecer o monopólio do
professor, resultando numa falta de autonomia do educando e encontrando ai seu
fracasso escolar. O apriorismo encara o professor como facilitador e o aluno
aprende sozinho, pois tem a inteligência como capacidade inata, e seu fracasso se
dá pela falta de intervenção do professor e por ele deixar as coisas acontecerem
naturalmente.
Pensamos ser o interacionismo a pedagogia relacional que mais atende as
necessidades atuais do processo ensino-aprendizagem, pois enxerga o professor
como uma problematizador, investigador, explorador das hipóteses dos alunos e o
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aluno como um construtor do conhecimento que se dá na relação como o meio.
Neste processo acontecem as trocas de experiências e conhecimentos entre
professor e aluno, entre aluno e professor e ainda entre aluno e aluno.
E neste contexto refletimos a Psicopedagogia, como área ocupada com as
questões do aprendiz e de sua aprendizagem, precisa ajudar a equipe da escola, os
governantes, a população, os pais e os alunos a compreenderem que aprender
supõe dificuldades e que elas não estão descoladas do processo de aprender. A
Psicopedagogia veio como parceira para provocar reflexão, autoavaliação. Para
ajudar a inventar uma nova escola, aquela necessária para aquele contexto
específico na era da globalização, da informatização e da humanização.
A prática psicopedagógica pode apresentar-se sob as formas clínica e
institucional.
A
Psicopedagogia
Clínica
“envolve
o
diagnóstico,
a
intervenção
psicopedagógica sob a forma de atendimentos clínicos, contatos sistemáticos com a
família e com a escola.” (ESCOTT; ARGENTI, 2001, p.32). O psicopedagogo clínico
tem como objetivo realizar o diagnóstico para identificar a causa do problema e
intervir para devolver ao sujeito o desejo de aprender, e assim poder expressar seus
anseios, dificuldades, dúvidas e medos.
A Psicopedagogia Institucional é preventiva, e objetiva trabalhar com as
questões ligadas à aprendizagem. Seu caráter principal é a prevenção das
dificuldades de aprendizagem. “O trabalho psicopedagógico na escola se caracteriza
por possibilitar reflexões, observações e transformações em relação ao processo de
construção e produção de conhecimento” (ESCOTT; ARGENTI, 2001, p. 33). A
intervenção do psicopedagogo institucional tem um caráter preventivo e abrangente,
contemplando todos os envolvidos no processo.
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3 ESTUDO DE CASO EM PSICOPEDAGOGIA
Para dar início ao diagnóstico psicopedagógico são utilizados os
seguintes processos e instrumentos:
•
Motivo da consulta;
•
História vital;
•
Hora do jogo;
•
Entrevistas complementares;
•
Provas projetivas psicopedagógicas;
•
Avaliação corporal;
•
Construção do pensamento e linguagem (Lecto-Escrita);
•
Conhecimento lógico-matemático;
3.1 MOTIVO DA CONSULTA
3.1.1 Fundamentação teórica
O primeiro momento do diagnóstico psicopedagógico denomina-se motivo da
consulta. É o primeiro contato do profissional em psicopedagogia com a família do
paciente, quando este for criança/adolescente.
[...] consiste num espaço valioso de escuta no diagnóstico psicopedagógico.
O psicopedagogo necessita estar atento à fala dos pais, buscando nas
entrelinhas do seu discurso, nos atos falhos e nos lapsos, dados significativos
que o inconsciente deixa escapar. (ESCOTT, 2001, p. 218)
Procura-se levantar junto à família como esta entende o processo ensinoaprendizagem e onde se encontra o nível do desejo, buscando o significado do não
aprender e do ensinar na família e para a família.
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3.1.2 Relato do Motivo da Consulta
R. tem 14 anos e está na 4.ª série. No primeiro contato com a mãe,
durante a entrevista de motivo da consulta, ao ser indagada sobre o porquê da
consulta e da procura pelo atendimento, informou que foi solicitação da escola.
A mãe comenta que R não gosta de estudar, que prefere brincar com
colegas na rua. Continua dizendo que R é o filho mais novo de quatro irmãos. E
ainda: “Eu brigo para ele estudar, mas ele só me escuta calado”. Diz que não teve
oportunidade de estudar e que deseja que os filhos estudem para serem alguém na
vida. E novamente afirmou: “Ele só gosta de brincar, é teimoso e não ajuda em
nada na casa”, e ressaltou: “Ninguém me ensinou a trabalhar, eu aprendi sozinha” e
completou que o marido briga com R por não estudar e nem ajudar nas tarefas da
casa.
Relatou que R é agitado e preguiçoso. Gosta de brincar com meninas
somente. Não entende porque R não gosta de estudar, pois ela sempre chama a
atenção dele para isso.
Ao ser questionada sobre os horários durante o dia, comentou que R
permanece na escola o dia todo: pela manhã tem aula regular e pela tarde,
atividades complementares com oficinas, na mesma instituição, chegando em casa
no final da tarde. E ao chegar deixa seu material, tira a roupa da escola e vai para a
rua brincar. E reiterou: “Para os estudos ele é fraco da cabeça”.
R tem três irmãos, todos com idade superior a dele. Destes, todos sabem
ler e assinar o nome. A mãe enfatizou que não sabe assinar o seu nome: “Eu, só
com o dedo!”. O marido sabe ler, mesmo nunca tendo estudado em escola regular.
Segundo ela, seu marido estudava em casa.
Após o relato da mãe, foi explicado sobre o trabalho a ser desenvolvido
durante o atendimento psicopedagógico, importância da família estar em sintonia
com a escola, com o profissional e com o paciente para um sucesso no
acompanhamento. Ressaltei Foi ressaltado que seriam usadas entrevistas,
conversas, jogos, brincadeiras e diversas atividades, explicando que isso ajudaria a
identificar e compreender as causas das dificuldades encontradas por R no que se
refere a aprendizagem.
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Foi comentado que o trabalho conjunto entre psicopedagogo, família e
escola é fundamental neste processo, e ainda que a mãe seria chamada outras
vezes para entrevistas e acompanhamentos.
E também sobre o importância da freqüência de R nos atendimentos, e
ainda que o processo será longo e contínuo para uma maior eficácia no resultado do
nosso trabalho.
Informamos à mãe sobre a proposta de estágio do Curso de PósGraduação em Psicopedagogia, bem como sobre as supervisões com profissionais
experientes na área (professores da Unesc e também profissionais da instituição
que o indicou para o atendimento).
Combinamos os dias e horários de atendimentos. E buscamos
comprometer a mãe com este processo. Ela se colocou à disposição para futuras
entrevistas, e ainda comentou que quer uma vida melhor para o filho.
3.1.3 Análise do Motivo da Consulta
Durante a realização do motivo da consulta podemos observar que R tem
apresentado dificuldades em seu processo de aprendizagem. Segundo a mãe, R
está freqüentando a quarta série no momento, e que repetiu alguns anos na escola
porque tem pouca disposição para os estudos.
Ao refletirmos sobre o significado do sintoma para a família, podemos
observar, durante a apresentação do motivo da consulta, através da fala mãe, que R
não tem muito interesse pelos estudos. Concentra-se pouco e que prefere brincar a
estudar. Atribuindo a R a responsabilidade da não-aprendizagem.
[...] os pais podem atribuir à criança propriamente dita o maior peso
nas dificuldades. Este entendimento leva a pensar que o argumento
da família vem para preencher o temor e a culpa dos pais frente à
dificuldade apresentada por seu filho, e apontar que a causa da
dificuldade está na criança, quando a mãe diz: “ele não gosta de
estudar, de ir para a escola, de fazer tarefas”. (PAÍN, 1992, p. 39)
O significado na família não ficou claro num primeiro momento. Uma
hipótese é que seja identificação com a mãe, ou contrato de sobrevivência.
Para Sara Pain (1992, p. 37), aprendizagem pode ser considerada "uma
função que, especialmente na infância e na adolescência, garante a conservação e
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a expansão das estruturas do sujeito bem como sua adaptação à transformação
contínua que lhe impõe o crescimento". Deste ponto de vista, o não aprender pode
ser visto como uma disfunção ou inibição do sujeito.
Entretanto, o crescimento da criança, sua passagem à adultez,
transforma continuamente sua posição com relação ao pai e à mãe,
produzindo desequilíbrios que algumas vezes são compensados
adequadamente e outras vezes não o são. As perturbações na
aprendizagem, normais ou patológicas, tendem a evitar aquelas
mobilizações que o grupo não pode suportar, em função do seu
particular contrato de sobrevivência. (PAIN, 1985, p. 37).
Segundo Weiss (2000), o sintoma vem com o intuito de mostrar algo, de
denunciar, falar e comunicar. Dentro desta análise o sintoma seria a expressão de
um conflito inconsciente.
Com a fala: “Com os estudos ele é fraco da cabeça”, atribui a dificuldade
de aprendizagem como sendo orgânica, pois reporta-se ao pouco interesse, e ritmo
de aprendizagem de R.
Mesmo que de forma inconsciente, a mãe de R revela que quer uma vida
melhor para o filho, e que o estudo e aprendizagem são necessários para que este
objetivo seja conquistado.
3.2 ENQUADRE COM O PACIENTE
3.2.1 Relato do Enquadre com o paciente
R chegou na sala de atendimento, um tanto apreensivo, olhando para a
sala e o que possuía no ambiente. Fiz a acolhida, me apresentei a ele e a seguir
perguntei à ele se sabia o que estava fazendo ali. Respondeu que não sabia. E
indaguei, então: “E o que você pensa que veio fazer aqui?” Pensou um pouco e
respondeu: “Não sei”, e continuou, dizendo que foram a professora e a
coordenadora pedagógica que tinham indicado para vir conversar comigo.
Aproveitei para saber sobre seu gosto pelos estudos. Ele disse que
gostava de estudar, que as matérias preferidad eram português e história e a que
menos gostava era matemática. Falou que permanece o dia todo na escola. De
manhã aula normal e pela tarde laboratórios (lembrou os seguintes: artes, ciências,
informática, sala de brinquedos, matemática).
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Falou de sua família, que mora com pai, mãe e uma sobrinha. Relatou que
recentemente o pai tinha sofrido um acidente, que foi atropelado por um carro
quando estava andando de bicicleta e se machucou um pouco e que estava sob
cuidados médicos. Ressaltou que quando isso aconteceu o pai estava bêbado.
Motivei R a continuar, e então falou dos seus gostos: gosta de cantar,
brincar de escolinha e pular amarelinha com amigas. Na sala de aula, disse que
conversa bastante, e não tem facilidade em concentrar-se.
Ao chegar em casa ajuda sua mãe na limpeza. Lembrou que em casa,
quando o pai bebe, bate na mãe. Perguntei a ele o que sentia quando isso
acontecia. Respondeu que fica quieto e sente raiva do pai. O pai não tem trabalho
fixo, “faz bicos”, segundo ele.
Perguntei para R sobre suas brincadeiras preferidas, citou: jogar xadrez
(na sala que faço atendimento tem na parede escrito a palavra “xadrez”), dominó,
jogo da memória, baralho, palitinhos, quebra-cabeça, entre outros. E ainda que
gosta de desenhar anjos e a mãe. E que seu sonho é ter um carrinho com controleremoto. Sobre o final de semana, disse que às vezes ajuda a mãe, brinca com a
sobrinha, e que gosta de ir comer “Xis salada”. Falei para R de nossos encontros
duas vezes por semana e da importância de sua presença no acompanhamento.
Ainda restando um tempo para o final do atendimento, convidei a R para desenhar.
Ele desenhou num lado da folha um anjo e no outro sua mãe.
3.2.2 Análise do enquadre com o paciente
Durante o enquadre com R, na chegada à sala de atendimento
demonstrou-se um pouco inquieto, apreensivo. Após a apresentação, começou-se
um diálogo, onde começou a falar sobre seu gosto por estudar e matérias que lhe
são mais fáceis de compreender e que a mais difícil é a matemática.
Por outro lado, diz que tem dificuldade em concentrar-se na sala de aula e
que conversa muito. E que gosta de cantar, brincar com amigas, de desenhar anjos
e a mãe.
Revela com estas falas que dentre as prioridades do dia, os estudo ficam
em segundo plano. Pois ao chegar em casa, tira a roupa da escola e vai brincar.
Quando se refere ao desenho da mãe, e ao fazer o desenho, podemos ir
construindo nosso diagnóstico como sendo um contrato de sobrevivência entre eles.
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Sobre os tipos de jogos e teia de relações é pobre, pois tem contato com
poucas pessoas no dia-a-dia, a interação com o meio fica comprometida e, por
conseguinte, também o processo de aprendizagem com o outro é restrito.
3.3 HORA DO JOGO
3.3.1 Fundamentação Teórica
No atendimento clínico, o jogo é importante instrumento para ir se
construindo o diagnóstico. Para as crianças, o brincar e o jogar são modos de
aprender e se desenvolver. Não importa que não saibam disso. Ao fazer essas
atividades, elas vivem experiências fundamentais. “Brincar é, sem duvida, uma
forma de aprender, mas é muito mais que isso. Brincar é experimentar-se,
relacionar-se, imaginar-se, expressar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar,
transformar-se, ser.” (FONTANA, 1997, 139).
O psicopedagogo tem no brincar um instrumento de investigação
diagnóstica. Ao brincar, o paciente revela alguns conteúdos inconscientes,
permitindo, assim, a identificação de possíveis causas da dificuldade de
aprendizagem.
O material utilizado para a realização da técnica diagnóstica, denominada
por Pain (1985) de Hora do Jogo, trata-se de uma caixa com materiais não
figurativos, tais como: sucatas, papéis, canetas coloridas, cola, tesoura, fita adesiva,
etc, que possam proporcionar informações a respeito das modalidades de
aprendizagem, de identificar sua construção simbólica, verificar a relação com o
objeto de conhecimento.
Para Pain (1992, p. 54), os dados mais importantes a serem extraídos da
sessão que denominamos hora do jogo respondem a quatro aspectos fundamentais
da aprendizagem:
a) distância do objeto, capacidade de inventário;
b) função simbólica, adequação significante-significado;
c) organização, construção da seqüência;
d) integração, esquema de assimilação.
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3.3.2 Relato da Hora do Jogo
R chegou para o atendimento, como sempre animado. Perguntei como
estava e me disse que estava tudo bem, e que no final de semana tinha ido visitar o
túmulo de sua avó no cemitério. Convidei R a olhar para o centro da sala e observar
o que tinha de diferente. Logo me falou que tinha uma caixa. Perguntei: “E o que
será que tem lá dentro?”, respondeu: “Não sei”. Indaguei se ele queria saber o que
tinha dentro e respondeu afirmativamente. Então pedi que fôssemos para próximo
da caixa, e que poderia descobrir o que tinha. Foi, abriu a caixa, olhou e disse: “Tem
tantas coisas”.
Olhou-me e perguntou se podia pegar uma folha para desenhar. Devolvilhe a pergunta: “O que você acha?”, ele sorriu e pegou a folha e canetinhas.
Perguntou-me: “Tem tesoura?” Convidei-o a olhar e localizou-a apanhou-a e
também um lápis. Fez um círculo na folha usando um copo plástico. Recortou o
círculo e colou no copo (auréola). Pegou uma canetinha vermelha e desenhou no
corpo do copo uma boca, e com uma preta os olhos. Pegou uma folha amarela e
com o lápis desenhou duas asas, recortou e colou no copo.
À medida que precisava dos materiais ia até a caixa e procurava. Pegou
outra folha e desenhou um círculo e após recortar colou na parte superior do copo.
Apanhou uma folha azul, desenhou em parte dela uma nuvem, recortou e tentou
colar na parte inferior do copo, mas não conseguindo, amassou-a. E continuou
acertando o “anjo”. Logo, pegou novamente a folha azul, desenhou outra nuvem,
recortou e então colou-a com sucesso. Ao concluir o anjo, olhou para mim e disse:
“Terminei!”
Convidei-o para conversar sobre o que tinha feito e ele logo falou: “Fiz um
anjo”, e continuou dizendo que o anjo representava a sobrinha de dois aninhos.
“Que tal fazer outra coisa?”, provoquei-o. Pensou um pouco e disse: “Vou
fazer”, e logo pegou uma folha e canetinha e desenhou, e com tesoura recortou.
Pegou um rolinho de papel higiênico e mediu a folha de sulfite, e recortou do mesmo
tamanho. E colou-o. Pegando um pote, fez um círculo e recortou. Com canetinhas
delineou o rosto (boca, agora sorrindo, olhos e sardas no rosto). Pegou fitas
vermelhas e fez várias tiras fininhas com muita paciência e colou para serem os
cabelos. Fez mais tirars, e colou novamente. Pegando outra folha, desenhou um
lacinho, recortou e colou na cabeça. Olhou para mim e disse: “Terminei. É a minha
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mãe!”. Respondi com um sorriso, e incentivei-o a falar sobre sua mãe. Disse-me que
gosta muito dela, que ela é boa com ele, que o deixa à vontade, e que faz tudo o
que ele quer. Ao final da sessão, convidei-o para organizarmos a sala e guardarmos
os materiais.
3.3.3 Análise da Hora do Jogo
Diante da proposta R ficou motivado e logo foi para o tapete onde estava a
caixa.
Abriu a caixa e mexeu nos objetos para reconhecê-los e disse: “Tem tantas
coisas.” Como pudemos observar, R demonstra-se inseguro e sempre pergunta se
pode ou não pegar algum objeto dentro da caixa.
Dois objetos figurativos foram elaborados: um anjo, com alguns detalhes
(asas, auréola, expressão facial, e a nuvem) , e uma mulher, que disse ser sua mãe
(de vestido, com expressões faciais, cabelos). Este processo durou 45 minutos, e
embora tenha feitos dois objetos bem representados, foi pouco criativo, pois em
outros momentos, já havia desenhado essas duas figuras.
Numa leitura
psicopedagógica, podemos dizer que a modalidade de aprendizagem de R é
hipoassimilativo-hiperacomodativo.
Segundo Pain (1992, p. 46), neste tipo de sintomatização ocorre uma
assimilação pobre, o que resulta na pobreza no contato com o objeto, de modo a
não transformá-lo, não assimilá-lo de todo, apenas acomodá-lo. A aprendizagem
normal pressupõe que os movimentos de assimilação e acomodação estão em
equilíbrio.
O que caracteriza a sintomatização no aprender é o predomínio de um
movimento sobre o outro. Quando há o predomínio da assimilação, as dificuldades
de aprendizagem são da ordem da não resignação, o que leva o sujeito a interpretar
os objetos de modo subjetivo, não internalizando as características próprias do
objeto. Quando a acomodação predomina, o sujeito não empresta sentido subjetivo
aos objetos, antes, resigna-se sem criticidade. O sistema educativo pode produzir
sujeito muito acomodativos se a reprodução dos padrões for mais valorizada que o
desenvolvimento da autonomia e da criatividade. Um sujeito que apresente uma
sintomatização na modalidade hiperacomodativa-hipoassimilativa pode não ser visto
como tendo “problemas de aprendizagem”, pois consegue reproduzir os modelos
com precisão.
19
Ao reportar-se ao segundo objeto, diz: “gosto muito dela... que faz o que
ele quer,” mais uma vez revela este laço afetivo forte com a mãe, reforçando o
sintoma de contrato de sobrevivência com a mãe.
Isto vai revelando que sua dificuldade de aprendizagem está ligado a este
processo de contrato de sobrevivência que o impede de evoluir em conhecimentos,
em aprendizados, pois isso o distanciaria da sua mãe, tanto fisicamente, quanto
intelectualmente.
3.4 HISTÓRIA VITAL
3.4.1 Fundamentação Teórica
A entrevista da história vital dedica-se a reconstruir a história da
criança/adolescente.
A história vital nos proverá de uma série de dados relativamente
objetivos vinculados às condições atuais do problema, permitindonos, simultaneamente, detectar o grau de individuação que a criança
tem com relação à mãe e a conservação de sua historia nela. (PAÍN,
1992, p. 42)
Deve-se investigar a reconstrução da história de vida do paciente, que
pode ser vista nos antecedentes natais, divididos em fases pré-natais, perinatais e
neonatais, doenças, desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem.
Deve-se ter como ponto de investigação a reconstrução da história de vida
do paciente que podem ser vistas nos antecedentes natais, divididos em pré-natais,
perinatais e neonatais, doenças o desenvolvimento (moto, linguagem) e a
aprendizagem.
É possível perceber as modalidades de aprendizagem, sejam elas
assimilativas ou acomodativas em processo de equilibração que possibilita a
aprendizagem ou a inibição e predomínio de uma das modalidades de
aprendizagem que impredem o desenvolvimento da mesma.
A história vital possibilita ao psicopedagogo uma visão abrangente do
sujeito, desde a sua gestação até o seu desenvolvimento atual, levando em
consideração as relações sociais, afetivas e familiares.
20
[...] enfatizamos os seguintes pontos: a) disponibilidade corporal
(antecedentes natais e mórbidos, disposição atual, psicossomática;
b) ritmo e autonomia de desenvolvimento; c) aprendizagem:
esquemas assimilativo-acomodativos; exercício lúdico e imitativo
escolar e informação; d) aprendizagem e escola na ideologia do
grupo de pertencimento. (PAIN, 1992, p. 49)
3.4.2 Relato da História Vital
A mãe de R informou que ficou grávida, por ter esquecido de tomar o
anticoncepcional. Que a gravidez foi tranqüila, e que tanto marido quanto demais
filhos ficaram felizes com a noticia. R nasceu no hospital e os filhos anteriores
nasceram em casa. Comentou que nenhum dos filhos mamaram no peito, todos
foram criados com mamadeira. Quando R nasceu ela tentou amamentá-lo, mas ele
não aceitou o peito. Fez o seguinte comentário: “acho que ele tinha nojo do leite”
Quando era bebê quem cuidava era a avó materna, pois a mãe de R
trabalhava. Demorou a andar, pois era muito “molengo”, segundo ela. Não soube
precisar com quantos anos andou. Sobre as fraldas, diz que foi ela que as tirou de
R. Que comprou um penico e o ensinou a usá-lo. E que ele logo aprendeu. A falar,
foi na faixa de um ano e meio.
Quanto à alimentação, disse que R come que é uma beleza.
Atualmente os que moram na casa são: o pai, a mãe, R e uma sobrinha
de cinco anos, com a qual R brinca e briga constantemente. Diz a mãe que “do pai
R quase não gosta”, e reitera orgulhosa: “O R gosta mais de mim. Ele é muito
carinhoso. Eu protejo ele. Deixo ele ir brincar”. Completou dizendo que o pai pega R
pelos cabelos quando quer corrigi-lo ou impedir de ir brincar: “ele é muito ruim para
R”.
Sobre o ingresso na escola, diz que ele nunca foi a creches, que cresceu
ao seu lado. Só começou no primeiro ano, aos 7 anos de idade. Complementa que
R gostava de ir para a escola e que se arrumava sozinho. E ainda comenta: “Não
aprendia nada na escola antiga. Aqui ele aprendeu” (referindo-se à escola que
estuda atualmente).
Diz que por solicitação da escola antiga levou R ao neurologista, mas que
após os exames a médica falou que ele não tem nada. E continua: “Alguma coisa
ele tem” (não concordando com o parecer médico).
21
Disse que ela não sabe ler
e nem escrever, e que quando tem que
assinar o nome, pede o carimbo: “Eu assino com o dedo”. E lembra de um episódio
onde R precisou assinar, e diz emocionada: “Ele assinou seu nome sozinho”. E que
parabenizou o filho por isso.
Continuou contando que uma vez foi chamada pela escola porque R não
se concentra, conversa muito e que brinca em sala de aula. E diz: “Quando eu fui
conversar com R, eu chorei”, e completa dizendo que é muito nervosa. E termina
dizendo que no momento ele está bem na escola, sem nenhuma reclamação da
professora.
Disse ainda que R não leva nada para casa, pois o material fica na escola.
E que ao chegar da aula, troca de roupa, e vai para a rua brincar: “É difícil, em casa
ele não faz nada”. E disse que quer arrumar um emprego para R. Pois quando ele
não está na rua, ele está vendo televisão, que gosta de novelas e filmes. Diz que
manda R estudar para ser alguém na vida, ele concorda, “Estuda um pouquinho e
vai brincar”.
3.4.3 Análise da História Vital
A mãe de R é muito comunicativa. Lembrou com satisfação da gravidez e
nascimento de R, afirmando que foi o único dos filhos que nasceu em hospital.
O fato de ser cuidado pela avó, e com poucos estímulos, demorou a
explorar o espaço físico, retardando assim o engatinhar, caminhar.
Quando diz que não o amamentou, podemos analisar ai uma fratura nos
primeiros vínculos com a mãe, e por conseguinte dos estímulos necessários para R
ir se desenvolvendo e crescendo de forma que pudesse explorar o mundo e notar-se
como individuo.
Aprendeu logo a usar o penico, deixando as fraldas. Também não soube
precisar a idade, apenas que ensinou e ele aprendeu. Apenas a idade que a mãe
precisou não coincide com o processo de desenvolvimento motor da criança,
possivelmente foi mais tarde, em torno dos três anos de idade.
Observando a fala da mãe: “O R gosta mais de mim. Ele é muito
carinhoso. Eu protejo ele. Deixo ele ir brincar.”, podemos afirmar que existe um
contrato de sobrevivência entre eles, pois se R se desenvolver, adquirir
conhecimentos, irá afastar-se da mãe. Esta não terá mais seu carinho, sua atenção,
22
sua presença. E também o não aprender de R o deixará sempre por perto para
defendê-la das violências do pai.
O relacionamento de R com o pai não é muito saudável, pois o pai quer
corrigi-lo em seus comportamentos com violência (puxando os cabelos).
Ao referir-se à ida de R ao neurologista e ao diagnóstico da médica disse
não haver nada de errado com R, a mãe deixa entender que não concorda com esta
posição na seguinte fala: “Alguma coisa ele tem”. Para a mãe, se R tem dificuldade
de aprendizagem, isso deve-se a algum problema do organismo. Reforçando o
diagnóstico de contrato de sobrevivência.
Quando afirma que ela não sabe ler nem escrever, e que R assinou seu
nome sozinho, manifesta aqui o desejo de que o filho evolua em conhecimentos e
aprendizados, embora seja mais cômodo tê-lo próximo para protegerem-se
mutuamente. E se o filho for embora, ficará desprotegida contra o marido que a
agride.
A fala da mãe: “É difícil, em casa ele não faz nada”, refere-se ao
comportamento de R quando chega em casa depois do período escolar, pois troca
de roupa e vai brincar. Às vezes a mãe pede para R estudar, ele pega o material
“estuda um pouquinho e vai brincar”.
Revela-nos a falta de imposição de limites a
R, não somente no campo educacional escolar, nas em todos os seus
relacionamentos diários. Um dos fatores da pouca cobrança da mãe em relação aos
estudos de R é a falta de argumentos da mãe em relação a isso, pois não poderá
acompanhá-lo nos estudos, nem ajudá-lo pois não é alfabetizada.
3.5 PROVAS PROJETIVAS
3.5.1 Fundamentação Teórica
Segundo Paín (1991), a aplicação das provas projetivas permite avaliar a
capacidade do pensamento para construir, no relato ou no desenho. Com as provas
projetivas psicopedagógicas, o profissional poderá compreender como a criança
sente, como se organiza frente à realidade, como interage com as situações, e
ainda verifica-se o seu nível de desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocional.
23
Segundo Di Leo (1985), na interpretação do desenho infantil, o conteúdo
do desenho diz algo sobre a pessoa, a sua natureza, a avaliação deve levar em
conta a idade do sujeito e o nível de desenvolvimento.
Para Visca (1995), o desenho é um meio de confirmação ou não das
hipóteses. Observando os desenhos do meio escolar, familiar e social, chega-se aos
vínculos que o sujeito estabelece com o docente, com a escola, com os
companheiros, com a família, com aqueles que lhe oferecem modelos de
aprendizagem significativos.
Durante as sessões, foram aplicadas as provas nos níveis: escolar,
familiar e consigo mesmo. Conforme relato abaixo:
3.5.2 Relato das provas projetivas
1. Escolar
a) Par Educativo (anexo 1)
Desenhou uma professora e um aluno. Ambos sentados em suas carteiras.
Pedi para ele me falar sobre o desenho. Relatou que era a professora ensinando o
aluno. E que desenhou uma professora ensinando os alunos a fazerem as
atividades, mas os alunos não prestavam atenção, e esta ficava brava e brigava com
eles. Pedi para R falar mais sobre a professora e sobre o aluno. Comentou que a
professora tinha vinte e quatro anos e que o aluno estava na quarta série e tinha
treze anos. E que a professora estava ensinando ele a escrever.
a) Plano da Sala de Aula (anexo 2)
Indiquei a R que o próximo desenho que faria era da sua sala de aula. Ele
parou um pouco para lembrar como era a sala de aula e começou a desenhar.
Desenhou a professora na frente e uma fileira de alunos. Pedi para ele comentar o
desenho. Disse que a professora estava na primeira mesa, à frente da sala, sentada,
ensinando: corrigindo as tarefas e dando notas. E que ele era o primeiro da fileira, e
logo atrás duas colegas, que são suas melhores amigas na escola. Indaguei se era
assim mesmo a sua sala de aula, e me relatou que senta na última carteira, pois é
alto demais para sentar mais à frente, mas que seu desejo era sentar no primeiro
lugar para prestar mais atenção. Perguntei se a professora ficava sempre sentada à
mesa, e ele disse que quando ela conta histórias fica em pé e anda pela sala. E
24
ainda, disse que a professora raramente manda tarefas para casa, mas quando
manda, ele faz. Enfatizou mais uma vez que gostaria de sentar na primeira carteira
e desta vez acrescentou que facilitaria para ele copiar do livro da professora.
Questionei sobre esta atitude, e se ele aprenderia apenas copiando os resultados.
Pensou um pouco, sorriu e admitiu que não aprenderia, mas era bem mais fácil
copiar, pois lá no livro já estava feito. Provoquei-o a pensar um pouco: “Você não
pensa que se fizer o exercício sozinho, ou com a ajuda de algum colega, pode
conseguir?” Sorriu outra vez e concordou que conseguiria sim, mas que tem
preguiça.
2. Familiar
a) Plano da minha casa (anexo 3)
Propus a R que desenhasse o plano interno de sua casa. Perguntou: “Como
assim?” Disse-lhe para desenhar a casa por dentro. Logo começou a desenhar. Às
vezes parava para lembrar como era e recomeçava. Após terminar, convidei R para
conversarmos sobre o desenho. Mostrou-me e foi indicando: “Aqui é a cozinha, aqui
é o banheiro, aqui é o meu quarto, aqui é a sala de tv”. Sorri para ele, e motivei-o a
falar mais sobre seu desenho. Disse, então disse que gostava mais da cozinha pois
lá ele ficava incomodando a mãe e também que gosta de cozinhar, que macarrão
com carne moída e cachorro-quente é o que sabe fazer melhor.
Gosta da sala de tv, pois gosta de novelas e o desenho que mais gosta é o “picapau”. Questionei porque ele gostava, e me disse que este desenho ensina a não
jogar lixo no chão.
Sobre o banheiro disse que é para tomar banho, e que gosta de estar limpinho.
E ainda, desenhou o quarto porque gosta de dormir.
b) Os quatro momentos do dia (anexo 4)
Pedi para R desenhar quatro momentos do dia, conforme lhe vinha à cabeça.
Aceitou a proposta e começou a desenhar. Ao errar uns traços, perguntou-me:
“Posso usar o outro lado da folha?”. Devolvi-lhe a pergunta: “O que você acha?”
“Acho que pode”, respondeu e virou a folha. Ao terminar convidei-o novamente para
conversarmos sobre o desenho e aceitou prontamente.
No primeiro momento desenhou a sobrinha e a si mesmo ao lado de uma árvore.
Disse que eram ele e a sobrinha pegando bergamota, no vizinho, sem pedir. “Você
25
acha certo fazer isso?”, perguntei. Respondeu-me que não, mas que o vizinho não
permitiria que as pegassem, se pedissem. E que se sua mãe questionasse se as
apanhou sem pedir, responderia que foi um outro menino.
No segundo momento desenhou-se saindo de ônibus. Sobre o destino dele,
disse-me que era para a “praça”: “Estou indo na igreja rezar”.
No terceiro momento desenha-se vendo televisão e que o que mais gosta são
as novelas e desenhos, especialmente o pica-pau. Reiterou que aprende a fazer
reciclagem com o desenho.
No quarto momento falou-me que tinha desenhado a si mesmo e sua
sobrinha dormindo no beliche (ele na parte de baixo e ela na de cima). Disse que
gosta muito de dormir. E que por vezes finge estar dormindo para não lavar as
louças. Que a mãe o chama, ele reclama que já estava dormindo e então ela lava. E
ainda diz: “Eu prefiro brincar a lavar louça” Que brinca de escolinha com a sobrinha,
e que é o professor, e a ensina a ler e a escrever.
c) Família Educativa (anexo 5)
Fiz a proposta à R para desenhar sua família, com cada qual fazendo o que
sabia fazer melhor e ele me disse: “Vai ser difícil. A minha família não sabe fazer
nada”. Desafiei-o: “Sério? Eles não sabem fazer nada?”. Pensou um pouco, e me
respondeu: “Sabem sim!” Então novamente propus a R que desenhasse o que cada
um sabe fazer. E começou a desenhar. Convidei-o a comentar o desenho. Disse
que tinha desenhado a mãe cozinhando, o pai consertando uma bicicleta, a sobrinha
incomodando-o, pois é o que ela sabe fazer melhor, e desenhou-se brincando de
escolinha.
3. Consigo Mesmo
a) Um dia de lazer (anexo 6)
Ao ser feita a proposta do desenho, R falou: “Não sei o que fazer...”, daí
reiterei, dizendo para ele desenhar algo que para ele foi importante e divertido.
Novamente pensou um pouco e começou. Desenhou-se brincando de escolinha com
sobrinhos. Propus que conversássemos sobre o que tinha desenhado e ele
concordou. Relatou que representava um dia que estava brincando de escolinha
com sobrinhos. Ao lembrar, escreveu o nome dos sobrinhos no desenho e suas
idades. Perguntei: “E você, quem é neste desenho?” Respondeu que ele era o
26
professor. Continuei: “E o que você está ensinando?” Disse-me: “Estou ensinando
matemática. Só que a Fernanda (sobrinha) está avacalhando. Ela quer sentar na
frente.”, e continuou dizendo que quem senta na frente é o sobrinho. Disse-me que
faz igual sua professora: “dou prova e nota”, e quando eles bagunçam coloca de
castigo no cantinho. E que a prima mais velha é a diretora (não está no desenho
porque ela é a diretora e não fica na sala de aula), e conversa com os alunos que
ele coloca de castigo. Que a cozinheira é a mãe e o professor de educação física é o
vizinho.
b) Meu aniversário (anexo 7)
Desenhou um ambiente de festa. Quando o convidei para falar sobre o
desenho começou rapidamente dizendo: “Desenhei um bolo e quem fez foi a minha
mãe”, tem guaraná, docinhos, pudim-de-anjo, balões e foguetes. R disse também
que os que estão sentados são ele e sua irmã. E os demais convidados estão ao
redor da mesa (mãe, amigos, e pai). Perguntei quantos anos ele estava fazendo, e
me disse: “é um desenho, não foi verdade” e também disse que não tem festas em
seus aniversários, e que a mãe às vezes faz um bolo somente.
3.5.3 Hipótese parcial das Provas projetivas
Par educativo:
Neste desenho verificou-se que não há vínculo de aprendizagem, pois
representou ele e professora, ambos sentados em suas carteiras e há uma distancia
relativa entre ambos. E não há escrita no ambiente desenhado.
Os personagens desenhados não possuem mãos, nem corpo e
fisionomias definidos, levando-nos a entender que falta para R um esquema corporal
definido e também que o conhecimento, a aprendizagem, não tem função em sua
vida.
O tato é a mãe dos sentimentos. Foi através deste estimulo táctil em nosso
lábios que estabelecemos e começamos a nos relacionar com o mundo
depois do útero. Eventualmente, mãos e dedos se tornaram os principais
agentes para estabelecer contato direto e mesmo para comunicação através
de gestos e sinais. (DI LEO, 1985, p. 111)
27
Visca (1998) nos diz “ [...] enquanto a representação pequena seja do
ensinante ou do aprendiz implicam respectivamente uma desvalorização [...] uma
negação de suas próprias dificuldades e alterações na aprendizagem”.
Plano da sala de aula:
Mais uma vez R desenha os personagens sem definição clara dos corpos,
dando a entender que nesta sala de aula ninguém aprende, pois não há interação
entre alunos, e nem entre alunos e professora.
A mesa da professora é grande e distancia os alunos dela. E logo atrás da
professora R desenha um quadro negro, longe dos alunos, e com rabiscos que não
se pode entender. Ele não compreende o que a professora ensina.
Não há
aprendizado nesta sala de aula.
Em sua fala sobre a vontade de sentar na primeira carteira, num primeiro
momento deu a entender que tem desejo pelo aprender, mas ao falar que era para
copiar os exercícios resolvidos do livro da professora, deixa claro que quer apenas
reproduzir os conteúdos, sem buscar uma compreensão de como resolvê-los.
O plano da sala de aula desenhado por R é reduzido, por ilustrar-se, além
dele, apenas com mais duas colegas e professora, sendo que em sua sala de aula
existe número bem maior de alunos. Conforme Visca (2008), “[...] os elementos
incluídos assinalam os objetos com os quais estabeleceu um vínculo positivo e os
excluídos com quais não estabeleceu vínculos”.
Plano da casa
Desenhou a cozinha, pois ali encontra prazer ao alimentar-se. O quarto,
lugar dele, onde está o que é seu. No banheiro, lugar onde pode fazer coisas que os
outros não veem, pode, numa linguagem freudiana, explorar seu corpo. E na sala de
televisão, local de descontração, lazer.
Os quatro momentos do dia
Ao desenhar os momentos do dia não apresentou esquema temporal
definido, pois os desenhos correspondem a diferentes momentos do dia, mas sem
uma seqüência (manhã, tarde, noite).
28
Família educativa
As suas falas revelam que R não vê em sua família situações para ajudálo a aprender.
Novamente as personagens desenhadas não apresentam partes do corpo
definidas (mãos escondidas, sem pés, o corpo feminino semelhante ao desenho de
anjos).
Ao desenhar-se brincando de escolinha sozinho, revela que não tem
amigos, que se sente sozinho.
Um dia de lazer
Faz um desenho semelhante ao plano da sala de aula, e apenas colocase como sendo o professor e brincando com crianças com idade inferior a sua. E no
quadro, rabiscos que não dá para entender, revelando que não está claro do que
estão brincando.
Ao falar que está ensinando matemática, revela que este conteúdo não
está sendo assimilado por ele em sala de aula.
Meu aniversário
Ao desenhar a festa de seu aniversário com os personagens no mesmo
esquema anterior, sem esquema corporal definido, indica que não vê o ser humano
na sua estrutura corpo, ainda não assimilou este aprendizado.
3.6 LECTO-ESCRITA
3.6.1 Fundamentação Teórica
A aprendizagem da linguagem e da escrita pela criança deve ser
desenvolvida
com
naturalidade,
pois
são
processos
de
construções
de
conhecimentos através da cultura e do ambiente onde está inserido.
A família pode contribuir ou não para o crescimento e aprendizagem da
criança no que se refere à leitura e à escrita. É necessário verificar qual o significado
que a família dá para esta questão.
29
Para Weiss:
Durante a execução da leitura e da escrita, observa-se a postura corporal, o
sentar, as tensões e relaxamento, o modo de segurar o lápis e o livro, o modo
de se aproximar do material, a concentração da atenção, e o prazer de ler e
escrever. (2003, p. 99)
Emilia Ferreiro (1995) define quatro níveis na psicogênese da alfabetização:
•
Pré-silábico: é alheia a qualquer busca de correspondência entre
grafias e sons, buscando identificar o significado pelo desenho da palavra.
•
Silábico: a criança compreende que as diferenças das representações
escritas relacionam-se com as diferenças na pauta sonora das palavras,
formulando a hipótese de que para cada sílaba oral corresponde uma letra.
•
Silábico-alfabético: a crianças descobre que a sílaba não é uma
unidade, começa a se dar conta que existem outras letras para escrever a
palavra.
•
Alfabético: a criança começa a fonetizar a silaba, inicia-se um
processo de correspondência entre fonemas e grafemas. É o marco
altamente significativo do ingresso no sistema da escrita.
A leitura e a escrita são um grande foco sobre o qual recai boa parte das
queixas recebidas pelos psicopedagogos.
Para avaliar a queixa, é necessário conhecer a criança. Assim será
possível averiguar se a queixa trazida tem realmente a ver com as questões
referentes a sua aprendizagem ou se ela se refere a questões pessoais e familiares.
Weiss no diz:
A alfabetização não é mais vista como a transmissão de um conhecimento
pronto que, para recebê-lo, a criança teria que ter desenvolvido habilidades,
possuir pré-requisitos, enfim, apresentar uma “prontidão”. A alfabetização é
resultante da interação entre a criança, sujeito construtor do conhecimento, e
a língua escrita, uma construção que não é linearmente cumulativa, pois se
trata de um processo, de objetivação no qual o sujeito continuamente constrói
e enfrenta contradições que o obrigam a reformular suas hipóteses. Um
processo dialético através do qual ela se apropria da escrita e de si mesma
como usuário-produtor da escrita. (WEISS, 2004, p. 95)
Desde os primeiros contatos que a criança tiver com a leitura e a escrita
espera-se que possa encontrar um significado para o ato de ler e escrever, e uma
relação com atividades prazerosas, pois a linguagem é o produto da interação
social.
30
3.6.2 Relato da avaliação da Lecto-Escrita
Começamos o atendimento falando de como tinha sido o feriado, o que
tinha feito, etc. Prontamente falou que tinha ido à casa de praia de um tio e também
visitou o túmulo de sua avó no cemitério. Além disso, jogou vôlei com vizinhos e
brincou de escolinha e continuou, dizendo que não viria ao atendimento hoje, mas
que sua mãe o tinha incentivado.
Sugeri a dinâmica do dia, explicando que entregaria a ele um desenho
(anexo 7), e que ele poderia fazer o que quisesse com o desenho. Como era apenas
em preto e branco, R perguntou se podia colorir. Devolvi-lhe a pergunta, querendo
saber o ele pensava, e ele verificando que em cima da mesa tinham canetinhas,
lápis de cor, sorriu e começou a colorir.
Ao colorir o desenho, contornava algumas partes com canetinha antes de
usar o lápis de cor.
Ao fundo do desenho tinha uma nuvem, e ele perguntou o que era aquilo.
Eu retornei a ele perguntando o que ele achava que era. Disse-me: “eu acho que é
uma nuvem”, e pintou.
Pedi para conversarmos sobre o desenho, ele relatou que eram três
crianças brincando, e citou as brincadeiras: vôlei, balança e ursinho. Perguntei da
idade dos personagens e me falou que tinham oito, nove e dez anos.
Aproveitei para perguntar se R tinha amigos e com quem costumava jogar.
Na escola, relacionou alguns meninos e meninas, todos com nove e dez anos. E
colegas que moram próximo a sua casa citou idades variadas, entre oito e quinze
anos. Sobre os tipos de brincadeiras citou: vôlei, corda, bambolê, às vezes futebol,
mas que não gosta pois machuca muito, e à noite de esconde-esconde.
Voltando ao desenho sugeri a R que criasse uma história com o desenho.
Ele escreveu: “As crinça estão bencanto de bola de volem. E a menia não
que bencar com eles. Ela gosta de becar com o ursinho.”
Ao terminar de escrever, pedi que lesse o que tinha escrito. Ele leu de
forma correta, mas como podemos observar na escrita, a maioria da grafia tem
incorreções.
Na sessão seguinte, retornamos ao desenho e à história criada por R.
31
Convidei-o a observar e ler a sua história. Teve dificuldade em ler algumas
palavras que tinha escrito de forma errada.
Entreguei para R a primeira frase, digitada em fonte maior, recortada
palavra por palavra. E pedi para que R montasse a frase na mesa. Rapidamente
pegou a folha que tinha escrito, olhou, e começou a montar a frase. Logo exclamou:
“Terminei” e sorriu.
Entreguei para R a segunda frase, da mesma forma que a primeira e o
desafiei a não olhar a frase escrita por ele. Aceitou. Mexeu nas palavras, e disse: “Ai
meu Deus, não lembro.” Incentivei-o dizendo que era só pensar um pouco que
lembraria. Lembrou em seguida, e montou.
Entreguei para R a terceira frase, e indiquei que fizesse a mesma coisa
que fez com as anteriores. Esta frase, montou rapidamente.
Convidei R para que lesse as frases. Leu.
Desafiei R novamente, perguntando se eu podia misturar, agora, todas as
palavras da história para ele montá-la novamente. R sorriu, afirmou que aceitava e
logo iniciou. Ao montar, trocou umas palavras, mas a primeira frase com sentido. Já
a última, pela troca da palavra ficou sem sentido.
Perguntei à R se poderíamos fazer algo para corrigirmos as frases
anteriores para darmos sentido à última também. Ele disse que sim, e logo
identificou a troca de palavras, e corrigiu.
Pedi a R que comparássemos neste momento a história que ele tinha
escrito com a história que montou com as palavras escritas de forma correta. R
identificou alguns erros na sua escrita: crinça (criança), bencar (brincar), volem
(vôlei), menia (menina), que (quer), becar(brincar).
Perguntei a ele: “Porque você acha que errou ao escrever estas
palavras?”, ele logo respondeu: “Porque eu estava nervoso. Eu escrevi errado
porque me deu stress”.
Pedi a R para que escrevesse novamente a frase, sem olhar as palavras e
sem olhar para o que tinha escrito anteriormente. Ele aceitou. E escreveu as frases
(anexo 8). A primeira e a segunda com todas as palavras corretas e, na terceira,
escreveu uma palavra errada. Pedi para que lesse novamente em voz alta as frases,
e R identificou seu erro, pegou a borracha e apagou. Nas frases que R escreveu
certo, fez um “C” ao lado, indicando que tinha acertado. E na última escreveu um “C”
cortado, indicando meio certo.
32
Continuando o atendimento, perguntando a R sobre a diferença entre uma
escrita (a primeira) e outra (a atual), disse-me: “Eu tava nervoso. Errei tudo”, e
comentou que a professora estipula tempo para fazer a prova, e isso o deixa
nervoso, porque quer terminar toda a prova.
Continuei levando R a refletir sobre os dois comportamentos: calmo e
nervoso. E olhando para as duas escritas, perguntei a ele: “Qual você pensa que
ficou melhor?”, indicou-me a atual, sem erros. E completou: “quando não me
estresso, acerto tudo”. Então motivei-o a permanecer calmo quando estiver
estudando, pois os resultados serão melhores.
3.6.3 Hipótese parcial
Em relação à lecto-escrita R é alfabético. Consegue ler e escrever, mas
sua escrita e leitura ainda não apresentam pontuação correta. E ainda, em algumas
palavras escreve como se ouve o som, não as escrevendo corretamente (como
pudemos constatar no relato acima).
Demonstrou que compreende o que lê, tem boa memória. Basta
concentrar-se mais para realizar o que lhe é proposto.
Cumpre fielmente o que lhe é indicado, faltando em alguns momentos
autonomia para superar as dificuldades e continuar seu processo de construção de
conhecimentos, o que confirma a hipótese de modalidade de aprendizagem
hipoassimilativa e hiperacomodativa.
Tal atitude frente às tarefas que exigem autonomia de pensamento,
remete à hipótese de que a modalidade de aprendizagem de R não vem
contribuindo para o desenvolvimento da lecto-escrita, uma vez que o mesmo se
sente mais confortável quando precisa apenas copiar o modelo.
Ao usarmos a técnica acima descrita de R montar a frase com as palavras
recortadas, monstrou interesse e motivação, indicando, assim, o seu conhecimento
de lecto-escrita e não apresentou dificuldades, nem sofrimento, pelo contrário,
demonstrou animação e entusiasmo. Tal comportamento frente a esse desafio, pode
indicar que a intervenção psicopedagógica vem contribuindo para a ressignificação
da sua modalidade de aprendizagem.
O jogo sugerido por R favoreceu e complementou o exercício, pois exigiu
concentração e perseverança, além de representar uma tarefa intermediária entre a
33
construção de palavras de forma autônoma e a simples cópia. Também contribuiu
para o resgate de sua autoestima em superar-se, em obter resultados satisfatórios,
assumindo o lugar de quem aprende.
3.7 AVALIAÇAO DO PENSAMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO
3.7.1 Fundamentação Teórica
Os conhecimentos matemáticos surgiram historicamente a partir de uma
necessidade dos seres humanos de se organizarem. Sendo o ser humano um ser de
relação, aproveitou esses conhecimentos para aperfeiçoar sua relação consigo
mesmo, com os outros, com a sociedade.
O pensamento matemático é outro fator importante na investigação
psicopedagógica, pois nos possibilita verificar os conhecimentos da criança a partir
do que ela experimenta diariamente: números de telefones, células (dinheiro), etc.
A criança começa a apropriar-se dos números desde seu primeiro ano de
vida, quando lhe é ensinado a demonstrar sua idade com os dedos e ainda outras
brincadeiras que lhe possibilitam esse contato com o mundo dos números.
Podemos dizer então, que as primeiras relações com números ocorrem na
família e é neste momento que a criança começa a ter uma relação subjetiva com o
numero, sendo fundamental para toda sua vida.
O número, de acordo com Piaget, é uma síntese de dois tipos de relações
que a criança elabora entre os objetos por meio das abstrações reflexivas
(construtivas), os quais envolvem as noções de ordem (número ordinal) e
quantidade (número cardinal). (ESCOTT, 2001, p. 156)
Segundo Wadsworth (1989), a concepção de Piaget sobre a inteligência
remete a uma abordagem onde o desenvolvimento do pensamento é um processo
de autêntica construção. Quatro são os estágios: sensório-motor (mais ou menos de
0 a 2 anos), onde a atividade intelectual da criança é de natureza sensorial e motora:
“estágio pré-operacional (mais ou menos de dois a seis anos), a criança desenvolve
a capacidade simbólica, distingue um significador (imagem, palavra ou símbolo)
daquele que ele significa; operatório concreto (mais ou menos dos sete aos onze
anos), a criança já possui uma organização mental integrada, os sistemas de ação
reúnem-se em todos integrados. Conclui e consolida a conservação do número, da
34
substância e do peso; e operatório formal (mais ou menos doze anos em diante),
ocorre o desenvolvimento das operações de raciocínio abstrato. A criança se liberta
inteiramente do objeto, inclusive o representado, operando agora com a forma,
situando o real em um conjunto de transformações. A grande novidade do nível das
operações formais é que o sujeito torna-se capaz de raciocinar corretamente sobre
proposições em que não acredita ou que ainda não acredita, que ainda considera
puras hipóteses. Tem início os processos de pensamento hipotético-dedutivos”.
No processo do diagnóstico psicopedagógico o conhecimento matemático
é analisado através do jogo e das situações lúdicas em que a criança se sinta à
vontade.
Verifica-se o raciocínio matemático, colocando-se desafios mais lúdicos e
problemas mais formalizados, retirados de diferentes livros didáticos ou de situações
reais, e construídos a partir de propagandas, recortes de jornais e revistas.
Com estes jogos, podemos verificar as noções de classificação, seriação,
inclusão hierárquica e conservação, que são construídas durante o
desenvolvimento operatório do pensamento. (WEISS, 1999, p. 99)
A intervenção psicopedagógica deverá levar em conta os processos internos
do sujeito, para definir a sua atuação quanto à reconstrução das estruturas que
sejam necessárias para que ele dê um novo significado a sua forma de
compreensão dos objetos estudados. Favorecendo assim, a construção do
conhecimento lógico-matemático num sentido amplo e eficaz.
3.7.2 Relato da avaliação do pensamento lógico-matemático
Durante as sessões nos foi possível constatar que R apresenta um
conhecimento lógico-matemático em desenvolvimento, pois reconhece números,
sabe ver horas no relógio digital e analógico.
Quando fez-se o jogo das quatro operações, resolveu facilmente as
operações de somar e subtrair, porém certa apresentou dificuldades nas outras duas
operações: multiplicar e dividir. Disse que não sabe a tabuada por completa,
somente partes.
No jogo de xadrez, sugerido por ele mesmo, ensinou ao psicopedagogo as
regras do jogo, e jogava com usando o raciocínio lógico. Pensava os movimentos
35
futuros com as peças. E diante das duvidas do profissional, R indicava as respostas
e lembrava das regras. Notou-se que tem noção de reversabilidade, pois planejava
as ações seguintes e repetia em voz alta aquilo que pensava, como por exemplo: “
[...] se eu botar aqui ele me mata... não vou me arriscar.” No término deste jogo, R
pegou a caixa, e encaixou as peças em seus lugares, fechou a caixa e deixou-a no
lugar.
Em outra sessão, R olhou para um jogo que tinha na sala, e pediu para
jogar. Pedi para ele pegar e perguntei se aquele jogo tinha regras. Disse-me que
sim. E começou a enunciar as regras: não colocar a peça maior em cima da menor,
usar uma peça de cada vez, e que era necessário mudar todas as peças de lugar.
As noções operatórias utilizadas neste jogo foram: seriação, classificação.
Começou o jogo, e sem paciência mexia em várias peças, sem refletir
sobre o que estava fazendo. Deixei-o. Após alguns minutos disse-me: “Eu não
consigo”. Sorri para ele e disse: “Será que você não consegue?”, e começou
novamente, olhou para mim, e pediu para ajudá-lo. Então comecei a fazer
observações relacionadas ao jogo, sem mexer nas peças ou interferir nas iniciativas
dele. Apenas levava R a pensar no jogo, e nas possibilidades. Com meu auxilio,
conseguiu o objetivo.
Ao terminar, por duas vezes, com minha ajuda, o desafiei: “Eu penso que
você consegue sozinho[...]”, ele sorriu e disse: “Acho que sim”, e logo começou. Ao
terminar e conseguir o objetivo sem minha interferência, exclamou: “Consegui.
Ninguém me ajudou”. E eu perguntei como ele se sentia ao conseguir e respondeume: “ Eu to feliz. Eu pensava que não conseguiria nunca”. Completei dizendo que
tudo o que quisermos e desejarmos, conseguimos. E o incentivei a refletir sobre
suas ações e como chegar a bons resultados utilizando-se de seus conhecimentos,
seja na sala de aula, seja em casa com família, com amigos.
Com base no jogo anterior, sugeria a R que brincássemos com um
quebra-cabeça. Ele respondeu afirmativamente. Pegou a caixa, abriu-a. Tinham 60
peças. E aos poucos foi montando. E ao terminar, sorriu com satisfação.
Numa próxima sessão foram levados duas opções de quebra-cabeças, e
ele escolheu. Questionei a sua escolhe e respondeu-me: “Porque eu gosto mais do
hot wells”. E começou a montar. Este tinha mais peças. Eram 100 peças e R
encontrou mais dificuldade em montá-lo, levando duas sessões para concluí-lo.
36
Numa das sessões R perguntou ao psicopedagogo a hora, este apontou
para a parede onde tinha um relógio analógico, com números grandes. Ele olhou,
sorriu e disse: “eu não sei ver hora neste relógio”. Questionado se queria aprender,
respondeu que sim. Então, na próxima sessão, trouxe-lhe impresso um relógio
(anexo 8) e propus a ele para vermos a hora naquele relógio. De imediato disse que
não sabia. Mas, pedi que primeiramente reconhecesse os números. Então foi
contando de 1 a 12. Daí, esclareceu-se a ele que o dia tem 12 horas. Prosseguiu-se
dizendo a R que o ponteiro menor indicava a hora, e que o menor indicava os
minutos. E que cada hora tinha 60 minutos. E aos poucos, R foi aprendendo a ver a
hora no relógio analógico. E todo inicio de cada sessão, ele faz questão de ver a
hora e mostrar que sabe ver. Podemos notar em R a satisfação que tem em
aprender coisas novas, e que aprender a ver horas foi uma grande conquista para
ele.
3.7.3 Hipótese parcial
R apresenta um conhecimento lógico-matemático, pois reconhece os
números, tem noção de quantidade, pois sabe nomear os números, resolve e
identifica as quatro operações, e conhece regras e as entende no jogo.
Embora tenha algumas dificuldades, podemos dizer que R está na fase
intermediária entre a lógica operatória concreta e lógica operatória formal.
Na lógica operatória formal o sujeito consegue de pensar logicamente,
formulando hipóteses e buscar soluções, sem depender totalmente da observação
da realidade.
O conhecimento lógico-matemático que R tem, revela que sua
aprendizagem acontece no contato com o meio social, mais no ambiente escolar do
que no ambiente familiar. Pois sua família não o incentiva e nem o instiga a buscar
respostas e resolver problemas.
Com base nos jogos acima relatados, observa-se que R não apresenta
muitas dificuldades em classificar, conservar, seriar, sendo capaz de resolver as
operações e consegue acompanhar as transformações. Podemos observar esta
afirmação de forma especial no jogo de xadrez, na montagem dos quebra-cabeças,
no aprender a ver as horas no relógio analógico, entre outros. Deve-se instigá-lo a
levar estes conhecimentos para a sala de aula, na resolução de problemas.
37
Confirma-se novamente a hipótese de que a dificuldade de aprendizagem
de R. causada pelo contrato de sobrevivência, bem como a modalidade de
aprendizagem de R, fazem com que o mesmo não se autorize a utilizar os recursos
operatórios de que dispõe para a aprendizagem.. Se agir assim, superará os
conhecimentos de seus pais, especialmente da mãe com a qual possui o contrato de
sobrevivência.
3.8 AVALIAÇÃO PSICOMOTORA
3.8.1 Fundamentação Teórica
A fala não nasce com a criança, ela a desenvolve através da interação
que estabelece com as pessoas do seu convívio social. Cada um tem um ritmo
diferente de desenvolvimento da linguagem isso não influencia se a criança vai ser
ou não falante e inteligente. O pensamento da criança é especial em sua estrutura,
composição e modo de funcionamento. Ela pensa, sente e se expressa com o corpo,
com as mãos, por meio das sensações e das linguagens fisionômicas, gestuais e
postura. Essas linguagens corporais antecedem a linguagem falada, e o movimento
é o recurso disponível para expressar suas emoções, sentimentos, e para explorar o
meio, a realidade.
A comunicação do corpo é parte integrante do ser humano. De modo que
a comunicação verbal não se esgota em si mesma. E essa comunicação corporal
serve como elemento importante na avaliação diagnóstica do psicopedagogo.
A avaliação psicomotora não segue padrões únicos, e pode ser observada
desde a primeira entrevista com família e paciente, e durante todo atendimento
clínico, sejam nas brincadeiras, jogos, nas posturas durante a sessão e fora dela.
O corpo mostra sua história individual e socialmente construída porque nele
estão inscritos os costumes, os hábitos e os rituais impostos pela cultura.
Gestos, posturas e expressões refletem as atitudes existenciais de maneira
bem mais segura e explicita que o discurso verbal. Mostram, através deles, “o
nosso caráter, nossa maneira de ver, de amar, de sentir.”
(ESCOTT;ARGENTI, 2001. p. 127)
38
3.8.2 Relato da avaliação psicomotora
A observação se deu ao longo do acompanhamento psicopedagógico. Na
história vital, a mãe já oferece alguns elementos: quando diz que R demorou a andar
e que era um pouco “molengo”. E sua demora em começar a engatinhar e andar
deve-se ao fato de ser cuidado pela avó, que não favorecia e não oferecia estímulos
para R explorar o mundo físico.
Foi observado nas provas projetivas que R não tem noção de esquema
corporal, pois ao representar homem e mulher, não apresentar detalhes nas
características.
Tanto homem quanto a mulher são desenhados sem muitas
expressões faciais, as mãos e os pés na maioria das vezes escondidas.
E as
mulheres, normalmente com o “corpo de anjo”.
O desenho da figura humana, por exemplo, seja este espontâneo ou
solicitado, é um material produzido pela criança que revela suas
possibilidades grafo-motoras e sua noção figurativa do esquema corporal.
(ESCOTT;ARGENTI, 2001. p. 232).
Numa das sessões, propomos para R olhar e observar duas figuras:
homem e mulher. E logo após, pegamos alguns desenhos seus, que representavam
o homem e mulher. Pediu-se para R identificar as diferenças. Logo apontou a
estrutura corporal, e ressaltou que não consegue desenhar as mãos, nem os pés.
Foi questionado se ele já tinha tentado alguma vez, disse que não. Então, foi
proposto a R identificar e escrever ao lado do corpo humano suas partes (Anexo 9).
Ele aceitou prontamente e logo começou. Conseguiu nomear as partes do corpo, e
logo após sugerimos que R ficasse em pé, e quando solicitado uma parte do corpo,
ele indicaria onde ficava. Obteve sucesso neste processo.
Numa sessão recente, sugerimos que R desenhasse um homem e uma
mulher (anexo 10). R desenhou e representou as mãos e pés. E comentou: “eu
treinei em casa para fazer as mãos e os pés.”
No inicio do atendimento, R era pouco tímido, falava o mínimo, usava
blusa com capuz sobre a cabeça. E aos poucos foi se soltando, se comunicando
mais, e tirou o capuz e também cortou os cabelos. Questionado sobre o porque
cortou o cabelo, disse que ficava mais bonito assim.
Nos demais jogos (xadrez, dominó, cartas), articula bem as mãos, o corpo.
39
3.8.3 Hipótese parcial
R foi pouco instigado na sua infância a descobrir o mundo físico, e isso
colabora para o seu ritmo na aprendizagem. E ainda revela a pouca confiança em si,
em suas potencialidades.
Seu esquema corporal não era claro, pois não havia abertura para isso no
ambiente familiar. Embora soubesse das partes do corpo, não sabia representá-las
no desenho, principalmente as mãos e pés. Seus desenhos revelaram que não tinha
noção do seu corpo como um todo. E que após o exercício proposto pelo
psicopedagogo, começou a enxergar-se melhor.
Neste campo a evolução foi considerável, pois R já começa a representar
o ser humano, homem e mulher, de forma mais real (incluindo expressões faciais,
mãos e pés que no inicio não tinham).
Pensamos que quando R toma a atitude de cortar os cabelos e tirar o
capuz, está dizendo ao mundo que ele existe, que se aceita como é, e que se
reconhece como ser humano.
R tem potencial para desenvolver-se muito mais, basta possibilitarmos
este olhar individual para ele, e estimular suas potencialidades.
40
4 HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
Segundo Paín (1985), “uma vez recolhida toda a informação e resumidos
os diferentes aspectos que interessam a cada área investigada é necessário avaliar
o peso de cada fator na ocorrência do transtorno da aprendizagem”.
Após a realização das etapas do diagnóstico psicopedagógico e com as
observações feitas ao longo do processo, podemos levantar algumas hipóteses
sobre a dificuldade de aprendizagem do paciente.
Para o psicopedagogo interessa levantar e investigar as dimensões
congnitivas, afetivas, corporais e até mesmo pedagógicas, para, a partir de
uma leitura dialética, intercruzando todos esses fatores, poder realizar a
leitura global do sujeito que apresenta dificuldades na aprendizagem,
organizando, desta forma, competentemente, a intervenção psicopedagógica.
(ESCOTT In: ESCOTT; ARGENTI, 2001. p. 234)
De acordo com o diagnóstico psicopedagógico realizado através dos
testes, atividades lúdicas e conversas entre psicopedagogo, paciente e sua família,
pudemos analisar o seguinte:
Na sessão do motivo da consulta, pudemos constatar que R é um
adolescente que possui fraturas no desenvolvimento da aprendizagem, sendo que o
significado do sintoma na família é de contrato de sobrevivência com a mãe. E o
significado do sintoma para a família é que R não tem interesse pelos estudos,
atribuindo à ele a responsabilidade pela dificuldade na aprendizagem, e ainda a mãe
ressalta que R deve ter algum problema orgânico.
O desejo de saber está diretamente ligado ao desejo do outro, é preciso
que alguém deseje o nosso desejo de saber, no caso de R, sua família não
demonstra este desejo, fazendo com que ele se iguale aos demais membros da
família, especialmente com a mãe, que não é alfabetizada, e também, devido ao
contrato de sobrevivência.
No enquadre com o paciente, ficou claro esta postura que a família tem
em relação a ele sobre o seu pouco interesse pelos estudos. E ao desenhar a mãe,
e falar dela como aquela que tudo permite e o protege, e posteriormente fazer um
boneco, representando a mãe, com materiais reciclados, reforça o diagnóstico de
contrato de sobrevivência.
41
Com relação a hora do jogo,
e do comportamento de R nos demais
momentos do atendimento, percebeu-se que a modalidade de aprendizagem de R é
de hipoassimilativo-hiperacomodativo.
Através das provas projetivas, pode-se observar que num primeiro
momento R não tem noção de seu esquema corporal, pois seus desenhos não
traziam as expressões faciais, o tronco, pés e mãos não definidos. Mas, com
algumas técnicas utilizadas pelo psicopedagogo, iniciou a ter uma visão melhor do
esquema corporal, chegando, num ultimo desenho, a fazer as mãos e pés, de forma
limitada, porém os fez. R é um pouco tímido, entretanto, ao ganhar confiança, se
torna mais comunicativo e mais confiante em si.
De acordo com o diagnóstico da Lecto-Escrita,
alfabética.
Consegue
ler
e
escrever.
Apresenta
R demonstra hipótese
dificuldade
em
escrever
ortograficamente algumas palavras, pois as escreve de acordo com o som de sua
pronúncia. Não tendo assim, a grafia correta.Quando provocado a ler pausadamente
e a reconhecer claramente os sons, as escreve corretamente.
No pensamento lógico-matématico de R apresenta algumas dificuldades
em reconhecer e resolver as operações de divisão e multiplicação. Nos jogos de
regras, correspondeu satisfatoriamente ao objetivo de cada jogo. E quando
instigado, correspondia e conseguia superar-se. Sua modalidade de aprendizagem
é intermediária entre a lógica operatória concreta e a lógica operatória formal.
Ensinou o psicopedagogo a jogar xadrez, explicando as regras e movimentos de
cada peça. Isso nos diz que R poderá utilizar esses conhecimentos que já tem
construídos, para resolver problemas e exercícios lógico-matemáticos em sala de
aula, chegando assim, ao estágio operatório formal.
É preciso que R sinta-se autorizado a aprender, por isso a intervenção
psicopedagógica permitirá que se construa como sujeito da aprendizagem. E para
isso o psicopedagogo se utilizarará de jogos, brincadeiras e técnicas que
favorecerão este processo.
42
5 PLANO DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
Paciente: R
Idade: 14 anos
Escolaridade: 5.º ano do Ensino Fundamental
5.1 JUSTIFICATIVA
O paciente R foi encaminhado pela escola, e quem o acompanhou até o
atendimento foi sua mãe. A queixa: não consegue se concentrar, não estuda,
raramente faz as atividades e exercícios complementares, falta autonomia em
desenvolver as atividades propostas pela professora.
A partir do diagnóstico foi possível perceber que R apresenta uma
dificuldade de aprendizagem sintoma: contrato de sobrevivência com a mãe. E sua
modalidade de aprendizagem é hipoassimilativo-hiperacomodativo. A sua escrita e
leitura estão em processo, pois na avaliação diagnóstica verificou-se que R é
alfabético, precisando aprimorar-se neste item também. Sendo assim, falta
autonomia para R conquistar o seu espaço e resgatar o desejo de aprender.
O
acompanhamento
psicopedagógico
é
indicado
para
R,
pois
proporcionará a conquista de sua autonomia no ato de aprender, e por conseguinte,
ocupar o lugar de quem aprende.
[...] a intervenção psicopedagógica é, sobretudo, a organização da ação e de
um espaço objetivo e subjetivo, que favoreça a reconstrução dos aspectos
cognitivos do sujeito e do vinculo com a aprendizagem, através do jogo, da
brincadeira, do desenho, da dramatrização e da busca prazerosa do aprender
a aprender. (ESCOTT, 2004, p. 34)
O acompanhamento psicopedagógico clínico é indicado, pois trará
benefícios tanto para R como para seu meio social, resgatando seu desejo e prazer
em aprender, da mesma forma favorecerá o enriquecimento de suas experiências
pessoais e cognitivas, bem como da relação com o aprendizado.
43
5.2 OBJETIVO GERAL
Contribuir para que R desenvolva o prazer de apropriar-se do
conhecimento, resgatando o desejo de aprender, vivenciando situações simbólicas e
cognitivas relacionadas à autonomia, e fazendo-o perceber-se como ser capaz e
com potencialidades.
5.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
•
Desenvolver em R a autonomia para a construção de sua autoria;
•
Favorecer o contato de R com diferentes objetos, a criatividade, a
superação
da
imitação
e
repetitividade
(hipoassimilação-
hiperacomodação);
•
Trabalhar com R a sua auto-estima, para que sinta-se capaz de aprender,
acreditando em si e em suas potencialidades;
•
Desenvolver
as
estruturas
operatórias
necessárias
aos
conceitos
matemáticos, através de uma lógica hipotético-dedutiva.
•
Proporcionar a R o prazer pela leitura e pela escrita, mostrando o valor na
vida de todo ser humano;
•
Trabalhar o esquema corporal para que R reconheça seu corpo e
esquema corporal humano, e consiga representá-lo e reconhecê-lo.
•
Contribuir para que o paciente se reconheça como ser aprendente,
partindo os conhecimentos já construídos por R;
•
Realizar a intervenção psicopedagógica com a família, para que possa
reconhecer R como sujeito aprendente, com possibilidades de ações
autônomas e criativas.
•
Assessorar a escola, para que continue vendo R como um adolescente
capaz, investindo na sua aprendizagem.
5.4 DINÂMICA OPERACIONAL
Para se atingir os objetivos acima relacionados, visando uma melhor
aprendizagem de R, usaremos a seguinte dinâmica no acompanhamento:
44
•
Atividades que favoreçam o resgate da autonomia, auto-confiança e autoestima (jogos pedagógicos, quebra-cabeça, trilha). Jogos de regras:
xadrez, banco imobiliário, jogo-da-velha, varetas.
•
Jogos para aprimorar e desenvolver o pensamento lógico-matemático
(dominó, bingo das quatro operações, xadrez, dama)
•
Jogos e desenhos envolvendo o esquema corporal e sexual (imitações,
mímicas, desenhos com temáticas indicadas, mas que favoreça a
criatividade, reconhecer as partes do corpo em frente ao espelho,
estimular jogos e brincadeiras que favoreçam o uso do corpo: futebol,
vôlei, corda, entre outros).
•
Atividades envolvendo a leitura e a escrita (leitura de histórias, textos, criar
histórias a partir dos desenhos elaborados por ele próprio).
•
Diálogo com a família.
•
Diálogo com a escola (coordenação e professora).
•
Todas as atividades devem despertar em R a autonomia, incentivando-o e
fazendo com que acredite em seu potencial e que pode ter os mesmos
resultados (satisfatórios) em sala de aula, em seu aprendizado.
5.5 AVALIAÇÃO DO PLANO DE INTERVENÇÃO
A avaliação do plano de intervenção se dará em todas as sessões, em cada
jogo, atividade proposta, pois acreditamos num processo contínuo, flexível e sujeito
à alterações e melhoramentos, conforme a evolução do atendimento, e dos avanços
feitos por R.
45
6 DEVOLUÇÃO (PACIENTE, PAIS, FAMÍLIA E ESCOLA)
Entende-se por devolução a comunicação verbal em que o psicopedagogo
apresenta aos pais, ao paciente e a escola os resultados obtidos ao longo da
avaliação diagnóstica.
A entrevista de devolução não é um momento isolado do diagnóstico, mas
uma parte de um processo iniciado com o primeiro contato [...] que se
prolonga no tratamento. Pelas suas características de ser a apresentação do
resultado de uma investigação, ela é também geradora de muita ansiedade
para o terapeuta, para o paciente e para os pais [...] (WEISS, 2003, p. 130)
A devolução diagnóstica é feita em primeiro lugar ao paciente, em seguida
aos pais (família) e, depois para a escola.
6.1 PACIENTE
Iniciou-se a sessão perguntando a R se ele sabia há quanto tempo
estávamos fazendo o atendimento. Pensou um pouco e disse que fazia tempo.
Pediu-se para lembrar os meses, então contou julho, agosto, setembro e outubro.
Logo após, pontuou-se seus aspectos positivos, aquilo que R não enxerga em si e
que tem capacidade de realizar e construir em termos da relação ensinoaprendizagem. E lembrando das sessões, das dinâmicas, das conversas e jogos,
ressaltamos a ele que pode permitir-se aprender. Enfatizou-se que iríamos trabalhar
sua autonomia, seu desejo em aprender. E que precisaríamos continuar o
atendimento psicopedagógico para obtermos êxito na superação nas suas
dificuldades de aprendizagem.
Ainda, perguntou-se a R se ele permitia que
chamássemos sua mãe para conversarmos, e ele concordou.
6.2 FAMÍLIA
Esta entrevista foi realizada com a mãe de R.
Iniciamos indagando a mãe se ela notou diferença em R desde o inicio do
atendimento clinico. Ela respondeu afirmativamente. E disse que até a professora
tem feito comentários positivos.
46
Pontuou-se a importância da mãe autorizar R a crescer em conhecimentos, e
também a desenvolver-se enquanto ser humano, reconhecendo-se como sujeito de
sua história, de sua vida (seja pessoal, seja escolar, familiar), da sua aprendizagem.
Finalizou-se a conversa com a mãe, pedindo a ela que incentivasse a
frequência de R nos atendimentos psicopedagógicos, pois isso favoreceria a R
constituir-se enquanto ser aprendente.
6.3 ESCOLA
A professora foi receptiva. Iniciou-se questionando se ela já tinha notado
alguma mudança em R. Respondeu que sim. Que R estava mudando sua postura
na sala de aula, e vem fazendo suas tarefas e exercícios propostos com mais
autonomia, embora, segundo sua observação, tenha que “melhorar muito”.
Evidenciou-se as potencialidades de R e da importância de ir
aperfeiçoando a sua postura na sala de aula, envolvendo R e demais alunos em
trabalhos de grupos, saindo do tradicional, e individualizando o a aprendizagem. E
que o jogo, as vivências, as problematizações farão com que R continue resgatando
seu desejo de aprender e construindo conhecimentos, e por conseguinte, sua
autonomia como ser aprendente.
47
7 EVOLUÇÃO DO CASO
O que se entende por Devolução é uma comunicação verbal feita ao final de
toda a avaliação, em que o terapeuta relata aos pais e ao paciente os
resultados obtidos ao longo do diagnóstico. É uma análise da problemática,
seguida de sínteses integradoras, que deve ser repetidas sempre que sejam
acrescentadas novas informações, e de algum modo se rearrumando a
situação no sentido de diminuição de resistências (WEISS, 2000, p. 129)
Ao analisarmos o caso de R, observamos que o mesmo apresentou uma
evolução considerável.
No inicio do diagnóstico R era um pouco tímido, usava capuz, e realizava
somente o que era proposto. Porém, com o passar do tempo, tirou o capuz, foi
criando autonomia e confiança. Podia-se notar que R sentia prazer em estar
construindo conhecimentos. E como se observa no relato e análise das sessões, e
das intervenções, R começa a autorizar-se a aprender. E a buscar novos
conhecimentos pedindo e indicando outros tipos de jogos.
A mãe de R está se conscientizando da necessidade de autorizar R a
construir conhecimentos, crescer e construir conhecimentos. Nesse período, através
das conversas com a mãe, conseguiu-se envolvê-la neste processo, dando a R
algumas responsabilidades, impondo limites, afim de que R se torna-se mais
autônomo, seja nos estudos, seja na sua vida social.
Os desenhos que faz, revelam que tem construído o esquema corporal,
definindo o corpo e suas partes, bem como a sexualidade.
Nos atendimentos, sejam nas conversas, sejam nos jogos, fomos
contribuindo para que R a possibilidade em usar seus conhecimentos construídos na
sala de aula, e na solução das problematizações propostas pela professora.
R tem progredido de forma satisfatória, mas pensamos que deva continuar
o tratamento psicopedagógico para favorecer seu desenvolvimento, e também para
que
possa
autorizar-se
conhecimentos.
como
sujeito
autor,
autônomo
e
construtor
de
48
8 CONCLUSÃO
A Psicopedagogia é uma área que se ocupa com as questões do aprendiz
e de sua aprendizagem e surge para ajudar a equipe da escola, os governantes, a
população, os pais e os alunos a compreenderem que aprender supõe dificuldades e
que elas surgem no processo de aprender.
Acreditamos que a Psicopedagogia veio como parceira para provocar
reflexão, auto-avaliação. Para ajudar a inventar uma nova escola, aquela necessária
para aquele contexto especifico na era da globalização, da informatização e da
humanização.
A
Psicopedagogia
Clínica
“envolve
o
diagnóstico,
a
intervenção
psicopedagógica sob a forma de atendimentos clínicos, contatos sistemáticos com a
família e com a escola.” (ESCOTT; ARGENTI, 2001, p.32).
O psicopedagogo clínico tem como objetivo realizar o diagnóstico para
identificar a causa do problema e intervir para devolver ao sujeito o desejo de
aprender, e assim podendo expressar seus anseios, dificuldades, dúvidas e medos.
Por meio da Psicopedagogia é possível entrar no mundo do paciente,
favorecendo que se descubra enquanto ser aprendente, e resgatando seu desejo de
aprender, colaborando assim para que se construa um sujeito desejante do saber.
Um bebê, quando nasce, já nasce em mundo de desejo e conhecimento. Na
verdade, muito mais em um mundo de desejo. Tudo o que ele é, e tudo o que
ele não é, está na ordem do desejo. Toda sua vida depende do desejo.
(PAIN, 1996, p. 59)
O estudo de caso permitiu-nos colocar em prática os conhecimentos
adquiridos ao longo do curso, e nos exercitarmos nas técnicas da construção do
diagnóstico. Mostrou-nos que cada sujeito é único em seu processo na busca do
saber e que possui um ritmo próprio de acordo com o seu desenvolvimento, seja na
família, na escola, no meio social. Levou-nos a rever, reavaliar e melhorar nossa
postura frente à Psicopedagogia e frente ao processo ensino-aprendizagem.
Para
nossa
prática
profissional,
ficou
claro
que
o
objetivo
do
psicopedagogo é reconhecer o sujeito como um ser capaz de aprender e com
potencial para construir o conhecimento.
49
REFERÊNCIAS
BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre:
Artmed Editora, 2001.
BOSSA, Nadia Aparecida; OLIVEIRA, Vera Barros de (Org.). Avalianção
psicopedagógica da criança de sete a onze anos. Petrópolis: Vozes, 2003.
DI LEO, Joseph H. A interpretação do desenho infantil. Trad. de Marlene Neves
Strey. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
ESCOTT, Clarice Monteiro; WOLFFENBUTTEL, Patrícia Argenti e Org. A formação
em psicopedagogia nas abordagens clínica e institucional: uma construção
teórica e prática. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2001.
ESCOTT, Clarice Monteiro. Interfaces entre a psicopedagogia clínica e
institucional: um olhar e uma escuta na ação preventiva das dificuldades de
aprendizagem. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2004.
FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada – abordagem psicopedagógica
clinica da criança e sua família. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. 4.ed.
Porto Alegre,RS: Artes Médicas Sul, 1992.
VISCA, Jorge. Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráficas para sua
interpretação. Trad. Jacqueline Andréa Glazer. Buenos Aires: Visca &Visca, 2008.
WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget.
Trad. de Eméria Rovai;supervisão editorial Maria Regina Maluf. São Paulo: Pioneira,
1992.
WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica do
problema de aprendizagem escolar. 5.ed. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 1999.
50
ANEXOS
51
Figura 1:Par Educativo
Figura 2:Plano da Sala de Aula
52
Figura 3: Plano da minha casa
53
Figura 4: Os quatro momentos do dia
Figura 5: Família Educativa
54
Figura 6: Um dia de Lazer
Figura 7: O dia do aniversário
55
Figura 8:
56
Figura 9:
57
Figura 10: Corpo Humano Masculino
Figura 11: Corpo Humano Feminino
58
59
60
61
62
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA
CLÍNICA E INSTITUCIONAL
MARCOS LOURENÇO CARDOSO
AUTORIZANDO-SE A SER SUJEITO DE SUA APRENDIZAGEM
CRICIÚMA, DEZEMBRO 2009
MARCOS LOURENÇO CARDOSO
AUTORIZANDO-SE A SER SUJEITO DE SUA APRENDIZAGEM
Monografia apresentada à Diretoria de Pósgraduação da Universidade do Extremo Sul
Catarinense - UNESC, para a obtenção do
título de especialista em Psicopedagogia
Clínica e Institucional.
Orientador: Profª. Drª. Clarice Monteiro Escott
CRICIÚMA, DEZEMBRO 2009
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo Dom da vida e pela Graça da vocação.
Aos meus coirmãos Rogacionistas, que souberam entender as minhas
ausências e me incentivaram nesta busca do conhecimento.
Aos meus irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas, sobrinhos-netos que
sempre me encorajam na caminhada.
À orientadora desta pesquisa Clarice Monteiro Escott, por seu
profissionalismo, pela amizade, por ser gremista (como eu) e por ter despertado em
mim o desejo de aprender sempre mais.
Ao
Bairro
da
Juventude,
que
oportunizou
o
estágio
clínico
e
acompanhamento.
Aos amigos e amigas de todas as horas, por me fazerem ainda mais
apaixonado pelo processo ensino-aprendizagem.
Aos meus amados padrinhos, que são um porto seguro para mim.
Àqueles e àquelas que são sinais de Deus e de vida em minha vida.
A R, por ter me ensinado que a felicidade é fruto das pequenas
conquistas e dos pequenos aprendizados.
“Se eu pudesse deixar algum presente à você,
deixaria aceso o sentimento de amar a vida.
A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora.
Lembraria os erros que foram cometidos para que não mais se repetissem.
A capacidade de escolher novos rumos.
Deixaria o respeito àquilo que é indispensável:
Além do pão, o trabalho.
Além do trabalho, a ação.
E quando tudo mais faltasse,
Um segredo: o de buscar no interior de si mesmo
a resposta e a força para encontrar a saída.”
Mahatma Ghandi
RESUMO
Este relatório monográfico apresenta um relato de caso, com o objetivo de
realizar um diagnóstico psicopedagógico clínico. O estágio foi realizado no
município de Criciúma-SC, com um adolescente de 14 anos de idade, que frequenta
o 5.º ano do ensino fundamental. Foi encaminhado pela escola porque não
consegue se concentrar, não estuda, raramente faz as atividades e exercícios
complementares, falta autonomia em desenvolver as atividades propostas pela
professora. O diagnóstico psicopedagógico evidenciou um contrato de sobrevivência
com a mãe, gerando nele a falta de autonomia e a dificuldade na aprendizagem,
impossibilitando a construção de conhecimentos. Sua modalidade de aprendizagem
é hipoassimilativo-hiperacomodativo. Seu pensamento lógico matemático está na
fase intermediária entre a lógica operatória concreta e lógica operatória formal. Os
avanços, agora, são notáveis. Ao longo do atendimento foi resgatando o desejo e
autorizando-se a ser um sujeito aprendente e autônomo.
.
Palavras-chave: Psicopedagogia; Diagnóstico; Intervenção;
Aprendizagem; Contrato de sobrevivência e Autonomia;
Dificuldade
de
SUMÁRIO
1 INTRODUÇAO............................................................................................................
2 BREVE HISTÓRICO DA PSICOPEDAGOGIA...........................................................
3 ESTUDO DE CASO EM PSICOPEDAGOGIA............................................................
3.1 MOTIVO DA CONSULTA........................................................................................
3.1.1 Fundamentação Teórica.....................................................................................
3.1.2 Relato do Motivo da Consulta............................................................................
3.1.3 Análise..................................................................................................................
3.2 ENQUADRE COM O PACIENTE............................................................................
3.2.1 Relato do Enquadre com Paciente....................................................................
3.2.2 Análise..................................................................................................................
3.3 Hora do Jogo..........................................................................................................
3.3.1 Fundamentação Teórica.....................................................................................
3.3.2 Relato da Hora do Jogo......................................................................................
3.3.3 Análise..................................................................................................................
3.4 HISTÓRIA VITAL.....................................................................................................
3.4.1 Fundamentação Teórica.....................................................................................
3.4.2 Relato da História Vital.......................................................................................
3.4.3 Análise..................................................................................................................
3.5 PROVAS PROJETIVAS...........................................................................................
3.5.1 Fundamentação Teórica.....................................................................................
3.5.2 Relato das Provas Projetivas.............................................................................
3.5.3 Hipótese parcial...................................................................................................
3.6 LECTO-ESCRITA....................................................................................................
3.6.1 Fundamentação Teórica.....................................................................................
3.6.2 Relato da avaliação Lecto-Escrita.....................................................................
3.6.3 Hipótese parcial...................................................................................................
3.7 AVALIAÇÃO DO PENSAMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO...................................
3.7.1 Fundamentação Teórica.....................................................................................
3.7.2 Relato da avaliação do pensamento lógico-matemático.................................
3.7.3 Hipótese parcial...................................................................................................
3.8 AVALIAÇÃO PSICOMOTORA................................................................................
3.8.1 Fundamentação Teórica.....................................................................................
3.8.2 Relato da avaliação psicomotora.......................................................................
3.8.3 Hipótese parcial...................................................................................................
4 HIPÓTESE DIAGNÓSTICA........................................................................................
5 PLANO DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA..................................................
5.1 Justificativa.............................................................................................................
5.2 Objetivo Geral.........................................................................................................
5.3 Objetivos Específicos............................................................................................
5.4 Dinâmica Operacional............................................................................................
5.5 Avaliação do Plano de Intervenção......................................................................
6 DEVOLUÇÃO..............................................................................................................
6.1 Para o Paciente.......................................................................................................
6.2 Para a Família.........................................................................................................
6.3 Para a Escola..........................................................................................................
7 EVOLUÇÃO DO CASO..............................................................................................
8 CONCLUSÃO.............................................................................................................
9 REFERÊNCIAS...........................................................................................................
10 APÊNDICE................................................................................................................
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado por meio de pesquisa e atendimento clínico
realizado
no
Estágio
do
Curso
de
Pós-Graduação,
Especialização
em
Psicopedagogia Clínica e Institucional da Unesc.
Os capítulos estão interligados.
E cada capítulo apresenta uma
fundamentação teórica, o relato do atendimento e a análise indicando uma hipótese
parcial do caso.
Primeiramente, apresenta-se um breve histórico da Psicopedagogia
Clínica e Institucional.
O capítulo três registra as etapas de um diagnóstico psicopedagógico,
relatando e analisando teoricamente os dados coletados.
O capítulo quatro traz a hipótese diagnóstica do estudo de caso.
O capítulo cinco apresenta o plano de intervenção psicopedagógica, com
sua justificativa, objetivos, dinâmica operacional e avaliação.
O capítulo seis apresenta a evolução do paciente, considerando o
processo diagnóstico e a intervenção psicopedagógica realizada.
O capítulo sete apresenta a devolução do diagnóstico ao paciente, família
e escola.
Apresenta-se, por fim, as considerações finais do trabalho realizado e as
referências utilizadas.
Para a fundamentação teórica do trabalho foram utilizados os seguintes
autores: Paín, Visca, Fernandéz, Weiss, Bossa, Escott, Di Leo, entre outros.
2 BREVE HISTÓRICO DA PSICOPEDAGOGIA
A escola é um espaço coletivo, no qual a aprendizagem precisa circular e
acontecer. Em cada momento histórico, em cada cultura, ela necessita de uma
configuração para atender à necessidade das pessoas, de seu tempo e espaço. A
escola já existiu em casa de professores, já aconteceu sem a existência de um
espaço físico especifico, com aulas dentro e fora de diversas paredes; já foi
autoritária e preocupada com a repetição do conteúdo a ser aprendido; já foi
extremamente liberal, permissiva, focada apenas no sujeito, sem a preocupação
com o seu entorno, já buscou a conscientização do aprendiz não somente em
relação ao seu papel na sociedade; já se preocupou com a compreensão do
conteúdo trabalhado; já enfatizou as relações a fim de que a interação para a
aprendizagem aconteça; já se preocupou com os valores humanos; já teve tantas
outras formas de trazer o conhecimento formalizado para seus aprendizes, pois
“várias teorias acerca do funcionamento psíquico, afirmam que nós nascemos com
um tendência nata para a aprendizagem” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 11)
O
processo ensino-aprendizagem
precisa
ser um
processo
natural,
espontâneo e prazeroso. Se o descobrir e o aprender não for algo prazeroso,
podemos dizer que algo está errado.
Três concepções de escola marcaram e marcam nossa história, nossas vidas:
a) Empirismo - Diretiva: nesta concepção o professor é um transmissor, um
expositor do conhecimento, e o aluno um receptor de informação, considerado uma
“tábula rasa”: O empirismo é uma hipótese sobre a qual a gênese e o
desenvolvimento do conhecimento acontecem através da experiência adquirida. “O
aluno é visto como uma tábula rasa, folha de papel em branco...” (ESCOTT;
ARGENTI, 2001, p. 27). E a aprendizagem consiste em adquirir conhecimento,
absorver o que é transmitido: “O professor fala, e o aluno escuta. O professor dita, e
o aluno copia. O professor decide o que fazer, e o aluno executa. O professor
ensina, e o aluno aprende”. (BECKER, 2001, p. 16)
Essa pedagogia terá uma sala de aula onde nada de novo acontece. O futuro
será simplesmente reproduzir o passado, e o produto desta escola é alguém que foi
levado a renunciar o direito de pensar, desistindo assim de sua cidadania e do seu
direito ao exercício da política. Sua formação o leva a acreditar que sua ação não
seja capaz de qualquer mudança.
b) Apriorismo – Não diretiva: esta concepção tem a inteligência como
capacidade inata, ou seja, a estrutura da inteligência já esta formada. O professor é
um facilitador, organizador de condições favoráveis ao “insight’ e o aluno deve
desenvolver o conhecimento, deixar que o conhecimento venha à tona: “ o aluno já
traz um saber que ele precisa apenas trazer à consciência, organizar, ou, ainda,
rechear de conteúdo. O professor deve interferir o mínimo possível. Qualquer ação
que o aluno decida fazer é, a priori, boa, instrutiva”. (BECKER, 2001, p. 19).
Esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já
programado na sua herança genética. O professor acaba renunciando àquilo que
seria a característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de
aprendizagem do aluno.
c) Interacionismo – Relacional: nesta concepção o professor é um
problematizador, investigador: “ o aluno só construirá algum conhecimento novo, se
ele agir e problematizar a sua ação”(BECKER, 2001, p. 23). O aluno é o construtor
do conhecimento que se dá na relação com o meio. O erro é um saber relativo e
funciona como sinalizador, representa uma hipótese em relação ao conhecimento e
é o balizador de novas invenções pedagógicas. E a aprendizagem se dá na
assimilação de um novo conhecimento às estruturas mentais, acomodando-o, por
meio da ação – equilibração. O ensino é a provocação de sentidos, exploração das
hipóteses do aluno.
Acreditamos que estas concepções deram sua contribuição para o processo
ensino-aprendizagem, mas cremos que as duas primeiras (empirismo e apriorismo)
não correspondem às necessidades de uma educação coerente, comprometida,
efetiva. O empirismo limita-se em não valorizar o aluno, e favorecer o monopólio do
professor, resultando numa falta de autonomia do educando e encontrando ai seu
fracasso escolar. O apriorismo encara o professor como facilitador e o aluno
aprende sozinho, pois tem a inteligência como capacidade inata, e seu fracasso se
dá pela falta de intervenção do professor e por ele deixar as coisas acontecerem
naturalmente.
Pensamos ser o interacionismo a pedagogia relacional que mais atende as
necessidades atuais do processo ensino-aprendizagem, pois enxerga o professor
como uma problematizador, investigador, explorador das hipóteses dos alunos e o
aluno como um construtor do conhecimento que se dá na relação como o meio.
Neste processo acontecem as trocas de experiências e conhecimentos entre
professor e aluno, entre aluno e professor e ainda entre aluno e aluno.
E neste contexto refletimos a Psicopedagogia, como área ocupada com as
questões do aprendiz e de sua aprendizagem, precisa ajudar a equipe da escola, os
governantes, a população, os pais e os alunos a compreenderem que aprender
supõe dificuldades e que elas não estão descoladas do processo de aprender. A
Psicopedagogia veio como parceira para provocar reflexão, autoavaliação. Para
ajudar a inventar uma nova escola, aquela necessária para aquele contexto
específico na era da globalização, da informatização e da humanização.
A prática psicopedagógica pode apresentar-se sob as formas clínica e
institucional.
A
Psicopedagogia
Clínica
“envolve
o
diagnóstico,
a
intervenção
psicopedagógica sob a forma de atendimentos clínicos, contatos sistemáticos com a
família e com a escola.”
(ESCOTT; ARGENTI, 2001, p.32).
O psicopedagogo
clínico tem como objetivo realizar o diagnóstico para identificar a causa do problema
e intervir para devolver ao sujeito o desejo de aprender, e assim poder expressar
seus anseios, dificuldades, dúvidas e medos.
A Psicopedagogia Institucional é preventiva, e objetiva trabalhar com as
questões ligadas à aprendizagem. Seu caráter principal é a prevenção das
dificuldades de aprendizagem. “O trabalho psicopedagógico na escola se caracteriza
por possibilitar reflexões, observações e transformações em relação ao processo de
construção e produção de conhecimento” (ESCOTT; ARGENTI, 2001, p. 33). A
intervenção do psicopedagogo institucional tem um caráter preventivo e abrangente,
contemplando todos os envolvidos no processo.
3 ESTUDO DE CASO EM PSICOPEDAGOGIA
Para dar início ao diagnóstico psicopedagógico são utilizados os
seguintes processos e instrumentos:
•
Motivo da consulta;
•
História vital;
•
Hora do jogo;
•
Entrevistas complementares;
•
Provas projetivas psicopedagógicas;
•
Avaliação corporal;
•
Construção do pensamento e linguagem (Lecto-Escrita);
•
Conhecimento lógico-matemático;
3.1 MOTIVO DA CONSULTA
3.1.1 Fundamentação teórica
O primeiro momento do diagnóstico psicopedagógico denomina-se motivo da
consulta. É o primeiro contato do profissional em psicopedagogia com a família do
paciente, quando este for criança/adolescente.
“[...] consiste num espaço valioso de escuta no diagnóstico psicopedagógico.
O psicopedagogo necessita estar atento à fala dos pais, buscando nas
entrelinhas do seu discurso, nos atos falhos e nos lapsos, dados significativos
que o inconsciente deixa escapar. (ESCOTT, 2001, p. 218)
Procura-se levantar junto à família como esta entende o processo ensinoaprendizagem e onde se encontra o nível do desejo, buscando o significado do não
aprender e do ensinar na família e para a família.
3.1.2 Relato do Motivo da Consulta
R. tem 14 anos e está na 4.ª série. No primeiro contato com a mãe, durante a
entrevista de motivo da consulta, ao ser indagada sobre o porquê da consulta e da
procura pelo atendimento, informou que foi solicitação da escola.
A mãe comenta que R não gosta de estudar, que prefere brincar com colegas
na rua. Continua dizendo que R é o filho mais novo de quatro irmãos. E ainda: “Eu
brigo para ele estudar, mas ele só me escuta calado”.
Diz que não teve
oportunidade de estudar e que deseja que os filhos estudem para serem alguém na
vida. E novamente afirmou: “Ele só gosta de brincar, é teimoso e não ajuda em
nada na casa”, e ressaltou: “Ninguém me ensinou a trabalhar, eu aprendi sozinha” e
completou que o marido briga com R por não estudar e nem ajudar nas tarefas da
casa.
Relatou que R é agitado e preguiçoso.
Gosta de brincar com meninas
somente. Não entende porque R não gosta de estudar, pois ela sempre chama a
atenção dele para isso.
Ao ser questionada sobre os horários durante o dia, comentou que R
permanece na escola o dia todo: pela manhã tem aula regular e pela tarde,
atividades complementares com oficinas, na mesma instituição, chegando em casa
no final da tarde. E ao chegar deixa seu material, tira a roupa da escola e vai para a
rua brincar. E reiterou: “Para os estudos ele é fraco da cabeça”.
R tem três irmãos, todos com idade superior a dele. Destes, todos sabem ler
e assinar o nome. A mãe enfatizou que não sabe assinar o seu nome: “Eu, só com
o dedo!”. O marido sabe ler, mesmo nunca tendo estudado em escola regular.
Segundo ela, seu marido estudava em casa.
Após o relato da mãe, foi explicado sobre o trabalho a ser desenvolvido
durante o atendimento psicopedagógico, importância da família estar em sintonia
com a escola, com o profissional e com o paciente para um sucesso no
acompanhamento. Ressaltei Foi ressaltado que seriam usadas entrevistas,
conversas, jogos, brincadeiras e diversas atividades, explicando que isso ajudaria a
identificar e compreender as causas das dificuldades encontradas por R no que se
refere a aprendizagem.
Foi comentado que o trabalho conjunto entre psicopedagogo, família e escola
é fundamental neste processo, e ainda que a mãe seria chamada outras vezes para
entrevistas e acompanhamentos.
E também sobre o importância da freqüência de R nos atendimentos, e ainda
que o processo será longo e contínuo para uma maior eficácia no resultado do
nosso trabalho.
Informamos à mãe sobre a proposta de estágio do Curso de Pós-Graduação
em Psicopedagogia, bem como sobre as supervisões com profissionais experientes
na área (professores da Unesc e também profissionais da instituição que o indicou
para o atendimento).
Combinamos os dias e horários de atendimentos. E buscamos comprometer a
mãe com este processo. Ela se colocou à disposição para futuras entrevistas, e
ainda comentou que quer uma vida melhor para o filho.
3.1.3 Análise do Motivo da Consulta
Durante a realização do motivo da consulta podemos observar que R tem
apresentado dificuldades em seu processo de aprendizagem. Segundo a mãe, R
está freqüentando a quarta série no momento, e que repetiu alguns anos na escola
porque tem pouca disposição para os estudos.
Ao refletirmos sobre o significado do sintoma para a família, podemos
observar, durante a apresentação do motivo da consulta, através da fala mãe, que R
não tem muito interesse pelos estudos. Concentra-se pouco e que prefere brincar a
estudar. Atribuindo a R a responsabilidade da não-aprendizagem.
[...] os pais podem atribuir à criança propriamente dita o maior peso
nas dificuldades. Este entendimento leva a pensar que o argumento
da família vem para preencher o temor e a culpa dos pais frente à
dificuldade apresentada por seu filho, e apontar que a causa da
dificuldade está na criança, quando a mãe diz: “ele não gosta de
estudar, de ir para a escola, de fazer tarefas”. (PAÍN, 1992, p. 39)
O significado na família não ficou claro num primeiro momento. Uma hipótese
é que seja identificação com a mãe, ou contrato de sobrevivência.
Para Sara Pain (1992, p. 37), aprendizagem pode ser considerada "uma
função que, especialmente na infância e na adolescência, garante a conservação e
a expansão das estruturas do sujeito bem como sua adaptação à transformação
contínua que lhe impõe o crescimento". Deste ponto de vista, o não aprender pode
ser visto como uma disfunção ou inibição do sujeito.
Entretanto, o crescimento da criança, sua passagem à adultez,
transforma continuamente sua posição com relação ao pai e à mãe,
produzindo desequilíbrios que algumas vezes são compensados
adequadamente e outras vezes não o são. As perturbações na
aprendizagem, normais ou patológicas, tendem a evitar aquelas
mobilizações que o grupo não pode suportar, em função do seu
particular contrato de sobrevivência. (PAIN, 1985, p. 37).
Segundo Weiss (2000), o sintoma vem com o intuito de mostrar algo, de
denunciar, falar e comunicar. Dentro desta análise o sintoma seria a expressão de
um conflito inconsciente.
Com a fala: “Com os estudos ele é fraco da cabeça”, atribui a dificuldade de
aprendizagem como sendo orgânica, pois reporta-se ao pouco interesse, e ritmo de
aprendizagem de R.
Mesmo que de forma inconsciente, a mãe de R revela que quer uma vida
melhor para o filho, e que o estudo e aprendizagem são necessários para que este
objetivo seja conquistado.
3.2 ENQUADRE COM O PACIENTE
3.2.1 Relato do Enquadre com o paciente
R chegou na sala de atendimento, um tanto apreensivo, olhando para a sala e
o que possuía no ambiente. Fiz a acolhida, me apresentei a ele e a seguir perguntei
à ele se sabia o que estava fazendo ali. Respondeu que não sabia. E indaguei,
então: “E o que você pensa que veio fazer aqui?” Pensou um pouco e respondeu:
“Não sei”, e continuou, dizendo que foram a professora e a coordenadora
pedagógica que tinham indicado para vir conversar comigo.
Aproveitei para saber sobre seu gosto pelos estudos. Ele disse que gostava
de estudar, que as matérias preferidad eram português e história e a que menos
gostava era matemática. Falou que permanece o dia todo na escola. De manhã
aula normal e pela tarde laboratórios (lembrou os seguintes: artes, ciências,
informática, sala de brinquedos, matemática).
Falou de sua família, que mora com pai, mãe e uma sobrinha. Relatou que
recentemente o pai tinha sofrido um acidente, que foi atropelado por um carro
quando estava andando de bicicleta e se machucou um pouco e que estava sob
cuidados médicos. Ressaltou que quando isso aconteceu o pai estava bêbado.
Motivei R a continuar, e então falou dos seus gostos: gosta de cantar, brincar
de escolinha e pular amarelinha com amigas. Na sala de aula, disse que conversa
bastante, e não tem facilidade em concentrar-se.
Ao chegar em casa ajuda sua mãe na limpeza. Lembrou que em casa,
quando o pai bebe, bate na mãe. Perguntei a ele o que sentia quando isso
acontecia. Respondeu que fica quieto e sente raiva do pai. O pai não tem trabalho
fixo, “faz bicos”, segundo ele.
Perguntei para R sobre suas brincadeiras preferidas, citou: jogar xadrez (na
sala que faço atendimento tem na parede escrito a palavra “xadrez”), dominó, jogo
da memória, baralho, palitinhos, quebra-cabeça, entre outros. E ainda que gosta de
desenhar anjos e a mãe. E que seu sonho é ter um carrinho com controle-remoto.
Sobre o final de semana, disse que às vezes ajuda a mãe, brinca com a sobrinha, e
que gosta de ir comer “Xis salada”. Falei para R de nossos encontros duas vezes
por semana e da importância de sua presença no acompanhamento. Ainda restando
um tempo para o final do atendimento, convidei a R para desenhar. Ele desenhou
num lado da folha um anjo e no outro sua mãe.
3.2.2 Análise do enquadre com o paciente
Durante o enquadre com R, na chegada à sala de atendimento demonstrouse um pouco inquieto, apreensivo. Após a apresentação, começou-se um diálogo,
onde começou a falar sobre seu gosto por estudar e matérias que lhe são mais
fáceis de compreender e que a mais difícil é a matemática.
Por outro lado, diz que tem dificuldade em concentrar-se na sala de aula e
que conversa muito. E que gosta de cantar, brincar com amigas, de desenhar anjos
e a mãe.
Revela com estas falas que dentre as prioridades do dia, os estudo ficam em
segundo plano. Pois ao chegar em casa, tira a roupa da escola e vai brincar.
Quando se refere ao desenho da mãe, e ao fazer o desenho, podemos ir
construindo nosso diagnóstico como sendo um contrato de sobrevivência entre eles.
Sobre os tipos de jogos e teia de relações é pobre, pois tem contato com
poucas pessoas no dia-a-dia, a interação com o meio fica comprometida e, por
conseguinte, também o processo de aprendizagem com o outro é restrito.
3.3 HORA DO JOGO
3.3.1 Fundamentação Teórica
No atendimento clínico, o jogo é importante instrumento para ir se construindo
o diagnóstico. Para as crianças, o brincar e o jogar são modos de aprender e se
desenvolver. Não importa que não saibam disso. Ao fazer essas atividades, elas
vivem experiências fundamentais. “Brincar é, sem duvida, uma forma de aprender,
mas é muito mais que isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se,
expressar-se,
compreender-se,
confrontar-se,
negociar,
transformar-se,
ser.”
(FONTANA, 1997, 139).
O psicopedagogo tem no brincar um instrumento de investigação diagnóstica.
Ao brincar, o paciente revela alguns conteúdos inconscientes, permitindo, assim, a
identificação de possíveis causas da dificuldade de aprendizagem.
O material utilizado para a realização da técnica diagnóstica, denominada por
PAIN (1985) de Hora do Jogo, trata-se de uma caixa com materiais não figurativos,
tais como: sucatas, papéis, canetas coloridas, cola, tesoura, fita adesiva, etc, que
possam proporcionar informações a respeito das modalidades de aprendizagem, de
identificar sua construção simbólica, verificar a relação com o objeto de
conhecimento.
Para Pain (1992, p. 54), os dados mais importantes a serem extraídos da
sessão que denominamos hora do jogo respondem a quatro aspectos fundamentais
da aprendizagem:
e) distância do objeto, capacidade de inventário;
f) função simbólica, adequação significante-significado;
g) organização, construção da seqüência;
h) integração, esquema de assimilação.
3.3.2 Relato da Hora do Jogo
R chegou para o atendimento, como sempre animado.
Perguntei como
estava e me disse que estava tudo bem, e que no final de semana tinha ido visitar o
túmulo de sua avó no cemitério. Convidei R a olhar para o centro da sala e observar
o que tinha de diferente. Logo me falou que tinha uma caixa. Perguntei: “E o que
será que tem lá dentro?”, respondeu: “Não sei”. Indaguei se ele queria saber o que
tinha dentro e respondeu afirmativamente. Então pedi que fôssemos para próximo
da caixa, e que poderia descobrir o que tinha. Foi, abriu a caixa, olhou e disse: “Tem
tantas coisas”.
Olhou-me e perguntou se podia pegar uma folha para desenhar. Devolvi-lhe a
pergunta: “O que você acha?”, ele sorriu e pegou a folha e canetinhas. Perguntoume: “Tem tesoura?” Convidei-o a olhar e localizou-a apanhou-a e também um lápis.
Fez um círculo na folha usando um copo plástico. Recortou o círculo e colou no copo
(auréola). Pegou uma canetinha vermelha e desenhou no corpo do copo uma boca,
e com uma preta os olhos. Pegou uma folha amarela e com o lápis desenhou duas
asas, recortou e colou no copo.
À medida que precisava dos materiais ia até a caixa e procurava. Pegou outra
folha e desenhou um círculo e após recortar colou na parte superior do copo.
Apanhou uma folha azul, desenhou em parte dela uma nuvem, recortou e tentou
colar na parte inferior do copo, mas não conseguindo, amassou-a. E continuou
acertando o “anjo”. Logo, pegou novamente a folha azul, desenhou outra nuvem,
recortou e então colou-a com sucesso. Ao concluir o anjo, olhou para mim e disse:
“Terminei!”
Convidei-o para conversar sobre o que tinha feito e ele logo falou: “Fiz um
anjo”, e continuou dizendo que o anjo representava a sobrinha de dois aninhos.
“Que tal fazer outra coisa?”, provoquei-o. Pensou um pouco e disse: “Vou
fazer”, e logo pegou uma folha e canetinha e desenhou, e com tesoura recortou.
Pegou um rolinho de papel higiênico e mediu a folha de sulfite, e recortou do mesmo
tamanho. E colou-o. Pegando um pote, fez um círculo e recortou. Com canetinhas
delineou o rosto (boca, agora sorrindo, olhos e sardas no rosto). Pegou fitas
vermelhas e fez várias tiras fininhas com muita paciência e colou para serem os
cabelos. Fez mais tirars, e colou novamente. Pegando outra folha, desenhou um
lacinho, recortou e colou na cabeça. Olhou para mim e disse: “Terminei. É a minha
mãe!”. Respondi com um sorriso, e incentivei-o a falar sobre sua mãe. Disse-me que
gosta muito dela, que ela é boa com ele, que o deixa à vontade, e que faz tudo o
que ele quer. Ao final da sessão, convidei-o para organizarmos a sala e guardarmos
os materiais.
3.3.3 Análise da Hora do Jogo
Diante da proposta R ficou motivado e logo foi para o tapete onde estava a
caixa.
Abriu a caixa e mexeu nos objetos para reconhecê-los e disse: “Tem tantas
coisas.” Como pudemos observar, R demonstra-se inseguro e sempre pergunta se
pode ou não pegar algum objeto dentro da caixa.
Dois objetos figurativos foram elaborados: um anjo, com alguns detalhes
(asas, auréola, expressão facial, e a nuvem) , e uma mulher, que disse ser sua mãe
(de vestido, com expressões faciais, cabelos). Este processo durou 45 minutos, e
embora tenha feitos dois objetos bem representados, foi pouco criativo, pois em
outros momentos, já havia desenhado essas duas figuras.
Numa leitura
psicopedagógica, podemos dizer que a modalidade de aprendizagem de R é
hipoassimilativo-hiperacomodativo.
Segundo Pain (1992, p. 46), neste tipo de sintomatização ocorre uma
assimilação pobre, o que resulta na pobreza no contato com o objeto, de modo a
não transformá-lo, não assimilá-lo de todo, apenas acomodá-lo. A aprendizagem
normal pressupõe que os movimentos de assimilação e acomodação estão em
equilíbrio.
O que caracteriza a sintomatização no aprender é o predomínio de um
movimento sobre o outro. Quando há o predomínio da assimilação, as dificuldades
de aprendizagem são da ordem da não resignação, o que leva o sujeito a interpretar
os objetos de modo subjetivo, não internalizando as características próprias do
objeto. Quando a acomodação predomina, o sujeito não empresta sentido subjetivo
aos objetos, antes, resigna-se sem criticidade. O sistema educativo pode produzir
sujeito muito acomodativos se a reprodução dos padrões for mais valorizada que o
desenvolvimento da autonomia e da criatividade. Um sujeito que apresente uma
sintomatização na modalidade hiperacomodativa-hipoassimilativa pode não ser visto
como tendo “problemas de aprendizagem”, pois consegue reproduzir os modelos
com precisão.
Ao reportar-se ao segundo objeto, diz: “gosto muito dela... que faz o que ele
quer,” mais uma vez revela este laço afetivo forte com a mãe, reforçando o sintoma
de contrato de sobrevivência com a mãe.
Isto vai revelando que sua dificuldade de aprendizagem está ligado a este
processo de contrato de sobrevivência que o impede de evoluir em conhecimentos,
em aprendizados, pois isso o distanciaria da sua mãe, tanto fisicamente, quanto
intelectualmente.
3.4 HISTÓRIA VITAL
3.4.1 Fundamentação Teórica
A entrevista da história vital dedica-se a reconstruir a história da
criança/adolescente.
A história vital nos proverá de uma série de dados relativamente
objetivos vinculados às condições atuais do problema, permitindonos, simultaneamente, detectar o grau de individuação que a criança
tem com relação à mãe e a conservação de sua historia nela. (PAÍN,
1992, p. 42)
Deve-se investigar a reconstrução da história de vida do paciente, que pode
ser vista nos antecedentes natais, divididos em fases pré-natais, perinatais e
neonatais, doenças, desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem.
Deve-se ter como ponto de investigação a reconstrução da história de vida do
paciente que podem ser vistas nos antecedentes natais, divididos em pré-natais,
perinatais e neonatais, doenças o desenvolvimento (moto, linguagem) e a
aprendizagem.
É possível perceber as modalidades de aprendizagem, sejam elas
assimilativas ou acomodativas em processo de equilibração que possibilita a
aprendizagem ou a inibição e predomínio de uma das modalidades de
aprendizagem que impredem o desenvolvimento da mesma.
A história vital possibilita ao psicopedagogo uma visão abrangente do sujeito,
desde a sua gestação até o seu desenvolvimento atual, levando em consideração as
relações sociais, afetivas e familiares.
[...] enfatizamos os seguintes pontos: a) disponibilidade corporal
(antecedentes natais e mórbidos, disposição atual, psicossomática;
b) ritmo e autonomia de desenvolvimento; c) aprendizagem:
esquemas assimilativo-acomodativos; exercício lúdico e imitativo
escolar e informação; d) aprendizagem e escola na ideologia do
grupo de pertencimento. (PAIN, 1992, p. 49)
3.4.2 Relato da História Vital
A mãe de R informou que ficou grávida, por ter esquecido de tomar o
anticoncepcional. Que a gravidez foi tranqüila, e que tanto marido quanto demais
filhos ficaram felizes com a noticia.
R nasceu no hospital e os filhos anteriores
nasceram em casa. Comentou que nenhum dos filhos mamaram no peito, todos
foram criados com mamadeira. Quando R nasceu ela tentou amamentá-lo, mas ele
não aceitou o peito. Fez o seguinte comentário: “acho que ele tinha nojo do leite”
Quando era bebê quem cuidava era a avó materna, pois a mãe de R
trabalhava. Demorou a andar, pois era muito “molengo”, segundo ela. Não soube
precisar com quantos anos andou. Sobre as fraldas, diz que foi ela que as tirou de
R. Que comprou um penico e o ensinou a usá-lo. E que ele logo aprendeu. A falar,
foi na faixa de um ano e meio.
Quanto à alimentação, disse que R come que é uma beleza.
Atualmente os que moram na casa são: o pai, a mãe, R e uma sobrinha de
cinco anos, com a qual R brinca e briga constantemente. Diz a mãe que “do pai R
quase não gosta”, e reitera orgulhosa: “O R gosta mais de mim. Ele é muito
carinhoso. Eu protejo ele. Deixo ele ir brincar”. Completou dizendo que o pai pega R
pelos cabelos quando quer corrigi-lo ou impedir de ir brincar: “ele é muito ruim para
R”.
Sobre o ingresso na escola, diz que ele nunca foi a creches, que cresceu ao
seu lado. Só começou no primeiro ano, aos 7 anos de idade. Complementa que R
gostava de ir para a escola e que se arrumava sozinho. E ainda comenta: “Não
aprendia nada na escola antiga. Aqui ele aprendeu” (referindo-se à escola que
estuda atualmente).
Diz que por solicitação da escola antiga levou R ao neurologista, mas que
após os exames a médica falou que ele não tem nada. E continua: “Alguma coisa
ele tem” (não concordando com o parecer médico).
Disse que ela não sabe ler e nem escrever, e que quando tem que assinar o
nome, pede o carimbo: “Eu assino com o dedo”. E lembra de um episódio onde R
precisou assinar, e diz emocionada: “Ele assinou seu nome sozinho”. E que
parabenizou o filho por isso.
Continuou contando que uma vez foi chamada pela escola porque R não se
concentra, conversa muito e que brinca em sala de aula. E diz: “Quando eu fui
conversar com R, eu chorei”, e completa dizendo que é muito nervosa. E termina
dizendo que no momento ele está bem na escola, sem nenhuma reclamação da
professora.
Disse ainda que R não leva nada para casa, pois o material fica na escola. E
que ao chegar da aula, troca de roupa, e vai para a rua brincar: “É difícil, em casa
ele não faz nada”. E disse que quer arrumar um emprego para R. Pois quando ele
não está na rua, ele está vendo televisão, que gosta de novelas e filmes. Diz que
manda R estudar para ser alguém na vida, ele concorda, “Estuda um pouquinho e
vai brincar”.
3.4.3 Análise da História Vital
A mãe de R é muito comunicativa. Lembrou com satisfação da gravidez e
nascimento de R, afirmando que foi o único dos filhos que nasceu em hospital.
O fato de ser cuidado pela avó, e com poucos estímulos, demorou a explorar
o espaço físico, retardando assim o engatinhar, caminhar.
Quando diz que não o amamentou, podemos analisar ai uma fratura nos
primeiros vínculos com a mãe, e por conseguinte dos estímulos necessários para R
ir se desenvolvendo e crescendo de forma que pudesse explorar o mundo e notar-se
como individuo.
Aprendeu logo a usar o penico, deixando as fraldas. Também não soube
precisar a idade, apenas que ensinou e ele aprendeu. Apenas a idade que a mãe
precisou não coincide com o processo de desenvolvimento motor da criança,
possivelmente foi mais tarde, em torno dos três anos de idade.
Observando a fala da mãe: “O R gosta mais de mim. Ele é muito carinhoso.
Eu protejo ele. Deixo ele ir brincar.”, podemos afirmar que existe um contrato de
sobrevivência entre eles, pois se R se desenvolver, adquirir conhecimentos, irá
afastar-se da mãe. Esta não terá mais seu carinho, sua atenção, sua presença. E
também o não aprender de R o deixará sempre por perto para defendê-la das
violências do pai.
O relacionamento de R com o pai não é muito saudável, pois o pai quer
corrigi-lo em seus comportamentos com violência (puxando os cabelos).
Ao referir-se à ida de R ao neurologista e ao diagnóstico da médica disse não
haver nada de errado com R, a mãe deixa entender que não concorda com esta
posição na seguinte fala: “Alguma coisa ele tem”. Para a mãe, se R tem dificuldade
de aprendizagem, isso deve-se a algum problema do organismo. Reforçando o
diagnóstico de contrato de sobrevivência.
Quando afirma que ela não sabe ler nem escrever, e que R assinou seu
nome sozinho, manifesta aqui o desejo de que o filho evolua em conhecimentos e
aprendizados, embora seja mais cômodo tê-lo próximo para protegerem-se
mutuamente. E se o filho for embora, ficará desprotegida contra o marido que a
agride.
A fala da mãe: “É difícil, em casa ele não faz nada”, refere-se ao
comportamento de R quando chega em casa depois do período escolar, pois troca
de roupa e vai brincar. Às vezes a mãe pede para R estudar, ele pega o material
“estuda um pouquinho e vai brincar”.
Revela-nos a falta de imposição de limites a
R, não somente no campo educacional escolar, nas em todos os seus
relacionamentos diários. Um dos fatores da pouca cobrança da mãe em relação aos
estudos de R é a falta de argumentos da mãe em relação a isso, pois não poderá
acompanhá-lo nos estudos, nem ajudá-lo pois não é alfabetizada.
3.5 PROVAS PROJETIVAS
3.5.1 Fundamentação Teórica
Segundo Paín (1991), a aplicação das provas projetivas permite avaliar a
capacidade do pensamento para construir, no relato ou no desenho. Com as provas
projetivas psicopedagógicas, o profissional poderá compreender como a criança
sente, como se organiza frente à realidade, como interage com as situações, e
ainda verifica-se o seu nível de desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocional.
Segundo Di Leo (1985), na interpretação do desenho infantil, o conteúdo do
desenho diz algo sobre a pessoa, a sua natureza, a avaliação deve levar em conta a
idade do sujeito e o nível de desenvolvimento.
Para Visca (1995), o desenho é um meio de confirmação ou não das
hipóteses. Observando os desenhos do meio escolar, familiar e social, chega-se aos
vínculos que o sujeito estabelece com o docente, com a escola, com os
companheiros, com a família, com aqueles que lhe oferecem modelos de
aprendizagem significativos.
Durante as sessões, foram aplicadas as provas nos níveis: escolar, familiar e
consigo mesmo. Conforme relato abaixo:
3.5.2 Relato das provas projetivas
1. Escolar
a) Par Educativo (anexo 1)
Desenhou uma professora e um aluno. Ambos sentados em suas carteiras.
Pedi para ele me falar sobre o desenho. Relatou que era a professora ensinando o
aluno. E que desenhou uma professora ensinando os alunos a fazerem as
atividades, mas os alunos não prestavam atenção, e esta ficava brava e brigava com
eles. Pedi para R falar mais sobre a professora e sobre o aluno. Comentou que a
professora tinha vinte e quatro anos e que o aluno estava na quarta série e tinha
treze anos. E que a professora estava ensinando ele a escrever.
a) Plano da Sala de Aula (anexo 2)
Indiquei a R que o próximo desenho que faria era da sua sala de aula. Ele
parou um pouco para lembrar como era a sala de aula e começou a desenhar.
Desenhou a professora na frente e uma fileira de alunos. Pedi para ele comentar o
desenho. Disse que a professora estava na primeira mesa, à frente da sala, sentada,
ensinando: corrigindo as tarefas e dando notas. E que ele era o primeiro da fileira, e
logo atrás duas colegas, que são suas melhores amigas na escola. Indaguei se era
assim mesmo a sua sala de aula, e me relatou que senta na última carteira, pois é
alto demais para sentar mais à frente, mas que seu desejo era sentar no primeiro
lugar para prestar mais atenção. Perguntei se a professora ficava sempre sentada à
mesa, e ele disse que quando ela conta histórias fica em pé e anda pela sala. E
ainda, disse que a professora raramente manda tarefas para casa, mas quando
manda, ele faz. Enfatizou mais uma vez que gostaria de sentar na primeira carteira
e desta vez acrescentou que facilitaria para ele copiar do livro da professora.
Questionei sobre esta atitude, e se ele aprenderia apenas copiando os resultados.
Pensou um pouco, sorriu e admitiu que não aprenderia, mas era bem mais fácil
copiar, pois lá no livro já estava feito. Provoquei-o a pensar um pouco: “Você não
pensa que se fizer o exercício sozinho, ou com a ajuda de algum colega, pode
conseguir?” Sorriu outra vez e concordou que conseguiria sim, mas que tem
preguiça.
2. Familiar
a) Plano da minha casa (anexo 3)
Propus a R que desenhasse o plano interno de sua casa. Perguntou: “Como
assim?” Disse-lhe para desenhar a casa por dentro. Logo começou a desenhar. Às
vezes parava para lembrar como era e recomeçava. Após terminar, convidei R para
conversarmos sobre o desenho. Mostrou-me e foi indicando: “Aqui é a cozinha, aqui
é o banheiro, aqui é o meu quarto, aqui é a sala de tv”. Sorri para ele, e motivei-o a
falar mais sobre seu desenho. Disse, então disse que gostava mais da cozinha pois
lá ele ficava incomodando a mãe e também que gosta de cozinhar, que macarrão
com carne moída e cachorro-quente é o que sabe fazer melhor.
Gosta da sala de tv, pois gosta de novelas e o desenho que mais gosta é o “picapau”. Questionei porque ele gostava, e me disse que este desenho ensina a não
jogar lixo no chão.
Sobre o banheiro disse que é para tomar banho, e que gosta de estar limpinho.
E ainda, desenhou o quarto porque gosta de dormir.
b) Os quatro momentos do dia (anexo 4)
Pedi para R desenhar quatro momentos do dia, conforme lhe vinha à cabeça.
Aceitou a proposta e começou a desenhar. Ao errar uns traços, perguntou-me:
“Posso usar o outro lado da folha?”. Devolvi-lhe a pergunta: “O que você acha?”
“Acho que pode”, respondeu e virou a folha. Ao terminar convidei-o novamente para
conversarmos sobre o desenho e aceitou prontamente.
No primeiro momento desenhou a sobrinha e a si mesmo ao lado de uma árvore.
Disse que eram ele e a sobrinha pegando bergamota, no vizinho, sem pedir. “Você
acha certo fazer isso?”, perguntei. Respondeu-me que não, mas que o vizinho não
permitiria que as pegassem, se pedissem. E que se sua mãe questionasse se as
apanhou sem pedir, responderia que foi um outro menino.
No segundo momento desenhou-se saindo de ônibus. Sobre o destino dele,
disse-me que era para a “praça”: “Estou indo na igreja rezar”.
No terceiro momento desenha-se vendo televisão e que o que mais gosta são
as novelas e desenhos, especialmente o pica-pau. Reiterou que aprende a fazer
reciclagem com o desenho.
No quarto momento falou-me que tinha desenhado a si mesmo e sua
sobrinha dormindo no beliche (ele na parte de baixo e ela na de cima). Disse que
gosta muito de dormir. E que por vezes finge estar dormindo para não lavar as
louças. Que a mãe o chama, ele reclama que já estava dormindo e então ela lava. E
ainda diz: “Eu prefiro brincar a lavar louça” Que brinca de escolinha com a sobrinha,
e que é o professor, e a ensina a ler e a escrever.
c) Família Educativa (anexo 5)
Fiz a proposta à R para desenhar sua família, com cada qual fazendo o que
sabia fazer melhor e ele me disse: “Vai ser difícil. A minha família não sabe fazer
nada”. Desafiei-o: “Sério? Eles não sabem fazer nada?”. Pensou um pouco, e me
respondeu: “Sabem sim!” Então novamente propus a R que desenhasse o que cada
um sabe fazer. E começou a desenhar. Convidei-o a comentar o desenho. Disse
que tinha desenhado a mãe cozinhando, o pai consertando uma bicicleta, a sobrinha
incomodando-o, pois é o que ela sabe fazer melhor, e desenhou-se brincando de
escolinha.
3. Consigo Mesmo
a) Um dia de lazer (anexo 6)
Ao ser feita a proposta do desenho, R falou: “Não sei o que fazer...”, daí
reiterei, dizendo para ele desenhar algo que para ele foi importante e divertido.
Novamente pensou um pouco e começou. Desenhou-se brincando de escolinha com
sobrinhos. Propus que conversássemos sobre o que tinha desenhado e ele
concordou. Relatou que representava um dia que estava brincando de escolinha
com sobrinhos. Ao lembrar, escreveu o nome dos sobrinhos no desenho e suas
idades. Perguntei: “E você, quem é neste desenho?” Respondeu que ele era o
professor. Continuei: “E o que você está ensinando?” Disse-me: “Estou ensinando
matemática. Só que a Fernanda (sobrinha) está avacalhando. Ela quer sentar na
frente.”, e continuou dizendo que quem senta na frente é o sobrinho. Disse-me que
faz igual sua professora: “dou prova e nota”, e quando eles bagunçam coloca de
castigo no cantinho. E que a prima mais velha é a diretora (não está no desenho
porque ela é a diretora e não fica na sala de aula), e conversa com os alunos que
ele coloca de castigo. Que a cozinheira é a mãe e o professor de educação física é o
vizinho.
b) Meu aniversário (anexo 7)
Desenhou um ambiente de festa. Quando o convidei para falar sobre o
desenho começou rapidamente dizendo: “Desenhei um bolo e quem fez foi a minha
mãe”, tem guaraná, docinhos, pudim-de-anjo, balões e foguetes. R disse também
que os que estão sentados são ele e sua irmã. E os demais convidados estão ao
redor da mesa (mãe, amigos, e pai). Perguntei quantos anos ele estava fazendo, e
me disse: “é um desenho, não foi verdade” e também disse que não tem festas em
seus aniversários, e que a mãe às vezes faz um bolo somente.
3.5.3 Hipótese parcial das Provas projetivas
Par educativo:
Neste desenho verificou-se que não há vínculo de aprendizagem, pois
representou ele e professora, ambos sentados em suas carteiras e há uma distancia
relativa entre ambos. E não há escrita no ambiente desenhado.
Os personagens desenhados não possuem mãos, nem corpo e fisionomias
definidos, levando-nos a entender que falta para R um esquema corporal definido e
também que o conhecimento, a aprendizagem, não tem função em sua vida.
O tato é a mãe dos sentimentos. Foi através deste estimulo táctil em nosso
lábios que estabelecemos e começamos a nos relacionar com o mundo
depois do útero. Eventualmente, mãos e dedos se tornaram os principais
agentes para estabelecer contato direto e mesmo para comunicação através
de gestos e sinais. (DI LEO, 1985, p. 111)
Visca (1998) nos diz “ [...] enquanto a representação pequena seja do
ensinante ou do aprendiz implicam respectivamente uma desvalorização [...] uma
negação de suas próprias dificuldades e alterações na aprendizagem”.
Plano da sala de aula:
Mais uma vez R desenha os personagens sem definição clara dos corpos,
dando a entender que nesta sala de aula ninguém aprende, pois não há interação
entre alunos, e nem entre alunos e professora.
A mesa da professora é grande e distancia os alunos dela. E logo atrás da
professora R desenha um quadro negro, longe dos alunos, e com rabiscos que não
se pode entender. Ele não compreende o que a professora ensina.
Não há
aprendizado nesta sala de aula.
Em sua fala sobre a vontade de sentar na primeira carteira, num primeiro
momento deu a entender que tem desejo pelo aprender, mas ao falar que era para
copiar os exercícios resolvidos do livro da professora, deixa claro que quer apenas
reproduzir os conteúdos, sem buscar uma compreensão de como resolvê-los.
O plano da sala de aula desenhado por R é reduzido, por ilustrar-se, além
dele, apenas com mais duas colegas e professora, sendo que em sua sala de aula
existe número bem maior de alunos. Conforme Visca (2008), “ os elementos
incluídos assinalam os objetos com os quais estabeleceu um vínculo positivo e os
excluídos com quais não estabeleceu vínculos”.
Plano da casa
Desenhou a cozinha, pois ali encontra prazer ao alimentar-se. O quarto, lugar
dele, onde está o que é seu. No banheiro, lugar onde pode fazer coisas que os
outros não veem, pode, numa linguagem freudiana, explorar seu corpo. E na sala de
televisão, local de descontração, lazer.
Os quatro momentos do dia
Ao desenhar os momentos do dia não apresentou esquema temporal definido,
pois os desenhos correspondem a diferentes momentos do dia, mas sem uma
seqüência (manhã, tarde, noite).
Família educativa
As suas falas revelam que R não vê em sua família situações para ajudá-lo a
aprender.
Novamente as personagens desenhadas não apresentam partes do corpo
definidas (mãos escondidas, sem pés, o corpo feminino semelhante ao desenho de
anjos).
Ao desenhar-se brincando de escolinha sozinho, revela que não tem amigos,
que se sente sozinho.
Um dia de lazer
Faz um desenho semelhante ao plano da sala de aula, e apenas coloca-se
como sendo o professor e brincando com crianças com idade inferior a sua. E no
quadro, rabiscos que não dá para entender, revelando que não está claro do que
estão brincando.
Ao falar que está ensinando matemática, revela que este conteúdo não está
sendo assimilado por ele em sala de aula.
Meu aniversário
Ao desenhar a festa de seu aniversário com os personagens no mesmo
esquema anterior, sem esquema corporal definido, indica que não vê o ser humano
na sua estrutura corpo, ainda não assimilou este aprendizado.
3.6 LECTO-ESCRITA
3.6.1 Fundamentação Teórica
A aprendizagem da linguagem e da escrita pela criança deve ser
desenvolvida
com
naturalidade,
pois
são
processos
de
construções
conhecimentos através da cultura e do ambiente onde está inserido.
de
A família pode contribuir ou não para o crescimento e aprendizagem da
criança no que se refere à leitura e à escrita. É necessário verificar qual o significado
que a família dá para esta questão.
Para Weiss:
Durante a execução da leitura e da escrita, observa-se a postura corporal, o
sentar, as tensões e relaxamento, o modo de segurar o lápis e o livro, o modo
de se aproximar do material, a concentração da atenção, e o prazer de ler e
escrever. (2003, p. 99)
Emilia Ferreiro (1995) define quatro níveis na psicogênese da alfabetização:
•
Pré-silábico: é alheia a qualquer busca de correspondência entre grafias e
sons, buscando identificar o significado pelo desenho da palavra.
•
Silábico: a criança compreende que as diferenças das representações
escritas relacionam-se com as diferenças na pauta sonora das palavras,
formulando a hipótese de que para cada sílaba oral corresponde uma letra.
•
Silábico-alfabético: a crianças descobre que a sílaba não é uma unidade,
começa a se dar conta que existem outras letras para escrever a palavra.
•
Alfabético: a criança começa a fonetizar a silaba, inicia-se um processo de
correspondência entre fonemas e grafemas. É o marco altamente significativo
do ingresso no sistema da escrita.
A leitura e a escrita são um grande foco sobre o qual recai boa parte das
queixas recebidas pelos psicopedagogos.
Para avaliar a queixa, é necessário conhecer a criança. Assim será possível
averiguar se a queixa trazida tem realmente a ver com as questões referentes a sua
aprendizagem ou se ela se refere a questões pessoais e familiares.
Weiss no diz:
A alfabetização não é mais vista como a transmissão de um conhecimento
pronto que, para recebê-lo, a criança teria que ter desenvolvido habilidades,
possuir pré-requisitos, enfim, apresentar uma “prontidão”. A alfabetização é
resultante da interação entre a criança, sujeito construtor do conhecimento, e
a língua escrita, uma construção que não é linearmente cumulativa, pois se
trata de um processo, de objetivação no qual o sujeito continuamente constrói
e enfrenta contradições que o obrigam a reformular suas hipóteses. Um
processo dialético através do qual ela se apropria da escrita e de si mesma
como usuário-produtor da escrita. (WEISS, 2004, p. 95)
Desde os primeiros contatos que a criança tiver com a leitura e a escrita
espera-se que possa encontrar um significado para o ato de ler e escrever, e uma
relação com atividades prazerosas, pois a linguagem é o produto da interação
social.
3.6.2 Relato da avaliação da Lecto-Escrita
Começamos o atendimento falando de como tinha sido o feriado, o que tinha
feito, etc. Prontamente falou que tinha ido à casa de praia de um tio e também
visitou o túmulo de sua avó no cemitério. Além disso, jogou vôlei com vizinhos e
brincou de escolinha e continuou, dizendo que não viria ao atendimento hoje, mas
que sua mãe o tinha incentivado.
Sugeri a dinâmica do dia, explicando que entregaria a ele um desenho (anexo
7), e que ele poderia fazer o que quisesse com o desenho. Como era apenas em
preto e branco, R perguntou se podia colorir. Devolvi-lhe a pergunta, querendo saber
o ele pensava, e ele verificando que em cima da mesa tinham canetinhas, lápis de
cor, sorriu e começou a colorir.
Ao colorir o desenho, contornava algumas partes com canetinha antes de
usar o lápis de cor.
Ao fundo do desenho tinha uma nuvem, e ele perguntou o que era aquilo. Eu
retornei a ele perguntando o que ele achava que era. Disse-me: “eu acho que é uma
nuvem”, e pintou.
Pedi para conversarmos sobre o desenho, ele relatou que eram três crianças
brincando, e citou as brincadeiras: vôlei, balança e ursinho. Perguntei da idade dos
personagens e me falou que tinham oito, nove e dez anos.
Aproveitei para perguntar se R tinha amigos e com quem costumava jogar. Na
escola, relacionou alguns meninos e meninas, todos com nove e dez anos. E
colegas que moram próximo a sua casa citou idades variadas, entre oito e quinze
anos. Sobre os tipos de brincadeiras citou: vôlei, corda, bambolê, às vezes futebol,
mas que não gosta pois machuca muito, e à noite de esconde-esconde.
Voltando ao desenho sugeri a R que criasse uma história com o desenho.
Ele escreveu: “As crinça estão bencanto de bola de volem. E a menia não que
bencar com eles. Ela gosta de becar com o ursinho.”
Ao terminar de escrever, pedi que lesse o que tinha escrito. Ele leu de forma
correta, mas como podemos observar na escrita, a maioria da grafia tem
incorreções.
Na sessão seguinte, retornamos ao desenho e à história criada por R.
Convidei-o a observar e ler a sua história. Teve dificuldade em ler algumas
palavras que tinha escrito de forma errada.
Entreguei para R a primeira frase, digitada em fonte maior, recortada palavra
por palavra. E pedi para que R montasse a frase na mesa. Rapidamente pegou a
folha que tinha escrito, olhou, e começou a montar a frase. Logo exclamou:
“Terminei” e sorriu.
Entreguei para R a segunda frase, da mesma forma que a primeira e o
desafiei a não olhar a frase escrita por ele. Aceitou. Mexeu nas palavras, e disse: “Ai
meu Deus, não lembro.” Incentivei-o dizendo que era só pensar um pouco que
lembraria. Lembrou em seguida, e montou.
Entreguei para R a terceira frase, e indiquei que fizesse a mesma coisa que
fez com as anteriores. Esta frase, montou rapidamente.
Convidei R para que lesse as frases. Leu.
Desafiei R novamente, perguntando se eu podia misturar, agora, todas as
palavras da história para ele montá-la novamente. R sorriu, afirmou que aceitava e
logo iniciou. Ao montar, trocou umas palavras, mas a primeira frase com sentido. Já
a última, pela troca da palavra ficou sem sentido.
Perguntei à R se poderíamos fazer algo para corrigirmos as frases anteriores
para darmos sentido à última também. Ele disse que sim, e logo identificou a troca
de palavras, e corrigiu.
Pedi a R que comparássemos neste momento a história que ele tinha escrito
com a história que montou com as palavras escritas de forma correta. R identificou
alguns erros na sua escrita: crinça (criança), bencar (brincar), volem (vôlei), menia
(menina), que (quer), becar(brincar).
Perguntei a ele: “Porque você acha que errou ao escrever estas palavras?”,
ele logo respondeu: “Porque eu estava nervoso. Eu escrevi errado porque me deu
stress”.
Pedi a R para que escrevesse novamente a frase, sem olhar as palavras e
sem olhar para o que tinha escrito anteriormente. Ele aceitou. E escreveu as frases
(anexo 8). A primeira e a segunda com todas as palavras corretas e, na terceira,
escreveu uma palavra errada. Pedi para que lesse novamente em voz alta as frases,
e R identificou seu erro, pegou a borracha e apagou. Nas frases que R escreveu
certo, fez um “C” ao lado, indicando que tinha acertado. E na última escreveu um “C”
cortado, indicando meio certo.
Continuando o atendimento, perguntando a R sobre a diferença entre uma
escrita (a primeira) e outra (a atual), disse-me: “Eu tava nervoso. Errei tudo”, e
comentou que a professora estipula tempo para fazer a prova, e isso o deixa
nervoso, porque quer terminar toda a prova.
Continuei levando R a refletir sobre os dois comportamentos: calmo e
nervoso. E olhando para as duas escritas, perguntei a ele: “Qual você pensa que
ficou melhor?”, indicou-me a atual, sem erros. E completou: “quando não me
estresso, acerto tudo”. Então motivei-o a permanecer calmo quando estiver
estudando, pois os resultados serão melhores.
3.6.3 Hipótese parcial
Em relação à lecto-escrita R é alfabético. Consegue ler e escrever, mas sua
escrita e leitura ainda não apresentam pontuação correta. E ainda, em algumas
palavras escreve como se ouve o som, não as escrevendo corretamente (como
pudemos constatar no relato acima).
Demonstrou que compreende o que lê, tem boa memória. Basta concentrarse mais para realizar o que lhe é proposto.
Cumpre fielmente o que lhe é indicado, faltando em alguns momentos
autonomia para superar as dificuldades e continuar seu processo de construção de
conhecimentos, o que confirma a hipótese de modalidade de aprendizagem
hipoassimilativa e hiperacomodativa.
Tal atitude frente às tarefas que exigem autonomia de pensamento, remete à
hipótese de que a modalidade de aprendizagem de R não vem contribuindo para o
desenvolvimento da lecto-escrita, uma vez que o mesmo se sente mais confortável
quando precisa apenas copiar o modelo.
Ao usarmos a técnica acima descrita de R montar a frase com as palavras
recortadas, monstrou interesse e motivação, indicando, assim, o seu conhecimento
de lecto-escrita e não apresentou dificuldades, nem sofrimento, pelo contrário,
demonstrou animação e entusiasmo. Tal comportamento frente a esse desafio, pode
indicar que a intervenção psicopedagógica vem contribuindo para a ressignificação
da sua modalidade de aprendizagem.
O jogo sugerido por R favoreceu e complementou o exercício, pois exigiu
concentração e perseverança, além de representar uma tarefa intermediária entre a
construção de palavras de forma autônoma e a simples cópia. Também contribuiu
para o resgate de sua autoestima em superar-se, em obter resultados satisfatórios,
assumindo o lugar de quem aprende.
3.7 AVALIAÇAO DO PENSAMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO
3.7.1 Fundamentação Teórica
Os conhecimentos matemáticos surgiram historicamente a partir de uma
necessidade dos seres humanos de se organizarem. Sendo o ser humano um ser de
relação, aproveitou esses conhecimentos para aperfeiçoar sua relação consigo
mesmo, com os outros, com a sociedade.
O pensamento matemático é outro fator importante na investigação
psicopedagógica, pois nos possibilita verificar os conhecimentos da criança a partir
do que ela experimenta diariamente: números de telefones, células (dinheiro), etc.
A criança começa a apropriar-se dos números desde seu primeiro ano de
vida, quando lhe é ensinado a demonstrar sua idade com os dedos e ainda outras
brincadeiras que lhe possibilitam esse contato com o mundo dos números.
Podemos dizer então, que as primeiras relações com números ocorrem na
família e é neste momento que a criança começa a ter uma relação subjetiva com o
numero, sendo fundamental para toda sua vida.
O número, de acordo com Piaget, é uma síntese de dois tipos de relações
que a criança elabora entre os objetos por meio das abstrações reflexivas
(construtivas), os quais envolvem as noções de ordem (número ordinal) e
quantidade (número cardinal). (ESCOTT, 2001, p. 156)
Segundo WADSWORTH (1989), a concepção de Piaget sobre a inteligência
remete a uma abordagem onde o desenvolvimento do pensamento é um processo
de autêntica construção. Quatro são os estágios: sensório-motor (mais ou menos de
0 a 2 anos), onde a atividade intelectual da criança é de natureza sensorial e motora:
“estágio pré-operacional (mais ou menos de dois a seis anos), a criança desenvolve
a capacidade simbólica, distingue um significador (imagem, palavra ou símbolo)
daquele que ele significa; operatório concreto (mais ou menos dos sete aos onze
anos), a criança já possui uma organização mental integrada, os sistemas de ação
reúnem-se em todos integrados. Conclui e consolida a conservação do número, da
substância e do peso; e operatório formal (mais ou menos doze anos em diante),
ocorre o desenvolvimento das operações de raciocínio abstrato. A criança se liberta
inteiramente do objeto, inclusive o representado, operando agora com a forma,
situando o real em um conjunto de transformações. A grande novidade do nível das
operações formais é que o sujeito torna-se capaz de raciocinar corretamente sobre
proposições em que não acredita ou que ainda não acredita, que ainda considera
puras hipóteses. Tem início os processos de pensamento hipotético-dedutivos”.
No processo do diagnóstico psicopedagógico o conhecimento matemático é
analisado através do jogo e das situações lúdicas em que a criança se sinta à
vontade.
Verifica-se o raciocínio matemático, colocando-se desafios mais lúdicos e
problemas mais formalizados, retirados de diferentes livros didáticos ou de situações
reais, e construídos a partir de propagandas, recortes de jornais e revistas.
Com estes jogos, podemos verificar as noções de classificação, seriação,
inclusão hierárquica e conservação, que são construídas durante o
desenvolvimento operatório do pensamento. (WEISS, 1999, p. 99)
A intervenção psicopedagógica deverá levar em conta os processos internos
do sujeito, para definir a sua atuação quanto à reconstrução das estruturas que
sejam necessárias para que ele dê um novo significado a sua forma de
compreensão dos objetos estudados. Favorecendo assim, a construção do
conhecimento lógico-matemático num sentido amplo e eficaz.
3.7.2 Relato da avaliação do pensamento lógico-matemático
Durante as sessões nos foi possível constatar que R apresenta um
conhecimento lógico-matemático em desenvolvimento, pois reconhece números,
sabe ver horas no relógio digital e analógico.
Quando fez-se o jogo das quatro operações, resolveu facilmente as
operações de somar e subtrair, porém certa apresentou dificuldades nas outras duas
operações: multiplicar e dividir. Disse que não sabe a tabuada por completa,
somente partes.
No jogo de xadrez, sugerido por ele mesmo, ensinou ao psicopedagogo as
regras do jogo, e jogava com usando o raciocínio lógico. Pensava os movimentos
futuros com as peças. E diante das duvidas do profissional, R indicava as respostas
e lembrava das regras. Notou-se que tem noção de reversabilidade, pois planejava
as ações seguintes e repetia em voz alta aquilo que pensava, como por exemplo: “
[...] se eu botar aqui ele me mata... não vou me arriscar.” No término deste jogo, R
pegou a caixa, e encaixou as peças em seus lugares, fechou a caixa e deixou-a no
lugar.
Em outra sessão, R olhou para um jogo que tinha na sala, e pediu para jogar.
Pedi para ele pegar e perguntei se aquele jogo tinha regras. Disse-me que sim. E
começou a enunciar as regras: não colocar a peça maior em cima da menor, usar
uma peça de cada vez, e que era necessário mudar todas as peças de lugar. As
noções operatórias utilizadas neste jogo foram: seriação, classificação.
Começou o jogo, e sem paciência mexia em várias peças, sem refletir sobre o
que estava fazendo. Deixei-o. Após alguns minutos disse-me: “Eu não consigo”.
Sorri para ele e disse: “Será que você não consegue?”, e começou novamente,
olhou para mim, e pediu para ajudá-lo. Então comecei a fazer observações
relacionadas ao jogo, sem mexer nas peças ou interferir nas iniciativas dele. Apenas
levava R a pensar no jogo, e nas possibilidades. Com meu auxilio, conseguiu o
objetivo.
Ao terminar, por duas vezes, com minha ajuda, o desafiei: “Eu penso que
você consegue sozinho...”, ele sorriu e disse: “Acho que sim”, e logo começou. Ao
terminar e conseguir o objetivo sem minha interferência, exclamou: “Consegui.
Ninguém me ajudou”. E eu perguntei como ele se sentia ao conseguir e respondeume: “ Eu to feliz. Eu pensava que não conseguiria nunca”. Completei dizendo que
tudo o que quisermos e desejarmos, conseguimos. E o incentivei a refletir sobre
suas ações e como chegar a bons resultados utilizando-se de seus conhecimentos,
seja na sala de aula, seja em casa com família, com amigos.
Com base no jogo anterior, sugeria a R que brincássemos com um quebracabeça. Ele respondeu afirmativamente. Pegou a caixa, abriu-a. Tinham 60 peças. E
aos poucos foi montando. E ao terminar, sorriu com satisfação.
Numa próxima sessão foram levados duas opções de quebra-cabeças, e ele
escolheu. Questionei a sua escolhe e respondeu-me: “Porque eu gosto mais do hot
wells”. E começou a montar. Este tinha mais peças. Eram 100 peças e R encontrou
mais dificuldade em montá-lo, levando duas sessões para concluí-lo.
Numa das sessões R perguntou ao psicopedagogo a hora, este apontou para
a parede onde tinha um relógio analógico, com números grandes. Ele olhou, sorriu e
disse: “eu não sei ver hora neste relógio”. Questionado se queria aprender,
respondeu que sim. Então, na próxima sessão, trouxe-lhe impresso um relógio
(anexo 8) e propus a ele para vermos a hora naquele relógio. De imediato disse que
não sabia. Mas, pedi que primeiramente reconhecesse os números. Então foi
contando de 1 a 12. Daí, esclareceu-se a ele que o dia tem 12 horas. Prosseguiu-se
dizendo a R que o ponteiro menor indicava a hora, e que o menor indicava os
minutos. E que cada hora tinha 60 minutos. E aos poucos, R foi aprendendo a ver a
hora no relógio analógico. E todo inicio de cada sessão, ele faz questão de ver a
hora e mostrar que sabe ver. Podemos notar em R a satisfação que tem em
aprender coisas novas, e que aprender a ver horas foi uma grande conquista para
ele.
3.7.3 Hipótese parcial
R apresenta um conhecimento lógico-matemático, pois reconhece os
números, tem noção de quantidade, pois sabe nomear os números, resolve e
identifica as quatro operações, e conhece regras e as entende no jogo.
Embora tenha algumas dificuldades, podemos dizer que R está na fase
intermediária entre a lógica operatória concreta e lógica operatória formal.
Na lógica operatória formal o sujeito consegue de pensar logicamente,
formulando hipóteses e buscar soluções, sem depender totalmente da observação
da realidade.
O conhecimento lógico-matemático que R tem, revela que sua aprendizagem
acontece no contato com o meio social, mais no ambiente escolar do que no
ambiente familiar. Pois sua família não o incentiva e nem o instiga a buscar
respostas e resolver problemas.
Com base nos jogos acima relatados, observa-se que R
não apresenta
muitas dificuldades em classificar, conservar, seriar, sendo capaz de resolver as
operações e consegue acompanhar as transformações. Podemos observar esta
afirmação de forma especial no jogo de xadrez, na montagem dos quebra-cabeças,
no aprender a ver as horas no relógio analógico, entre outros. Deve-se instigá-lo a
levar estes conhecimentos para a sala de aula, na resolução de problemas.
Confirma-se novamente a hipótese de que a dificuldade de aprendizagem de
R. causada pelo contrato de sobrevivência, bem como a modalidade de
aprendizagem de R, fazem com que o mesmo não se autorize a utilizar os recursos
operatórios de que dispõe para a aprendizagem.. Se agir assim, superará os
conhecimentos de seus pais, especialmente da mãe com a qual possui o contrato de
sobrevivência.
3.8 AVALIAÇÃO PSICOMOTORA
3.8.1 Fundamentação Teórica
A fala não nasce com a criança, ela a desenvolve através da interação que
estabelece com as pessoas do seu convívio social. Cada um tem um ritmo diferente
de desenvolvimento da linguagem isso não influencia se a criança vai ser ou não
falante e inteligente. O pensamento da criança é especial em sua estrutura,
composição e modo de funcionamento. Ela pensa, sente e se expressa com o corpo,
com as mãos, por meio das sensações e das linguagens fisionômicas, gestuais e
postura. Essas linguagens corporais antecedem a linguagem falada, e o movimento
é o recurso disponível para expressar suas emoções, sentimentos, e para explorar o
meio, a realidade.
A comunicação do corpo é parte integrante do ser humano. De modo que a
comunicação verbal não se esgota em si mesma. E essa comunicação corporal
serve como elemento importante na avaliação diagnóstica do psicopedagogo.
A avaliação psicomotora não segue padrões únicos, e pode ser observada
desde a primeira entrevista com família e paciente, e durante todo atendimento
clínico, sejam nas brincadeiras, jogos, nas posturas durante a sessão e fora dela.
O corpo mostra sua história individual e socialmente construída porque nele
estão inscritos os costumes, os hábitos e os rituais impostos pela cultura.
Gestos, posturas e expressões refletem as atitudes existenciais de maneira
bem mais segura e explicita que o discurso verbal. Mostram, através deles, “o
nosso caráter, nossa maneira de ver, de amar, de sentir.”
(ESCOTT;ARGENTI, 2001. p. 127)
3.8.2 Relato da avaliação psicomotora
A observação se deu ao longo do acompanhamento psicopedagógico. Na
história vital, a mãe já oferece alguns elementos: quando diz que R demorou a andar
e que era um pouco “molengo”. E sua demora em começar a engatinhar e andar
deve-se ao fato de ser cuidado pela avó, que não favorecia e não oferecia estímulos
para R explorar o mundo físico.
Foi observado nas provas projetivas que R não tem noção de esquema
corporal, pois ao representar homem e mulher, não apresentar detalhes nas
características.
Tanto homem quanto a mulher são desenhados sem muitas
expressões faciais, as mãos e os pés na maioria das vezes escondidas.
E as
mulheres, normalmente com o “corpo de anjo”.
O desenho da figura humana, por exemplo, seja este espontâneo ou
solicitado, é um material produzido pela criança que revela suas
possibilidades grafo-motoras e sua noção figurativa do esquema corporal.
((ESCOTT;ARGENTI, 2001. p. 232)
Numa das sessões, propomos para R olhar e observar duas figuras: homem e
mulher. E logo após, pegamos alguns desenhos seus, que representavam o homem
e mulher. Pediu-se para R identificar as diferenças. Logo apontou a estrutura
corporal, e ressaltou que não consegue desenhar as mãos, nem os pés. Foi
questionado se ele já tinha tentado alguma vez, disse que não. Então, foi proposto a
R identificar e escrever ao lado do corpo humano suas partes (Anexo 9). Ele aceitou
prontamente e logo começou. Conseguiu nomear as partes do corpo, e logo após
sugerimos que R ficasse em pé, e quando solicitado uma parte do corpo, ele
indicaria onde ficava. Obteve sucesso neste processo.
Numa sessão recente, sugerimos que R desenhasse um homem e uma
mulher (anexo 10). R desenhou e representou as mãos e pés. E comentou: “eu
treinei em casa para fazer as mãos e os pés.”
No inicio do atendimento, R era pouco tímido, falava o mínimo, usava blusa
com capuz sobre a cabeça. E aos poucos foi se soltando, se comunicando mais, e
tirou o capuz e também cortou os cabelos. Questionado sobre o porque cortou o
cabelo, disse que ficava mais bonito assim.
Nos demais jogos (xadrez, dominó, cartas), articula bem as mãos, o corpo.
3.8.3 Hipótese parcial
R foi pouco instigado na sua infância a descobrir o mundo físico, e isso
colabora para o seu ritmo na aprendizagem. E ainda revela a pouca confiança em si,
em suas potencialidades.
Seu esquema corporal não era claro, pois não havia abertura para isso no
ambiente familiar. Embora soubesse das partes do corpo, não sabia representá-las
no desenho, principalmente as mãos e pés. Seus desenhos revelaram que não tinha
noção do seu corpo como um todo. E que após o exercício proposto pelo
psicopedagogo, começou a enxergar-se melhor.
Neste campo a evolução foi considerável, pois R já começa a representar o
ser humano, homem e mulher, de forma mais real (incluindo expressões faciais,
mãos e pés que no inicio não tinham).
Pensamos que quando R toma a atitude de cortar os cabelos e tirar o capuz,
está dizendo ao mundo que ele existe, que se aceita como é, e que se reconhece
como ser humano.
R tem potencial para desenvolver-se muito mais, basta possibilitarmos este
olhar individual para ele, e estimular suas potencialidades.
4 HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
Segundo Paín (1985), “uma vez recolhida toda a informação e resumidos os
diferentes aspectos que interessam a cada área investigada é necessário avaliar o
peso de cada fator na ocorrência do transtorno da aprendizagem”.
Após a realização das etapas do diagnóstico psicopedagógico e com as
observações feitas ao longo do processo, podemos levantar algumas hipóteses
sobre a dificuldade de aprendizagem do paciente.
Para o psicopedagogo interessa levantar e investigar as dimensões
congnitivas, afetivas, corporais e até mesmo pedagógicas, para, a partir de
uma leitura dialética, intercruzando todos esses fatores, poder realizar a
leitura global do sujeito que apresenta dificuldades na aprendizagem,
organizando, desta forma, competentemente, a intervenção psicopedagógica.
(ESCOTT In: ESCOTT; ARGENTI, 2001. p. 234)
De acordo com o diagnóstico psicopedagógico realizado através dos testes,
atividades lúdicas e conversas entre psicopedagogo, paciente e sua família,
pudemos analisar o seguinte:
Na sessão do motivo da consulta, pudemos constatar que R é um
adolescente que possui fraturas no desenvolvimento da aprendizagem, sendo que o
significado do sintoma na família é de contrato de sobrevivência com a mãe. E o
significado do sintoma para a família é que R não tem interesse pelos estudos,
atribuindo à ele a responsabilidade pela dificuldade na aprendizagem, e ainda a mãe
ressalta que R deve ter algum problema orgânico.
O desejo de saber está diretamente ligado ao desejo do outro, é preciso que
alguém deseje o nosso desejo de saber, no caso de R, sua família não demonstra
este desejo, fazendo com que ele se iguale aos demais membros da família,
especialmente com a mãe, que não é alfabetizada, e também, devido ao contrato de
sobrevivência.
No enquadre com o paciente, ficou claro esta postura que a família tem em
relação a ele sobre o seu pouco interesse pelos estudos. E ao desenhar a mãe, e
falar dela como aquela que tudo permite e o protege, e posteriormente fazer um
boneco, representando a mãe, com materiais reciclados, reforça o diagnóstico de
contrato de sobrevivência.
Com relação a hora do jogo,
e do comportamento de R nos demais
momentos do atendimento, percebeu-se que a modalidade de aprendizagem de R é
de hipoassimilativo-hiperacomodativo.
Através das provas projetivas, pode-se observar que num primeiro momento
R não tem noção de seu esquema corporal, pois seus desenhos não traziam as
expressões faciais, o tronco, pés e mãos não definidos. Mas, com algumas técnicas
utilizadas pelo psicopedagogo, iniciou a ter uma visão melhor do esquema corporal,
chegando, num ultimo desenho, a fazer as mãos e pés, de forma limitada, porém os
fez.
R é um pouco tímido, entretanto, ao ganhar confiança, se torna mais
comunicativo e mais confiante em si.
De acordo com o diagnóstico da Lecto-Escrita,
alfabética.
Consegue
ler
e
escrever.
Apresenta
R demonstra hipótese
dificuldade
em
escrever
ortograficamente algumas palavras, pois as escreve de acordo com o som de sua
pronúncia. Não tendo assim, a grafia correta.Quando provocado a ler pausadamente
e a reconhecer claramente os sons, as escreve corretamente.
No pensamento lógico-matématico de R apresenta algumas dificuldades em
reconhecer e resolver as operações de divisão e multiplicação. Nos jogos de regras,
correspondeu satisfatoriamente ao objetivo de cada jogo. E quando instigado,
correspondia e conseguia superar-se.
Sua modalidade de aprendizagem é
intermediária entre a lógica operatória concreta e a lógica operatória formal.
Ensinou o psicopedagogo a jogar xadrez, explicando as regras e movimentos de
cada peça. Isso nos diz que R poderá utilizar esses conhecimentos que já tem
construídos, para resolver problemas e exercícios lógico-matemáticos em sala de
aula, chegando assim, ao estágio operatório formal.
É preciso que R sinta-se autorizado a aprender, por isso a intervenção
psicopedagógica permitirá que se construa como sujeito da aprendizagem. E para
isso o psicopedagogo se utilizarará de jogos, brincadeiras e técnicas que
favorecerão este processo.
5 PLANO DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
Paciente: R
Idade: 14 anos
Escolaridade: 5.º ano do Ensino Fundamental
5.1 Justificativa
O paciente R foi encaminhado pela escola, e quem o acompanhou até o
atendimento foi sua mãe. A queixa: não consegue se concentrar, não estuda,
raramente faz as atividades e exercícios complementares, falta autonomia em
desenvolver as atividades propostas pela professora.
A partir do diagnóstico foi possível perceber que R apresenta uma dificuldade
de aprendizagem sintoma: contrato de sobrevivência com a mãe. E sua modalidade
de aprendizagem é hipoassimilativo-hiperacomodativo. A sua escrita e leitura estão
em processo, pois na avaliação diagnóstica verificou-se que R é alfabético,
precisando aprimorar-se neste item também. Sendo assim, falta autonomia para R
conquistar o seu espaço e resgatar o desejo de aprender.
O acompanhamento psicopedagógico é indicado para R, pois proporcionará a
conquista de sua autonomia no ato de aprender, e por conseguinte, ocupar o lugar
de quem aprende.
[...] a intervenção psicopedagógica é, sobretudo, a organização da ação e de
um espaço objetivo e subjetivo, que favoreça a reconstrução dos aspectos
cognitivos do sujeito e do vinculo com a aprendizagem, através do jogo, da
brincadeira, do desenho, da dramatrização e da busca prazerosa do aprender
a aprender. (ESCOTT, 2004, p. 34)
O acompanhamento psicopedagógico clínico é indicado, pois trará benefícios
tanto para R como para seu meio social, resgatando seu desejo e prazer em
aprender, da mesma forma favorecerá o enriquecimento de suas experiências
pessoais e cognitivas, bem como da relação com o aprendizado.
5.2 Objetivo Geral
Contribuir para que R desenvolva o prazer de apropriar-se do conhecimento,
resgatando o desejo de aprender, vivenciando situações simbólicas e cognitivas
relacionadas à autonomia, e fazendo-o perceber-se como ser capaz e com
potencialidades.
5.3 Objetivos específicos
•
Desenvolver em R a autonomia para a construção de sua autoria;
•
Favorecer o contato de R com diferentes objetos, a criatividade, a
superação
da
imitação
e
repetitividade
(hipoassimilação-
hiperacomodação);
•
Trabalhar com R a sua auto-estima, para que sinta-se capaz de aprender,
acreditando em si e em suas potencialidades;
•
Desenvolver
as
estruturas
operatórias
necessárias
aos
conceitos
matemáticos, através de uma lógica hipotético-dedutiva.
•
Proporcionar a R o prazer pela leitura e pela escrita, mostrando o valor na
vida de todo ser humano;
•
Trabalhar o esquema corporal para que R reconheça seu corpo e
esquema corporal humano, e consiga representá-lo e reconhecê-lo.
•
Contribuir para que o paciente se reconheça como ser aprendente,
partindo os conhecimentos já construídos por R;
•
Realizar a intervenção psicopedagógica com a família, para que possa
reconhecer R como sujeito aprendente, com possibilidades de ações
autônomas e criativas.
•
Assessorar a escola, para que continue vendo R como um adolescente
capaz, investindo na sua aprendizagem.
5.4 Dinâmica operacional
Para se atingir os objetivos acima relacionados, visando uma melhor
aprendizagem de R, usaremos a seguinte dinâmica no acompanhamento:
•
Atividades que favoreçam o resgate da autonomia, auto-confiança e autoestima (jogos pedagógicos, quebra-cabeça, trilha). Jogos de regras:
xadrez, banco imobiliário, jogo-da-velha, varetas.
•
Jogos para aprimorar e desenvolver o pensamento lógico-matemático
(dominó, bingo das quatro operações, xadrez, dama)
•
Jogos e desenhos envolvendo o esquema corporal e sexual (imitações,
mímicas, desenhos com temáticas indicadas, mas que favoreça a
criatividade, reconhecer as partes do corpo em frente ao espelho,
estimular jogos e brincadeiras que favoreçam o uso do corpo: futebol,
vôlei, corda, entre outros).
•
Atividades envolvendo a leitura e a escrita (leitura de histórias, textos, criar
histórias a partir dos desenhos elaborados por ele próprio).
•
Diálogo com a família.
•
Diálogo com a escola (coordenação e professora).
•
Todas as atividades devem despertar em R a autonomia, incentivando-o e
fazendo com que acredite em seu potencial e que pode ter os mesmos
resultados (satisfatórios) em sala de aula, em seu aprendizado.
5.5 Avaliação do plano de intervenção
A avaliação do plano de intervenção se dará em todas as sessões, em cada
jogo, atividade proposta, pois acreditamos num processo contínuo, flexível e sujeito
à alterações e melhoramentos, conforme a evolução do atendimento, e dos avanços
feitos por R.
6 DEVOLUÇÃO (PACIENTE, PAIS, FAMÍLIA E ESCOLA)
Entende-se por devolução a comunicação verbal em que o psicopedagogo
apresenta aos pais, ao paciente e a escola os resultados obtidos ao longo da
avaliação diagnóstica.
A entrevista de devolução não é um momento isolado do diagnóstico, mas
uma parte de um processo iniciado com o primeiro contato [...] que se
prolonga no tratamento. Pelas suas características de ser a apresentação do
resultado de uma investigação, ela é também geradora de muita ansiedade
para o terapeuta, para o paciente e para os pais[...] (WEISS, 2003, p. 130)
A devolução diagnóstica é feita em primeiro lugar ao paciente, em seguida
aos pais (família) e, depois para a escola.
6.1 Paciente
Iniciou-se a sessão perguntando a R se ele sabia há quanto tempo estávamos
fazendo o atendimento. Pensou um pouco e disse que fazia tempo. Pediu-se para
lembrar os meses, então contou julho, agosto, setembro e outubro. Logo após,
pontuou-se seus aspectos positivos, aquilo que R não enxerga em si e que tem
capacidade de realizar e construir em termos da relação ensino-aprendizagem. E
lembrando das sessões, das dinâmicas, das conversas e jogos, ressaltamos a ele
que pode permitir-se aprender. Enfatizou-se que iríamos trabalhar sua autonomia,
seu desejo em aprender. E que precisaríamos continuar o atendimento
psicopedagógico para obtermos êxito na superação nas suas dificuldades de
aprendizagem. Ainda, perguntou-se a R se ele permitia que chamássemos sua mãe
para conversarmos, e ele concordou.
6.2 Família
Esta entrevista foi realizada com a mãe de R.
Iniciamos indagando a mãe se ela notou diferença em R desde o inicio do
atendimento clinico. Ela respondeu afirmativamente. E disse que até a professora
tem feito comentários positivos.
Pontuou-se a importância da mãe autorizar R a crescer em conhecimentos, e
também a desenvolver-se enquanto ser humano, reconhecendo-se como sujeito de
sua história, de sua vida (seja pessoal, seja escolar, familiar), da sua aprendizagem.
Finalizou-se a conversa com a mãe, pedindo a ela que incentivasse a
frequência de R nos atendimentos psicopedagógicos, pois isso favoreceria a R
constituir-se enquanto ser aprendente.
6.3 Escola
A professora foi receptiva. Iniciou-se questionando se ela já tinha notado
alguma mudança em R. Respondeu que sim. Que R estava mudando sua postura
na sala de aula, e vem fazendo suas tarefas e exercícios propostos com mais
autonomia, embora, segundo sua observação, tenha que “melhorar muito”.
Evidenciou-se as potencialidades de R e da importância de ir aperfeiçoando a
sua postura na sala de aula, envolvendo R e demais alunos em trabalhos de grupos,
saindo do tradicional, e individualizando o a aprendizagem. E que o jogo, as
vivências, as problematizações farão com que R continue resgatando seu desejo de
aprender e construindo conhecimentos, e por conseguinte, sua autonomia como ser
aprendente.
7 EVOLUÇÃO DO CASO
O que se entende por Devolução é uma comunicação verbal feita ao final de
toda a avaliação, em que o terapeuta relata aos pais e ao paciente os
resultados obtidos ao longo do diagnóstico. É uma análise da problemática,
seguida de sínteses integradoras, que deve ser repetidas sempre que sejam
acrescentadas novas informações, e de algum modo se rearrumando a
situação no sentido de diminuição de resistências (WEISS, 2000, p. 129)
Ao analisarmos o caso de R, observamos que o mesmo apresentou uma
evolução considerável.
No inicio do diagnóstico R era um pouco tímido, usava capuz, e realizava
somente o que era proposto. Porém, com o passar do tempo, tirou o capuz, foi
criando autonomia e confiança. Podia-se notar que R sentia prazer em estar
construindo conhecimentos. E como se observa no relato e análise das sessões, e
das intervenções, R começa a autorizar-se a aprender. E a buscar novos
conhecimentos pedindo e indicando outros tipos de jogos.
A mãe de R está se conscientizando da necessidade de autorizar R a
construir conhecimentos, crescer e construir conhecimentos. Nesse período, através
das conversas com a mãe, conseguiu-se envolvê-la neste processo, dando a R
algumas responsabilidades, impondo limites, afim de que R se torna-se mais
autônomo, seja nos estudos, seja na sua vida social.
Os desenhos que faz, revelam que tem construído o esquema corporal,
definindo o corpo e suas partes, bem como a sexualidade.
Nos atendimentos, sejam nas conversas, sejam nos jogos, fomos contribuindo
para que R a possibilidade em usar seus conhecimentos construídos na sala de
aula, e na solução das problematizações propostas pela professora.
R tem progredido de forma satisfatória, mas pensamos que deva continuar o
tratamento psicopedagógico para favorecer seu desenvolvimento, e também para
que
possa
autorizar-se
conhecimentos.
como
sujeito
autor,
autônomo
e
construtor
de
8 CONCLUSÃO
A Psicopedagogia é uma área que se ocupa com as questões do aprendiz e
de sua aprendizagem e surge para ajudar a equipe da escola, os governantes, a
população, os pais e os alunos a compreenderem que aprender supõe dificuldades e
que elas surgem no processo de aprender.
Acreditamos que a Psicopedagogia veio como parceira para provocar
reflexão, auto-avaliação. Para ajudar a inventar uma nova escola, aquela necessária
para aquele contexto especifico na era da globalização, da informatização e da
humanização.
A
Psicopedagogia
Clínica
“envolve
o
diagnóstico,
a
intervenção
psicopedagógica sob a forma de atendimentos clínicos, contatos sistemáticos com a
família e com a escola.” (ESCOTT; ARGENTI, 2001, p.32).
O psicopedagogo clínico tem como objetivo realizar o diagnóstico para
identificar a causa do problema e intervir para devolver ao sujeito o desejo de
aprender, e assim podendo expressar seus anseios, dificuldades, dúvidas e medos.
Por meio da Psicopedagogia é possível entrar no mundo do paciente,
favorecendo que se descubra enquanto ser aprendente, e resgatando seu desejo de
aprender, colaborando assim para que se construa um sujeito desejante do saber.
Um bebê, quando nasce, já nasce em mundo de desejo e conhecimento. Na
verdade, muito mais em um mundo de desejo. Tudo o que ele é, e tudo o que
ele não é, está na ordem do desejo. Toda sua vida depende do desejo.
(PAIN, 1996, p. 59)
O estudo de caso permitiu-nos colocar em prática os conhecimentos
adquiridos ao longo do curso, e nos exercitarmos nas técnicas da construção do
diagnóstico. Mostrou-nos que cada sujeito é único em seu processo na busca do
saber e que possui um ritmo próprio de acordo com o seu desenvolvimento, seja na
família, na escola, no meio social. Levou-nos a rever, reavaliar e melhorar nossa
postura frente à Psicopedagogia e frente ao processo ensino-aprendizagem.
Para nossa prática profissional, ficou claro que o objetivo do psicopedagogo é
reconhecer o sujeito como um ser capaz de aprender e com potencial para construir
o conhecimento.
9 REFERÊNCIAS
BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre:
Artmed Editora, 2001.
BOSSA, Nadia Aparecida; OLIVEIRA, Vera Barros de (Org.).
Avalianção
psicopedagógica da criança de sete a onze anos. Petrópolis: Vozes, 2003.
DI LEO, Joseph H. A interpretação do desenho infantil. Trad. de Marlene Neves
Strey. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
ESCOTT, Clarice Monteiro; WOLFFENBUTTEL, Patrícia Argenti e Org. A formação
em psicopedagogia nas abordagens clínica e institucional: uma construção
teórica e prática. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2001.
ESCOTT, Clarice Monteiro. Interfaces entre a psicopedagogia clínica e
institucional: um olhar e uma escuta na ação preventiva das dificuldades de
aprendizagem. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2004.
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autorizando-se a ser sujeito de sua aprendizagem