MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado da Bahia
Av. Sete de Setembro, 2365 - Corredor da Vitória - 40.080-002 - Salvador/BA
Fone: (071) 338-1800 - Fax: (071) 338-1855
_______________________________________________________________
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ____ VARA DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO ESTADO DA BAHIA
URGENTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela procuradora da
República infrafirmada, no uso de suas atribuições legais, e com base no art. 129, II e III
da Constituição Federal, na Lei Complementar nº 75/93 e na Lei nº 7.347/85, vem propor
a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, em face de:
1) UNIÃO, pessoa jurídica de direito público, que poderá ser citada por
meio do Procurador-chefe da Advocacia-geral da União na Bahia,
situada na Avenida Tancredo Neves, 450-28º andar. Ed. Suarez Trade,
Caminho das Árvores, nesta capital;
2) ESTADO DA BAHIA, pessoa jurídica de direito público, que poderá
ser citado por meio do Procurador-geral do Estado, cujo endereço é
Largo do Campo Grande, nº 382, Campo Grande, nesta capital.
I- DOS FATOS
Foi instaurado nesta Procuradoria da República o Procedimento
Administrativo nº 1.14.000.000778/2006-71, em face da representação da Sra.
Vera Lúcia Silva e dos senhores José de Andrade Pereira e José Costa do Nascimento, em
08/08/2006, pretendendo fornecimento, pelo serviço público de saúde, do
medicamento ARILSULFATASE B RECOMBINANTE - rhASB (nome comercial
1
NAGLAZYME®) para os seus filhos menores: DENILSON SILVA ROSA, filho da primeira
representante; JORGE DOS SANTOS PEREIRA e SIDNEY DOS SANTOS PEREIRA, filhos do
segundo representante; e JOSÉ WAGNER DOS SANTOS NASCIMENTO, filho do terceiro
representante. Todos os menores são portadores de Mucopolissacaridose do Tipo
VI, MPS VI ou Doença de Maroteaux-Lamy.
A representação foi instruída (fls. 03/06 do Procedimento
Administrativo) com cópia dos Relatórios Médicos dos pacientes acima nominados, da
lavra das especialistas em Genética Clínica, Dra. Angelina Xavier Acosta, CRM 14750 e
Dra. Tatiana Amorim, CRM 12367, médicas e pesquisadoras do Centro de Pesquisa
Fima Lifshitz do Centro Pediátrico Professor Hosanah de Oliveira do Hospital
Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Os
referidos relatórios descrevem a patologia de que são portadores os menores citados e a
forma de seu tratamento, de onde destacamos os seguintes trechos:
“As
crianças
afetadas
pela
MPS
VI
habitualmente
apresentam déficit de crescimento, macrocefalia com
fácies grosseiro, perda auditiva e cegueira progressivas,
cardiopatias (valvulopatia e miocardiopatia), infecções
respiratórias
altas
freqüentes,
hérnias,
hepatoesplenomegalia, lordose lombar e outras alterações
de coluna, alterações dos ossos pélvicos, hidrocefalia,
síndrome do túnel do carpo. A inteligência habitualmente
é normal.”
“Sem tratamento, a sobrevivência máxima estimada é de
20 anos, com sérias incapacidades (surdez, cegueira,
paralisia, e ocasionalmente desenvolvimento de retardo
mental ...”
“Atualmente em nosso país, já se completou o protocolo
de
pesquisa
para
o
uso
de
terapia
de
reposição
enzimática, na qual a enzima deficiente, produzida em
laboratório,
é
administrada
aos
pacientes.
Resultados
evidenciam grande benefício em impedir a progressão da
doença e melhorar a lesão tecidual. O descrito tratamento
foi desenvolvido pelo laboratório Biomarim. Em 2005 foi aprovado
para uso e comercialização nos Estados Unidos o Naglazyme
(Arilsulfatase B recombinante – rhASB)”
A representação inicial também foi instruída com cópia de
receita médica que prescreve o uso interno do NAGLAZYME (fl. 08 do
2
Procedimento Administrativo), com administração intravenosa da medicação de acordo
com o peso, em infusão em sessões a serem realizadas uma vez por semana, por toda a
vida do paciente.
Na instrução do Procedimento Administrativo no âmbito do
Ministério Público Federal, foi juntado o Relatório Europeu de Avaliação Público
(EPAR) do NAGLAZYME, pela agência européia de controle de medicamentos
(European Medicines Agency) – EMEA, documento EMEA/H/C/640 e seus
anexos (fls. 09/33 do Procedimento Administrativo).
As
informações
oferecidas
nos
relatórios
médicos
acima
referidos são corroboradas pelos pareceres emitidos em dois dos maiores centros
de pesquisa nacionais para as patologias genéticas: o Ambulatório de Erros
Inatos do Metabolismo do Serviço de Genética Clínica do Hospital das Clínicas
da UNICAMP (fls. 61/63 do Procedimento Administrativo) e o Serviço de Genética
Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (fls. 67/68 do Procedimento
Administrativo).
Do primeiro se colhe:
“a administração da droga é semanal, através de infusão
endovenosa por cerca de 4 horas, segundo um protocolo...,
contínua monitoração de sinais vitais e supervisão médica e de
enfermagem durante todo o ato de infusão. É necessário,
portanto, que o local de infusão tenha toda a infraestrutura de pessoal e serviços para tal procedimento, de
nível de complexidade comparável ao da quimioterapia
ambulatorial”
As médicas geneticistas do Centro Pediátrico Professor
Hosanah de Oliveira do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da
Universidade Federal da Bahia, atestam que o Centro em que trabalham
“apresenta condições necessárias, tanto de recursos humanos quanto de infra-
estrutura, para a realização do tratamento da Mucopolissacaridose (MPS) tipo
VI” (fls. 78 e 80 do Procedimento Administrativo).
A despeito da possibilidade concreta de tratamento eficaz, nos
termos acima descritos, a sua efetivação depende da disponibilidade do fármaco, o
ARILSULFATASE B RECOMBINANTE - rhASB (nome comercial NAGLAZYME®),
ainda não disponível no Brasil, por não possuir ainda o registro junto à Agência Nacional
de Vigilância Sanitária – ANVISA. Podendo, entretanto, ser importado do laboratório
produtor. Como salienta o Prof. Dr. Roberto Giugliani, Chefe do Serviço de
3
Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (fl. 67 do Procedimento
Administrativo):
“A galsulfase foi aprovada em 2005 pelo FDA e em 2006
pela EMEA (órgãos de controle de medicamentos dos Estados
Unidos e da União Européia, respectivamente), mas ainda não
foi submetida para aprovação pela ANVISA pois o fabricante
necessita cumprir uma série de formalidades prévias, ainda em
curso.
Isso
não
impede
que
a
medicação
seja
eventualmente prescrita por um médico brasileiro para
uso em paciente brasileiro, uma vez que a mesma está
disponível comercialmente em outros países.”
Consultados os gestores Estadual e Federal do Sistema
Único de Saúde, estes se manifestaram pela impossibilidade da dispensação do
produto farmacêutico no âmbito do Sistema.
O Ministério da Saúde, através da sua Secretaria de Ciência,
Tecnologia
e
Insumos
Estratégicos,
emitiu
o
Parecer
Técnico
nº
92/2006/DAF/SCTIE/MS (fls. 58/59 do Procedimento Administrativo), onde se explica
a forma como se dá a gestão do Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter
Excepcional e o procedimento de incorporação dos medicamentos no programa de alto
custo. Especificamente sobre o medicamento em questão, informa tratar-se de
medicamento que não consta da relação de medicamentos excepcionais e não possui
registro na ANVISA. Conclui que:
“Em relação ao medicamento arilsulfatase B (Naglazyme) que
ainda não pertence a nenhuma lista pactuada
de
financiamento
nas
público,
sugerimos
que,
com
base
pactuações já existentes, no intuito de reorganização da
Assistência
Farmacêutica,
norteada
pela
diretriz
da
descentralização e com os repasses realizados regularmente entre
os níveis de gestão, talvez haja a possibilidade de,
excepcionalmente, o Estado da Bahia, avaliar e atender os
autores para garantir a integralidade da atenção à saúde
do mesmo.”
Ocorre, que também o gestor do SUS no plano estadual
noticia, no Relatório referência 665, de 21/08/2006 (fls. 48 e 49 do Procedimento
Administrativo), de forma equivocada, diga-se, “que o medicamento em questão
não pode ser prescrito, uma vez que não é registrado na ANVISA”, negando-se,
também e por conseguinte, a prover a aquisição e fornecimento do
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medicamento através do sistema público de saúde.
Nos autos do anexo Procedimento Administrativo, que teve curso
no âmbito da Procuradoria da República, consta a informação de que o Estado da Bahia já
vem dispensando o medicamento a um grupo de crianças portadoras da patologia em
questão, por força de ordem judicial em ações propostas perante o Poder Judiciário
Estadual, no âmbito das Comarcas de Monte Santo e de Camacan (fl.112/114 do
Procedimento Administrativo). Todavia, a certidão de fl. 170 dá conta de que, dos quatro
menores que representaram à PR/BA em busca do medicamento, um deles, DENILSON
SILVA ROSA, ainda não vem recebendo o tratamento em razão de o seu domicílio ser a
capital e não uma daquelas duas comarcas onde vigem liminares determinando a
dispensação do medicamento (Monte Santo e Camacan).
Resulta
claro,
portanto,
que
o
Poder
Público,
em
quaisquer de suas esferas, tem se negado ao atendimento espontâneo do pleito
legítimo do cidadão, usuário do SUS, em receber a atenção integral à saúde
preconizada pela Constituição Federal (art. 198, inciso II), o que, no caso da
patologia em questão, por tudo quanto o exposto e comprovado pela documentação
anexa, significa a disponibilização da terapia de reposição enzimática, somente
possível
com
a
administração
do
medicamento
ARILSULFATASE
B
RECOMBINANTE - rhASB (nome comercial NAGLAZYME®).
II- DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Os óbices opostos pelos Gestores Federal e Estadual do
SUS à dispensação imediata do medicamento não são aptos a afastar o dever
constitucionalmente imposto ao Estado, conforme a seguir se demonstrará.
O artigo 196 da Constituição Federal estabelece:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”.
Deflui-se desse dispositivo, não uma mera ordem programática
despida de conteúdo jurídico obrigacional, mas que o Estado está juridicamente
obrigado a garantir o direito à saúde mediante políticas sociais e econômicas,
bem como exercer as ações e serviços de forma a promover, proteger e
recuperar a saúde, correspondendo a tal obrigação o direito subjetivo público de os
cidadãos verem tais ações e serviços implementados. Nesse sentido, pronunciou-se o
5
Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA:
PACIENTE
MICROCEFALIA.
COM
PESSOA
PARALISIA
CEREBRAL
DESTITUÍDA
DE
E
RECURSOS
FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS E DE APARELHOS MÉDICOS, DE
USO NECESSÁRIO, EM FAVOR DE PESSOA CARENTE. DEVER
CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196).
PRECEDENTES (STF).
-
O
direito
público
prerrogativa
subjetivo
jurídica
à
saúde
indisponível
representa
assegurada
à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da
República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente
tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável,
o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos,
o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da
Carta Política - que tem por destinatários todos os entes
políticos
que
compõem,
no
plano
institucional,
a
organização federativa do Estado brasileiro - não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente,
sob
pena
expectativas
de
o
nele
Poder
Público,
depositadas
fraudando
pela
justas
coletividade,
substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria
Lei Fundamental do Estado. Precedentes do STF. (STF, RE
nº 273.834-4/RS. 2ª Turma. Rel. Min. Celso de Mello. Julg.
12/09/2000)
Do voto do Min. Celso de Mello:
“Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a
gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de
saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e
das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação - que,
fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade
viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a
Constituição da República“.
“O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que
6
representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos
da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das
liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um
dever de prestação positiva que somente se terá por
cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas
adotarem
providências
destinadas
a
promover,
em
plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada
pelo texto constitucional”.
“Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o
reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que,
para além da simples declaração constitucional desse direito, seja
ele integralmente respeitado e plenamente garantido,
especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito
à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que
decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a
implementação de prestações positivas impostas pelo
próprio ordenamento constitucional”.
A legislação infraconstitucional, regulando e estruturando o
Sistema de Saúde constitucionalmente delineado, em atenção ao princípio da integralidade
da assistência, dispôs especificamente sobre o aspecto da Assistência Farmacêutica, na
forma a seguir exposta.
A lei n.º 8.080, de 19 de Setembro de 1990, define em seu artigo
2º que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício. ”; e em seu artigo 6º, inciso I, alínea d,
que “Estão incluídas ... no campo de atuação do Sistema Único de Saúde
(SUS) ... assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica ”.
Dentro da Política Nacional de Medicamentos, Portaria GM/MS nº
3.916, de 30/10/1998, item 5.3, alíneas “d” e “m”, as funções cometidas ao Gestor
Estadual do Sistema Único de Saúde na consecução da Assistência Farmacêutica são,
entre outras, a de “coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu
âmbito” e de “definir o elenco de medicamentos que serão adquiridos
diretamente pelo estado, inclusive os de dispensação em caráter excepcional ...
e destinando orçamento adequado à sua aquisição ”.
Em se tratando de criança, os seus direitos à vida, à saúde e à
alimentação devem ser garantidos com absoluta prioridade, conforme previsto no caput
do artigo 227 da Constituição Federal, in verbis:
7
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, á cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(grifado)
“§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência
integral à saúde da criança e do adolescente”
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei nº
8.069, de 13 de Julho de 1990, consoante os princípios constitucionais acima referidos,
dispõe no seu art. 7º e 11:
“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à
vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
...
“Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao
adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o
acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde.”
...
“§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente
àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e
outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou
reabilitação.” (grifado).
A Secretaria Estadual de Saúde – SESAB, através de parecer
da Diretoria de Assistência farmacêutica, para justificar o não atendimento da prestação,
argumenta, à fl. 49 do Procedimento Administrativo anexo, que “ alguns médicos
prescritores, buscam como justificativa em seus relatórios, a liberação do medicamento
prescrito pelo FDA ... e ou a EMEA” Note-se ”, que “a competência de registrar e
liberar a comercialização e uso de medicamentos no Brasil cabe à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA ”.
Cumpre, todavia, esclarecer que: a) o medicamento não se
encontra em fase de estudos no Brasil, pois os protocolos científicos voltados a
esse
fim
já
foram
concluídos
em
nível
internacional,
em
protocolos
8
multicêntricos, com a participação do Brasil, tanto, que seus resultados foram
publicados e a comercialização aprovada por aquelas que são as mais exigentes e
respeitadas agências estrangeiras, a norte-americana e a européia; b) que a providência
pendente para que o mesmo seja comercializado no Brasil, refere-se ao registro
do medicamento, requisito exigido para a industrialização, exposição à venda ou
entrega ao consumo, ou seja, para a comercialização do medicamento, a teor do art.
12 da Lei nº 6.360, de 23/09/1976; c) o que se pleiteia não é a comercialização
do produto em território nacional ou a introdução no mercado brasileiro, mas
tão-somente sua importação e destinação direta ao paciente que dele
necessita; d) o registro de um medicamento é providência dependente da
iniciativa do laboratório produtor, eventualmente subordinada a interesses e
conveniências de natureza mercadológica; e) o procedimento de registro
obedece a trâmites burocráticos que, ainda que toleráveis em benefício da ação
da polícia sanitária dos medicamentos, não o podem ser com o fito de
subordinar ou condicionar o direito subjetivo de atenção à saúde de que é
titular o portador da doença genética.
As considerações da Diretoria de Assistência Farmacêutica são,
ademais, afastáveis inclusive em face do que está previsto na Política Nacional de
Medicamentos, (Portaria GM-MS nº 3.916 de 30/10/98), que no capítulo 3.3 trata
da dispensação de medicamentos excepcionais e define “como situação especial
doenças cujo tratamento envolve o uso de medicamentos não disponíveis no
mercado”. De fato, podemos extrair do citado capítulo da Política Nacional de
Medicamentos:
“O processo de descentralização, no entanto, não exime os
gestores federal e estadual da responsabilidade relativa à
aquisição e distribuição de medicamentos em situações
especiais”.
“Inicialmente, a definição de produtos a serem adquiridos e
distribuídos de forma centralizada deverá considerar três
pressupostos básicos, de ordem epidemiológica, a saber”:
a) doenças que configuram problemas de saúde pública, que
atingem ou põem em risco as coletividades, e cuja estratégia
de controle concentra-se no tratamento de seus portadores;
b) doenças consideradas de caráter individual que, a
despeito de atingir número reduzido de pessoas,
requerem tratamento longo ou até permanente, com o
uso de medicamentos de custos elevados;
c)
doenças
cujo
tratamento
envolve
o
uso
de
medicamentos não disponíveis no mercado “.
9
O próprio Ministério da Saúde, através do parecer técnico nº
92/2006, de 24/08/2006, fls. 58/58, alude à “possibilidade de, excepcionalmente, o
Estado da Bahia avaliar e atender os autores para garantir a integralidade de
atenção à saúde”.
O Tribunal Regional Federal da 1º Região, apreciando a
questão, em ação proposta pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal no
Estado do Piauí, visando o fornecimento pelo SUS do mesmo medicamento de que aqui
tratamos, afastou a decisão de primeira instância que negava o provimento com
fundamento na ausência de registro perante a ANVISA, determinando:
“que a UNIÃO, o Estado do Piauí e o Município de Teresina
adotem de forma imediata todas as medidas administrativas
necessárias ao fornecimento, em caráter de urgência, por meio da
importação
ou
não,
do
medicamento
NAGLAZYME,
nos
quantitativos que se façam necessários de acordo com a
prescrição médica e disponibilização imediata e contínua, para
tratamento ambulatorial da menor...” (TRF 1ª Região, Agravo de
Instrumento nº 2007.01.00.015865-6/PI, cópia da decisão às fls.
115/117 do Procedimento Administrativo)
Tal decisão também encontra suporte na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal - STF, conforme aresto (cópia às fls. 118/119 do
Procedimento Administrativo anexo) o qual aqui transcrevemos:
“O Agravante
alega que o acórdão recorrido teria
contrariado o art. 196 da Constituição da República, ao
determinar o fornecimento de medicamento que não tem
registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e não
é comercializado no Brasil. [...], DECIDO. 2. Não tem razão
o Agravante. No recurso interposto não se demonstra qualquer
contrariedade
predominante
da
no
decisão
recorrida
Supremo
com
Tribunal
a
jurisprudência
Federal.
[..].
O
entendimento adotado pelo Tribunal de origem não
diverge da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
quanto
à
obrigatoriedade
de
o
Poder
Público
fornecer,
gratuitamente, a pessoas carentes portadoras de doenças graves,
medicamentos destinados a assegurar condições do direito à
continuidade da vida digna e a preservação da saúde ...Pelo
exposto, não havendo divergência da decisão agravado
com o quanto firmado como jurisprudência pelo Supremo
Tribunal Federal, nego seguimento a este agravo...” (STF,
10
AI 575832. Rel. Min. Carmen Lúcia, julg. 03/05/2007, DJ
23/05/2007, p 34/35)
Ao negar provimento ao Agravo interposto pelo Estado do Paraná,
o STF manteve o teor da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, que
pronunciou-se da seguinte forma:
MANDADO
DE
SEGURANÇA
-
PRETENSÃO
DE
FORNECIMENTO GRATUITO PELO PODER PÚBLICO DE
MEDICAMENTO IMPRESCINDÍVEL À SAÚDE E A VIDA DEVER DO ESTADO E DIREITO DE TODOS - ARTIGO 196 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL - HIPERTENSÃO PULMONAR GRAVE MEDICAÇÃO QUE NÃO POSSUI COMERCIALIZAÇÃO NO
BRASIL E NEM REGISTRO JUNTO À AGÊNCIA NACIONAL
DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - IRRELEVÂNCIA FACE AO
DIREITO POSTO EM QUESTÃO - VIOLAÇÃO À DIREITO
LÍQUIDO E CERTO - CONFIGURAÇÃO - CONCESSÃO DA ORDEM.
Constitui inafastável dever do Poder Público, previsto no artigo
196 da Carta Magna, o fornecimento, às suas expensas, a
pessoas
carentes
e
portadoras
de
moléstia
grave,
de
medicamentos destinados a assegurar-lhes a continuidade da vida
e a preservação da saúde. A alegação de que o medicamento
não é comercializado no Brasil e de que não há registro
junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária não
prevalece face ao direito à saúde e à vida ORDEM
CONCEDIDA. (Tribunal de Justiça do Paraná, conforme extraído
de STF, AI 575832. Rel. Min. Carmen Lúcia, julg. 03/05/2007, DJ
23/05/2007, p 34/35)
III - DAS ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES DA UNIÃO E ESTADO DA
BAHIA PERANTE O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
A par da responsabilidade solidária dos Entes Federativos,
conforme
acima
exposto,
impende
demonstrar,
ademais,
as
atribuições
e
responsabilidades da União e do Estado no caso concreto em análise.
Do desenho constitucional do Sistema Único de Saúde resultou
um Sistema que partilha atribuições entre os diferentes entes federativos, a exigir elevado
grau de integração das ações e de pactuação entre os seus gestores nas diferentes esferas
de poder.
A Norma Operacional Básica da Saúde, resultante de amplo e
11
participativo processo de discussão e aprovada pela Portaria GM/MS nº 2.203, de 05 de
novembro de 1996, estatui no item 11.2.5:
“O exercício da função gestora no SUS, em todos os níveis
de governo, exige a articulação permanente das ações de
programação, controle, avaliação e auditoria; a integração
operacional
das
unidades
organizacionais,
que
desempenham estas atividades, no âmbito de cada órgão gestor
do Sistema; e a apropriação dos seus resultados
e a
identificação de prioridades, no processo de decisão
política da alocação dos recursos.”
A forma como os entes federativos se concertarão com o fito de
efetivar a prestação é matéria afeta ao planejamento orçamentário, à logística ou ao
exercício da coordenação política entre os Entes Federados, a qual, todavia, deve
permanecer transparente ao usuário do Sistema, e jamais servir ao propósito de afastar a
prestação devida.
O texto constitucional, no desiderato de prover os meios materiais
para consecução do Direito à Saúde, referiu-se expressamente às ações e serviços que
comporiam um Sistema Único de Saúde (art. 198), bem como a forma de seu
financiamento, com recursos orçamentários de cada um dos entes federativos, a União, os
Estados, Distrito Federal e Municípios.
Não há, por certo, impedimento a que os diferentes entes estatais
partilhem atribuições de forma a construir um autêntico federalismo cooperativo, na
expressão de Paulo Bonavides. Não havendo, portanto, óbice a que um serviço ou produto
terapêutico, na forma como venha a ser pactuado, seja fornecido pelos Municípios, pelos
Estados e Distrito Federal, ou, pela União, pois esta é, em grande parte, matéria afeta ao
mérito administrativo.
Já a ausência de tal ajuste ou pacto, isto sim, constituiu omissão
que finda por ferir o Direito que se pretende assegurar, ao deixar desassistido, por lacuna
de normatização infralegal ou de pactuação intergestores, o paciente e usuário do Sistema
Público de Saúde.
A Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080/1990, estatui em seu artigo
5º:
“São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
...
III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de
12
promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização
integrada
das ações
assistenciais
e das
atividades
preventivas.”
Em seu artigo 6º, estatui como incluso no campo de atuação do
SUS:
“VI – a formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interessa para a saúde
e a participação na sua produção.” (grifo nosso)
Em seu artigo 9º:
“A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de
acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo
exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;”
Estatui ainda que são atribuições comuns à União, Estados,
Distrito Federal e Municípios (art. 15):
“II
–
administração
dos
recursos
orçamentários
e
financeiros destinados, em cada ano, à saúde;
...
V – elaboração de normas técnicas e estabelecimento de
padrões de qualidade e parâmetros de custos que
caracterizam a assistência à saúde;
...
XVI – elaborar normas técnico-científicas de promoção,
proteção e recuperação da saúde.
...
XXI – fomentar, coordenar e executar programas e
projetos estratégicos e de atendimento emergencial.”
Entre as competências deferidas à direção nacional do
Sistema Único de Saúde (SUS) (art. 16):
“X – formular, avaliar, elaborar normas e participar na
execução da política nacional e produção de insumos e
equipamentos para a saúde, em articulação com os
demais órgãos governamentais;
...
13
XVII – acompanhar, controlar e avaliar as ações e os
serviços e ações de saúde, respeitadas as competências
estaduais e municipais;
XVIII – elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no
âmbito do SUS, em cooperação técnica com os Estados,
Municípios e Distrito Federal;”
A despeito de haver larga margem para ajustes e composições
entre os Entes Estatais visando à consecução das prestações específicas de atenção à
saúde, a distribuição de tarefas deve seguir uma lógica econômica e operacional. E fato é
que existem alguns modelos para tanto, como, por exemplo, o que emerge da Política
Nacional de Medicamentos.
Tal política, veiculada pela Portaria GM/MS nº 3.916, de
30/10/1998, “como parte essencial da Política Nacional de Saúde, constitui um
dos elementos fundamentais para a efetiva implementação de ações capazes de
promover a melhoria das condições da assistência à saúde da população ”, defere
ao Ministério da Saúde, como
Gestor
Federal do SUS,
no tópico 5.2,
a
responsabilidade para:
“b - estabelecer
normas e promover a assistência
farmacêutica nas três esferas de Governo;”
...
r - destinar recursos para a aquisição de medicamentos,
mediante o repasse Fundo-a-Fundo para estados e
municípios, definindo, para tanto, critérios básicos para o
mesmo;
...
u - adquirir e distribuir produtos em situações especiais,
identificadas por ocasião das programações tendo por
base critérios técnicos e administrativos referidos no
Capítulo 3, "Diretrizes" , tópico 3.3. deste documento;
...
x - orientar e assessorar os estados e os municípios em
seus processos relativos à dispensação de medicamentos.
Os critérios técnicos e administrativos acima referidos, estão
presentes no tópico 3.3 da Política:
“O processo de descentralização, no entanto, não exime os
gestores federal e estadual da responsabilidade relativa à
aquisição e distribuição de medicamentos em situações
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especiais...
Inicialmente, a definição de produtos a serem adquiridos e
distribuídos
de
forma
centralizada
deverá
considerar
três
pressupostos básicos, de ordem epidemiológica, a saber:
a. doenças que configuram problemas de saúde pública, que
atingem ou põem em risco as coletividades, e cuja estratégia de
controle concentra-se no tratamento de seus portadores;
b. doenças consideradas de caráter individual que, a
despeito
de
atingir
número
reduzido
de
pessoas,
requerem tratamento longo ou até permanente, com o
uso de medicamentos de custos elevados;
c. doenças cujo tratamento envolve o uso de medicamentos não
disponíveis no mercado. “ (grifo nosso)
A política também especifica no tópico 5.3, alíneas “d” e “m”, que
as funções cometidas ao Gestor Estadual do Sistema Único de Saúde na
consecução da Assistência Farmacêutica são, entre outras, a de “ coordenar e executar
a assistência farmacêutica no seu âmbito ” e de “definir o elenco de
medicamentos que serão adquiridos diretamente pelo estado, inclusive os de
dispensação em caráter excepcional ... e destinando orçamento adequado à sua
aquisição.”
No contexto da Política Nacional de Medicamentos, cunhou-se,
portanto, o conceito de medicamento de dispensação em caráter excepcional,
definido na própria Política como: “medicamentos utilizados em doenças raras,
geralmente de custo elevado, cuja dispensação atende a casos específicos. ”
O principal efeito do reconhecimento dessa categoria de insumo é
a centralização de seu processo de financiamento e aquisição, com objetivos indisfarçáveis
de economia para os cofres públicos. O que se revela ainda nas seguintes disposições
paralelas:
“Nesse
particular,
o
gestor
federal,
especialmente,
em
articulação com a área econômica, deverá identificar medidas
com vistas ao acompanhamento das variações e índices de
custo
dos
medicamentos,
com
considerados de uso contínuo.
ênfase
Ainda
com
naqueles
relação
à
articulação, a atuação conjunta com o Ministério da Justiça
buscará
coibir
eventuais abusos econômicos
na área de
medicamentos.”
O relativamente recente diploma normativo que veiculou o
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chamado Pacto pela Saúde, Portaria do Gabinete do Ministro da Saúde nº 399, de 22 de
fevereiro de 2006, dispõe de forma similar:
A responsabilidade pelo financiamento e aquisição dos
medicamentos de dispensação excepcional é do Ministério
da Saúde e dos Estados, conforme pactuação e a
dispensação, responsabilidade do Estado.
O Ministério da Saúde repassará aos Estados, mensalmente,
valores financeiros apurados em encontro de contas trimestrais,
de acordo com as informações encaminhadas pelos Estados, com
base nas emissões das Autorizações para Pagamento de Alto
Custo – APAC.
O
Componente
de
Medicamentos
de
Dispensação
Excepcional será readequado através de pactuação entre
os gestores do SUS, das diretrizes para definição de política
para medicamentos de dispensação excepcional.
As Diretrizes a serem pactuadas na CIT, deverão nortear-se
pelas seguintes proposições:
Definição
de
critérios
para
inclusão
e
exclusão
de
medicamentos e CID na Tabela de Procedimentos, com
base nos protocolos clínicos e nas diretrizes terapêuticas.
Definição de percentual para o co-financiamento entre
gestor federal e gestor estadual;
Revisão periódica de valores da tabela;
Forma de aquisição e execução financeira, considerandose os princípios da descentralização e economia de
escala.”
IV - DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE E DA SECRETARIA
ESTADUAL DE SAÚDE DA BAHIA
Em atenção às suas competências normativas e executivas dentro
do SUS, conforme acima referido, cabe ao Ministério da Saúde não apenas o processo de
definição dos medicamentos a serem incluídos na lista nacional de medicamentos
excepcionais, como também a aquisição centralizada, nos casos em que, dessa
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centralização, resulte maior economia de recursos públicos, ou ainda maior eficácia na
estratégia de combate ao agravo que se pretende prover.
Ainda que não fosse esse o caso, a definição da atribuição para o
fornecimento do produto resultaria dentro da competência comum dos órgãos singulares e
coletivos componentes do SUS, com coordenação nacional pelo Ministério da Saúde.
Ademais, constitui papel do Ministério da Saúde, como Gestor
Federal do SUS, a teor do que preconiza a Norma Operacional Básica do SUS – NOB/1996,
item 7:
“fomentar a harmonização, a integração e a modernização
dos sistemas estaduais compondo, assim, o SUS-Nacional;
e exercer as funções de normalização e de coordenação no
que se refere à gestão nacional do SUS. ”
Competindo-lhe também:
“o incremento da capacidade reguladora da direção nacional do
SUS, em relação aos sistemas complementares de prestação de
serviços ambulatoriais e hospitalares de alto custo, de tratamento
fora
do
domicílio,
bem
assim
de disponibilidade
de
medicamentos e insumos especiais;”
Transparece, assim, a atribuição da União e do Ministério da
Saúde, como Gestor Federal do SUS, quando o tema versar sobre normatização,
financiamento ou aquisição de medicamentos ou insumos do tipo sobre o qual versa a
presente ação.
A responsabilidade da SESAB, como gestor estadual da Saúde, por
sua vez, relaciona-se com a sua atribuição para a dispensação dos medicamentos
chamados excepcionais, e o seu co-financiamento juntamente com o Ministério da Saúde.
Entretanto, a providência devida, no caso concreto dos autos a
importação do medicamento e sua destinação ao paciente usuário do SUS que dele
necessita, vem sendo negada tanto pelo gestor federal, como pelo gestor estadual, sob os
argumentos acima descritos, não restando, assim, outro recurso ao Ministério Público
Federal, que o da via jurisdicional, para buscar a efetiva tutela do Direito à Saúde.
V - DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
A Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, conferiu nova
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redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, no sentido de possibilitar a antecipação
dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, verbis:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da
parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo
prova
inequívoca,
se
convença
da
verossimilhança da alegação e:
I
-
haja
fundado
receio
de
dano
irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de
defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
(GRIFOS NOSSOS).
No caso ora posto, todos os requisitos exigidos pela lei processual
para o deferimento da tutela antecipada encontram-se reunidos.
Quanto à verossimilhança da alegação, não há o que se
questionar, pois que os fatos são incontroversos, como demonstram os documentos
juntados à inicial. Os próprios demandados oferecem a descrição da natureza da
enfermidade, sua evolução e conseqüências deletérias para a saúde e qualidade de vida
dos indivíduos portadores e reconhecem a eficácia do tratamento pleiteado. Em relação
especificamente às crianças portadoras nominados nesta inicial, há comprovação do
diagnóstico através de laudos de exame e relatório médico, bem como prescrição médica
da droga em questão.
O fumus boni iuris encontra-se igualmente presente, uma vez que
ficou evidente estarem os réus deixando de cumprir obrigações a eles instituídas pela
Constituição e pela Lei, lesando direitos do cidadão em sentido amplo, refletido na
coletividade dos portadores residentes na Bahia, incluindo os ainda não diagnosticados ou,
no momento, fora do alcance da atenção especializada e, especificamente, o menor
portador já diagnosticado que está deixando de receber o tratamento em face da
impossibilidade de arcar com os custos do tratamento por seus próprios meios, conforme
demonstra a certidão de fls. 170 dos autos anexos.
Há ainda o fundado receio de dano irreparável uma vez que a
enfermidade que acomete as crianças tem natureza degenerativa, resultando nas
conseqüências clínicas descritas nos pareceres de médicos e especialistas, constantes do
Procedimento Administrativo anexo, podendo a evolução da doença, a qualquer momento,
precipitar-se em complicações irreversíveis, se não adotado o tratamento de reposição
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enzimática pleiteado.
Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal a concessão
de medida liminar antecipatória dos efeitos da tutela requerida, após a audiência dos
representantes judiciais da União e do Estado da Bahia, no prazo de 72 horas (art. 2º da
Lei n.º 8.437/92), determinando-se:
a) ao Estado da Bahia e à União, que
adotem, de forma concertada, de imediato, todas as
medidas administrativas necessárias para a importação, do
medicamento ARILSULFATASE B RECOMBINANTE rhASB (nome comercial NAGLAZYME®), enquanto não
disponível no mercado nacional, nos quantitativos que se
façam necessários de acordo com prescrição médica, e
disponibilização imediata e contínua, para o tratamento do
menor DENILSON SILVA ROSA, bem como dos demais
eventuais portadores de Mucopolissacaridose do Tipo
VI, MPS VI ou Doença de Maroteaux-Lamy residentes
no Estado da Bahia e que, apresentem indicação para o
referido
tratamento,
conforme
prescrição
solicitando-o
médica,
ou,
ao
Poder
na
Público,
hipótese
do
medicamento vir a ser disponibilizado no mercado nacional,
para
que
promova
a
aquisição
e
mantenha
a
disponibilização aos referidos portadores, na forma acima
descrita;
b) à União que através do Ministério da Saúde,
no papel de Gestor Federal do SUS, dê início aos estudos
necessários
voltados
à
inclusão
do
medicamento
ARILSULFATASE B RECOMBINANTE - rhASB (nome
comercial NAGLAZYME®) ou tratamento respectivo, em
lista
pactuada
ou
em
tabela
de
procedimentos,
respectivamente, visando a que a transferência de recursos
federais, no bojo do Componente de Medicamentos de
Dispensação Excepcional, contemple o financiamento dos
mesmos.
Requer, ainda, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em sede de
antecipação de tutela, a cominação de multa , em valor a ser estipulado segundo o
prudente arbítrio desse Juízo, para o caso de descumprimento de cada um dos itens
supra.
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VI - DO PEDIDO PRINCIPAL
Por fim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL :
a) sejam julgadas procedentes as pretensões
deduzidas no item anterior, confirmando-se, em definitivo, o
pedido requerido em sede de antecipação dos efeitos da
tutela, condenando-se o Estado da Bahia e a União
nas obrigações ali descritas relativamente a todos os
portadores
da
Mucopolissacaridose
do
Tipo
I,
residentes no território do Estado da Bahia, com
indicação para o referido tratamento, determinando-se
que
a
medida
liminar,
de
início
deferida,
continue
produzindo seus efeitos até o trânsito em julga do da
sentença de procedência;
b) a citação dos entes demandados, na pessoa
de seus representantes legais, para, querendo, contestarem
a presente ação e acompanhá-la em todos os seus termos,
até final procedência, sob pena de revelia e confissão;
c) a dispensa do pagamento das custas,
emolumentos e outros encargos processuais, em vista do
disposto no artigo 18 da Lei n.° 7.347/85; e
d) embora já tenha apresentado prova préconstituída do alegado, protesta, outrossim, pela produção
de todos os meios de prova admitidos pela legislação
processual
civil
em vigor,
que venham
a se fazer
necessários ao pleno conhecimento dos fatos, no curso do
processo.
Atribui-se à causa, para os fins legais, o valor de R$
1.000,00 (mil reais).
Nestes termos, pede deferimento.
Salvador, 09 de abril de 2008.
Nara Soares Dantas
Procuradora da República
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URGENTE - MPF-BA