Os Direitos da Personalidade no Novo Código Civil*¹
Não admira assim, face a este mundo novo em ebulição, que o homem europeu contemporâneo, causticado pela guerra
e pelas crises econômicas, passe antiteticamente a reivindicar para si um certo espaço, um determinado ‘território’, uma
concreta esfera de resguardo e de acção, que lhe possibilitem defender-se e afirmar-se no meio social. E, mais do que
isso, o homem contemporâneo, embora reconheça a necessidade de igualação num conjunto de condições básicas (v.g.
na educação e na saúde), passa a reclamar, ciente de sua individualidade constantemente ameaçada pela normatização
e pela massificação, um direito à diferença que contemple a especificidade de sua personalidade.
[Rabindranath Capelo de Souza*2]
As idéias que abordarei, neste artigo, se dividirão em quatro etapas:
(I) Constitucionalização do Direito Privado, as Características e um Breve Histórico dos Direitos da Personalidade;
(2) Relação da Constituição com o Novo Código Civil, tratando da dignidade da pessoa humana, dos direitos
fundamentais e da regulamentação dos direitos de personalidade;
(3) Direitos da personalidade da pessoa jurídica;
(4) Caso jurisprudencial envolvendo a dignidade da pessoa humana – direito comparado, por fim;
(5) Os artigos do novo Código Civil e a Conclusão*3.
I. A Constitucionalização do Direito Privado, as características e um breve Histórico dos Direitos da
Personalidade.
Poucos temas jurídicos revelam maiores dificuldades conceituais quanto os direitos da personalidade. De um lado, os
avanços da tecnologia, dos agrupamentos urbanos e, enfim, da globalização expõem a pessoa humana a novas
situações que desafiam o ordenamento jurídico, reclamando disciplina; de outro lado, a doutrina parece buscar em
paradigmas do passado as bases para as soluções das controvérsias que, geradas na sociedade contemporânea, não
se ajustam aos modelos nos quais se pretende enquadrá-las*4.
Historicamente e sinteticamente podemos dizer que os denominados direitos da personalidade ganharam maior
destaque após a Segunda Guerra Mundial, com o advento da nova Declaração dos Direitos Humanos.
O respeito à dignidade humana passou a ser a tônica dos sistemas constitucionais, em anteposição ao estatismo
prevalente no período anterior.
Vários códigos passaram a dedicar um capítulo aos denominados direitos da personalidade, que anteriormente não
tiveram acolhida em razão da posição dos doutrinadores que não admitiam sua formulação positiva, com medo da
exacerbação dos referidos direitos.
Dentre os Códigos que tratam positivamente dos direitos da personalidade temos: o suíço, o japonês, o iraniano, o grego,
o egípcio, o português*5 e o italiano.
A própria denominação de direitos da personalidade variou muito com o passar do tempo.
Vejamos primeiramente suas características*6.
Diz-se que os direitos da personalidade são o mínimo imprescindível para o ser humano desenvolver-se dignamente.
Diz-se que são absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, indisponíveis, vitalícios e necessários.
Absolutos porque são de tal ordem que devem ser observados, respeitados por todos.
Extrapatrimoniais porque não se reduzem a dimensionamento de interesses, nem a avaliações econômicas.
São ditos imprescritíveis no sentido de que o exercício do direito pode se dar a qualquer momento na preservação de
sua esfera de integridade, física ou moral.
Indisponíveis, porque o titular não pode se privar de seus direitos da personalidade, o que é muito mais do que
intransmissibilidade, ou inalienabilidade. Bem por isso jamais poderão ser objeto de expropriação. Neste ponto, é mister
lembrar que houve sistemas que permitiram a disposição desses direitos resultando na escravidão.
Importa salientar quanto à intransmissibilidade, que por ser inerente à pessoa, não se admite a transmissão nem “causa
mortis”.
Vitalícios porque integrados à vida do titular, e, enquanto esta existir, perduram seus direitos. Note-se, e “post mortem” –
respeito ao cadáver, ou seja, sua imagem serão preservados eternamente.
Necessários porque não se admite a ausência de qualquer um deles para o desenvolvimento da própria vida, são
imprescritíveis à própria vida.
Eles podem, ademais, ser divididos em direitos à integridade física e em direitos à integridade moral.
Quanto aos relativos à integridade física destacam-se o direito à vida, o direito sobre o corpo e o direito ao cadáver.
Quanto aos relativos à integridade moral destacam-se o direito à honra, liberdade, privacidade e numa esfera mais
estreita à intimidade, imagem, ao nome e direitos morais sobre as criações pela inteligência.
Retomemos a história dos direitos da personalidade.
A categoria, dos direitos da personalidade constitui-se, portanto, em construção recente, fruto de elaborações
doutrinárias germânica e francesa da segunda metade do século XIX. Compreendem-se sob a denominação de direitos
da personalidade, os direitos atinentes à tutela da pessoa humana considerados essenciais à dignidade e integridade.
Em síntese, observou Giorgio Giampiccolo*7: o homem, como pessoa, manifesta dois interesses fundamentais: como
indivíduo, o interesse a uma existência livre; como partícipe do consórcio humano, o interesse ao livre desenvolvimento
da vida em relações. A esses dois aspectos essenciais do ser humano podem substancialmente ser reconduzidas todas
as instâncias específicas da personalidade.
Sobre a constitucionalização dos direitos privados, verificamos que no Brasil é uma nova tendência (pós CF/88), já na
Alemanha é antiga – pós II guerra.
No Brasil isso se dá, já que o direito brasileiro renasceu do período pós autoritário, onde as doutrinas constitucionais e
civis cresceram e se dinamizaram muito.
Verificaremos que na esfera do direito público os direitos da personalidade são chamados de direitos fundamentais.
Vejamos então se há ou não diferença entre os direitos fundamentais e os direitos da personalidade.
II. Relação da Constituição com o Novo Código Civil, abordando a dignidade da pessoa humana, os direitos
fundamentais e a regulamentação dos direitos de personalidade.
O NCC seguiu os caminhos da Constituição Federal, ao adotar o princípio da socialidade como, junto com a eticidade e
operabilidade são valores essenciais que nortearam a alteração do Código Civil pátrio.
Neste diapasão devemos diferenciar os direitos fundamentais e os direitos de personalidade.
Vejamos.
Muitos dos direitos fundamentais são direitos de personalidade mas nem todos os direitos fundamentais são direitos de
personalidade, diz Canotilho. Os direitos de personalidade abarcam certamente os direitos de estado (por exemplo;
direito de cidadania), os direitos sobre a própria pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade),
os direitos distintos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de
liberdade (liberdade de expressão), Tradicionalmente, afastavam-se dos direitos da personalidade os direitos
fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem atinentes ao ser como pessoa. Contudo, hoje em dia, os
direitos fundamentais tendem a ser direitos de personalidade e vice-versa*8.
Canotilho entende que existe uma separação entre os dois direitos tendo em vista que a Constituição portuguesa
reconhece os direitos fundamentais a pessoas coletivas e organizações (ex.: os direitos reconhecidos às organizações
de trabalhadores na Constituição Portuguesa)*9.
Enquanto Canotilho explica a diferenciação sob o enfoque de um estudioso do direito público, ou seja, analisando
primeiramente o advento dos direitos fundamentais para depois analisar os direitos da personalidade, o civilista Gustavo
Tepedino analisa o tema sob outro enfoque.
Vejamos.
Durante o liberalismo, o indivíduo não encontrava limites nas relações jurídicas patrimoniais, cuidando o direito privado
basicamente de estipular garantias para que o domínio fosse exercitado sem ingerência externa; e para que a
transferência de riqueza (da propriedade, portanto) pudesse ser livre curso mediante a disciplina dos contratos. A lesão à
integridade das pessoas era matéria do direito público, que asseguraria, com o direito penal, a repressão aos delitos.
Na medida em que a pessoa humana se torna objeto de tutela também nas relações de direito privado, com o
estabelecimento de direitos subjetivos para a tutela de valores atinentes à personalidade, trataram os civilistas de definir
a sua configuração dogmática, a delineando-se um direito iluminado pelo paradigma do direito subjetivo privado, por
excelência, o direito de propriedade.
Cogita-se, nesta esteira, que tais direitos pertencem à categoria dos direitos privados exatamente porque: a vida, a
integridade física, a honra, a liberdade, satisfazem aspirações e necessidade próprias do indivíduo em si mesmo
considerado, e inserem-se portanto, na esfera da ‘utilitas’ privada. Ao lado de tais direitos subjetivos privados
conviveriam, assim, os direitos subjetivos públicos, também chamados direitos civis, os quais atenderiam às aspirações
do indivíduo em face do estado, para protege-lo das opressões oriundas da coletividade estatal, cujo objeto seria sempre
o mesmo, embora diversificado nas suas manifestações. Quando o ordenamento considerasse que certas necessidades
do homem possuem características tais a justificar a proteção do direito privado, além daquela que a ordem pública
oferece para a tutela da pessoa humana estabelecia o respectivo direito subjetivo privado.
Daí considerar que: ‘os direitos humanos são, em princípio, os mesmos da personalidade; mas deve-se entender que
quando se fala dos direitos humanos, referimo-nos aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito público,
quando desejamos protege-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos os direitos da personalidade,
sem dúvida nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o ângulo do direito privado, ou seja, relações entre
particulares, devendo-se, pois, defende-los frente aos atentados perpetrados por outras pessoas.
Neste mesmo diapasão verificamos que os rígidos compartimentos do direito público e do direito privado nem sempre se
mostram suficientes para a tutela da personalidade que, as mais das vezes, exige proteção a só tempo do Estado e das
sociedades intermediárias – família, empresa, associações – como ocorre, com freqüência, nas matérias atinentes à
família, à inseminação artificial e à procriação assistida, ao transexualismo, aos negócios jurídicos relacionados com a
informática, às relações de trabalho em condições degradantes, e assim por diante.
Sobre a regulamentação dos direitos de personalidade deferida ao legislador ordinário não significa uma reserva legal
ilimitada. À legislação infraconstitucional, tanto em matéria de direito civil, como de direito do trabalho, acidentário ou
previdenciário, por exemplo, só é permitido impor restrições às garantias individuais ou sociais na medida em que a
disciplina normativa encontre justificativa na própria dignidade da pessoa humana.
Portanto, em relação ao direito da personalidade a distinção entre direito público e privado não deve ser analisada como
antigamente e sim como uma nova forma de pensar estruturado na dignidade da pessoa humana.
O objeto e a titularidade, então, das duas teorias são idênticas, ou seja, a preservação do ser humano, do seu valor
maior: sua dignidade.
III. Direitos da Personalidade da Pessoa Jurídica.
O tema que pretendemos desenvolver agora é um daqueles também objeto de larga controvérsia e novo no direito civil.
A tutela da personalidade não se pode conter em setores estanques, de um lado os direitos humanos e de outro as
chamadas situações jurídicas de direito privado. A pessoa, à luz do sistema constitucional, requer proteção integrada,
que supere a dicotomia direito público e direito privado e atenda à cláusula geral fixada pelo texto maior, de promoção da
dignidade humana.
As teses que movidas embora pelo louvável propósito de ampliar os confins da reparação civil, consideram
indistintamente a pessoa física e a pessoa jurídica como titulares dos direitos da personalidade, a despeito do tratamento
diferenciado atribuído pelo ordenamento constitucional aos interesses patrimoniais e extrapatrimoniais.
As lesões atinentes às pessoas jurídicas, quando não atingem, diretamente, as pessoas dos sócios ou acionistas,
repercutem exclusivamente no desenvolvimento de suas atividades econômicas, estando a merecer, por isso mesmo,
técnicas de reparação específicas e eficazes, não se confundindo, contudo, com os bens jurídicos traduzidos na
personalidade humana (a lesão à reputação de uma empresa comercial atinge – mediata ou imediatamente – os seus
resultados econômicos, em nada se assemelhando, por isso mesmo, à chamada honra objetiva, com os direitos da
personalidade).
Com base em tais premissas metodológicas, percebe-se o equívoco de se imaginar os direitos da personalidade e o
ressarcimento por danos morais como categorias neutras, adotadas artificialmente pela pessoa jurídica para a sua tutela
(a maximização de seu desempenho econômico e de seus lucros). Ao revés, o intérprete deve estar atento para a
diversidade de princípios e de valores que inspiram a pessoa jurídica, e para que esta, como comunidade intermediária
constitucionalmente privilegiada, seja merecedora de tutela jurídica apenas e tão somente como instrumento para a
realização das pessoas que, em seu âmbito de ação, é capaz de congregar.
Portanto o sigilo industrial, o sigilo bancário podem também ser garantidos pelo ordenamento. Mas deve ser recusada,
por exemplo, a tentativa de justificar o sigilo bancário com a tutela da privacidade. Esta exprime um valor existencial (o
respeito da intimidade da vida privada da pessoa física); aquele, um interesse patrimonial do banco e/ou cliente.
IV. Caso Jurisprudencial envolvendo a Dignidade da Pessoa Humana – Direito Comparado
O Prefeito de Morsang-sur-Orge, valendo-se do seu poder de polícia, interditou o espetáculo, em cartaz numa discoteca,
constituído pelo arremesso de um homem de pequena estatura – um anão – pelos clientes, de um lado a outro do
recinto, em certame com objetivos de entretenimento*10.
A decisão da Prefeitura, que pretendia debelar a visível humilhação a que era submetido o anão, teve fundamento no art.
3° da Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, cujo texto consagra
o princípio da dignidade da pessoa humana.
O problema é que o próprio anão, litisconsorciado com a empresa interessada, recorreu ao tribunal administrativo,
obtendo êxito em primeira instância, ao argumento de que aquela perturbava ‘a boa ordem, a tranqüilidade ou a
insalubridade públicas’, aspectos em que se circunscreve o poder de polícia municipal.
Em outras palavras, a tutela da dignidade da pessoa humana, só por si, segundo a jurisprudência francesa até então
vigente, não integrava o conceito de ordem pública.
O pedido fundamentava-se ainda, no fato de que a atividade econômica privada e o direito ao trabalho representam
garantias fundamentais do ordenamento jurídico francês.
O caso acabou sendo submetido, em grau de recurso, ao Conselho de Estado, órgão de cúpula da jurisdição
administrativa que, alterando o entendimento dominante, reforçou a idéia, reformou a decisão do Tribunal de Versailles,
assentado que o respeito à dignidade da pessoa humana é um dos componentes da ordem pública; e que a
autoridade investida do poder de polícia municipal pode, mesmo na ausência de circunstâncias locais
específicas, interditar um espetáculo atentatório à dignidade da pessoa humana.
Verificamos, também, que a tutela da personalidade, como bem se acentuou na doutrina alienígena, é dotada do atributo
da elasticidade. No caso da pessoa humana, elasticidade significa a abrangência da tutela, capaz de incidir a proteção
do legislador e, em particular, o ditame constitucional de salvaguarda da dignidade da pessoa humana a todas as
situações, previstas ou não, em que a personalidade, entendida como valor máximo do ordenamento, seja o ponto de
referência objetivo.
V. Os Artigos do Novo Código Civil e a Conclusão.
O Novo Código Civil pátrio cuida dos direitos da personalidade, no Capítulo II do Codex em 11 artigos.
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE *11 *12
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não
podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Os direitos da personalidade são, em regra, indisponíveis, mas há temperamentos legais quanto a isso, visto que admite
sua disponibilidade relativa, por exemplo, quanto: ao direito de imagem, pois em prol do interesse social ninguém poderá
recusar que sua foto fique estampada em documento de identidade, e ao direito à integridade física, pois em relação ao
corpo alguém, para atender a uma situação altruística e terapêutica, poderá ceder, gratuitamente, órgão ou tecido (Lei
n°9.434/97; Dec. n° 2.268/97). Logo o exercício dos direitos da personalidade, com exceção das hipóteses previstas em
lei, não poderá sofrer limitação voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge
sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Esse artigo cuida das sanções suscitas pelo ofendido em razão de ameaça ou lesão a direito da personalidade. Os
direitos da personalidade, conforme preleciona Maria Helena Diniz, destinam-se a resguardar a dignidade da pessoa
humana, mediante sanções, que devem ser suscitadas pelo ofendido. Essa sanção deve ser feita por meio de medidas
cautelares que suspendam os atos que ameacem ou desrespeitem a integridade físico-psíquica, intelectual e moral,
movendo-se, em seguida, uma ação que irá declarar ou negar a existência da lesão, que poderá ser cumulada com ação
ordinária de perdas e danos a fim de ressarcir danos morais e patrimoniais.
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição
permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
É possível doação voluntária, feita por escrito e na presença de testemunhas, por pessoa civilmente capaz, de tecidos,
órgãos e partes do próprio corpo vivo para efetivação de transplante ou tratamento, comprovada a necessidade
terapêutica do receptor, desde que não contrarie os bons costumes, nem traga risco para a integridade física do doador,
nem comprometa suas aptidões vitais, nem lhe provoque deformação ou mutilação, pois não se pode exigir que alguém
se sacrifique em benefício de terceiro (Lei n°9.434/97 – art. 9°, §§3° a 7°).
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para
depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
Admitido, por este artigo, está o ato de disposição gratuita de órgãos, tecidos e partes do corpo humano “post mortem”
para fins científicos ou de transplante em paciente com doença progressiva ou incapacitante, irreversível por outras
técnicas terapêuticas (Lei n°9.434/97, art. 1° e Dec. 2.268/97, art. 23).
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção
cirúrgica.
O profissional da saúde deve respeitar a vontade do paciente, ou de seu representante, se incapaz. Daí a exigência do
consentimento livre e informado. Imprescindível será a informação detalhada sobre seu estado de saúde e o tratamento
a ser seguido, para que tome decisão sobre a terapia a ser empregada.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo que se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no
seio da família e da sociedade.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao
desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
Este artigo é estruturado pelo direito à honra objetiva.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
O direito ao nome é indisponível, por isso sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Protege-se juridicamente o pseudônimo adotado para fins de atividades lícitas usados por literatos e artistas tendo em
vista a importância de que goza, por identifica-los no mundo das letras e das artes, mesmo que não tenham alcançado a
notoriedade.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a
divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a
boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os
ascendentes ou os descendentes.
Este artigo trata da tutela do direito à imagem e dos direitos a ela conexos: direitos de interpretação, à imagem e autoral,
dano à imagem.
A Professora Maria Helena Diniz entende que existem limitações ao direito à imagem:
"Todavia, há certas limitações do direito à imagem, com dispensa da anuência para sua divulgação, quando:
(i) se tratar de pessoa notória, posto isso não constitui permissão para devassar sua privacidade, pois sua vida íntima
deve ser preservada. A pessoa que se torna de interesse público, pela fama ou significação intelectual, moral, artística ou
política não poderá alegar ofensa ao seu direito à imagem se sua divulgação estiver ligada à ciência, às letras, à moral, à
arte e à política. Isto é assim porque a difusão de sua imagem sem seu consenso deve estar relacionada com sua
atividade ou com o direito à informação;
(ii) se referir a exercício de cargo público, pois quem tiver função pública de destaque não poderá impedir que, no
exercício de sua atividade, seja filmada ou fotografada, salvo na intimidade;
(iii) se procurar atender à administração ou serviço da justiça ou de polícia, desde que a pessoa não sofra dano à sua
privacidade;
(iv) se tiver de garantir a segurança pública nacional, em que prevalecer o interesse social sobre o particular, ex.
procurado pela polícia;
(v) se buscar atender ao interesse público, aos fins culturais, científicos e didáticos;
(vi) se houver necessidade de resguardar a saúde pública. Assim, assegura Maria Helena Diniz, portador de moléstia
grave e contagiosa não pode evitar que se noticie tal fato;
(vii) se obtiver imagem, em que a figura seja tão somente parte do cenário, sem que se a destaque, pois se pretende
divulgar o acontecimento e não a pessoa que integra a cena."
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
O direito à privacidade da pessoa contém interesses jurídicos, por isso seu titular pode impedir ou fazer cessar invasão
em sua esfera íntima, usando para sua defesa: mandado de injunção, “habeas data”, “habeas corpus”, mandado de
segurança, cautelares inominadas e ação de responsabilidade civil por dano moral e patrimonial.
V.1. Conclusão
Por fim, gostaríamos de consignar que os direitos da personalidade não devem ser encarados como um novo reduto de
poder do indivíduo, no âmbito do qual seria exercido a sua titularidade, mas como um valor máximo do ordenamento,
modelador da autonomia privada, capaz de submeter toda a atividade econômica a novos critérios de validade, ou seja,
resumidamente consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma
e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no
homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.
Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme
*1- Artigo preparado para a palestra proferida no Instituto dos Advogados de São Paulo – “IASP” em 08.12.2003.
*2- “In” Direito geral da personalidade, Coimbra, 1995, p.84.
*3- Vide: Bittar, Carlos Alberto, Os direitos da personalidade: Forense Universitária, 1989; Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Lisboa, Almedina; Fiúza, Ricardo, Novo Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2002; Lotufo, Renan, Curso avançado de direito civil: vol. 1, São Paulo: Ed. RT, 2002;
Perlingieri, Pietro, Perfis de Direito Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 157-158; Tepedino, Gustavo, Temas de Direito Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 2001.
*4- Tepedino, Gustavo, Temas de direito civil, Renovar, Rio de Janeiro, pp.23-24.
*5- Vide: Anexo Código Civil Português.
*6- Lotufo, Renan, Curso avançado de direito civil: vol. 1: parte geral, São Paulo, RT, 2002, pp.81-83.
*7- “apud” Tepedino, Gustavo, op. cit., p. 25.
*8- Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Lisboa, p. 489.
*9- Idem.
*10- A descrição do caso e todos os elementos dele foram extraídos da análise do Professor Joaquim Barbosa Gomes, O Poder de Polícia e o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana na Jurisprudência Francesa, “in”adv-coad, Seleções Jurídicas, 1996, n°12, p. 17 e ss.
*11- 4 – Art.11: o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.
5 – Arts. 12 e 20: 1) as disposições do art. 12 têm caráter geral e aplicam-se inclusive às situações previstas no art. 20, excepcionados os casos expressos de
legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas; 2) as disposições do art. 20 do novo Código Civil têm a finalidade específica de regrar a projeção dos
bens personalíssimos nas situações nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformem com a tipificação preconizada
nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no art. 12.
6 – Art. 13: a expressão “exigência médica”, contida no art.13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente.
Enunciados aprovados na jornada de direito civil promovida pelo centro de estudos judiciários do conselho da justiça federal no período de 11 a 13 de setembro
de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ. “in” site www.cjf.gov.br.
*12- Vide: Anexo Código Civil Português.
ANEXO
Código Civil Português
TÍTULO II
DAS RELAÇÕES JURÍDICAS
SUBTÍTULO I
DAS PESSOAS
CAPÍTULO I
Pessoas singulares
SECÇÃO II
Direitos de personalidade
ARTIGO 70º
(Tutela geral da personalidade)
1. A lei protege os indíviduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civ il a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as
providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos
da ofensa já cometida.
ARTIGO 71º
(Ofensa a pessoas já falecidas)
1. Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular.
2. Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no nº 2 do artigo anterior o cônjuge sobrevivo
ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.
3. Se a ilicitude da ofensa resultar da falta de consentimento, só as pessoas que o deveriam prestar têm legitimidade,
conjunta ou separadamente, para requerer as providências a que o número anterior se refere.
ARTIGO 72º
(Direito ao nome)
1. Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para
sua identificação ou outros fins.
2. O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma actividade profissional, usá-lo de modo a
prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará as
providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesse em conflito.
ARTIGO 73º
(Legitimidade)
As acções relativas à defesa do nome podem ser exercidas não só pelo respectivo titular, como, depois da morte dele
pelas pessoas referidas no número 2 do artigo 71º
ARTIGO 74º
(Pseudónimo)
O pseudónimo, quando tenha notoriedade, goza da protecção conferida ao próprio nome.
ARTIGO 75º
(Cartas-missivas confidenciais)
1. O destinatário de carta-missiva de natureza confidencial deve guardar reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo
lícito aproveitar os elementos de informação que ela tenha levado ao seu conhecimento.
2. Morto o destinatário, pode a restituição da carta confidencial ser ordenada pelo tribunal, a requerimento do autor dela
ou, se este já tiver falecido, das pessoas indicadas no nº 2 do artigo 71º; pode também ser ordenada a destruição da
carta, o seu depósito em mão de pessoa idónea ou qualquer outra medida apropriada.
ARTIGO 76º
(Publicação de cartas confidenciais)
1. As cartas-missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consentimento do seu autor ou com o suprimento
judicial desse consentimento; mas não há lugar ao suprimento quando se trate de utilizar as cartas como documento
literário, histórico ou biográfico.
2. Depois da morte do autor, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a ordem nele
indicada.
ARTIGO 77º
(Memórias familiares e outros escritos confidenciais)
O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às memórias familiares e pessoais e a outros
escritos que tenham carácter confidencial ou se refiram à intimidade da vida privada.
ARTIGO 78º
(Cartas-missivas não confidenciais)
O destinatário de carta não confidencial só pode usar dela em termos que não contrariem a expectativa do autor.
ARTIGO 79º
(Direito à imagem)
1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela;
depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a
ordem nele indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que
desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução
da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido
publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a
honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.
ARTIGO 80º
(Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada)
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
ARTIGO 81º
(Limitação voluntária dos direitos de personalidade)
1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem
pública.
2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos
causados às legítimas expectativas da outra parte.
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