MAÇONARIA E EDUCAÇÃO: PROJETOS DE ESCOLARIZAÇÃO
EM JUIZ DE FORA NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉC. XX
(1900/1920)
Milena Aparecida Almeida Candiá
UFF
[email protected]
Palavras-chave: Maçonaria, Educação, Rede de sociabilidade.
Este projeto de pesquisa1 tem como cerne de investigação a atuação das Lojas
Maçônicas e de seus maçons no cenário cultural e educacional de Juiz de Fora, nas
primeiras décadas do século XX. Nesse caso, este estudo de cunho documental, tem
sido desenvolvido no sentido de identificar as possíveis estratégias de intervenção de
uma rede de sociabilidade maçônica no processo de expansão e secularização do
sistema escolar desta cidade, que estiveram em conformidade com um projeto de
reforma social mais amplo. Em continuidade a essas análises, o projeto propõe, ainda,
identificar quais foram as estratégias de resistência instituídas pela Igreja Católica frente
ao projeto liberal maçônico e à expansão de outras instituições educadoras religiosas,
em especial, as protestantes. Essas estratégias tiveram seu lugar em um contexto urbano
dinamizado pela industrialização e marcado, desde o final do século XIX, por um
ecletismo religioso.
O recorte temporal justifica-se pelo fato de tal período compreender em seus
extremos uma maior expansão e retração do número de lojas maçônicas no país.
Inflexão que se dá em consonância com o processo de institucionalização da Igreja
Católica, através da expansão de suas dioceses e dos, da criação de escolas paroquiais e
da consolidação de uma rede de alianças com as oligarquias locais, que culminará no
movimento de reaproximação da Igreja com Estado, a partir dos anos 20.
Como suporte teórico, apóia-se nos conceitos básicos que envolvem a Nova
História Intelectual e Política, como o de sociabilidade e o de cultura política,
desenvolvidos, respectivamente, na perspectiva de Maurice Agulhon (1984) e JeanFrançoise Sirinelli (2003).
Agulhon (1984) defende a sociabilidade como um estimado objeto de reflexão
social, psicológica e política, pelas quais se devem abordar as relações de poder que se
formam para além do aparelho estatal. Para o autor a sociabilidade como categoria
histórica possibilita compreender as organizações associativas como fato histórico
através do qual “o político é visto pelo historiador “do lado de sua recepção”. 2
Nesse sentido, a Maçonaria, como uma estrutura associativa, pode ser entendida,
na perspectiva da nova História Política, enquanto parte de uma malha de organizações
que se colocam entre o cidadão e o poder, entre o partido e o sufrágio, entre o instituído
e o informal, envolvendo uma cultura e uma forma do político. Ou seja, associações
voluntárias que participam da estruturação, sustentável e fecunda, da vida política de
uma determinada sociedade. Uma organização que não necessariamente concorre para o
exercício direto do poder, mas que, de acordo com Rioux (2003:103),
(...) em nome dos interesses que invocam na proporção da pressão que
exercem sobre a opinião e os poderes públicos, não apenas têm acesso
ao político, mas contribuem para estruturar [...] “um sistema” político.
Esse instrumento analítico, que se encontra, segundo Gomes (1993), no
cruzamento da história intelectual, cultural e ,sobretudo, social, tem sido entendido
como uma forma mais específica de convivência, um espaço de sociabilidade moderna
de prática política, ligada às idéias de civilização e democracia, próprias de um contexto
de conformação da sociedade urbana e industrial do século XIX. Esta estrutura
associativa, que se situa entre a família e o espaço público, é uma forma de organização
da vida social através de associações ou rede de associações. Dito de outro modo seria
um espaço social voluntariamente organizado onde as tradições têm uma determinada
dimensão simbólica em diferentes espaços e tempos.
Neste caso, conhecer o espaço associativo maçônico implica conhecer também a
rede de relações que se estabelece dentro desta instituição, formada por atores inseridos
em um determinado contexto sociocultural. Vale ainda ressaltar que a tessitura desta
rede de relações e a solidariedade social entre seus pares comportam sentimentos
contraditórios, estando na base desta solidariedade o conflito e a competição.
Pode-se, então, compreender a atuação desta rede de sociabilidade como um
grupo de intelectuais engajados na vida social, porém, não perdendo de vista é a
concepção de que tal estrutura “organiza-se também em torno de uma sensibilidade
ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente
determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver”. (Cf.SIRINELLI,
2003, p.248)
Desse modo, Sirinelli (2003) entende que para a Nova História Intelectual uma
outra forma de se compreender a atuação intelectual situa-se na noção de “engajamento”
na vida da cidade como ator político. O intelectual se põe a serviço da causa que
defende, sendo sua notoriedade de natureza sociocultural, ou seja, seu reconhecimento
ou distinção é dado pela própria sociedade em que atua, que legitima seu engajamento
(Cf. SIRINELLI, 2003, p.243).
Assim, esta pesquisa visa, sem perder de vista o contexto histórico mais amplo,
numa perspectiva de complementaridade entre o macro e as nuances mais particulares
do espaço urbano juizdeforano, abordar tal prática associativa como era concebida em
seu tempo por seus pares, enquanto uma via privilegiada de transformação de uma
sociedade tradicional numa sociedade baseada no princípio contratual da relação com a
autoridade, que outorgava a este espaço de sociabilidade uma ação pedagógica
definidora de uma nova racionalidade, mediante as práticas do sufrágio, do debate entre
os pares e da deliberação.3.
Para a construção de um corpo documental a pesquisa apóia-se diversas fontes.
A escolha pauta-se nos mais diversos registros que possibilitem o diálogo com o tema a
ser estudado, a fim de se obter uma maior compreensão deste objeto. Tal diversificação
“pode revelar aspectos e características diferenciadas das relações do homem, quer
sejam com outros homens ou com o meio em que vive” (LOMBARDI, 2004, p.158).
Como principal aporte empírico destaca-se a imprensa juizdeforana. O jornal é
visto como o suporte material e simbólico do ideário liberal maçônico e espaço de
conformação e difusão social determinado projeto de nação.
Os principais diários que circularam no período recortado foram o jornal O
Pharol e o Jornal do Commercio de Juiz de Fora. Este último era de propriedade de
Antônio Carlos R. de Andrada até 1911, político membro da 1ª Loja maçônica de Juiz
de Fora - Loja Maçônica Fidelidade Mineira. Outro diário pesquisado é o Correio de
Minas, de tradição republicana, que no início do séc. XX, traçou significativos debates
em torno das reformas educacionais propostas pelo Estado, dando espaço, por exemplo,
à divulgação da ação educadora das Irmãs de Santa Catarina. Todos esses periódicos,
não desconsiderando suas lacunas, encontram-se arquivados no Setor de Memória da
Biblioteca Murilo Mendes/SMBMM/JF.
Além desses impressos temos, ainda, a imprensa maçônica, como as publicações
do Boletim do Grande Oriente do Brasil, encontradas no setor de periódicos da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Fonte importante não só para trilhar as ações das
lojas juizdeforana filiadas ao Grande Oriente do Brasil como também para trilhar de
uma forma mais geral os pressupostos que norteavam as propostas educacionais destas
associações.
Outro importante acervo é o da Loja Maçônica Fidelidade Mineira, que ainda se
encontra em funcionamento na cidade, existindo alguns trabalhos acadêmicos que
tiveram acesso a seus arquivos, como o de Françoise J. Souza (2003), que nos aponta a
lista dos membros desta Loja filiados no período de 1870 a 1895 através dos registros
encontrados no Quadro de Obreiros da Loja no período acima. Estes registros nos
permite, por exemplo, trilhar a rede de sociabilidade maçônica estabelecidas nesta
cidade.
Além dessas fontes temos, ainda, o Arquivo da Comunidade Redentorista do
Curato da Glória/ ACRCG e o Centro de Memória da Igreja de Juiz de Fora/CMIJF,
acervos importantes para se identificar as estratégias estabelecidas pela Igreja com
relação aos projetos de escolarização desta instituição naquela época.
Destaca-se, também, a Divisão de Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de
Fora/DAHPJF, onde podem ser encontrados registros sobre a organização do sistema
educacional desta cidade, como mapas estatísticos, relatórios dos inspetores escolares
municipais e as resoluções da Câmara Municipal referente à criação e subvenção de
escolas urbanas, em especial, aquelas voltadas para a classe operária. Parte destas fontes
já foi compilada durante minha pesquisa de mestrado.
Vê-se, portanto, uma gama de possibilidades para se reconstruir a intervenção da
Maçonaria no processo de escolarização da sociedade brasileira, tema, ainda
pouquíssimo explorado pela História da Educação.
A Maçonaria no início da República: Projetos em disputa?
Os trabalhos historiográficos mais recentes, que tiveram a Maçonaria como
objeto de pesquisa, buscaram compreendê-la como um espaço de sociabilidade
moderna, lócus através do qual se permitia um amplo movimento de idéias que
ultrapassavam os limites desta organização se difundindo pelos núcleos urbanos. Esta
instituição era marcada por conflitos e pela influência de contextos diversos, buscava
através de um grupo social organizado seu engajamento na promoção de uma verdadeira
reforma social. Assim a Maçonaria passa a ser entendida como uma escola de formação
política, onde os homens aprendiam novas regras que deveriam ser difundidas para
nortear a vida de uma sociedade. Ou seja, uma forma associativa moderna de
sociabilidade e de produção de cultura política. (Cf.BARATA,2000).
Sabe-se que a Maçonaria no Brasil4 teve um papel importante no final do século
XIX e início do XX no que tange à difusão do ideário republicano. Segundo Barata
(1999), entre 1870 a 1910, as lojas maçônicas brasileiras tornaram-se centros de
discussões e de formação de consensos sobre a República enquanto forma de governo
ideal. Apoiada nos princípios do liberalismo e numa ação político-pedagógica, a
Maçonaria buscou, no seio da sociedade republicana brasileira, sedimentar uma nova
configuração que levasse o país aos patamares de desenvolvimento econômico e
cultural compatíveis com as nações modernas defendendo, assim, a secularização dessa
sociedade, a liberdade individual, o progresso moral e intelectual do povo brasileiro.
Este projeto de Nação afinava-se com as expectativas modernizadoras de políticos e
intelectuais daquela época, influenciados pelas idéias do liberalismo e do positivismo.
Esses atores buscavam, de acordo com Reis Filho (1995), a “atualização histórica” do
país a fim de integrá-lo à civilização ocidental moderna. (p.214). Eleva-se, assim, a
escola elementar como uma via integradora do povo à Nação e ao mercado de trabalho,
como também um instrumento de controle e homogeneização cultural, frente a crescente
heterogeneidade da sociedade, visto ser esta diversidade uma ameaça à realização dos
ideais de ordem e progresso defendidos pelas elites dirigentes. (Cf. FARIA FILHO,
2000)
Neste período, a universalização do ensino laico transformou-se na principal
bandeira de luta da Maçonaria contra o pensamento conservador da Igreja Católica. De
acordo com Barata (idem), os maçons atuavam discretamente nas “sombras” voltandose estrategicamente para os setores populares buscando uma harmonização entre capital
e trabalho com a adoção de estratégias, como a criação de associações operárias e a
ampliação do número de escolas voltadas para o operariado.
Juiz de Fora, cidade situada na Zona da Mata Mineira, já no final do século XIX,
tornou-se o principal centro urbano e industrial do Estado de Minas Gerais. Realidade
que lhe permitiu uma crescente heterogeneidade de sua população com o aumento da
classe operária, de profissionais liberais, investidores, comerciantes, incorporando-se aí
escravos libertos, imigrantes – em sua maioria alemães e italianos - e migrantes de
outras regiões.
Esse ambiente tornou-se propício, ainda, para o desenvolvimento cultural da
região evidenciado no dinamismo de sua imprensa, nos movimentos associativos, na
expansão de novos espaços de sociabilidade, sociedades filantrópicas como também a
expansão de diversos credos religiosos – em especial o protestantismo e o espiritismo
Kardecista. 5
O movimento maçônico, por sua vez, foi bastante expressivo nesta cidade. Do
que se têm publicado6, foram criadas, até início da década de 1900, cinco lojas
maçônicas regulares em Juiz de Fora. A loja mais antiga da cidade, Fidelidade Mineira,
fundada em 1870, teve forte tradição liberal e republicana, contou em seu quadro de
fundadores e iniciados nomes expressivos na política nacional e regional, como
Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva e posteriormente Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada além de figuras atuantes na imprensa e no setor educacional. Em 1896, foi
instalada a Loja Caridade e Firmeza, em 1897 a Fraternidade Brasileira, em 1898 a
Ordem e em 1902 a Loja Unione Italiana Benso di Cavour fundada por imigrantes
italianos.
Sobre a atuação dessas organizações no estado de Minas Gerais, Souza (2003)
afirma que a instalação dessas lojas alterava significativamente a rotina das cidades
mineiras que extrapolava o espaço secreto da instituição. Com estas lojas vinha também
a criação de clubes literários, bibliotecas, instituições beneficentes, jornais e escolas,
introduzindo novos elementos culturais, novas tradições e assumindo funções
específicas no seio de cada sociedade Segunda a autora, tiveram importante atuação no
movimento abolicionista e na propaganda republicana
Com exceção da primeira loja, todas as demais foram fundadas no início da
República, período de maior expansão destas instituições no Brasil. Essa expansão,
segundo Barata (1999), representou a luta por uma sociedade mais secularizada frente
ao processo de “estadualização” e crescimento do poder eclesiástico católico observado
neste mesmo momento. (p.78).
Nesse caso, a Maçonaria, para o autor, assumiu no
início da República claramente sua função pedagógica, no intuito de construir uma nova
identidade nacional constituída através de reformas sociais e políticas. Esta organização
defendeu, neste momento, de forma mais efetiva, a ampliação dos investimentos em
beneficência e instrução, buscando expandir suas atividades na imprensa e, sobretudo,
no Parlamento. Deste modo, o que estava em jogo era sua capacidade de “influir na
estruturação da sociedade brasileira, barrando, portanto, o conservadorismo católico”
(p.133).
Tais estratégias podem ser explicadas pelo acirramento da oposição entre o
projeto de secularização da Maçonaria com o projeto antiliberal católico. Divergência
instalada desde os anos de 1870 com a instauração da “Questão Religiosa” no Brasil.
Esta contenda coincide com um movimento internacional de reação da Igreja Católica
Romana e do Papado – o ultramontanismo - que, no intuito de centralizar seu poder,
reage categoricamente através da encíclica Quanto Cura e a Syllabus (1864) do Papa
Pio IX, condenando a Maçonaria e as idéias “modernas” defendidas pelo liberalismo
cientificista, base do pensamento maçônico. Este último pautava-se essencialmente nos
princípios de liberdade de pensamento, crença religiosa e liberdades civis bem como na
secularização do Estado. Ideário este que se confrontava diretamente com os interesses
hegemônicos da ala mais conservadora da Igreja Católica. O Ultramontanismo, que
também previa a romanização do catolicismo popular brasileiro, marcado pela atuação
dos leigos, causou uma reação até mesmo dentro do catolicismo, representada pelos
clérigos mais liberais, muitos destes atuantes na Maçonaria. Fato que motivou a reação
mais incisiva da Igreja sobre tal organização. Esta encíclica afirmava o dogma da
infalibilidade Papal, se sobrepondo à autoridade do Imperador, o que trouxe à tona o
conflito entre o “trono e o altar”.
Desde a Constituição de 1824, a Igreja e o Estado mantinham uma relação de
padronado que garantia àquela o controle sobre os registros civis - nascimento,
casamento e também a administração dos cemitérios. Em contrapartida, gozava o
Estado da prerrogativa de julgar todas as encíclicas e decretos da Igreja Romana,
concedendo ou não o seu beneplácito. Observa-se aí de um lado, o regalismo da Igreja e
de outro um controle maior do Estado sobre a mesma.
A questão se agrava com a expulsão de padres maçons, no ano de 1872, das
congregações religiosas, que deflagrou uma crise entre o Imperador, o clero e a
Maçonaria, esta última com grande influência política naquela época. Com a República,
ocorre a separação entre a Igreja e o Estado, havendo uma intensificação da ação
católica sobre a sociedade, com a expansão de dioceses e o aumento de ordens
religiosas européias no país, mais afeitas ao movimento ultramontano.
Diante deste embate, pode-se apontar alguns indícios presentes na sociedade
juizdeforana que poderiam corroborar a idéia de uma ação estratégica da Maçonaria
frente ao processo de romanização da Igreja Católica. Sabe-se, por exemplo, que a
imprensa juizdeforana neste período foi um espaço de disputas político-ideológicas, um
campo de batalha cotidiana entre diversos personagens. A maioria destes jornais teve
significativa participação na propaganda republicana, visto ter sido Juiz de Fora um dos
principais centros de divulgação e legitimação de seu ideário no estado de Minas.
7
Além disso, vários destes impressos, movidos por interesses diversos, envolveram-se
com projetos educacionais na cidade utilizando-se, muitas vezes, de estratégias
legitimadoras ou neutralizadoras das ações governamentais, revelando nuances
significativas do cenário educacional dessa cidade. Sabe-se, também, que os principais
jornais que circularam nas primeiras décadas do século XX – O Pharol e o Jornal do
Commercio - tiveram profundas ligações com o movimento maçom na cidade, tendo
sido em diferentes contextos, importantes espaços de difusão das idéias liberais
maçônicas. 8
Cabe aqui apontar a significativa expansão de escolas noturnas voltadas para a
classe operária subvencionadas pela Câmara Municipal de Juiz de Fora na primeira
década do séc. XX, Sobretudo entre 1908 e 1912 quando da atuação de Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada na administração desta cidade, tornando-se um indício importante
para se pensar na ação da maçonaria neste setor, uma vez que tal maçom teve uma
trajetória significativa no cenário educacional juizdeforano, realizando no final da
década de 1920, quando governador do estado, uma das mais expressivas reformas do
ensino em Minas Gerais. 9.
Outro aspecto que merece ser apontado refere-se à relação da Maçonaria com o
protestantismo
no Brasil. Segundo Mendonça (1990), essas duas correntes
estabeleceram estreitos vínculos no decorrer do séc. XIX, em especial a partir de 1870
com a instalação da “questão religiosa”. Ao compartilharem de interesses comuns,
dentre os quais se destaca a secularização da sociedade, como meio de garantir não só a
liberdade civil e religiosa, mas, sobretudo, de neutralização da ação anti-progressista da
Igreja.
Ainda dentro deste contexto, Mendonça (1990) afirma que a aproximação entre
a elite liberal brasileira – fortemente inserida na maçonaria, e os protestantes tinha um
caráter estratégico. Esta elite reconhecia na educação pragmática protestante, inclinada
mais para a ciência e às tecnologias do que para as “belas letras”, uma via para o
progresso do país e um contraponto à ação pedagógica tradicional e escolástica
oferecida pela Igreja Católica às elites. Deste modo, afirma Vieira (1990), que a idéia de
“progresso”, na sua concepção mais ampliada, apoiada no principio da liberdade
individual, serviu como elemento de ligação entre liberalismo, maçonaria e
protestantismo no Brasil estando a imigração protestante diretamente relacionada à
entrada de novos conhecimentos, novas tecnologias e, por conseguinte, ao crescimento
econômico.
Tais análises tornam-se pertinentes ao vislumbrarmos a realidade juizdeforana
no final do séc. XIX, uma vez que a cidade abrigava, desde os meados desse século,
uma grande diversidade religiosa. O ápice deste pluralismo foi a chegada do Metodismo
que fundou, em 1890, o Colégio Granbery da Igreja Metodista, o primeiro no estado de
Minas com pretensões claras de formar as elites locais.
10
Este projeto tornou-se mais
evidente com a criação, em 1904, dos cursos de Farmácia e Odontologia do Granbery.
Iniciativa esta que representou um primeiro passo para um projeto de fundar na cidade
uma Universidade Metodista. No ano de 1912 ampliou-se ainda mais estas expectativas
com a fundação, neste instituto, da primeira Faculdade de Direito de Juiz de Fora. 11
A reação da Igreja Católica veio logo em seguida. Em 1901, a Academia de
Comércio de Juiz de Fora foi doada à Congregação do Verbo Divino, que passou a
oferecer o curso ginasial, equiparando-se, em 1902, ao Ginásio Nacional. No ano de
1906, foi criado pelos padres verbitas o 1º Curso Superior Comercial Noturno do Brasil
e em 1909, fundado o Instituto Politécnico da Academia de Comércio. A instalação
destes cursos representou uma possibilidade concreta de frear a expansão do Metodismo
na cidade constituindo-se para aquela Congregação o embrião de uma Universidade
Católica em Juiz de Fora. 12
No entanto, é interessante perceber que a inserção do protestantismo e da Igreja
Católica no cenário educacional de Juiz de Fora não se deu apenas no ensino superior e
secundário. Observa-se que a quase totalidade das instituições da rede privada de ensino
primário eram mantidas por congregações religiosas como a Escola Evangélica Alemã
(1888), as Escolas de São Geraldo (a feminina - diurna e a masculina/noturna) mantidas pela Congregação das Irmãs de Santa Catarina, o Externato Paroquial São
Roque (1908) e a Escola Externa Primária Metodista (1913). Todas tinham como
característica comum oferecerem ensino primário de caráter confessional e filantrópico
havendo indícios de algumas dessas receberem subvenções por parte do poder público.
Nota-se, portanto, nesse contexto, uma atuação expressiva das instituições religiosas na
educação elementar popular. Seja de confissão católica ou protestante, todas se
empenharam na defesa de seus projetos educacionais.
Outro elemento importante relacionado à conjuntura acima foi a criação da
Sociedade Propagadora do Ensino Primário em 1908, fato que reforça a preocupação da
Igreja Católica em expandir o ensino elementar para a população mais pobre, em
contraposição ao projeto laico do Estado e, por conseguinte, uma reação às propostas
secularizantes da Maçonaria.
Esta entidade era mantida pelas Irmãs de Santa Catarina, religiosas que atuaram
no bairro de Mariano Procópio, local com grande contingente de imigrantes alemães e
italianos e com forte presença da Igreja Luterana. Além disso, nos parece que tal
Sociedade tinha um estreito vínculo com a Congregação dos Redentoristas, padres
ultramontanos que chegaram a Juiz de Fora em 1894 com o objetivo explícito de
romanização do catolicismo nesta cidade.
Nesse sentido a pesquisa tem buscado identificar quais foram as estratégias de
inserção e atuação da Maçonaria na Imprensa e no poder institucionalizado que se
fizeram significativas para seu projeto de expansão e secularização do ensino em Juiz de
Fora, buscando compreender a estrutura organizacional desta rede de sociabilidade bem
como os atores que a constituiu, o caráter ideológico de sua atuação e os princípios
norteadores de seu projeto educacional. Além disso, buscaria divisar quais foram as
táticas de resistência instituídas pela Igreja Católica no sentido de neutralizar a ação
político-pedagógica da Maçonaria e das demais confissões religiosas instaladas nesta
cidade, em especial a da Igreja Metodista.
Considerações finais
O presente estudo tem buscado, assim, abordar as idéias e as atitudes de atores
envolvidos no contexto de expansão da escola básica em Juiz de Fora, de forma a inserilas no conjunto das práticas sociais, procurando identificar quais os pressupostos que
embasaram o pensamento destes atores sociais e as formas de difusão de suas idéias na
sociedade juizdeforana13.
Portanto, a relevância deste estudo assenta-se na possibilidade de compreender a
dinâmica estabelecida entre a concepção liberal maçônica e a ação conservadora da
Igreja Católica frente ao processo de escolarização da sociedade juizdeforana nas
primeiras décadas do século XX. Neste caso, estudar a Maçonaria em Juiz de Fora seria
uma das possibilidades de compreender as inúmeras relações de poder que se
estabeleceram nesta sociedade, onde se pode perceber em seu contexto sócio-cultural a
presença de vários projetos de escolarização em disputa.
Além disso, sem desconsiderar as particularidades que envolveram tal contexto,
esta pesquisa, em certa medida, nos permitiria, ainda, divisar os meandros da ação
efetiva de uma rede de sociabilidade no processo de secularização da sociedade
brasileira bem como a constituição de diferentes projetos de Nação, e, por conseguinte
de Educação, que se configuraram a partir da década de 1920 em nosso país.
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Notas
1
Esse trabalho refere-se ao meu projeto de doutoramento que iniciei no primeiro semestre de 2008, no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. Cabe, então, ressaltar
seu caráter exploratório inicial, apesar de ter sido gestado em decorrência de estudos realizados no
período de conclusão de minha dissertação de mestrado, finalizada em fevereiro de 2007.
2
Cf. AGULHON apud RIOUX, 2003, p.105.
3
Sobre a função pedagógica da sociabilidade maçônica, ver Barata, 1999, p.91.
4
A Maçonaria moderna surge na Inglaterra em 1717 como uma sociedade de pensamento livre. Esta
organização esteve profundamente vinculada à nova sociabilidade pré-democrática que se consolidava
naquele momento na França, tendo um papel fundamental como difusora dos novos ideais da era
moderna, entre eles o republicanismo e o liberalismo. A introdução da ordem no Brasil foi realizada por
intermédio de jovens que estudavam na Universidade de Coimbra/Portugal no inicio do século XIX. A
Maçonaria assumiu neste período um caráter antimetropolitano apoiando o movimento de emancipação
política do país. A primeira loja maçônica brasileira surgiu filiada ao Grande Oriente da França, sendo
instalada em 1801. A partir de 1809 foram fundadas várias lojas no país e em 1822 foi criado o primeiro
Grande Oriente Brasileiro sob a direção de José Bonifácio Ribeiro de Andrada e Silvaa. Após a
instauração da República ocorre a federalização da Maçonaria no país, com a criação dos GOBs
estaduais, tendo sido o de Minas criado em 1894. Sobre a história da Maçonaria no Brasil, Império e
início da República, ver respectivamente Barata (2006) e Barata (1999).
5
Ver Mesquida (1994); Yazbeck (1999)
6
Ver relação elaborada a partir de K. Proeber, Cadastro das Lojas Maçônicas do Brasil. Rio de Janeiro.
Ed. do autor. 1975 e Boletins do Grande Oriente do Brasil (1871-1910). In: BARATA, A. (1999).
7
Ver Viscardi (1995)
8
Sobre isso ver Souza (2003)
9
Sobre isso ver Peixoto (1988) e Candiá (2007).
10
Ver Yazbeck (1999).
11
Idem.
12
Idem.
13
Ver Falcon (1997).
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