REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
Receita para criar um marginal
Da criminologia exsurgem inúmeras nuances que se dissipam e promovem múltiplos resulados. É impossível estudá-la e compreendê-la com fulcro
exclusivo nos adjetivos jurídicos. Gêneses empíricas e remotas, oriundas das experiências juvenis, explodem em casuísticas que aguçam nossa
curiosidade e nos deixam perplexos quanto aos seus possíveis porquês. Pensando nessas matizes, elaborei, com sotaque coloquial, a presente
receita.
Tenho a convicção íntima de que, se a fórmula infra fosse evitada o quanto possível, sensivelmente nossos jovens ver-se-iam mais afastados das
sedutoras sendas da criminalidade.
Adepto do raciocínio de Rousseau, acredito que o estudante das ciências criminológicas deve ater-se à incessante busca da causa da criminalidade
no meio social. Dessa arte, oportuna a presente prescrição que almejo não ser adotada por qualquer dos diletos leitores.
Preliminarmente, friso que este receituário é fruto de observações ao longo de minha vida funcional como policial civil. Utilizei-me de constantes
conversações com jovens infratores e de inúmeras audiências com seus pais. Tratam-se de sete vícios capitais. É tudo muito simples. Basta você
seguir, atentamente, os seguintes passos:
1) Nunca ouse discutir com seu filho acerca dos perigos envoltos nas drogas ilícitas, porquanto há incontáveis traficantes e jovens desregrados
sedentos por instruí-lo a respeito; 2) Nunca seja imparcial ao ouvir alguma reclamação sobre o comportamento dele. Seja parcial e parta do princípio
de que ele está sempre certo e de que os outros estão sempre errados; 3) Se o seu filho for ríspido em casa, não lhe obedecer e proferir-lhe injúrias
verbais, não faça nada. Demonstre que ele está acima dos outros e que ninguém é digno do seu respeito; 4) Se ele preferir o ócio ao estudo ou à
colaboração com as atividades domésticas, deixe estar. Ele acreditará que o mundo tem a obrigação de sustentá-lo gratuitamente e que, se no futuro
o mundo decepcioná-lo, ele estará livre para buscar meios mais fáceis, embora ilícitos, de alcançar o que deseja; 5) Quando você for discutir
deteminada diferença com seu cônjuge, faça-o de forma agressiva, desrespeitosa e, preferentemente, na frente do seu filho. Ele também passará a
adotar esse modelo de comportamento dentro e fora de casa; 6) Se você sofreu uma separação conjugal, produza toda sorte de consequências
contraproducentes a partir dessa vicissitude social, utilizando o seu filho como um instrumento bélico contra o seu ex-cônjuge. Faça intrigas e
satisfaça todas aquelas vontades caprichosas que o seu filho sempre teve e que normalmente não seriam satisfeitas durante a constância do laço
matrimonial. Desta forma, você obterá a preferência dele e propiciar-lhe-á uma perspicácia excepcional, na medida em que ele entenderá como se
aproveitar com desvalia das situações e das outras pessoas; 7) Não se preocupe se o seu filho está saindo com amigos de má fama. Assim, se um
dia ele for flagrado em pleno ato infracional, de tal forma que não lhe seja possível auxiliá-lo na tese da negativa de autoria, possa você justificar-se
aos policiais dizendo que a causa determinante de tudo foi a influência das más companhias.
Muito bem. Cumpridas as orientações supraditas, não se preocupe mais com o comportamento do seu filho. A partir de agora, a Polícia passará a ter
o dever legal de fazer isso por você.
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