1
Fonte:
Sexta-feira, 7 de agosto de 2015
O FATCA e suas obrigações
•
António Manuel França Aires
Advogado
•
Guilherme Spinacé
Advogado
Encerra no dia 15 de agosto o prazo para as Instituições Financeiras encaminharem à
Receita Federal do Brasil as informações bancárias dos contribuintes norteamericanos com contas no país. Tal obrigação pretende dar cumprimento ao Foreign
Account Tax Compliance Act - “FATCA”, arcabouço normativo norte americano de
transparência fiscal internacional, ao qual o Brasil recentemente aderiu.
Este foi o prazo estabelecido pela Instrução Normativa RFB 1.571/2015 que, entre
outras disposições, instituiu nova obrigação acessória chamada e-Financeira, com
tecnologia capaz de proporcionar às instituições financeiras maior aproximação ao
padrão internacionalmente reconhecido de captação de dados.
Interessante notar que a Instrução Normativa que estabeleceu o prazo de 15 de
agosto para envio dessas informações foi publicada no Diário Oficial em 3 de julho,
dando às instituições financeiras menos de 45 dias de preparação para o reporte, ou
menos se tomarmos por base que o Manual que orienta o envio das informações foi
apenas disponibilizado no dia 30 de julho.
Afinal, o que é FATCA?
Em poucas palavras, trata-se de uma série de normativas visando um padrão
internacional de mútuo-auxílio através da troca automática de informações
financeiras de contribuintes norte-americanos com contas em instituições
financeiras estrangeiras, a fim de se evitar quadros de evasão fiscal.
Ocorre que tão logo seu modelo foi desenvolvido e Instituições Financeiras de
diversos países se posicionaram afirmando que não seria possível seguir as leis locais
1
2
(privacidade, confidencialidade, etc.) e ao mesmo tempo dar cumprimento às
obrigações do FATCA. Tal situação culminou na assinatura de Acordos
Intergovernamentais (Intergovernmental Agreements - "IGAs") entre o Governo dos
Estados Unidos e os governos estrangeiros.
Por meio destes acordos (entre eles o firmado com o Brasil), pretendia-se, antes de
tudo, que os governos estrangeiros tomassem as medidas necessárias, para que as
exigências do FATCA pudessem ser cumpridas sem entraves jurídicos, como por
exemplo mudar ou adaptar suas leis de privacidade.
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a adesão ao FATCA em 26 de junho de 2015
por meio do Decreto Legislativo 146, internalizando o IGA firmado em 23 de
setembro de 2014, pelo qual a Receita Federal comprometeu-se a fornecer à
autoridade fiscal norte-americana (Internal Revenue Service- "IRS"), periodicamente,
informações acerca de contas bancárias, investimentos e demais ativos obtidos junto
às instituições financeiras brasileiras, cuja titularidade seja de contribuintes norteamericanos, o que inclui a revisão de dados eletrônicos, bem como, em alguns casos,
de documentação física. A contrapartida para a Secretaria da Receita Federal é o
fornecimento, pelo IRS, também periodicamente, de informações sobre os
investimentos feitos por contribuintes brasileiros nos Estados Unidos.
As Instituições Financeiras que não aderirem ao FATCA, ou mesmo aderindo, não
reportarem adequadamente as informações exigidas, além das penalidades previstas
pela art. 13 da Instrução Normativa 1.571/2015, serão passíveis de sofrer retenção
de até 30% sobre todos os pagamentos realizados por fonte norte-americana.
E o sigilo bancário?
Não obstante a abundância de dispositivos que atualmente regulamentam o sigilo
bancário, o seu fundamento não é unânime na doutrina. A teoria de maior expressão
é a da fundamentação constitucional, embora esta ainda apresente-se controversa
frente à falta de previsão expressa na Constituição Federal.
Sobre o tema, há aqueles que sustentam que o sigilo bancário encontra respaldo no
art. 5º, inciso XII da Constituição de 1988, visão que refutamos. Partilhamos da
posição dos eminentes professores Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Tércio Sampaio
Ferraz Junior, para os quais o legislador foi imprudente com a linguagem ao inserir a
palavra "dados" no inciso XII, o que leva à compreensão, em uma leitura sistêmica,
de que a proteção não se volta propriamente ao objeto da comunicação, mas sim à
modalidade tecnológica de comunicação de dados.
Parece-nos portanto mais acertado o entendimento que fundamenta o sigilo bancário
como decorrente da proteção da intimidade e da vida privada, previsto no mesmo
artigo 5º da Constituição Federal, mas em seu inciso X.
Superado isto, ao enfrentarmos as obrigações trazidas pelo FATCA é inegável que
houve, no Brasil, um esforço para alterar dispositivos que poderiam representar
entraves à sua implementação, especialmente quanto à troca de informações
sigilosas, a qual se estruturou principalmente com base no art. 6º Lei Complementar
1
3
nº 105/01, que traz a possibilidade de quebra de sigilo bancário por autoridades
fiscais, e no art. 199 do Código Tributário Nacional pelo qual a Fazenda Pública da
União poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da
arrecadação e da fiscalização de tributos.
Ocorre que esta fundamentação se dá apenas no plano infraconstitucional, o que vai
de encontro ao próprio fundamento constitucional do sigilo bancário, afinal,
somente norma de mesma hierarquia poderia afastar um direito constitucionalmente
assegurado.
Neste ponto também o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão julgando o RE
nº 389.808-PR de relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgou que o fisco brasileiro
não poderia quebrar o sigilo bancário sem a intervenção do Poder Judiciário,
demonstrando a existência de controvérsias no que se refere à própria
constitucionalidade do artigo 6º da referida Lei Complementar, um dos fundamentos
da operacionalização das obrigações trazidas pelo FATCA.
Assim, em que pese a aproximação dos prazos para envio das informações
financeiras dos contribuintes norte-americanos para a Receita Federal, ainda há
dúvidas sobre a forma como foi estruturada a prestação de tais informações, bem
como sobre o seu conteúdo e situações passíveis ou dispensadas de reporte.
António Manuel França Aires é Graduado em direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, é membro fundador e consultor jurídico do Instituto de
Estudos Econômicos e Internacionais. Participa da Câmara de Comércio Brasil
Portugal em São Paulo e do Núcleo de Pesquisas em Direito Econômico dos Estudos
de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica. Tem mais de 30 anos de
experiência contínua em Direito Empresarial, Direito Bancário e Recuperação e
Reestruturação de Empresas. Desde 2001 integra o Demarest Advogados, sendo que,
a partir de 2002 na qualidade de Sócio Responsável pelas áreas Bancária e
Recuperação e Restruturação de Empresas, atualmente reunidas na área maior de
Finanças Corporativas.
Guilherme Spinacé é Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e pós graduando em Direito Econômico pela GVLaw Escola de Direito de São Paulo. Atualmente é advogado das áreas Bancária e
Recuperação e Restruturação de Empresas no Demarest Advogados.
1
Download

O FATCA e suas obrigações