Não pode haver compromisso com o erro
Marcelo Cherto
Tenho lido e ouvido muita bobagem a respeito de franquias. Inclusive da pena
e da boca de gente que, pelo histórico ou pela posição que ocupa, deveria
saber melhor como as coisas de fato são. Que o sujeito fale bobagem por
desconhecimento, eu admito na boa. Tenho mais dificuldade é para lidar com
quem diz o que diz por fanatismo, por não conseguir descartar velhos
preconceitos e velhas superstições.
Procuro, de tempos em tempos, rever minhas “verdades”, minhas premissas e
minhas certezas, para me assegurar de que elas continuam válidas. E
confesso que quase sempre que o faço percebo que alguma coisa na minha
forma de ver o mundo já se tornou obsoleta. E trato de me reciclar. Afinal, não
pode haver compromisso com o erro, nem com uma visão de mundo distorcida
e divorciada da realidade.
Eu mesmo já preguei a aderência a conceitos diferentes dos que considero
corretos agora. E me reservo o direito de ainda mudar de idéia quantas vezes
me parecer necessário. Só para citar um exemplo, durante anos me opus aos
franqueadores que se utilizam de intermediários para recrutar e selecionar
franqueados. Naquele tempo eu acreditava que “terceirizar” a venda de
franquias constituía uma verdadeira heresia. Na forma como eu via a coisa,
denotava um certo desapreço do franqueador pela própria franquia e desprezo,
ou, no mínimo, indiferença pelos futuros franqueados.
Com o tempo, caiu a ficha: se muitas empresas sérias hoje terceirizam, dentre
tantas outras atividades, a contabilidade, o marketing, o desenvolvimento de
produtos, a logística, a distribuição, o atendimento a clientes e até mesmo o
recrutamento e seleção dos executivos responsáveis pelo comando da própria
organização, porque motivo alguém não poderia ou não deveria entregar a
terceiros a tarefa de buscar e pré-selecionar candidatos à aquisição de suas
franquias?
O leitor tem idéia de como é o funil de venda típico de uma franquia? Quantos
interessados são contatados, entrevistados e triados com o uso de uns tantos
métodos e ferramentas para se aprovar um único franqueado? Para algumas
empresas, o número bate em 400 contatos iniciais para se vender uma única
franquia! A média do mercado, diga-se de passagem, está em cerca de 250
para 1. O leitor certamente imagina o tempo e energia que isso consome, se for
bem feito.
Por que motivo uma empresa precisa passar pelo martírio de responder ao
contato, enviar folhetos, documentos e informações, entrevistar, fazer
dinâmicas e solicitar dados cadastrais e o diabo a quatro a tanta gente, quando
há boas empresas especializadas nisso? Se a própria tarefa de recrutar e triar
candidatos à presidência das melhores empresas costuma ser terceirizada, por
que não fazer o mesmo quando se trata de triar franqueados? Evidentemente,
minha opinião a esse respeito hoje é inteiramente diferente da que eu tinha
anos atrás.
O mesmo vale para a venda de produtos, pelo franqueador a seus
franqueados. Houve uma época em que eu estava convencido de que “não era
correto” um franqueador ser o fornecedor dos produtos e insumos necessários
à instalação, ou ao funcionamento, de suas franquias. Por que motivo eu
pensava assim, nem eu mesmo sei dizer. A verdade é que pouquíssimas
empresas franqueadoras podem se dar ao luxo de viver apenas dos royalties e
outras taxas que cobram de seus franqueados. Em boa parte dos casos, as
contas simplesmente não fecham. Mais uma vez, a realidade me fez rever
minha posição. Que não passava de uma superstição.
O fato é que muita gente continua fazendo as coisas “como sempre fez” e
vendo a realidade “como sempre viu” por pura superstição. Por medo de refletir
e descobrir que as idéias defendidas há anos com unhas e dentes não têm pé
nem cabeça. Pessoas assim não querem saber o que funciona. Querem a
segurança de seus velhos conceitos. Lidam com suas idéias como outros lidam
com chinelos velhos, feios demais para continuar usando, mas absolutamente
confortáveis, por terem tomado as formas (as deformações?) dos pés do dono.
Quem age assim é fundamentalista. Avalia se deve, ou não, aceitar uma nova
informação baseado não no fato dessa nova informação ser verdadeira, mas
na forma como acredita que a mesma poderá afetar seu sistema de crenças já
estabelecidas. Não muda a maneira de pensar, por mais que seja exposto a
evidências de que as coisas mudaram ou nunca foram com gosta de pensar
que são. E quase sempre o faz em nome de uma pretensa “coerência”.
Ser coerente não tem nada a ver com a preservação, em salmoura ou formol,
de idéias que já não encontram amparo no mundo real. Não significa apego
rígido a princípios e fórmulas que não passam de superstições. Não implica em
acreditar que, como na velha piada, seu filho é o único que marcha certo,
enquanto todo o resto do batalhão está marchando errado.
Ser coerente é não abrir mão de seus Valores. Tudo mais, idéias, conceitos,
visão e até a Missão de uma empresa pode e dever ser revisto com uma
freqüência razoável. Apenas os Valores é que não podem ser ignorados, nem
alterados.
Não fosse assim e, até hoje, continuaríamos acreditando que o mundo é plano,
que o sol gira ao redor da terra e que comer manga com leite mata.
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Marcelo Cherto é Presidente do Grupo Cherto (www.cherto.com.br), consultoria
especializada em Franchising que também aplica técnicas e ferramentas utilizadas pelas
redes de franquias para otimizar outros Canais de Vendas, e diretor do Portal Franquia
(www.franquia.com.br). É membro da Academia Brasileira de Marketing e do Global
Advisory Board da Endeavor, além de autor de vários livros. E também do Blog
http://marcelocherto.com.br .
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