Um Breve Histórico dos Robôs no País do Futebol
Roberto Fernandes Tavares Filho, PhD
Pesquisador do Instituto de Automação do CTI
Vice-Presidente Executivo da FIRA
e-mail: [email protected]
O início efetivo do envolvimento brasileiro com o futebol de robôs autônomos
ocorreu em julho de 1995, quando o Instituto de Automação (IA) do Centro
Tecnológico para Informática nos enviou, na qualidade de pesquisador da área de
robótica, para o Centro de Pesquisas KAIST (Korean Advanced Institute of Science and
Technology) na Coréia do Sul.
Fomos à Coréia como uma resposta ao convite realizado à toda comunidade
internacional, pelo prof. Dr. Jong-Hwan Kim, para que cientistas envolvidos com os
diversos aspectos de robótica autônoma, se reunissem e elaborassem um plano de ação
conjunto utilizando-se o futebol de robôs como área comum de experimentação. Da
América Latina fomos, nesta ocasião, o único representante. Este grupo, a partir das
regras básicas estipuladas pelos pesquisadores Coreanos, gerou as normas e acordos do
que viria a constituir a atual FIRA (Federação Internacional de Futebol de Robôs
Autônomos). A primeira Copa de Mundo De Futebol de Robôs, realizada sobre os
auspícios da FIRA, ficou então acertada para o início de novembro de 1996.
O uso do futebol de robôs é considerado como uma das mais flexíveis
plataformas para a experimentação de técnicas sofisticadas de processamento de imagens
em tempo real, gerenciamento da atuação de várias máquinas autônomas trabalhando em
conjunto com um objetivo comum, comunicação entre robôs e mecânica fina. O
resultado das pesquisas nesta áreas do conhecimento são de migração imediata para os
ambientes industrial e científico, meta básica do Instituto de Automação.
Reconhecendo no futebol de robôs uma forma de validação dos trabalhos
realizados no IA, decidiu-se que dois pesquisadores, Marcelo de Oliveira e Roberto
Tavares, iriam verificar as possibilidades de participação na Copa de 1996. Foram
elaborados os projetos mecânicos, eletrônicos e de software, mas os recursos para
efetiva implementação eram por demais escassos. Este fato, aliado ao tempo
extremamente curto, impossibilitou que um time brasileiro estivesse pronto a tempo de
participar desta copa.
Mesmo não dispondo de um time, o Instituto de Automação novamente enviou
um pesquisador para a Coréia em Novembro. Sua missão era bastante clara. Comparar
as tecnologias sendo apresentadas pelos vários países com a que pretendíamos
implementar. Analisar entre os vários centros de pesquisas lá presentes, aqueles que
poderiam ser parceiros em futuras pesquisas.
Desta visita dois resultados práticos viriam a mudar o rumo dos acontecimentos.
Em primeiro lugar o show dado pelo time americano do Newton Labs, que baleou os
adversários com escores tão altos como 15 X 0, 20 X 0, nos fez repensar o projeto do
robôs. Os robôs que estávamos projetando, assim como a maioria dos robôs projetados
pelos outros centros, possuíam sensoriamento local (infravermelho). O robô do Newton
Labs não dispunha de nenhum sensoriamento no próprio robô. Todo o trabalho de
reconhecimento do meio ambiente era realizado a partir das imagens geradas pela
câmara. O sistema de captura de imagens do Newton Labs tinha uma velocidade de 60
quadros por segundo, ao invés dos cerca de 15 quadros dos outros times.
O segundo resultado prático desta visita foi a identificação no KAIST de um
forte potencial para a elaboração de projetos em conjunto. Esta visita fortaleceu os laços
entre o IA e o KAIST a um ponto que hoje já temos uma proposta concreta de projeto
conjunta em robótica autônoma, atualmente em fase de análise pelos Ministérios de
Ciência de Tecnologia de ambos países. Aliás, do ponto de vista do Ministério Coreano,
recebemos a informação de que o projeto atende a todos os requisitos exigidos por
aquele órgão, dependendo agora apenas da contrapartida brasileira. Diga-se de passagem
que o Brasil marcou de forma tão intensa a sua participação nas discussões em torno do
projeto na Coréia do Sul que hoje dois brasileiros ocupam posição de destaque na
estrutura da FIRA. O Dr. Alberto Elfes, diretor do Instituto de Automação do CTI, que
é o presidente regional da FIRA para a América do Sul, e o autor deste, que ocupa o
cargo de vice-presidente executivo.
Retornando da Coréia, com novos direcionamentos no projeto do robô e do
software, decidiu-se pela participação na segunda copa mundial, que seria realizada em
julho/97. Porém os recursos continuavam escassos, tanto materiais como de pessoal, e o
projeto andava lentamente, baseado quase que exclusivamente no esforço pessoal dos
pesquisadores envolvidos.
Em dezembro de 1996, ocorreu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, um
encontro de pesquisadores da área de robótica do Brasil e dos Estados Unidos.
Aproveitamos esta oportunidade então para lançarmos a idéia de um projeto a nível
nacional, chamado projeto Leopard (http://www.ia.cti.br/~leopard) , que teria como
objetivo permitir que pesquisadores das várias áreas do conhecimento aplicáveis a robôs
autônomos dispusessem de um ambiente comum de experimentação.
O projeto leopard viabiliza que cientistas trabalhando por exemplo na área de
estratégia, porém sem nenhuma experiência em robôs (mecânica) ou visão, possam vir a
fazer parte de um grande desenvolvimento conjunto em robótica autônoma. Ao permitir
que pesquisas que antes eram realizadas basicamente de uma forma teórica (como o
exemplo da estratégia citado anteriormente) sejam validadas em situações reais
complexas, onde a resposta deve vir certa e a tempo hábil, abre-se um novo campo para
o desenvolvimento tecnológico embasado em aplicações práticas e de uso imediato, pois
o uso de robôs na industria, laboratórios e inspeção representa na realidade um
subconjunto deste complexo maior que é o jogo de futebol. E o compartilhamento dos
custos de um ambiente de desenvolvimento por várias instituições facilitaria a obtenção
dos recursos necessários.
Embora o conceito do projeto fosse bem aceito pelos participantes brasileiros, a
adesão efetiva foi muito pequena. E o motivo era bem claro, e expresso de uma forma
direta por quase todo o pessoal contatado. A estrutura de nosso ensino superior (e
também nos centros de pesquisas não ligados a universidades) privilegia e de certa forma
obriga à publicação de trabalhos (papers) em publicações reconhecidas
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internacionalmente. Ter um trabalho publicado nestas revistas ou congressos demanda
um grande tempo e esforço. E o profissional da ciência que não possui artigos em
quantidade considerada adequada não consegue financiamento das agências de fomento
para manter as suas pesquisas.
Iniciar um trabalho deste vulto iria exigir um razoável espaço de tempo até que
os resultados justificassem a elaboração de “papers” mais sofisticados. E além disto, por
ser uma aplicação de cunho eminentemente prático, o nível de complexidade dos papers
não seria tão grande quanto os possíveis de serem realizados somente de uma forma
teórica. Este fato fez com que não pudéssemos contar com pesquisadores ao longo de
todo o País envolvidos no projeto, apesar de todos considerarem conceitualmente uma
idéia que valeria a pena ser explorada.
Apesar deste início desalentador a reunião em Porto Alegre não foi de todo
infrutífera. A semente estava lançada e a luta continuava. Desejávamos ardentemente que
o País do Futebol também mostrasse a sua cara na arena da tecnologia.
Por esta época já tínhamos conseguido uma solução para a parte mecânica do
robô, através da utilização de servos motores utilizados em aeromodelos, disponíveis no
mercado nacional. Mas havia muito mais para ser atingido.
O processo começou a se acelerar em meados de abril de 1997, quando, em
função do discutido no encontro de Porto Alegre, pesquisadores de USP e da UNESP de
Bauru entraram em contato conosco. Através do prof. Kim, responsável pelo projeto na
Coreia do Sul, ficamos sabendo do nome de outro brasileiro, da COPPE do Rio de
Janeiro que tinha entrado em contato com ele através de correio eletrônico. Era o início
de um grupo.
Os pesquisadores da USP, principalmente a professora Ana Rillo, abraçaram com
entusiasmo a idéia. Marcelo Franchin, Rene Pegolaro e Humberto Ferasolli, da UNESP
Bauru também o fizeram. Vitor Romano, da COPPE também entrou em contato
conosco, aderindo ao projeto. No CTI, o projeto era conduzido pelo grupo original de
pesquisadores, Roberto Tavares e o Marcelo Oliveira.
Corria então o mês de maio. Numa reunião no CTI onde estavam a USP e a
UNESP uma idéia arrojada tomou conta do grupo. E se fosse formada uma força tarefa
com estas quatro instituições com o objetivo de levar um time para a copa de julho? O
pouco tempo disponível indicava que seria impossível. Organizar um grupo em quatro
instituições tão separadas, com verbas escassas e sem que nenhuma delas dominasse
completamente todas as tecnologias necessárias, parecia uma missão impossível. As três
instituições que participavam da reunião encararam o desafio. Contatada posteriormente,
a COPPE também aderiu.
Foram então realizadas as divisões das tarefas. Ao CTI coube implementar o
sistema de comunicação computador/Robô, incluindo o sistema de transmissão sem fio.
A solução mecânica descoberta pelo CTI algum tempo antes foi repassada a UNESP,
que implementou um robô baseado nesta solução. Coube também a UNESP uma das
partes vitais para a vitória, a estratégia. A USP ficou com o sistema de processamento de
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imagens. A COPPE desenvolveu um segundo robô, com características ligeiramente
diferentes em termos de tração, e com um dispositivo de chute baseado em eletroimã. O
dispositivo de chute do robô desenvolvido pela CTI/UNESP era baseado no uso de um
servo-mecanismo. Nenhum dos dispositivos, no entanto, chegou a ser testado em
condições reais de operação, o que não permitiu uma comparação conclusiva.
A três dias da data de embarque, os programas e o hardware estavam
praticamente prontos, testados isoladamente. O sistema seria testado como um todo pela
primeira vez dois dias antes do embarque para Seul. O que parecia impossível estava se
delineando como um grande sucesso do entusiástico trabalho conjunto de quatro
instituições brasileiras de ensino e pesquisa.
No entanto, esta não era ainda a oportunidade da tecnologia brasileira brilhar no
outro lado do mundo. Na noite do dia 27 de junho uma ligação telefônica da USP,
através da prof. Ana Rillo, trazia consigo um impacto fatal sobre a equipe. Problemas
com a placa de captura de vídeo que estava sendo utilizada impossibilitavam o uso do
sistema. Não havia reserva e o prazo de compra era longa. Foi um golpe mortal, sem
defesa. Se tivéssemos trabalhado com um nível de recursos um pouco mais confortável,
certamente todos os grupos envolvidos teriam uma placa semelhante e isto não teria sido
problema, mas a realidade é que somente os pesquisadores da USP estavam trabalhando
com esta placa.
Numa tentativa final, a UNESP, através do seu pesquisador Renê, tentou utilizar
uma outra placa de aquisição de vídeo. Esta porém era muito diferente no modo de
utilização, e não haveria tempo de se desenvolver software específico. Não havia
solução. A missão foi então abortada.
Em tempo. Nesta copa de julho 1997, os vencedores foram novamente os
americanos. Somente o custo da placa de aquisição de sinais de vídeo era superior ao
que gastamos em todo o projeto (considerando-se apenas o material, sem contar com
recursos humanos investidos).
A decepção foi grande. Mas a moral do grupo não se abalou. Agora, mais do que
nunca, estávamos certos que havia neste país uma massa crítica de pesquisadores
envolvidos nos diversos aspectos da robótica autônoma que permitiriam o
desenvolvimento de inúmeros projetos nesta área. A idéia de uma Copa Brasileira de
Futebol de Robôs, como selecionadora de times ou tecnologias para enfrentar a Copa
Mundial de Futebol de Robôs, em julho/98 na França, tomou forma e corpo.
Este grupo inicial que pretendia levar o primeiro time brasileiro para a Coréia em
julho/97 está hoje organizando a primeira Copa Brasileira de Futebol de Robôs
(CBFR/98). A copa está inserida dentro das atividades do projeto Leopard, mas é
trabalhada de forma independente. O projeto Leopard pretende integrar pesquisadores
em atividades de longa duração. A Copa é um evento definido para ocorrer em
março/98, com duração e objetivos já bem definidos. Muitas perguntas me tem sido
feitas a respeito desta data. Ela foi fixada em março simplesmente por ser o último mês
em que haveria tempo hábil para se solicitar as agências de fomento auxílio para a
viagem até a França, participando da Copa Mundial.
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No mês de julho de 1997 a Copa Brasil teve um reforço importante. A
Universidade Federal de Minas Gerais, através do pesquisador Mário Campos,
manifestou o seu interesse de participar. Dado o potencial de pesquisa do grupo mineiro
podemos prever que o nível do campeonato será ainda mais elevado.
Em meados de agosto/97 recebemos no CTI a visita do presidente da FIRA
(Federação internacional de futebol de Robôs Autônomos), também pesquisador do
KAIST. A intenção da visita era fazer uma demostração de dois times de futebol
desenvolvidos no KAIST e também lapidar a proposta de trabalho conjunto que tinha
sido feita quando de nossa viagem à Coréia. O prof. Kim e mais uma equipe de quatro
pesquisadores estiveram por quatro dias no CTI e também passaram um dia no Rio de
Janeiro, onde fizeram uma segunda demonstração pública dos times de robôs.
Estas demonstrações atrairam uma considerável atenção da mídia. Praticamente
todas as emissoras e jornais de expressão na região sul/sudeste abriram um espaço para
noticiar o evento. Em Campinas, recebemos inclusive a visita do Cônsul Geral da Coréia
do Sul, que veio prestigiar o evento.
A exposição à mídia teve o efeito de atrair curiosidade de um grande público
jovem e cheio de iniciativa, alias um dos objetivos mais importantes deste trabalho. Emails contendo perguntas dos mais diversos tipos começaram a pipocar em nossa caixa
postal. Muitas delas eram repetitivas, e se referiam a como participar da copa, como o
projeto começou, quem podia participar, etc... Estas perguntas serão compiladas em
forma de uma FAQ que será colocada na página do projeto Leopard,
http://www.ia.cti.br/~leopard. Também nesta página será colocada um link direto para a
página da CBFR’98, para aqueles que desejarem se restringir às atividades da Copa
propriamente dita.
Aqui terminamos este pequeno histórico. Esperamos com ele termos respondido
às inúmeras perguntas sobre como este projeto começou. Procuramos não esquecer
nenhum detalhe ou pessoa envolvida, porém se involuntariamente omitimos algum
evento importante ou participação pessoal, tenho certeza de que os companheiros que
participaram de perto desta epopéia irão me corrigir e uma segunda versão deste
histórico será colocada na página leopard.
Isto é o passado. O futuro agora está nas nossa mãos. Pretendemos obter
patrocínio na Copa Brasil para financiar o envio da equipe vencedora para a copa de
julho na França, que será realizada na mesma época da Copa de Futebol (humano). Você
quer assistir ao vivo os jogos da nossa seleção?. É simples. Mostre do que é capaz no
desenvolvimento de robôs autônomos e vamos para a França.
Boa Sorte!
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