GARANTIAS NO FINANCIAMENTO PRIVADO DO AGRONEGÓCIO
Antonio C. Mazzuco e Nathalie Cortes*
Desde a crise mundial do segundo semestre de 2008, a eficácia dos instrumentos de
financiamento do agronegócio e respectivas garantias tem sido intensamente posta à prova.
Diante da ausência de novos financiamentos, diversas empresas do setor não honraram com
os compromissos assumidos, ensejando o ajuizamento de ações judiciais para recuperação do
crédito por parte dos investidores e pedidos de recuperação judicial por empresas do setor
agrícola e pecuário. Neste cenário, a estruturação correta de garantias torna-se de expressiva
relevância.
Em linhas gerais, as garantias em operações de financiamento à produção podem ser de
natureza pessoal ou real. A garantia pessoal, representada pelo aval e fiança, incide em todo o
patrimônio de quem a presta.
No que se refere às garantias reais, o penhor, instituído pela Lei 10.406, de 10/01/2012, é uma
modalidade de garantia na qual o credor é investido na posse indireta de bens móveis. Podem
constituir objeto de penhor todas as coisas móveis, fungíveis (ou seja, que podem ser trocadas
ou substituídas) ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis. Penhor rural é gênero do
qual são espécies o penhor agrícola e o penhor pecuário e seus prazos de vigência são de três
e quatro anos, respectivamente, podendo ser prorrogado por uma única vez. Permite a lei
penhor de colheitas ainda não existentes ou em formação, que ainda não adquiriram
individualidade própria.
Na hipótese do período da garantia vencer, a garantia continuará efetiva enquanto a
mercadoria continuar existindo. No caso de beneficiamento ou transformação dos gêneros
agrícolas outorgados em penhor, a garantia não é extinta, transferindo-se para os produtos ou
subprodutos de tais operações, conforme dispõe expressamente a Lei nº. 2.666/1955. Outra
característica do penhor agrícola é que abrange a safra imediatamente seguinte, caso a safra
que foi outorgada em garantia seja insuficiente para saldar a dívida ou sofra alguma
frustração.
Ainda no contexto das garantias reais, entende-se por alienação fiduciária o negócio jurídico
pelo qual o devedor, ou fiduciante, transfere a propriedade resolúvel de um bem móvel ou
imóvel, ao credor, ou fiduciário, com escopo de garantia. A possibilidade de alienação
fiduciária de coisa fungível é entendimento pacífico dos Tribunais.
Tratando-se de direito real de garantia, cuja aquisição se opera pela tradição, a alienação
fiduciária de bens futuros restaria prejudicada no nosso ordenamento jurídico. Não obstante,
o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem sido no sentido de que, se não
há dúvidas de que pode haver alienação fiduciária de direitos sobre coisas móveis, não deve
haver dúvida de que a alienação fiduciária pode ter por objeto coisas ou fatos futuros,
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conforme se verificou nas decisões desse Tribunal nos Agravos de Instrumento de nºs
0456721.58.2010.8.26.0000, tendo como agravante o Banco Votorantim S/A e agravado a
Feron Engenharia Ltda. (em recuperação judicial), e 990.10.339558-1, tendo como agravante o
Hospital São Marcos S/A (em recuperação judicial) e agravado o Banco Industrial e Comercial
S/A – BICBANCO, e, o que se espera, é que esse entendimento se consolide entre os demais
Tribunais.
Enquanto o entendimento não é pacífico entre os Tribunais, quando se fala em financiamento
de lavoura de cana-de-açúcar, há a possibilidade de alienar a soca da cana-de-açúcar, uma vez
que enquanto a cana é destinada ao corte, a soca não o é, consistindo em bem imóvel por
natureza ou por acessão. Nessa hipótese, o monitoramento da lavoura e do produto é
importante para que não se esvazie a garantia.
No que se refere à outorga da garantia em favor de companhia estrangeira, tanto a
Constituição Federal quanto a Legislação Federal competente limitam a aquisição de
propriedade rural por companhias estrangeiras. Nesse sentido, na hipótese de
inadimplemento da obrigação principal, a consolidação da propriedade seria prejudicada.
As vantagens em se optar pela utilização das garantias de alienação e/ou cessão fiduciária,
residem no fato de, na hipótese de insolvência do devedor fiduciante, os bens dados em
garantia não integrarem a massa falida, uma vez que restarão incorporados ao patrimônio do
credor, e a possibilidade excussão extrajudicial da garantia.
Diante do exposto, embora a alienação fiduciária não se estenda a produtos e subprodutos e
não alcance a safra subsequente, o fato de os bens dados em garantia não integrarem a massa
falida, ainda faz dessa garantia a mais favorável ao credor, especialmente diante das novas
decisões do TJSP e da expectativa de consolidação das referidas decisões entre os demais
Tribunais.
Não obstante, as medidas judiciais de execução, somadas às medidas cautelares, têm
demonstrado ser instrumento rápido e eficaz na recuperação do crédito, desde que
observados o monitoramento das lavouras outorgadas em garantia e a administração colateral
de estoques de produtos agropecuários depositados em armazéns, atividades fundamentais
para a gestão do risco no agronegócio.
*Antonio C. Mazzuco e Nathalie Cortes são, respectivamente, sócio e associada do escritório Madrona
Hong Mazzuco Brandão – Sociedade de Advogados.
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garantias no financiamento privado do agronegócio