A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA PÓS 1990: NOVAS
CONFIGURAÇÕES A PARTIR DA POLÍTICA NEOLIBERAL DE
ESTADO
MARONEZE, Luciane Francielli Zorzetti – UEM
[email protected]
LARA, Ângela Mara de Barros – UEM
[email protected]
Área Temática: Educação: Políticas Públicas e Gestão da Educação
Agência Financiadora: Não contou com financiamento.
Resumo
O presente texto tem como objetivo, analisar as configurações da política educacional
brasileira pós 1990, com vistas a evidenciar seus vínculos com as políticas nacionais e
internacionais de cunho neoliberal. A delimitação de tal objetivo nos remete a refletir sobre
duas questões fundamentais: quais os principais elementos que configuram a política em
foco? E em torno de quais pressupostos eles se justificam, considerando-se o cenário atual de
desenvolvimento do capitalismo e de profundas mudanças no papel do Estado? Para dar conta
do proposto, o texto encontra-se organizado em dois tópicos que serão analisados a partir de
pesquisa bibliográfica e documental, fundamentada na perspectiva histórica das relações
econômicas e sociais. No primeiro, há uma reflexão sobre as particularidades que o Estado
brasileiro assume frente às políticas liberalizantes implantadas no País, especialmente na
década de 1990 e suas influências na política educacional. No segundo tópico, busca-se
discutir as novas configurações atribuídas a essa política, destacando-se o papel das agências
internacionais na definição de estratégias políticas para educação. Com base nestas discussões
concluiu-se que a política educacional pós 1990, alinhada aos ajustes neoliberais,
fundamentou-se em bases totalmente contraditórias que priorizaram a educação como
estratégia para o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza, e ao mesmo tempo,
incentivaram a redução dos investimentos, e o predomínio de modelos de gestão mais
flexíveis que conferiram uma visão mercantilista a educação.
Palavras-chave: Reforma do Estado. Reforma da Educação Brasileira. Política Neoliberal.
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Introdução
Analisar as configurações da política educacional brasileira pós 1990 implica situá-la
num contexto social mais amplo, que envolve as relações sociais estabelecidas entre Estado e
sociedade, face às mudanças de ordem conjuntural, implementadas no atual estágio de reestruturação produtiva do capital.
Considera-se relevante para essa discussão apontar alguns elementos que caracterizam
a concepção de Estado, tendo em vista que a educação, como política social, assume
diferentes “feições” em diferentes sociedades e Estados (HOLFLING, 2001). Portanto,
analisar as feições que a política educacional assume nesse período implica considerar as
particularidades do momento histórico que compreende determinado projeto político de
Estado e sociedade.
No Estado capitalista, as políticas sociais cumprem a funcionalidade de manter e
controlar a força de trabalho, ela é, como salienta Netto (2001), a política social do Estado
burguês e atende as demandas da ordem monopólica. Nesse sentido, as formas de intervenção
do Estado são condicionadas pelas relações de produção, e a cada fase de desenvolvimento do
capital, há formas específicas de intervenção nas relações econômicas e sociais. Na etapa
atual, as profundas mudanças provocadas pela mundialização do capital, sobretudo no final do
século XX e início do século XXI, trouxeram novas exigências para o Estado e,
consequentemente, intensas mudanças na política educacional, reguladas sob forte influência
das agências multilaterais de financiamento, sendo aqui destacada a Comissão Econômica
para América Latina e Caribe – Cepal e Banco Mundial – BM.
Educação e o Estado Brasileiro Pós 1990
A partir da referência de Saes (1998) sobre a teoria do Estado burguês, entende-se que
o Estado, em todas as sociedades marcadas pela divisão de classes (escravista, feudal ou
capitalista), é a organização especializada em neutralizar a luta entre as classes antagônicas e
garantir a preservação das relações capitalistas.
Para cumprir tal função, o Estado cria condições ideológicas que inibe qualquer ação
que possa resultar em luta contra os proprietários dos meios de produção. Em outras palavras,
a ideologia dominante estabelece o consenso, ela permite “[...] assegurar a inserção prática
dos agentes na estrutura social, visa à manutenção – a coesão – desta estrutura, o que quer
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dizer, antes de mais nada, a exploração e a dominação de classe” (POULANTZAS, 1971,
p.33).
Atrelado às condições ideológicas, o Estado mantém sua função econômica e política,
no sentido de garantir a reprodução do capital. Netto (2001), ao discutir sobre o papel do
Estado no capitalismo de monopólios, destaca que, nessa fase do capital, a preservação e o
controle permanente da força de trabalho, tanto ocupada, quanto excedente, constituem-se em
função estatal de primeira ordem. Entretanto, para que o Estado cumpra essa função, precisa
legitimar-se politicamente, ou seja, precisa incorporar outros protagonistas sociopolíticos,
atendendo as demandas das classes subalternas por meio de políticas sociais.
A emergência de um novo padrão de acumulação capitalista, em decorrência da crise
estrutural, e a difusão do ideário neoliberal como ofensiva para superação dessa crise
impuseram a introdução de novos padrões tecnológicos e formas mais flexíveis de
organização do trabalho e da produção, pautados no paradigma da racionalidade econômica.
O delineamento desse processo conferiu, a um pequeno grupo de países, a hegemonia
do capital financeiro, deixando à margem da globalização periférica a maioria dos países
pobres. Como salienta Neves (2005), a implantação de medidas macroeconômicas e a
exploração dos países capitalistas periféricos deixaram claras as intenções dos representantes
do grande capital mundial na exploração da classe trabalhadora, estabelecendo um discurso
que incorporou suas demandas via estratégias focalizadas e restritivas.
Para legitimar essa nova ordem, fez-se necessária a reconfiguração do papel estatal, a
partir da incorporação das premissas básicas do ideário neoliberal. Lançou-se a crítica ao
Estado de bem-estar-social como ineficiente, ineficaz e pouco produtivo, para apregoar o
Estado neoliberal e as estratégias de ajustes estruturais que legitimavam o consenso em torno
dos padrões de relações sociais vigentes.
A política de ajustes estruturais foi implantada nos países periféricos, especialmente,
na década de 1980. Com a explosão da crise da dívida externa, muitos países, para reverter os
efeitos da crise, recorreram a empréstimos das agências financeiras multilaterais – Banco
Mundial - BM e Fundo Monetário Internacional – FMI e, como contrapartida, tiveram que
aderir às reformas estruturais de cunho neoliberal. Nas palavras de Toussaint (2002, p.200)
“[...] estes empréstimos de caráter político são concedidos pelas instituições com a condição
de que o governo nacional adote um programa de estabilização econômica e de reformas de
estruturas econômicas, de acordo com as exigências do emprestador”.
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A adoção dessas condicionalidades definidas pelas referidas agências reforçaram ainda
mais a subordinação dos países periféricos aos países centrais, impedindo a possibilidade de
desenvolverem uma economia nacional, visto que “[...] a internacionalização da política
econômica transforma os países em territórios economicamente abertos e as economias
nacionais em ‘reserva’ de mão-de-obra barata e de recursos naturais” (TOUSSAINT, 2002,
p.224).
A aplicação das reformas estruturais nos países periféricos provocou, assim, um
verdadeiro desajuste social, uma vez que as agências BM e FMI definiram novas funções ao
Estado, priorizando iniciativas que reduziram seu raio de ação no campo das políticas sociais
com a retração do gasto público e a centralização dos parcos recursos na atenção aos mais
pobres.
O papel do Estado limitou-se a gerir compensações, entretanto, “[...] torna-se evidente
que não se trata de Estado mínimo genericamente. É o Estado de classe, hegemonizado pelas
elites do setor financeiro, neste período particular do capitalismo, e que se torna mínimo
apenas para as políticas sociais” (PERONI, 2003, p.50). O Estado deve ser capaz de garantir a
manutenção da ordem social que é uma preocupação constante à medida que os problemas
sociais se agravam com as consequências das reformas.
Para se acomodar as inúmeras mudanças provocadas pela nova ordem social gestada
sob o comando do capital financeiro, novas relações foram estabelecidas entre Estado e
sociedade. Desde a década de 1990, o Banco Mundial vem propalando que são necessárias
novas funções do Estado para conduzir um mundo em transformação. Nesse processo, as
agências internacionais definiram estratégias de ação com o intuito de orientar tanto a política
econômica, quanto a conformação social dos países em desenvolvimento (NEVES, 2005).
É importante destacar que as políticas neoliberais implementadas pelos Estados
Capitalistas não podem ser vistas como mero transplante da doutrina do liberalismo
econômico, visto que cada país possui suas particularidades, diferenciando-se nos aspectos
econômicos, sociais, políticos e culturais. Sobre isso, Saes (2001, p.81-82) assinala que
Tais políticas não podem concretizar incondicionalmente os princípios econômicos
liberais, já que elas não são implementadas num espaço social vazio, destituído de
qualquer historicidade, e sim em sociedades capitalistas históricas, nas quais a
política estatal repercute, há décadas, a influência de outros princípios econômicos.
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No Brasil, a implantação da política estatal neoliberal teve seu auge nos anos de 1990,
no governo Fernando Henrique Cardoso, que promoveu uma ampla reforma do Estado como
medida necessária para reverter os efeitos da crise fiscal e fortalecer a economia do País para
torná-lo competitivo no mercado internacional. Foi com esse objetivo que o governo FHC se
dispôs a empreender uma luta ideológica contra os direitos sociais, apresentando-os como
privilégios e entraves ao desenvolvimento econômico e, desse modo, implementou várias
medidas com intuito de desregulamentar a economia, flexibilizar a legislação do trabalho,
privatizar empresas estatais, reduzir os gastos públicos e promover a abertura do mercado
para a entrada de investimentos transnacionais (SILVA, 2003).
Para viabilizar essas medidas que consubstanciam as reformas estruturais preconizadas
pelo BM, o Governo criou um ministério próprio para isso, o MARE – Ministério da
Administração e Reforma do Estado. Esse Ministério apresentou, em 1995, o Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado que foi implantado para ampliar a governança do Estado e,
consequentemente, sua capacidade de implementar políticas públicas de forma eficiente.
Conforme expressa o Documento,
A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel
do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e
social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de
promotor e regulador desse desenvolvimento (BRASIL, 1995, p.12).
Nota-se que a reforma do Estado implicou mudanças em sua aparelhagem a fim de
tornar a administração pública mais eficiente. Para isso, o Estado assumiu um papel
regulador, conforme expresso no Documento: “[...] o Estado reduz seu papel de executor ou
prestador direto de serviços, mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor ou
promotor destes, principalmente dos serviços sociais como educação e saúde” (BRASIL,
1995, p.13).
Apesar de criticar as proposições neoliberais, o Documento advoga um Estado mínimo
para as políticas públicas, pois não deixa de apontar a necessidade de redução do aparelho do
Estado por meio de estratégias que visam à privatização, desregulamentação e terceirização.
Neste sentido, a proposta formulada no Documento consistiu em descentralizar, para o setor
público não-estatal, os serviços considerados não-exclusivos do Estado, tais como: saúde,
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educação, cultura e pesquisa científica. Para tanto, adotaram-se programas de publicização,
que incentivaram o envolvimento ativo da sociedade na responsabilização dos serviços.
Ao Estado, coube manter programas compensatórios destinados à população mais
vulnerável, tornando evidente seu caráter classista, ao legitimar um sistema de proteção social
privado para o atendimento de uma minoria que pôde pagar pelos serviços e um sistema
público fragilizado para atender à grande maioria da população (SOARES, 2003).
É nesse quadro que se definem as novas “feições” da política educacional brasileira,
ou seja, a partir da re-estruturação econômica do País, evidenciada nos anos de 1990, em
conformidade com os preceitos neoliberais de re-estruturação do capital, que atribui
centralidade à educação como elemento privilegiado na concretização de tais ajustes e na
conformação da ordem societária vigente.
Como parte do movimento de redefinição das ações do Estado, a política educacional
passou a ser alvo de grandes mudanças fortemente influenciadas pelas políticas das agências
multilaterais de financiamento, em especial pelo Banco Mundial, considerado o principal
órgão financiador das políticas sociais para os países em desenvolvimento.
Política Educacional Brasileira e as Agências Multilaterais de Financiamento – Cepal e
Banco Mundial
As configurações atuais da política educacional brasileira devem ser analisadas como
parte das reformas neoliberais implementadas pelo Estado pós 1990, que, conjugado com
outros setores da política social, propõe medidas direcionadas à reforma da educação. Como
destaca Deitos (2007, p.47), a reforma da política educacional se configura como um
componente da reforma do Estado e “[..] cumpre uma função estratégica para realizar os
motivos financeiros e institucionais e as razões econômicas e ideológicas, compósitos dos
ajustes estruturais e setoriais implementados”.
Desse modo, a política educacional, assim como as demais políticas sociais, não pode
ser pensada de forma isolada ou desconectada de uma totalidade histórica que envolve as
bases materiais de produção e reprodução da vida dos homens, mas, deve ser compreendida a
partir da contradição e articulação com os aspectos sociais, políticos e econômicos de
determinada conjuntura sócio-histórica. Neste movimento, entende-se a relevância de se
considerar a confluência da reforma educacional com aquelas de orientação neoliberal,
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patrocinadas pelas agências multilaterais de financiamento, implantadas no Brasil, a partir da
década de 1990.
De acordo com Shiroma, Campos e Garcia (2005), as reformas educacionais foram
marcadas pela influência das agências multilaterais como o Banco Mundial (BM), a
Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre outros. Os documentos formulados
por essas agências, além de prescrever as orientações a serem adotadas, também forjaram
discurso justificador das reformas. Para as autoras ”[...] tais agências produziram a reforma e
exportaram também a tecnologia de como fazê-las” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA 2005,
p.430). Daí a importância de uma leitura crítica dos documentos para identificar e analisar os
elementos ideológicos que estão presentes na retórica discursiva e que orientam os rumos das
políticas educacionais, especialmente, dos países em desenvolvimento.
No Brasil, a intervenção dessas agências, sobretudo a do Banco Mundial, decorreu
mais da influência política junto aos governos por meio da imposição de temas prioritários,
linhas de ação e de um enfoque economicista das políticas educacionais, do que dos recursos
financeiros que são mobilizados para a implantação de projetos educacionais (HADDAD,
2008).
O Banco Mundial é uma das principais fontes de financiamento para o setor social e,
desde 1970, vem ampliando sua atuação política, desempenhando papel na articulação e
condução das reformas estruturais dos países em desenvolvimento (FONSECA, 1998). A
intervenção na área social atende os interesses eminentes da ordem econômica mundial, pois
conforme, salienta Oliveira (2006, p.55), para o Banco Mundial, o que de fato está em
questão, ao elevar as economias dos países em desenvolvimento a um novo patamar de
competitividade, refere-se à
[...] segurança de um projeto econômico de cunho universal. Mudam-se as
estratégias, reformulam-se as práticas, reconstroem-se os discursos, mas a essência
do projeto de subordinação das economias em desenvolvimento aos interesses do
capital internacional continua inalterada.
Percebe-se que as orientações políticas do Banco na área social são prescritas, visando
assegurar a proteção política para viabilizar as melhores condições de reprodução do capital.
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É com esta concepção que vê a educação, como instrumento de crescimento econômico e de
redução da pobreza, capaz de concretizar as reformas estruturais para expansão do capital.
Para viabilizar os ajustes estruturais, o Banco formulou um conjunto de propostas
destinadas a promover reformas na educação dos países em desenvolvimento, com o suposto
discurso de que, por meio dessas reformas, seria possível alcançar o desenvolvimento e
reduzir a desigualdade dos países. Embora se reconheça que cada país tenha sua
especificidade, tratou-se de um verdadeiro “[...] pacote de reformas proposto aos países em
desenvolvimento que abrange um amplo conjunto de aspectos vinculados à educação, das
macropolíticas até a sala de aula” (TORRES, 2000, p.126).
Esse pacote de reformas, expresso em documentos orientadores, priorizou, entre
outros aspectos, a centralidade dos investimentos na educação básica, considerada primordial
para se melhorar a rentabilidade econômica e reduzir a pobreza nos países em
desenvolvimento. No documento “Prioridades y Estratégias Para La Educacion” (BANCO
MUNDIAL, 1995, p. 15), essa questão fica evidente ao destacar que
A educação, especialmente a primária e a secundária do primeiro ciclo (educação
básica), ajuda a reduzir a pobreza aumentando a produtividade do trabalho dos
pobres, reduzindo a fecundidade e melhorando a saúde, e favorece a população de
atitudes que necessita para participar plenamente na economia e na sociedade.
O enfoque dado à educação básica limitou-se a conteúdos mínimos - saber ler,
escrever e calcular, necessários para a empregabilidade e a formação de atitudes para o
trabalho, ou seja, qualificar minimamente o trabalhador para obter oportunidades no mercado.
Para os demais níveis de ensino, recomendaram-se reformas e privatizações como forma de
alocar recursos no nível primário, restringindo o ensino secundário e superior aqueles que
pudessem pagar.
Neste sentido, percebe-se que o Banco apoia-se num discurso totalmente contraditório,
pois a qualidade da educação é subsumida a uma perspectiva economicista, pautada na
descentralização das ações e do financiamento como forma de reduzir despesas dos governos
no ensino público. Outras estratégias econômicas formuladas pelo Banco referiram-se ao
estímulo à flexibilização do ensino, à parceria com o setor privado e aos empréstimos
financeiros que, segundo Fonseca (1998), priorizavam os insumos escolares em detrimento de
fatores relacionados à formação e às questões salariais dos trabalhadores da educação.
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É sob essa ótica que o Banco formula suas orientações para a política educacional,
subordinando-a aos ditames dos sistemas econômicos e vendo nela elementos para promover,
nos indivíduos, novas mentalidades e novas atitudes que sejam condizentes com as
necessidades dos sistemas produtivos. Nessa perspectiva, Deitos (2007), p.53), evidencia que
a educação, além de ser fator fundamental no processo de reforma do Estado brasileiro, de
acumulação e de reprodução do capital, serve também para responder e explicar a realidade
social e econômica sob duas dimensões:
[...] a que a considera como ingrediente principal para o desenvolvimento
econômico do país e sua integração à globalização; e a que considera para justificar
as deficiências e a incapacidade do país em relação às mesmas determinações e
contradições econômicas, sociais e políticas em âmbito nacional e internacional
(DEITOS, 2007, p. 53).
Em suas discussões, o autor preconiza que a educação cumpre função ideológica e
econômica, servindo para revitalizar os argumentos que sustentam as reformas nacionais
proclamadas amplamente pelos neoliberais. A educação, pensada pelas agências multilaterais,
tem papel fundamental tanto no que diz respeito à melhoria da rentabilidade econômica dos
países, quanto na justificativa da ineficácia do crescimento econômico. Isso significa dizer
que a educação é vista como sucedâneo para se explicar as mazelas sociais, deslocando-se o
eixo de sua natureza totalizante, as relações de produção capitalista, para um recorte
particular, a educação.
O enfoque centralizado na educação como estratégia de crescimento econômico e
redução da pobreza também esteve presente nas orientações da Comissão Econômica para
América Latina e Caribe – Cepal, que, de acordo com Oliveira (2006, p.17), embora não seja
uma instituição voltada especificamente para a política educacional, ”[...] na última década,
passou a despontar como uma das principais fontes das idéias direcionadoras das políticas
deste setor em todo o continente latino-americano e região caribenha”.
Nos diversos documentos produzidos pela Cepal, na década de 1990, a educação
aparece como principal fator para promover o desenvolvimento social e sustentável para os
países da América Latina e Caribe. Considera-se que, por meio da educação, é possível
aperfeiçoar o sistema produtivo e elevar o padrão de competitividade no mercado
internacional. Para tanto, propõe-se uma educação alinhada com o mundo do trabalho para
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formação de habilidades necessárias à cidadania moderna e aos novos padrões produtivos
exigidos pelo mercado.
Buscando reforçar o discurso das agências multilaterais, em 1992, a Cepal publicou o
documento ‘Educação e Conhecimento: Eixo da Transformação Produtiva com Equidade’, no
qual procurou articular educação, conhecimento e desenvolvimento. A ideia difundida no
Documento consistia em formular estratégias políticas que pudessem
[...] contribuir para a criação de condições – educacionais, de capacitação e de
incorporação do progresso científico-tecnológico – capazes de transformar as
estruturas produtivas da região, e fazê-lo num marco de progressiva equidade social
(BRASIL, 1995, p.4)
Nota-se que as mudanças no setor educacional, inspiradas no conjunto de novas
tecnologias, devem “[...] assegurar acesso universal aos códigos da modernidade” (BRASIL,
1995, p.11), ou seja, possibilitar a formação de recursos humanos como fator essencial para o
aumento da produtividade e da equidade social.
A equidade não supõe o sentido de universalidade de acesso aos bens e serviços, na
verdade trata de estender certos benefícios sem, no entanto, ampliar as despesas públicas.
Neste sentido, educação com equidade significa oferecer conteúdos mínimos e suficientes
apenas para a formação de habilidades básicas compatíveis com o sistema produtivo, visto
que a preocupação refere-se ao acesso e não à permanência do indivíduo na escola.
Com o discurso da equidade, a qual aparece supostamente revestida com o sentido de
igualdade, a Cepal atribuiu funcionalidade econômica à educação, como salienta Coraggio
(2000, p.109): “[...] a conexão entre sistema educativo e as necessidades do desenvolvimento
seria resolvida com um planejamento educativo, no qual a demanda partisse dos agentes
primordiais do desenvolvimento: os empresários”. Nesta perspectiva, coloca-se a necessidade
de se reformular os sistemas educacionais, para atender as exigências de qualificação
profissional demandadas pelo mercado.
Alinhando-se às orientações do Banco Mundial, a Cepal formula a crítica à educação
dos países em desenvolvimento e orienta mudanças no setor, a começar pelo próprio Estado,
que, na concepção da Agência, deve avaliar e incentivar as políticas e não mais promovê-las
diretamente. Por isso, destaca a importância da “cooperação (Concertación) entre diversos
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agentes econômicos e políticos, visando garantir as mudanças institucionais no sistema
educacional” (OLIVEIRA, 2006, p.35).
Como forma de elevar a competitividade dos países da América Latina, a Cepal
propõe reformas educacionais para os países da América Latina e atribui prioridade às
mudanças institucionais, a partir de novas formas de gestão e organização das ações
educacionais. Desse modo, “[...] a transformação da educação não consiste em aumentar
aquilo de que já se dispõe, mas em transformar as formas de organização e funcionamento dos
recursos disponíveis”. (CEPAL, 1992, p.135). Isso quer dizer que as reformas não visavam
aumentar os investimentos no campo educacional, mas introduzir sistemas mais flexíveis,
com uma nova racionalidade para a utilização eficiente dos recursos disponíveis.
As mudanças institucionais recomendadas pela Cepal convergem para a adoção de
modelos descentralizados que permita maior autonomia às escolas, devendo essas se
responsabilizarem pela gestão e financiamento, por meio de um sistema mais participativo,
que envolva a comunidade nos processos decisórios, inclusive na captação de recursos
financeiros.
É nessa perspectiva que reformas educacionais foram empreendidas no Brasil e nos
demais países da América Latina, como parte das estratégias políticas das agências
multilaterais na reorganização do capital em nível mundial. Neste processo, o Banco Mundial
e a Cepal exerceram forte influência na implementação da política educacional brasileira,
atribuindo a ela novas configurações que reforçaram a subordinação da educação aos
princípios econômicos implementados no atual estágio de desenvolvimento do capital.
É importante destacar que, embora esteja presente o discurso da uniformidade das
reformas educacionais, essas apresentam particularidades conforme as condições econômicas,
sociais, políticas e culturais de cada país. Sobre isso Krawczyk e Vieira (2003, p.117)
salientam que as políticas educacionais “[...] têm se defrontado com a heterogeneidade própria
de cada país na região, expressão de sua cultura, ou seja, de suas formas particulares de
realização societária, na produção de seres sociais específicos”. Desse modo, as orientações
políticas provenientes das agências multilaterais são difundidas e implantadas de acordo com
os condicionantes internos de cada país, apresentando, portanto, formas variadas de efetivação
e de resultados.
O conjunto de medidas destinadas a promover as reformas educacionais recomendadas
pelas agências, como Banco Mundial e Cepal, aqui destacadas, foram amplamente divulgadas
3290
nos países em desenvolvimento por meio de documentos, assessorias, entre outros canais,
que, durante a década de 1990 e início deste século, reforçaram as metas contempladas na
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em
1990, e promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura
(Unesco), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Banco Mundial. Nesta Conferência, foi
aprovada a “Declaração Mundial de Educação para Todos’ e o ‘Plano de Ação para Satisfazer
as Necessidades Básicas de Aprendizagem’. Tais Documentos
[...] representam, portanto, um consenso mundial sobre uma visão abrangente de
educação básica, e se constituem numa ratificação do compromisso para garantir que
as necessidades básicas de aprendizagem do todos, crianças, jovens e adultos, sejam
satisfeitas em todos os países (UNICEF, 1990, p.3).
O Brasil, como um dos países signatários dessa Conferência, comprometeu-se a
cumprir com as disposições contidas nos Documentos e elaborou, em 1993, o “Plano Decenal
de Educação para Todos”, priorizando os investimentos na educação básica e promovendo
uma série de reformas educacionais em consonância com as orientações políticas prescritas
nos documentos formulados pelas agências multilaterais.
Com base nessas orientações, o MEC passou a elaborar mecanismos legais, expressos
em programas e projetos educacionais, com o propósito de implantar uma ampla reforma
educacional, envolvendo várias dimensões do sistema de ensino, como: gestão educacional,
financiamento, currículos escolares, legislação, planejamento, avaliação, entre outras. A
implantação dessas reformas atribuiu nova configuração à política educacional com a
introdução de parâmetros economicistas que subsumem o próprio direito à educação.
As políticas educacionais brasileiras, implementadas a partir dos anos de 1990, com
base nestes pressupostos, ajustaram-se às novas exigências postuladas pelo ideário neoliberal,
incorporando as orientações políticas das agências multilaterais de financiamento para a
construção de consensos em torno da necessidade de reformas educativas. As conferências, os
fóruns, seminários realizados pelas agências, a partir da década de 1990, reforçaram, em seus
documentos, as estratégias de reforma e influenciaram a definição de diretrizes para a
implantação das políticas educacionais no contexto nacional.
3291
Peroni (2003), ao discutir sobre a política educacional brasileira a partir da década de
1990, explicita que ela foi formulada em respostas as orientações das agências internacionais,
entretanto, é importante salientar que os governos dos países em desenvolvimento
consensuam com tais orientações e as adaptam aos seus contextos locais de modo a responder
as demandas políticas e econômicas do capitalismo mundial. Desse modo, percebe-se que as
novas configurações assumidas pela política educacional brasileira se forjaram em um
movimento de contradições e de consensos vinculados a esse estágio de desenvolvimento do
capital, tendo, nas reformas educacionais, as estratégias necessárias para manutenção e
reprodução de seu status quo.
Considerações Finais
Diante das reflexões aqui explicitadas, buscou-se não apenas caracterizar as
configurações das políticas educacionais brasileiras pós 1990, mas articulá-las ao contexto
político, econômico e social dessa fase de reorganização do capital. Nesse sentido, pretendeuse compreender as mudanças conjunturais no Estado brasileiro, a partir dos ajustes neoliberais
e da funcionalidade da política educacional como componente desse processo.
O Estado cumpre papel precípuo na preservação da ordem burguesa e reorganiza suas
funções (políticas, econômicas e ideológicas) conforme as mudanças conjunturais processadas
a cada estágio de desenvolvimento do capital. Em seu estágio atual, caracterizado pela
máxima do capital financeiro, as reformas do Estado foi um dos condicionantes que
possibilitou ao capital enfrentar suas crises e se rearticular em nível mundial.
No Brasil, essas reformas foram fortemente conduzidas pelas agências internacionais
que definiram estratégias de políticas para implantação das medidas de ajustes estruturais, as
quais implicaram a redução dos investimentos públicos nas políticas sociais e sua consequente
subordinação à política econômica. Com o suposto discurso de garantir a competitividade dos
países em desenvolvimento, aliviando os níveis de pobreza, as agências influenciaram nas
reformas econômicas, sociais e políticas desses países, ajustando-os à nova ordem do capital e
acirrando ainda mais a dependência financeira em relação aos países centrais.
No campo educacional, as reformas promoveram verdadeiro retrocesso na garantia dos
direitos educacionais, com a adoção de medidas que priorizaram a retração dos investimentos
nos sistemas públicos de ensino e a centralidade na educação básica, reduzida a conteúdos
mínimos e com efeitos compensatórios para atender a qualificação e habilidades necessárias
3292
para o trabalho, sendo compatível com os valores que desconsideram o exercício do
pensamento crítico.
Sob as orientações das agências internacionais, em especial a do Banco Mundial e a da
Cepal, novas demandas foram lançadas para a política educacional com o propósito de
adequá-la aos interesses econômicos regulados pelo ideário neoliberal. As propostas de uma
educação básica de qualidade, como instrumento necessário ao desenvolvimento econômico
dos países e como forma de assegurar a equidade, convergem-se, assim, em discursos oficiais
para estabelecer um consentimento geral, bem como na formação de valores e atitudes
desejáveis para a manutenção e reprodução da ordem capitalista. Desse modo, novas relações
entre Estado e sociedade são definidas para a conformação social, tendo, na educação,
instrumento hegemônico de legitimação das relações sociais vigentes.
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