O HUMANO E A LIBERDADE EM JEAN PAUL SARTRE
Tiago Soares dos Santos
Colégio Estadual Pedro II – SEED – PR
NRE – Umuarama
[email protected]
Alan Rodrigo Padilha
Instituto Federal do Paraná
Câmpus Umuarama
[email protected]
Palavras-chave: Humano. Liberdade. Projeto. Existência
Para pensar a respeito do humano em Jean Paul Sartre precisamos enveredar sobre alguns
conceitos apresentados na Conferência O existencialismo é um humanismo de 1945 e depois regredirmos à
sua principal obra de 1943, O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tal metodologia
regressiva se justifica diante da dificuldade de compreensão da obra de 1943 e da sua aplicabilidade teórica
na conferência de 1945. No primeiro momento, Sartre apresenta o homem sendo “o homem é, não apenas
como é concebido, mas como ele quer ser, e como se concebe a partir da existência, como se quer a partir
desse ela de existir, o homem nada é além daquilo que ele faz” (SARTRE, Existencialismo é um
humanismo, 2010). A partir dessa concepção humana resultante de ações, cumpre-nos, assim, a necessidade
de analisar e esclarecer a estrutura da ação humana. Poderíamos explicitar inúmeros conceitos a respeito dos
atos humanos, porém, o que norteará nosso trabalho é a ação intencional. Nas palavras do próprio Sartre:
“uma ação é por princípio intencional” (SARTRE, O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica,
2009). De acordo com o pensamento sartreano, o homem é um projeto de intencionalidade que vive como
um sujeito situado e engajado no mundo, consciente de sua condição. A condição estruturalmente humana é
a de se saber enquanto projeto que se lança para fora de si em direção ao não-ser, isto é, em direção daquilo
que não existe ainda, isto é, a pura vacuidade. Assim, o humano se lança em direção ao Nada na constante
tentativa de ser alguma coisa, de preencher esse buraco que possibilita sua construção humana e existencial.
Convém ressaltar que o homem não nadifica o ser que está posto à sua frente, pois esse ser é plenamente
positivo e imutável em sua estruturação de ser. O nada emerge da relação que o humano tem com esse serEm-si, pois o ser Em-si não pode ser nadificado, nem originar qualquer forma de negação. É, enfim, o
humano que faz emergir, através da interrogação, essas condutas negativas do homem e, ao fazer surgir,
sustenta essas negatividades existentes. Também afirmamos que o ser do homem que sustenta esse Nada é a
liberdade. Pois bem: é essa liberdade a estrutura constitutiva do humano. Sartre apresenta a realidade
humana como Para-si, isto é, é algo que emana do seio do ser e tentar ser alguma coisa novamente. É
justamente a partir dessa falta de ser inerente à realidade humana que podemos considerá-la livre. A
realidade humana não é o bastante, sempre lhe falta algo, pois sai de si mesma em direção àquilo que deseja
ser, mas ainda não o é. Portanto, entre aquilo que foi o humano que aquilo que será só existe um buraco, um
vazio intransponível que possibilita livremente que as escolhas se concretizem e vá preenchendo o vazio
provocado com o passado humano e seu futuro. Diante disso, podemos afirmar que a realidade humana ou
Para-si é um ser livre porque ainda não é um ser pleno e, portanto, poderá vir a ser aquilo que se projeta.
Nessa perspectiva, afirmamos que a liberdade não é uma faculdade da alma humana, nem qualquer atributo
que possa qualificar o homem com esse ou aquele adjetivo. Intentamos definir o que é o homem conforme
ele condiciona a aparição do Nada, pois se a sua essência é ser livre e tal liberdade promove o aparecimento
de condutas negativas, o que entendemos por essência nesse caso não pode ser o que se entende por essência
com o ser-Em-si. O humano repousa no seio do ser para dele desgarrar-se e se constituir livremente. Tal
desgarramento constitutivo do humano em relação ao ser no qual repousa é o processo de nadificação
humana. O humano nega, livremente, ser aquilo que é, ou seja, plena positividade no ser, desgarra-se desse
ser e, nesse desgarramento, faz emergir o nada. É, então, essa constituição livre do humano em relação ao
ser que possibilita e condiciona a aparição do Nada, pois essa liberdade é o humano que, diante do ser-Em-si
o interroga. De acordo com Sartre, não se é humano e, em seguida, torna-se livre, visto que a liberdade é,
justamente, o humano. Esclareçamos melhor: não há um homem e, na sequência, esse homem é livre porque
pode efetuar suas escolhas; a liberdade que Sartre nos apresenta não ocorre em termos apropriativos, ou seja,
como uma posse ou atributo de um humano. A liberdade é originária e estruturalmente humana e isso
implica pensar que humano e liberdade são as mesmas coisas, não existindo qualquer distanciamento
possível entre eles, visto que são as mesmas coisas. Seria um erro afirmar que o humano tem liberdade, pois
no termo humano já está contido o conceito liberdade e o indicativo de posse compreende a liberdade como
um atributo do ser não como sua essência. Para Sartre, a filosofia contemporânea compreendeu a
consciência humana como um escapar-se de si mesma, seja pela transcendência, intencionalidade ou o
arrancar-se de si mesma do próprio ser (SARTRE, O Ser e o Nada: ensaio de Ontologia Fenomenológica,
2009). Em nossa análise da consciência humana qualquer uma das definições acima pode nos ajudar na
compreensão do ser da consciência humana, que é a liberdade. Para melhor compreender, situemos, a título
de exemplo, a consciência no tempo. A estrutura temporal que melhor podemos compreender é a do
presente. Ora, com a temporalização presente pode-se afirmar que a consciência é. Outro problema emerge:
– O que é essa consciência presente? A consciência presente é o liame entre a consciência passada e a
consciência futura. Isso significa que a consciência passada já foi, tornou-se plena, não pode mais ser outra
coisa além daquilo que foi. A consciência passada essencializou-se em coisa pronta e acabada. A
consciência presente é separada da consciência passada por uma leve película de nada, pois nada separa
aquilo que a consciência foi, daquilo que a consciência é. Não se pode transpor o passado para o presente,
porque não há nada a transpor; o passado é distante do presente por absolutamente nada e é justamente por
não haver nada que separa o passado do presente que ele não pode ser transposto. Aquilo que a consciência
foi não é separado por nada daquilo que a consciência é. Já a consciência futura é aquilo que será possível,
pois ainda não é; e, do mesmo modo como a consciência passada, nada separa a consciência presente de sua
consciência futura. É possível que a consciência seja determinada coisa, que não seja essa coisa planejada ou
ainda que seja outra coisa que não o esperado, é essa pura possibilidade futura que assume a consciência
como pura intencionalidade e espontaneidade. Todas essas coisas em que a consciência futuramente pode se
tornar são possíveis, entretanto, no presente nenhuma ainda é de fato, a não ser enquanto possibilidade; e se
é possibilidade ainda não é, ou seja, inexiste. A consciência temporalizada, tanto passada, quanto futura, está
infestada do nada que separa o ser que é, do ser que foi e do ser que será. É esse nada que Sartre entende
como liberdade. Ainda que seja uma liberdade particularizada, ou seja, ôntica, é fundamentada
ontologicamente. Sartre expressa-se do seguinte modo: “a liberdade é o ser humano colocando seu passado
fora de circuito e segregando seu próprio nada” (SARTRE, O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia
Fenomenológica, 2009). O humano se constitui do seu passado, bem como de seu devir no presente em
direção ao futuro. Esse direcionamento ao futuro é a intencionalidade ou a transcendência ou o arrancar-se
do ser em direção a alguma coisa que não seja si mesmo. Esse processo de intencionalidade ou
transcendência que nos apresenta Sartre promove uma conduta que nos exige uma resposta imediata, sobre
que conduta é essa.
REFERÊNCIAS
SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão: Petrópolis,
RJ: Vozes, 2009.
__________. L’être et le neant: essai d’ontologie phénoménologique. Paris: Gallimard, 1943.
__________. O Existencialismo é um humanismo. Trad. João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ : Vozes, 2010.
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