CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
MARIA JANAINA VALENTIM DO NASCIMENTO SOUSA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: A
VISÃO DAS MULHERES ATENDIDAS PELO JUIZADO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA EM FORTALEZA
FORTALEZA
2014
MARIA JANAINA VALENTIM DO NASCIMENTO SOUSA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: A
VISÃO DAS MULHERES ATENDIDAS PELO JUIZADO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA EM FORTALEZA
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Serviço Social do Centro
de Ensino Superior do Ceará, como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª Ms.Rebeca Torres
FORTALEZA
2014
MARIA JANAINA VALENTIM DO NASCIMENTO SOUSA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: A VISÃO
DAS MULHERES ATENDIDAS PELO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM
FORTALEZA
Monografia apresentada como prérequisito para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, outorgado
pela Faculdade Cearense - FAC, tendo
sido aprovada pela Banca Examinadora.
Data da aprovação:___/___/___
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Professora Ms. Rebeca Torres Alves Costa
__________________________________________________
Professor Dr. Emanuel Bruno Lopes de Sousa
_________________________________________________
Professor Esp. Francisco Nazareno Matos Ribeiro
Dedico este trabalho a toda minha família,
que sempre incentivou e contribuiu no
processo da minha formação. A todos os
amigos que sempre me apoiaram e que
acreditaram no meu sucesso.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por me dar forças nos momentos mais difíceis e por me fazer
acreditar que todos os meus sonhos dariam certo.
À minha mãe, pelo exemplo de ser humano que ela é e por me ensinar desde
criança que é através do conhecimento que se transformam as pessoas e o mundo.
Às minhas irmãs, que me incentivaram e me apoiaram, além de entenderem minha
ausência durante a construção deste trabalho.
Ao meu “grupinho” Ana Patrícia, Ana Wládia, Emanuela Sales, Juliana Melgaço e
Marileide Gomes, formado no início do semestre e que permaneceu até os últimos
dias. Grandes amigas que sempre me apoiaram em todos os momentos felizes e
tristes dessa longa jornada.
À orientadora, Rebeca Torres, que é uma pessoa maravilhosa e que tive o prazer de
conhecer durante o estágio. Ela me passou valores importantes para minha conduta
profissional e me direcionou para a escolha do campo.
Ao Sérgio Krienbuehl, um anjo que Deus me enviou no percurso dessa caminhada
sempre dedicado e disposto a me apoiar, aliviando minhas angustias e fazendo do
seu amor meu porto seguro.
Ao meu grande amigo Guilherme Snard, por suas inúmeras colaborações no
decorrer do curso.
Ao meu amigo Paulo Henrique, que colaborou imensamente comigo, fazendo a
leitura dos meus capítulos e me dando valiosas sugestões.
Aos meus mestres, por compartilharem seus conhecimentos comigo e com toda a
minha turma durante esses quatro anos.
À banca examinadora: professor Bruno Lopes e Nazareno Matos, pela generosidade
em aceitar participar da realização deste trabalho, contribuindo de forma valorosa
com seus comentários e sugestões.
Aos funcionários do Juizado de Violência Doméstica da Comarca de Fortaleza, que
me receberam com muita atenção e respeito.
Às mulheres vítimas de violência atendidas no Juizado, que aceitaram participar da
pesquisa e que tiveram uma importante participação para a construção deste
trabalho.
Não se nasce mulher, torna-se mulher.
Simone Beauvoir
RESUMO
A violência doméstica é um problema que atinge de forma muito recorrente às
mulheres e advém, principalmente, da desigualdade existente nas relações de poder
entre homens e mulheres, aliada à discriminação de gênero que ainda se observa
bastante presente na sociedade. Essa violência, muitas vezes, pode ser
compreendida como resultado das diferenças de gênero impostas pela sociedade,
onde se estabelece aos homens uma relação de força e poder e impõem sobre as
mulheres papéis de submissão. Para a modificação desse cenário, foram
necessários inúmeros movimentos por parte das mulheres, que passaram a exigir
uma maior representatividade na sociedade. Uma das conquistas obtidas refere-se à
criação da Lei Maria da Penha que modificou o tratamento dado às mulheres vítimas
de agressões domésticas, bem como aumentou a punição dos agressores. Desse
modo, o presente trabalho tem como objetivos identificar os tipos de violência sofrida
pelas mulheres atendidas pelo Juizado de Violência Doméstica, bem como observar
as percepções que essas mulheres, atendidas pelo Juizado de Violência Doméstica
têm de seus agressores, além de analisar o que as vítimas de violência doméstica
entendem a respeito da Lei Maria da Penha. Foi realizada uma pesquisa de campo,
tendo como lócus o Juizado de Violência Doméstica da Comarca de Fortaleza, e os
sujeitos da pesquisa foram as usuárias da Instituição. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa que permite uma abordagem crítica do objeto pesquisado, aliada a uma
entrevista semi-estruturada, com coleta de depoimentos de mulheres que sofreram
violência doméstica e foram atendidas pelo já citado Juizado. A análise das
entrevistas realizou-se por meio da técnica de análise temática. Também foi
realizada uma pesquisa bibliográfica para promover a discussão sobre a violência
doméstica, bem como se analisou os conceitos que permeiam a questão do gênero,
além de se elencar as modificações geradas pela Lei 11.340/06. Os resultados
obtidos através desta pesquisa evidenciam que a maioria das mulheres
entrevistadas tem consciência de que vivenciaram diversas modalidades de
violência, porém muitas só denunciam ou se desligam de seus cônjuges após
sofrerem a violência física.
Palavras-chaves: Gênero. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.
ABSTRACT
Domestic violence is a problem that affects a lot of women and arises mainly from the
existing power relations between men and women inequalities as well as gender
discrimination that is still observed very present in society. This violence often can be
understood as the result of gender differences imposed by society, which establishes
a relationship to men of strength and power and impose on women submission roles.
To change this scenario, numerous movements for women, who began to demand
greater representation in society were necessary. One of the achievements refers to
the creation of the Maria da Penha Law that modified the treatment of women victims
of domestic violence, as well as increased the punishment of the offenders. Thus,
this study aims to identify the types of violence experienced by women attending by
the Claims Court Domestic Violence, as well as observe the perception these
women, victims served by the Juvenile Court of Domestic Violence, have about their
aggressors, and analyze what victims of domestic violence understand about the
Maria da Penha Law. A field survey was made, having as a locus the Domestic
Violence Court for the District of Fortaleza, and the research subjects were the users
of the institution. This is a qualitative research approach that allows a critic review of
the researched object, combined with a semi-structured interview, collecting
testimonials from women who have suffered domestic violence and were attended by
the mentioned Claims Court. The data analysis was performed using the technique of
thematic analysis. A bibliographic research was carried out to promote discussion on
domestic violence, were also carried out and analyzed the concepts underlying the
issue of gender, in addition, were listed the changes generated by the Law
11.340/06. The results obtained from this research show that the majority of
respondents are aware that experienced various forms of violence, but many just
complain or become detached from their spouses after suffering physical violence.
Keywords: Gender. Domestic Violence. Maria da Penha Law.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
JVDFM - Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
MPE - Ministério Público Estadual
OMS – Organização Mundial de Saúde
SPM - Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres
SSPDS - Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1 - Dados gerais das mulheres entrevistadas ............................................... 27
Gráfico 1 - O que você entende por violência? ......................................................... 54
Gráfico 2 - Você já havia sofrido violência outras vezes? ......................................... 57
Gráfico 3 - Quais tipos de violência você sofreu? ..................................................... 60
Gráfico 4 - Você tem algum sentimento em relação ao seu agressor? ..................... 62
Gráfico 5 - Quanto você conhece a respeito da lei Maria da Penha? ....................... 65
Gráfico 6 - Você sente segurança em relação às medidas adotadas? ..................... 66
Gráfico 7 - O seu agressor estava sob efeito de alguma droga? .............................. 71
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 12
2
ESTUDO DA CATEGORIA GÊNERO E SUA RELAÇÃO COM A VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER ................................................................................................ 15
2.1
Conceituações e discussões sobre a categoria Gênero ................................. 15
2.2
Conceituações do termo violência .................................................................. 20
2.3
Violência contra a mulher ............................................................................... 22
2.4
Características da população entrevistada ..................................................... 26
3
LEI MARIA DA PENHA: UMA CONQUISTA DE TODAS AS MULHERES ......... 30
3.1
Políticas Públicas voltadas para as Mulheres ................................................. 31
3.2
Movimentos feministas: a busca pelos direitos das mulheres ........................ 34
3.3
A Lei Maria da Penha: um avanço significativo para as mulheres .................. 38
3.3.1 Aspectos e inovações da Lei nº 11.340/06 ..................................................... 39
4
A VISÃO INSTITUCIONAL POR MEIO DAS FALAS .......................................... 44
4.1
Contextualização do campo de pesquisa ....................................................... 44
4.2
Aproximação com o objeto ............................................................................. 45
4.3
Percurso metodológico ................................................................................... 48
5
PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISE DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA A PARTIR DAS USUÁRIAS DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA DA COMARCA DE FORTALEZA ........................................................ 53
5.1
Análise de conteúdo dos Resultados da Pesquisa ......................................... 53
5.1.1 A partir da verbalização da pergunta: O que você entende por violência? ..... 53
5.1.2 No que concerne as verbalizações da pergunta: Você já havia sofrido
violência outras vezes? ............................................................................................. 56
5.1.3 No que concerne as verbalizações da pergunta: Quais tipos de violência você
já sofreu? ..................................................................................................................60
5.1.4 No que concerne a verbalização da pergunta: Você tem algum sentimento em
relação ao agressor? ................................................................................................. 62
5.1.5 Segundo as verbalizações da pergunta: O quanto você conhece da Lei Maria
da Penha?..................................................................................................................65
5.1.6 A partir da verbalização da pergunta: Você sente segurança em relação às
medidas adotadas? ................................................................................................... 66
5.1.7 Verbalizações acerca das seguintes perguntas: O agressor estava sob efeito
de alguma droga? Se estava, qual era? .................................................................... 71
5.1.8 Verbalizações sobre a pergunta: Como você percebe seu agressor? ............ 73
5.1.9 Assim, as verbalizações acerca da pergunta: Como você se percebe após a
violência sofrida?....................................................................................................... 74
5.1.10 De acordo com as verbalizações: Quais tipos de lesões você sofreu? .......... 77
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 78
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 82
APÊNDICES.............................................................................................................. 87
ANEXOS ................................................................................................................... 89
12
1
INTRODUÇÃO
Atualmente, a violência doméstica representa uma ameaça na vida de
inúmeras mulheres e independe da idade, do grau de instrução, da classe social, da
raça ou etnia e da orientação sexual. É um fato que vem e prejudicando a vida de
muitas pessoas em todo o mundo. A violência não conhece fronteiras e é uma
realidade experimentada em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Diante desse quadro, surge a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei
Maria da Penha, que visa à adoção de medidas mais efetivas para a punição
daqueles que cometem crimes contra as mulheres.
Este trabalho justifica-se por uma crença pessoal de que a violência
doméstica é um problema que representa um retrocesso às conquistas obtidas pelas
mulheres. No quarto semestre do Curso de Serviço Social, em decorrência da
elaboração de meu projeto de pesquisa, surgiu à necessidade pessoal de
compreender os elementos que cercam a violência contra a mulher, principalmente,
os fatores que levavam a violência doméstica. Aliado a isso, minha experiência de
estágio supervisionado no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS/AD) do bairro
Rodolfo Teófilo, estimulou ainda mais meu interesse sobre o assunto e como a
sociedade precisa discutir de forma mais eficiente soluções.
O presente trabalho tem como objetivos: identificar quais tipos de
violência as mulheres sofrem e as percepções das mesmas em relação à violência
sofrida; observar como as mulheres vítimas de violência percebem os seus
agressores; entender, a partir das falas das vítimas como elas se percebem após
sofrerem violência; analisar o que as vítimas de violência doméstica entendem a
respeito da Lei Maria da Penha. Para isso, dividimos o presente trabalho em 5
capítulos.
É importante ressaltar que, realizar um trabalho com a Assistente Social
do CAPS/AD no qual estagiava, que condiz os relatórios que eram elaborados sobre
os casos de violência doméstica que eram julgados pelo Juizado de Violência
Doméstica, tornou-se mais evidente meu interesse em saber sobre aspectos
relacionados à violência doméstica. Entre esses aspectos estão os tipos de violência
sofrida pelas mulheres, as percepções que as mesmas têm a respeito da violência
sofrida, bem como de seus agressores, e o conhecimento que essas mulheres têm
sobre a Lei Maria da Penha.
13
O espaço geográfico utilizado para a coleta de dados, foi o Juizado de
violência doméstica da Comarca de Fortaleza. Logo que fiz a primeira visita no local
tive a certeza que seria um ambiente bastante favorável para o estudo. O referido
Juizado possui no seu quadro de funcionários pessoas que atendem de maneira
respeitosa as usuárias que são atendidas na instituição.
Para compor a natureza empírica do estudo, constou um total de 10
mulheres que participaram da fase de aplicação das entrevistas, e esse número,
levando em consideração o ponto de saturação das entrevistadas apresentou
resultados suficientes para responder aos objetivos da pesquisa.
As participantes tinham entre 20 e 60 anos e demonstraram interesse em
colaborar com o estudo. Todas foram atendidas no Juizado de Violência Doméstica
no período de setembro a outubro de 2013. Das mulheres entrevistadas apenas uma
inicialmente se mostrou resistente para participar da pesquisa, logo deixamos a
mesma bem à vontade, esclarecemos mais uma vez em que consistia o estudo e
deixamos que ela escolhesse livremente se queria ou não colaborar com a pesquisa.
As entrevistas foram realizadas em uma das salas de espera, porém em
um determinado dia o Juizado estava com um grande fluxo de pessoas, e apesar
dessa sala ser mais reservada, durante uma entrevista tivemos que interromper a
mesma várias vezes, pois havia muito barulho por parte de profissionais que
utilizavam o ambiente para atender ligações telefônicas.
O primeiro capítulo trata-se da parte introdutória, na qual são explanadas,
de forma sucinta, os objetivos do trabalho, o interesse por desenvolver tal pesquisa,
bem como todas as temáticas abordadas no decorrer do estudo.
No segundo capítulo, abordamos a categoria gênero visando uma
reflexão desse conceito por meio das interpretações de vários autores.
Apresentaremos a relação entre gênero e o feminismo, além de explanar acerca das
políticas públicas para às mulheres. Nesse capítulo também são abordadas as
conceituações sobre o termo violência. Também são explanados os conceitos e as
distinções entre violência de gênero e violência doméstica.
No terceiro capítulo, é abordada a Lei Maria da Penha. É apresentado o
aspecto histórico de seu surgimento, sendo, inclusive, narrado de que forma ocorreu
a criação dessa Lei. Também nesse capítulo são apresentadas algumas dificuldades
e inovações oriundas da legislação em questão e quais os benefícios trazidos por
ela.
14
No quarto capítulo, explanamos os aspectos metodológicos da pesquisa.
Apresentamos de que forma ocorreu nossa aproximação em relação ao objeto de
estudo, além de ser feita toda uma contextualização com o cenário utilizado na
pesquisa. Também são apresentadas as vertentes metodológicas pela qual a
presente pesquisa se pautou, sendo elas de caráter qualitativo. Ainda nesse capítulo
é traçado um perfil das mulheres entrevistadas, visando uma aproximação do leitor
com as mesmas.
No último capitulo discorremos sobre as análises obtidas através da
pesquisa de campo. Nesse ponto são observados os aspectos apresentados pelas
mulheres entrevistadas interligando-os com as questões teóricas explicitadas pelos
autores anteriormente citados. São analisadas as formas de violência sofridas pelas
mulheres, suas percepções de violência, a maneira que elas se percebem após
sofrerem violência, assim como percebem seus agressores e a visão que as
mesmas têm sobre a efetividade da Lei Maria da Penha.
Através da realização da pesquisa, busca-se levantar questionamentos
sobre a Lei Maria da Penha e sua eficácia no que tange a violência contra a mulher,
e especificamente, a violência doméstica contra a mulher. Com essa discussão na
sociedade em geral, haverá maior possibilidade de serem elencadas soluções que
visem sanar a violência sofrida por inúmeras mulheres representadas neste trabalho
pelas mulheres atendidas pelo Juizado de Violência Doméstica.
15
2
ESTUDO DA CATEGORIA GÊNERO E SUA RELAÇÃO COM A VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER
2.1
Conceituações e discussões sobre a categoria Gênero
A discussão da categoria gênero é bastante complexa e, por isso, ao
abordarmos o referente termo, procuramos chamar atenção para o significado da
representação social do ser homem e ser mulher, dos valores que a sociedade
atribui aos termos masculino e feminino, bem como fazer uma explanação das
relações de desigualdades entre os sexos que se fizeram presentes na sociedade
desde os tempos mais remotos perpetuando até os dias atuais.
De forma geral, as gramáticas normativas da Língua Portuguesa
apresentam o termo gênero como sendo a categoria de flexão das palavras de
acordo com seu sexo, ou seja, masculino e feminino. Contudo, para Teles (2002,
p.16):
A sociologia, a antropologia e outras ciências humanas lançaram mão da
categoria gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades
socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na
esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis
sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram pólos
de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos
direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais e
políticas dos homens, tornando-as dependentes.
Dentro desse contexto, no Brasil, as discussões sobre gênero ganham
ênfase a partir de 1980. Entre as obras publicadas nesse período, destacou-se o
artigo de título Gênero: uma categoria útil para análise histórica, da historiadora Joan
Scott (1989), que até os dias atuais serve de referência para estudiosos que
desejam explorar o assunto.
Para Saffioti (2004) o conceito de gênero é amplo, mas não
necessariamente explicita a desigualdade entre homens e mulheres. Apesar disso,
segundo a autora, muitas feministas agregam a esse termo a noção de patriarcado,
que “como o próprio nome indica, é o regime da dominação-exploração das
mulheres pelos homens” (SAFFIOTI, 2004, p. 44).
16
Assim, o conceito de gênero foi incorporado pelo feminismo e pela
produção acadêmica a partir de 1970. Nesse período surge uma considerável
discussão a respeito das diferenças entre os sexos estabelecidas pela sociedade.
De acordo com Meyer (2003), os registros históricos evidenciam que foi através de
estudos realizados por mulheres e sobre mulheres que surgiu o termo gênero e,
devido a um impulso do movimento feminista, surge uma complexa discussão a
respeito desta categoria. Assim afirma SAFFIOTI (2004, p. 95):
Na década de 1970, mas também no fim da anterior, várias feministas,
especialmente as conhecidas como radicais, prestaram um grande serviço
aos então chamados estudos sobre mulher, utilizando um conceito de
patriarcado cuja significação raramente mantinha qualquer relação com o
constructo mental weberiano.
Como foi citado no parágrafo anterior, a categoria gênero passa a ser
discutida junto ao movimento de mulheres, porém, não foi uma mulher quem
formulou o conceito de gênero, sendo este elaborado por Robert Stoller, no ano de
1968. Contudo, de acordo com Saffioti (2004, p. 131-2) mesmo que não usando
diretamente o vocábulo, foi Simone de Beauvoir, na formulação de sua famosa frase
“ninguém nasce mulher, mas se torna uma mulher” quem disseminou essa ideia.
Ainda sobre a categoria enfatiza Pateman (1993 p. 131- 2):
A pluralidade do slogan e sua força para feministas emergem da
complexidade da posição das mulheres nas sociedades liberal-patriarcais
contemporâneas. O privado ou pessoal e o público ou político são
sustentados como separados e irrelevantes um em relação ao outro; a
experiência cotidiana das mulheres ainda confirma esta separação e,
simultaneamente, a nega e afirma a conexão integral entre as duas esferas.
A separação entre a vida doméstica privada das mulheres e o mundo
público dos homens, tem sido constitutivas do liberalismo patriarcal desde
sua gênese e, desde meados do século XIX, a esposa economicamente
dependente tem estado presente com o ideal de todas as classes sociais da
sociedade.
Nos dias atuais, movimentos que tem à frente mulheres têm debatido
bastante sobre a categoria em questão, sendo perceptível que o conceito de gênero
explica as diversas relações entre homens e mulheres na sociedade. Como salienta
Osterne (2008, p. 127):
17
Após exame mais acurado sobre a presença da mulher na complexidade
sexual, passou ao uso da categoria gênero, como a significar a mudança no
patamar analítico (...). Gênero foi um termo usado desde a década de 1970,
para refletir a diferença sexual. Registra-se o fato de que foram as
feministas americanas as primeiras a usar o vocábulo, com o objetivo de
destacar o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no
sexo. A palavra em sim, indica rejeição ao determinismo biológico implícito
no uso dos termos como sexo ou diferença sexual e punha em evidência o
aspecto relacional entre os homens e as mulheres.
Dessa forma, as noções de gênero têm se mostrado relevantes para a
compreensão de diversos problemas e dificuldades que o público feminino encontra
na vida política, no trabalho, na vida sexual e familiar. Relata Costa (2005) que a
identidade feminina, vem sendo construída historicamente e, tem apresentado
diversas formas e modalidades culturais, sendo o sistema patriarcal responsável por
essas representações. Segundo a autora, a maneira como são passados os valores
de geração para geração, ditando moldes de vida, crenças e ideologias já
determinadas, configuram a identidade feminina; sendo assim, reproduz um modelo
de feminilidade nos moldes do sistema dominante.
É válido salientar, que a historiadora Scott (1998) traz importantes
considerações a respeito dessa categoria, pois para ela, o gênero nos permite
entender as diferenças entre os sexos, sendo que gênero tem relevantes vínculos
com as relações de poder. Para a autora, é indiscutível as diferenças entre os sexos,
porém o que deve ser avaliado são as maneiras como essas diferenças são
construídas culturalmente.
Ainda de acordo com Scott (1998) explana que: gênero é uma categoria
histórica de símbolos culturais evocadores de representações, de conceitos
normativos como grade de interpretação de significados, organizações e instituições
sociais e identidade subjetiva. Logo, os comportamentos de homens e de mulheres
podem variar de acordo com o contexto, social e cultural, e também podem variar de
acordo com o momento histórico, seja de uma cidade ou de um país.
É importante nesta discussão, apresentar as noções de sexo e gênero.
Para Rubin (apud SAFFIOTI, 2004), os sistemas sexo e gênero são os conjuntos,
práticas, valores sociais, normas, representações e símbolos que as sociedades
elaboram a partir das diferenças sexuais, sendo que cedem sentidos e significados
ao cumprimento dos impulsos sexuais, à reprodução humana, e ao modelo mais
totalizante, ao relacionamento das pessoas. Sendo assim, gênero é o conjunto de
arranjos, onde o sexo biológico é modelado pela intervenção social humana.
18
Assim, torna-se possível perceber que o termo gênero está voltado para
as relações sociais entre os sexos, além de denunciar as desigualdades existentes
entre eles. Já o sexo é algo biológico, com funções determinadas pela natureza,
como por exemplo, o fato de que somente a mulher é capaz de ter um bebê e
somente o homem é capaz de produzir espermatozoides.
Neste ínterim, desde criança nos são passados valores e aprendemos em
casa, na escola e em todos os ambientes sociais que a divisão sexual do mundo se
separa em feminino e masculino. Meninas devem brincar de boneca ou outras
brincadeiras que remetem ao mundo doméstico; meninos podem brincar de carrinho
ou outros que tenham relação com o cenário público. É como salienta Baggio (2009,
p. 83):
A cultura incorpora nas pessoas, desde crianças, a diferença entre
masculino e feminino. A família e a escola desde cedo marcam as
diferenças entre os meninos e meninas. Dessa forma, percebe-se que os
papeis, tanto masculino como feminino, começam a ser construídos desde
que os bebês estão sendo gerados, quando a família na expectativa,
começa a preparar o enxoval de acordo com o sexo. Após o nascimento, a
primeira coisa a ser identificada é o sexo, e a partir desse momento o ser
começa a receber mensagens sobre o que a sociedade espera deste
menino ou menina.
É possível perceber por meio da citação anterior, que ser menino ou
menina, independentemente de sexo, é uma adequação social que nos é imposta
desde cedo. De acordo com Carvalho (1998) as únicas diferenças existentes entre
homens e mulheres são biológicas e sexuais, logo as demais são criadas pelos
seres sociais, ou seja, são provenientes de relações de opressão, e que, todavia,
devem ser extintas para que possa haver relações de igualdade.
Outro ponto importante a ser comentado no que se refere a gênero, é a
necessidade de se distinguir este do conceito de patriarcado, pois o termo gênero
engloba tanto homens quanto mulheres; assim como a violência de gênero abrange
tanto a violência de homens contra mulheres, de mulheres contra homens, e de
homem-homem e mulher-mulher. Sendo assim, gênero não se resume a uma
categoria específica, enquanto o conceito de patriarcado remete a dominação dos
homens sobre as mulheres. É como enfatiza Pateman (1993, p. 16-17):
19
A dominação dos homens sobre as mulheres e o direito masculino de
acesso sexual regular a elas estão em questão na formulação do pacto
original. O contrato social é uma história de liberdade; contrato sexual é
uma história de sujeição. O contrato original cria ambas, a liberdade e a
dominação. A liberdade do homem e a sujeição da mulher derivam do
contrato original e o sentido da liberdade civil não pode ser compreendido
sem a metade perdida da história, que revela como o direito do patriarcal
dos homens sobre as mulheres é criado pelo contrato. A liberdade civil não
é universal – é um atributo masculino e depende do direito patriarcal. Os
filhos subvertem o regime paterno não apenas para conquistar sua
liberdade, mas também para assegurar as mulheres para si próprios. Seu
sucesso nesse empreendimento é narrado na história do contrato sexual. O
pacto original é tanto um contrato sexual quanto social: é social no sentido
de patriarcal – isto é, o contrato cria o direito político dos homens sobre as
mulheres.
Ainda sobre a discussão, Saffioti (2004) revela que faz parte da ideologia
de gênero, mais precisamente patriarcal, que muitos estudiosos defendem, de que o
contrato social se difere do contrato sexual, vinculando este último exclusivamente è
esfera privada. Conforme essa ideia o patriarcado não tem relação com o mundo
público, não sendo assim relevante. Porém, de acordo com a autora, os espaços
públicos e privados estão extremamente ligados, sendo que a liberdade civil vai
depender do direito patriarcal.
Outro ponto discutido por Saffioti (2004) é a tendência transformadora
pela qual o termo patriarcado vem passando, de acordo com as gerações. Segundo
ela, as regalias vividas pelo homem antigamente refletem nas desigualdades vividas
entre homem e mulheres, como se essas diferenças entre os sexos fossem reflexos
de um patriarcado já não existente na sociedade atual. Assim, existem alguns
resquícios em determinadas famílias desse conceito de patriarcado, mas isso se dá
de maneira mais amena do que nos tempos remotos. O poder que era atribuído
apenas ao patriarca, hoje é divido com a mulher. Apesar disso, muitos homens ainda
querem exercer poder sobre suas mulheres, e quando são contrariados agem com
violência para com suas esposas, acabando, muitas vezes, por tirar a vida de suas
parceiras. As marcas do patriarcado ainda são bastante fortes em nossa sociedade,
pois os homens são educados para se impor e muitos não aceitam serem
contrariados.
É importante entender que as diferenças de gênero resultam de fatores
históricos impostos pela sociedade. Desde a antiguidade há uma divisão de tarefas
e papeis entre homens e mulheres, onde se estabelece aos homens uma relação de
força e poder e impõe sobre as mulheres papeis de submissão e obediência. Então,
20
Osterne (2008) afirma que desde os tempos mais remotos, as mulheres são
excluídas da cidadania, não só em função dos interesses familiares, mas também
em face de sua diferença em relação aos homens; prova disso é a exclusão das
mulheres da vida política.
Diante do conceito de gênero exposto por Saffioti (2004), a violência de
gênero pode ser entendida como “uma relação de poder de dominação do homem e
de submissão da mulher” (TELES, 2002, p. 18). É possível perceber que os papeis
impostos aos sexos no decorrer da história corroboram para a imposição de
ideologias como o patriarcado, resultando, assim, em relações violentas entre os
sexos. Ou seja, os processos sociais é que determinam os estereótipos e permitem
que as relações de poder entre homens e mulheres elevem os primeiros e
subjuguem os últimos. Tais processos acontecem, principalmente, nos lares e por
meio dos companheiros das mulheres, caracterizando, assim, a violência e suas
respectivas tipificações, elementos estes que serão abordados na sessão a seguir.
2.2
Conceituações do termo violência
Os conceitos de violência são amplos, pois esta pode ser interpretada
como um acontecimento que vai além do ordenamento social, tanto no âmbito das
relações pessoais como nos das relações institucionais (OSTERNE, 2008). Por isso,
torna-se desafiante estudar esta temática que se apresenta cada vez mais presente
na sociedade atual, principalmente em relação às modalidades de violência contra
as mulheres. A etimologia da palavra, de acordo com Inácio (2003, p. 126), procedese do latim vis, que significa uso da força, ainda apontando ele que
[...] se recorrermos às palavras violatio, onis, violo e are, que estão
associados ao termo violentio, veremos, porém, que o termo revela um
sentido negativo e maléfico, indesejável. As palavras violatio e onis
significam dano, prejuízo, profanação, violação, perfídia e a palavra violo e
are indicam fazer violência à, maltratar, danificar, devastar, desonrar,
transgredir, infringir, ferir, lesar, ofender, macular.
Sobre o termo em questão, Saffioti (2004, p. 17) explana que um dos
conceitos de violência adquiridos pela população resulta do fato de que as pessoas
estão habituadas aos atos violentos. Assim, essa noção trata “da violência como
21
ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade
psíquica, integridade sexual, integridade moral”.
Muitas vezes, o ato de violência é a forma encontrada pelo agressor para
estabelecer poder sobre a vítima e sobre essa relação; Arendt (1994) apresenta uma
importante distinção entre poder e violência, na qual o uso da violência acarreta em
uma perda de poder. “Poder e violência são opostos: onde um domina
absolutamente o outro está ausente; a violência aparece onde o poder está em
risco, mas deixa o seu próprio curso; ela conduz a desaparição do poder” (ARENDT,
1994, p. 44).
Ainda de acordo com a autora, o poder é a capacidade que o ser humano
tem para desenvolver ações em conjunto, enquanto a violência destaca-se por sua
característica instrumental. São através de instrumentos como armas de fogo que se
aumenta o vigor individual, e isso nada tem a ver com o poder. Com relação a este
último, Arendt (1994, p. 88) explica que:
O poder só é efetivado quando a palavra e o ato se divorciam, quando as
palavras não são vazias e os atos não são brutais; quando as palavras não
são empregadas paradas para agregar intenções, mas para revelar
realidades, e os atos não usados para violar e destruir, mas para criar
relações e novas realidades.
A violência é considerada um problema social que afeta toda a população
de uma forma geral, não escolhendo classe social, idade ou etnia. Apesar de a
violência ser algo presente no cotidiano das pessoas, “há a dificuldade de se
assumir a existência de pessoas violentas em todas as classes sociais e dentro do
seio familiar, chegando ao ponto de se desacreditar nos testemunhos de vítimas”
(HIRIGOYEN, 2006).
Constantemente, as grandes mídias apontam que os índices de violência
estão alarmantes, sendo, segundo elas, junto com o desemprego, uma das maiores
preocupações dos brasileiros. Antes, o que era uma marca dos grandes centros
urbanos, atualmente faz parte da maioria das cidades do país, inclusive de cidades
pequenas do interior.
De acordo com pesquisas realizadas pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) (apud CAVALCANTI, 2007), a classificação da violência pode ser feita de três
maneiras: violência interpessoal, violência contra si mesmo e violência coletiva.
22
A violência interpessoal refere-se às de cunho físico ou psicológico e
estão presentes, principalmente: entre os jovens; entre aqueles que praticam
violência doméstica; na violência contra crianças e adolescentes; e na violência
sexual. Com relação à violência contra si mesmo, como o próprio nome diz, é aquela
em que a pessoa pratica um ato violento contra o próprio corpo, como o caso dos
suicidas e daqueles que se automutilam. Por fim, a violência coletiva engloba duas
outras
classificações:
a
violência
social,
que
decorre
de
desigualdades
socioeconômicas; e a violência urbana, que acontece nas cidades, seja por parte do
crime organizado ou não.
Entende-se como violência a relação, processo ou condição em que há
violação da integridade física, psicológica ou social, mediante uso de força
física, poder real ou ameaça a um indivíduo, classes grupos ou nações,
contra si próprio ou contra a coletividade, que resulte ou possa resultar em
morte, danos físicos, psicológicos, emocionais e espirituais, deficiência de
desenvolvimento ou privação. (CECILIO et al., 2012).
Os tipos de violência citados não ocorrem de forma isolada e, muitas
vezes, são confundidos por acontecerem simultaneamente. Outro tipo de violência,
que devido a sua manifestação, torna-se difícil de especificar, é a violência contra a
mulher, que será abordada no tópico a seguir.
2.3
Violência contra a mulher
Desde a antiguidade, as mulheres eram consideradas parte dos bens da
família, da mesma forma que escravos, os móveis e os imóveis. Dessa forma, a
ideia da aplicação de castigos contras as mulheres era considerada legítima, visto
que
as
mesmas
deveriam
obedecer,
sem
expressar
nenhum
tipo
de
questionamento, àqueles que eram seus “donos”, fossem pais, irmãos ou maridos
(CAVALCANTI, 2007).
Até os dias atuais, ainda é visto na sociedade a obediência feminina e
constantemente, são divulgados na mídia casos de agressões contra as mulheres,
deixando latente a necessidade de medidas mais enérgicas para cessar esse
23
crescimento. De acordo com uma resolução1 da Assembleia Geral das Nações
Unidas (1993):
A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder
historicamente desiguais entre homens e mulheres, que conduziram a
dominação e a discriminação contra as mulheres pelos homens, e impedem
o pleno avanço das mulheres [...].
Assim, percebe-se que o fenômeno da violência sofrida pelas mulheres
está diretamente associado à violação dos direitos humanos, tendo em vista que
afeta os seus direitos, tais como sua vida, sua saúde e sua integridade física.
Pode-se considerar violência contra a mulher qualquer ato que gere
agressão ou discriminação contra a mesma, apenas pelo fato desta ser mulher, além
de causar-lhe qualquer tipo de sequela, seja física, moral ou psicológica. Como
apontam Cunha e Pinto (2007, p. 24):
Qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos,
sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meios de enganos,
ameaças, coações ou qualquer outro meio, a qualquer mulher e tendo por
objetivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos
papeis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade
humana, a autonomia sexual, a integridade física, moral, ou abalar a sua
segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir
as suas capacidades físicas ou intelectuais.
De acordo com a Lei 11.340/06, do Código Penal Brasileiro, existem cinco
tipos de violência que são praticadas contra as mulheres: a física, a psicológica, a
sexual, a patrimonial e a moral.
A violência física, de acordo com o Código Penal (2006), pode ser
definida como qualquer agressão de cunho físico que prejudique a integridade e a
saúde da mulher. Tais agressões podem ocorrer por meio de beliscões, empurrões,
chutes, tapas, puxões de cabelo ou ferimentos com armas. Ou seja, este tipo de
violência pode ser entendida como sendo aquela que ocasiona desde pequenos
traumas aos maiores, tendo, às vezes, como consequência a própria morte.
O álcool e as drogas também são constantemente apontados como
desencadeadores da violência doméstica, pois interferem drasticamente no
discernimento do indivíduo. Apesar disso, Cavalcanti (2007, p. 34) afirma que:
1
Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de dezembro de 1993, que trata sobre a eliminação da
violência contra as mulheres.
24
Embora o álcool, as drogas ilegais e o ciúme sejam apontados como
principais fatores que desencadeiam a violência doméstica, a raiz do
problema está na maneira como a sociedade valoriza o papel masculino nas
relações de gênero. Isso se reflete na forma de educar meninos e meninas.
Enquanto os meninos são incentivados a valorizar a agressividade, a força
física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os
sexuais, as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução,
submissão, dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os
outros.
É válido salientar que a violência psicológica é tão grave quanto à física,
pois agride o lado emocional da mulher, deixando marcas que, apesar de não
poderem ser visualizadas, comprometem a integridade racional e emocional da
mulher (OSTERNE, 2008). Este tipo de violência ocorre, muitas vezes, junto com a
violência moral, e esta se refere a qualquer ato de difamação ou calúnia, ou seja,
condutas que interfiram na reputação e na dignidade da mulher.
Outro tipo de violência é a violência sexual, que é entendida “como
qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação
sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força”
(CÓDIGO PENAL, 2006). O Código também considera como violência sexual atos
que induzam a mulher a comercializar seu corpo, que a impeçam de utilizar métodos
contraceptivos, por meio de coação ou chantagem.
Por fim, a violência patrimonial é caracterizada como qualquer ato que
gere retenção, subtração, destruição dos bens da mulher, como por exemplo, a
destruição de objetos de uso doméstico ou impedir que a mulher utilize seus
documentos.
Outro tipo de violência, mas que não está expresso no Código Penal é a
chamada violência simbólica. A violência simbólica se expressa através da força da
ordem masculina que já se encontra naturalizada nas convenções sociais. Assim, a
dominação não é questionada pela mulher, pois esta a vê como algo já definido pela
sociedade, ou seja, é como se fosse seu papel exercer determinada função ou
aceitar determinada imposição (BOURDIEU, 2012). Para Inácio (2003, p. 127), a
violência simbólica é
[...] responsável pelas medidas de repressão e, também, pela tolerância,
conivência e impunidade que se observa em relação à criminalidade. Em
particular, no que se refere aos crimes praticados contra a mulher na esfera
familiar, esta dimensão simbólica é construída pelo ordenamento de gênero
tradicional, nas quais se legitimam várias formas de opressão feminina.
25
Vários são os tipos de violência praticada contra as mulheres e muitas e
profundas são as sequelas que ficam nas mesmas, fazendo com que elas, muitas
vezes, sintam medo de procurar a justiça, pois, na maioria dos casos, os agressores
são seus companheiros, evidenciando, assim, a violência doméstica.
Assim, a violência tem sido percebida como um fenômeno bastante
perverso e constantemente presente na sociedade, e entre as suas modalidades, a
violência doméstica é uma das mais cruéis, por ser a mais silenciosa.
Este tipo de violência manifesta-se por meio das pessoas em quem se
tem mais confiança, ou seja, dos próprios familiares, de quem se espera receber
carinho e respeito, e não insultos ou agressões físicas. Além disso, a situação tornase mais difícil pelo fato da violência acontecer dentro de locais que antes eram
considerados seguros, mas que se tornam espaços de pesadelos: a própria casa
das vítimas (AMARAL, 2002).
Apesar de a violência doméstica abranger todos os elementos familiares
que sofrem algum tipo de agressão, são as mulheres as principais vítimas desse tipo
de violência. Isso decorre da desigualdade entre homens e mulheres, principalmente
nas relações de poder e de gênero (TELES, 2002). A autora ainda afirma que a
violência doméstica é algo presente na vida de milhares de mulheres, independente
de classe social ou etnia, apesar de os registros policiais serem mais frequentes nas
camadas mais baixas.
Dentro desse contexto, muitos são os fatores que levam os homens a
agredirem
suas
companheiras:
fatores
psicológicos,
pois
alguns
homens
vivenciaram aspectos violentos durante sua formação humana; fatores econômicos,
como por exemplo, um homem que se sente inferior em relação a sua mulher pelo
fato desta ganhar mais do que ele; fatores de relacionamento, como agressões que
têm como motivo o ciúme, entre outros (CAVALCANTI, 2007).
De acordo com Walker (1979 apud BRASIL, 2002), a violência conjugal
acontece como um ciclo, onde inicialmente, ocorrem pequenas ações violentas,
como humilhações e agressões verbais. Depois, passa a existir o que o autor chama
de violência aguda, onde o controle masculino é praticamente inexistente e o
homem agride a mulher com a intenção de “lhe dar uma lição”. Posteriormente, o
casal vive um período de paz, pois após a agressão, o homem pede perdão à
companheira e acredita que a violência não irá se repetir, pois a mulher “aprendeu a
lição”.
26
Tal ciclo demonstra a dependência afetiva, pois “o casal que vive em uma
situação de violência, torna-se um par simbiótico, tão dependente um do outro que,
quando tenta separar-se, o outro se torna drasticamente afetado” (WALKER apud
BRASIL, 2002, p. 27).
Parte das pessoas que vivenciam esse tipo de situação convivem
constantemente com a sensação de medo e têm uma probabilidade maior de
apresentarem algum tipo de distúrbio, como por exemplo, agressividade excessiva
ou timidez excessiva. Muitas mulheres não suportam a pressão de viver uma
situação como essa, e por não enxergarem uma saída, acabam cometendo suicídio;
muitas
adquirem
sequelas
permanentes,
sejam
elas
físicas
ou
mentais
(CAVALCANTI, 2007).
No próximo item, será exposto o perfil das entrevistadas que participaram
desse estudo, visando uma aproximação entre o leitor e os sujeitos da pesquisa.
Todas as participantes da pesquisa apresentam condições de vida semelhantes,
pois moram em bairros periféricos da cidade de Fortaleza e quase todas exerciam
alguma atividade remunerada.
.
2.4
Características da população entrevistada
Estabelecemos um perfil para as participantes do estudo, de maneira que,
focamos mulheres que sofreram qualquer tipo de agressão do companheiro, pois a
demanda do juizado é ampla, vai desde vítimas que sofreram violência de irmãos,
esposos, namorados e até mesmo de filhos, porém, buscamos selecionar apenas as
mulheres que sofriam violência dos esposos, para dessa forma ter um equilíbrio no
material colhido no campo.
A tabela 1 elenca dados das entrevistadas como nome (fictício), idade,
escolaridade, se exerce atividade remunerada, qual o valor ganho pela atividade
exercida e quantos filhos possui. Dessa forma, temos uma visualização geral dos
dados coletado, possibilitando, assim, visualizar o perfil das entrevistadas.
Entrevistada
Idade
Escolaridade
Possui atividade
Remunerada?
Renda Mensal
Quant. de
Filhos
27
Bia
35
Maga
40
Gabi
39
3º série
Ens. Fundamental
Ens. Médio
completo
5º série
Ens. Fundamental
1º ano
Ens. Médio
Ens. Médio
Liana
29
completo
Ens. Médio
Raniely
24
completo
4º série
Arlete
52
Ens. Fundamental
Ens. Médio
Karol
22
completo
Ens. Médio
Joana
27
completo
Ens. Médio
Ana
31
completo
Tabela 1 - Dados gerais das mulheres entrevistadas
Fonte: Elaborada pela pesquisadora.
Kaliane
38
Sim
R$ 678,00
Sim
R$728,00
Sim
R$1.500,00
Sim
R$824,00
Sim
R$1.600,00
Sim
R$900,00
Sim
R$ 3.000,00
(conjunta)
Não
R$1.500,00
Sim
R$ 1.100,00
Sim
R$ 930,00
02
04
02
01
01
01
02
01
01
02
A seguir, detalhamos os dados expressos na tabela 1, apresentando mais
detalhadamente cada entrevistada, e a maneira que ocorreu o contato com cada
uma delas, durante a minha presença no Juizado.
Bia
A entrevistada de nome fictício Bia, tem 35 anos e possui duas filhas da
relação que ela mantinha com o agressor. Estudou até a 3ª série do ensino
fundamental e trabalha como atende em um restaurante, recebendo uma
remuneração de R$ 678,00. Ela vivia acerca de onze anos com o agressor e a
principal renda da família era dele, que trabalhava de carteira assinada como
frentista, ganhando mais de um salário mínimo.
Maga
A pesquisada de nome fictício Maga tem 40 anos e possui três filhos
oriundos da relação que mantinha com o agressor e mais um filho de outro
relacionamento. Possui o ensino médio completo e atua como professora, ganhando
uma renda mensal de R$728,00, sendo esta a principal renda da família. Ela vivia há
15 anos com o agressor usuários de drogas, que não possuía emprego fixo,
28
contribuindo apenas com a renda de pequenos trabalhos que realizava
esporadicamente.
Gabi
A entrevistada Gabi tem 39 anos possui dois filhos com o agressor, sendo
que o mais novo tem seis anos. Estudou até a 5ª série do ensino fundamental e se
profissionalizou como manicure e depiladora, profissão em que ganha cerca de
R$1.500,00; esta é a principal renda da família. Vivia há 25 anos com o agressor,
que tinha emprego fixo como vendedor e era usuário de drogas.
Kaliane
A pesquisada aqui chamada de Kaliane tem 38 anos, e possui uma filha
da relação com o agressor. Estudou até o 1º ano do ensino médio e trabalha como
vendedora, o que lhe dá uma renda média de R$824,00, mensais. A principal renda
da família era do agressor que tinha carteira assinada e ainda ganhava comissão.
Ela convivia com ele há três anos.
Liana
A entrevistada tem 29 anos e uma filha fruto da relação com o agressor.
Possui o 2º grau completo e trabalha como cabeleireira, o que lhe fornece uma
renda mensal de R$1.600,00, sendo a responsável pela maior parte da renda
familiar. Ela vivia com o agressor há cinco anos. Ele era usuário de drogas e não
possuía emprego fixo, contribuindo pouco com a renda da família e apenas quando
conseguia algum serviço temporário.
Raniely
Essa pesquisada tem 24 anos e possui um filho com o agressor. Possui o
2º grau completo e trabalha como revendedora de cosméticos, ganhando uma renda
média de R$900,00, o que se refere a maior parte da renda familiar. Estava há
quatro anos convivendo com o agressor, que possuía renda fixa, mas em menor
valor do que a dela.
29
Arlete
Esta entrevistada tem 52 anos e duas filhas com o agressor. Cursou até a
4ª série e trabalhava em um negócio que montou junto com o ex-companheiro, tendo
uma renda compartilhada em torno de R$ 3.000,00. Convivia há 27 anos com
agressor.
Karol
A pesquisada de nome fictício Karol tem 22 anos e não possui filhos com
agressor. Está cursando administração e sua renda mensal é oriunda de seu pai de
acordo com suas despesas, em torno de R$1.500,00. Namorava com o então
companheiro há um ano.
Joana
A entrevistada tem 27 anos e um filho com o agressor. Possui ensino
médio completo e trabalha como vendedora, de onde retira uma renda mensal de
R$1.100,00, que era a principal da família. Convivia há sete anos com o agressor
que tinha emprego fixo, mas com renda menor que a dela.
Ana
Esta entrevistada tem 31 anos, dois filhos com o agressor, e um de outro
relacionamento. Concluiu o ensino médio e tem uma renda mensal de R$930,00,
oriunda de seu trabalho como representante de vendas. Estava há 4 anos
convivendo com o agressor, que possuía renda fixa maior que a dela, sendo a
principal da família, e que era usuário de drogas
Ao observarmos especificamente a idade das entrevistadas, percebemos
de acordo com o gráfico apresentado, que elas estão, principalmente, na faixa etária
dos 20 anos, com 40%, e dos 30 anos, com 40%, entre 40 e 50 anos, representando
10% e com também 10% estão na faixa dos 50 e 60 anos. Ou seja, a violência
doméstica pode acontecer com mulheres de todas as idades, mas tem ocorrido com
30
mulheres mais jovens.
Diante de toda a violência contras as mulheres, há muito tempo existem
movimentos que lutam contra essa situação e que buscam a efetivação de políticas
públicas voltadas para as mulheres. Tais políticas são essenciais para a proteção e
amparo das mulheres que, independentemente de terem sofrido ou não violência.
Portanto no próximo capítulo será abordada a temática que permeia as políticas
públicas voltadas para as mulheres.
3
LEI MARIA DA PENHA: UMA CONQUISTA DE TODAS AS MULHERES
31
3.1
Políticas Públicas voltadas para as Mulheres
As políticas públicas são de suma importância para qualquer setor da
sociedade, pois de acordo com Rua (1997), as políticas públicas são atividades
políticas que compreendem o conjunto de ações e decisões relacionadas à posição
imperativa de valores. Alves (1991) aponta as políticas públicas como respostas do
Estado às demandas da sociedade, que por sua vez, elenca suas necessidades e
pressiona no sentido de sanar essas necessidades. Os resultados desse processo
entre Estado e sociedade civil devem ser vistos como processos sociais contínuos,
sendo responsável pelo fortalecimento das políticas sociais.
Além disso, por mais óbvio que possa parecer, as políticas públicas são
públicas – e não privadas ou apenas coletivas. A sua dimensão pública é
dada não pelo tamanho do agregado social sobre o qual incidem, mas pelo
seu caráter “imperativo”. Isto significa que uma das suas características
centrais é o fato de que são decisões e ações revestidas da autoridade
soberana do poder público (RUA, 1997, p. 2).
Importantes transformações ocorreram nas relações entre Estado e
sociedade no Brasil a partir dos anos 1970. Nos anos 1980, com a mudança de
regime, as políticas públicas foram marcadas por mudanças, resultado de processos
estabelecidos ao longo das décadas anteriores.
A década dos anos 80 inicia-se com duas importantes vitórias das forças de
oposição à ditadura militar: a anistia política e o retorno ao voto, com as
eleições de 82. As sementes plantadas pelas feministas deixaram raízes,
como se observa tanto no tocante às creches quanto nas importantes
mudanças da legislação, especialmente na área da família, que foram
incorporadas à Constituição de 1988 (MORAES, 2006, p. 3).
Farah (2004) explana que as políticas públicas podem ser consideradas
como um curso do Estado que está orientado por certos objetivos que refletem ou
traduzem certos interesses. Assim, as políticas públicas para as mulheres,
inicialmente, resultaram dos movimentos feministas, sendo que o primeiro Conselho
Estadual da Condição Feminina só foi criado em 1983 e a primeira Delegacia da
Mulher em 1985, no Estado de São Paulo.
O movimento de mulheres inicia parcerias com o Estado no sentido da
implementação de políticas públicas para trabalhar com esse problema. Em
1983 é criado o Conselho Estadual da Condição Feminina, em São Paulo;
32
em 1985 é criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e a primeira
Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), também no Estado de São Paulo. A
instituição das DDMs permitiu que delegacias especiais para crimes contra
a mulher, com funcionárias exclusivamente mulheres e devidamente
treinadas, fossem implantadas, dando enorme visibilidade ao problema. O
Brasil foi o primeiro país no mundo a propor este tipo de intervenção
(SCHRAIBER; D‟OLIVEIRA, 2006).
Essas delegacias especiais representaram um avanço igualitário para as
mulheres, expressando a participação política para a defesa de um grupo
historicamente reprimido e discriminado, porém ainda era preciso avançar bastante
no tocante às legislações.
Apesar das primeiras delegacias de atendimento específico para as
mulheres terem sido criadas no ano de 1985, devemos estar cientes de que as
legislações naquela época não estavam voltadas para à violência contra mulher.
Para o jurídico, as delegacias deveriam realizar investigações baseadas em
princípios legais e as práticas policias deveriam se norteadas pelas leis, logo, a
violência contra a mulher, fosse familiar, doméstica ou de gênero, não estava
incluída nas tipificações das leis criminais. Até a promulgação da Lei 11. 340/06, as
mulheres não tinham uma lei específica que as amparassem, e as práticas violentas
contra elas não tinham uma interpretação do jurídico e nem da sociedade como
sendo resultado de estrutura de dominação construída historicamente (GREGORI,
2007).
A criação do Programa de Assistência Integral da Mulher também foi
consequência das mobilizações das mulheres (COSTA, 2005). A autora também
aponta que a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da Presidência da
República foi criada em 2003, inaugurando um novo momento na história do Brasil
no que se refere à formulação e articulação de políticas que visem a equidade entre
homens e mulheres.
Em 2004, o Governo Federal deu um importante passo ao realizar a I
Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, na cidade de Brasília.
Esta Conferência reuniu cerca de 120 mil mulheres de todo o Brasil, tornando um
marco relevante para a afirmação dos direitos das mulheres. Neste encontro, as
mulheres apresentaram propostas para a elaboração do Plano Nacional de Políticas
Públicas para as Mulheres, que expressou como principal objetivo assegurar os
direitos das mulheres, afirmando-as como cidadãs. Esse Plano pautou-se pelos
seguintes pontos: igualdade e respeito à diversidade, sendo mulheres e homens
33
iguais em seus direitos; educação inclusiva e não sexista; saúde das mulheres,
direitos sexuais e reprodutivos.
De acordo com a Secretaria Especial de Políticas Públicas para as
Mulheres (2004), o Plano Nacional de Políticas Públicas para as mulheres pode ser
um instrumento para a afirmação dos direitos das mulheres, desde que seja bem
utilizado. Porém, torna-se necessário que as mulheres conheçam o Plano, e este,
por sua vez, deve visar combater a realidade de desigualdade vivida entre homens e
mulheres no Brasil, reconhecendo o papel fundamental do estado no combate a esta
situação de desigualdade (COSTA, 2005).
O Plano tem 199 ações, distribuídas em 26 prioridades que foram
definidas durante a Conferência, e que foram organizadas por um grupo de trabalho
coordenado pela Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, sendo
composto por representantes dos Ministérios da Saúde, Educação, Trabalho e
Emprego, Justiça, entre outros ministérios (COSTA, 2005).
No que diz respeito à cidade de Fortaleza, é de responsabilidade da
Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Mulheres de Fortaleza
desenvolver as políticas elaboradas a nível nacional, coordenando e formando
parcerias com outros setores da sociedade. Vinculada à Prefeitura Municipal de
Fortaleza, a Coordenadoria foi criada em 2007 e tem, entre outras funções,
implementar ações que visem a educação e a cultura sem discriminação, além de
saúde e assistência a mulher vítima de violência doméstica. Também é dever da
Coordenadoria promover a equidade de gênero, levando em consideração que:
[...] ao propor políticas públicas “de gênero”, é necessário que se estabeleça
o sentido das mudanças que se pretende, sobretudo, com vistas a
contemplar a condição emancipatória e a dimensão de autonomia das
mulheres. Para que as desigualdades de gênero sejam combatidas no
contexto do conjunto das desigualdades sócio-históricas e culturais
(COORDENADORIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES DE
FORTALEZA, 2012).
De forma geral, a sociedade, e mais precisamente a população feminina,
está cada dia mais ciente de que se está passando por um processo de
transformação em relação à posição da mulher na sociedade. Ou seja, as políticas
públicas para as mulheres devem inserir em suas discussões às relações de gênero,
combatendo o preconceito para que assim, sejam reconhecidas as diferenças de
gênero. Além disso, devem nortear a sociedade de forma que sejam estabelecidos
34
os direitos das mulheres de forma real e eficaz, e não apenas no papel.
Então, durante muito tempo as mulheres foram vistas como seres
inferiores em relação aos homens, não podendo expressar seus desejos e vontades.
Assim, as mulheres, constantemente, sofriam agressões dos mais diversos setores
da sociedade, fossem essas agressões físicas ou psicológicas, e não tinham
nenhuma lei que pudesse ampará-las (CAVALCANTI, 2007). Para que esse cenário
se modificasse, foram necessários inúmeros movimentos por parte das mulheres,
que passaram a exigir uma maior representatividade na sociedade, que será
aprofundado no item subsequente.
3.2
Movimentos feministas: a busca pelos direitos das mulheres
Desde os tempos mais remotos, o machismo sempre existiu em diversas
partes do mundo. A mulher não tinha direito de herdar, lhe era vedada a
possibilidade de estudar, bem como de participar do mundo público (PINTO, 2009).
Os movimentos feministas foram responsáveis por inúmeras conquistas das
mulheres, incorporando os direitos da mulher nas legislações vigentes.
De acordo com Pinto (2009), as primeiras manifestações feministas
ocorreram na Inglaterra, no final do século XIX, quando algumas mulheres se
pronunciaram realizando consideráveis manifestações em Londres, para que fossem
incluídas no mundo político sendo a elas concedido o direito de votar. O feminismo
desse período era formado por mulheres de classe média, que receberam a
educação da área de Humanas, da Crítica Literária e da Psicanálise. Essas
mulheres ficaram conhecidas como sufragistas e muitas delas foram presas e
algumas pagaram com a própria vida. No Brasil, os movimentos feministas também
conseguiram vitórias, é como salienta Ostos (2012, p. 05):
O ano de 1932 foi, certamente, um marco para as mulheres brasileiras, que
conquistaram diversos direitos, tanto políticos, quanto sociais. O Código
Eleitoral estipulou o direito de voto para as mulheres e diversos decretos
introduziram avanços inegáveis na legislação trabalhista, favorecendo a
população feminina que laborava na indústria e no comércio: concessão do
direito à licença-maternidade; proibição do trabalho da mulher grávida
durante quatro semanas antes e após o parto; direito da mulher em período
de aleitamento a descansos diários, ao longo de seis meses depois do
parto; direito a repouso de duas semanas caso a gestante sofresse aborto
natural; proibição do trabalho feminino em subterrâneos e outras atividades
perigosas e insalubres; igualdade salarial para ambos os sexos, desde que
no desempenho das mesmas funções; proibição do trabalho noturno às
35
mulheres, entre dez da noite e cinco da manhã (DECRETO nº 21.417A,
17/05/1932).
Para Ostos (2012), os benefícios de algumas dessas medidas são
notórios, e muitas dessas conquistas só acorreram devido às repetidas batalhas
travadas pelas trabalhadoras em prol de uma vida mais humana e igualitária, na qual
não vigorasse a exploração desumana a que eram submetidas nos ambientes
empregatícios.
É válido salientar que os gêneros masculino e feminino sempre existiram
e contribuíram para a formação da sociedade. De acordo com Carloto (2001), a
existência de gêneros representa a desigual distribuição de responsabilidades, e
estas, por sua vez, muitas vezes representam o preconceito. O modo masculino de
contribuir para a sociedade diferencia-se do feminino, pois os homens são voltados
para atuarem no meio público, enquanto as mulheres deveriam atuar no espaço
doméstico.
Além disso, as questões de gênero estão internalizadas em homens e
mulheres, como aponta Saffioti (1992, p. 10): “o machismo não constitui privilégio de
homens, sendo a maioria mulheres suas portadoras. Não basta que um dos gêneros
conheça e pratique atribuições que lhes são conferidas pela sociedade, é
imprescindível que cada gênero conheça as responsabilidades do outro gênero”.
O cenário em que o feminismo ganhou força no Brasil foi bem distinto do
europeu e americano, pois enquanto nos Estados Unidos e na Europa o momento
era bem propício para surgimentos de movimentos literários, no Brasil a realidade foi
diferente. Em meio à ditadura militar da década de 1960, em um ambiente militar, o
movimento feminista dá os primeiros passos para a árdua batalha por direitos antes
reservados aos homens. Foi no momento de repressão política, na década de 1970,
que surgem as primeiras iniciativas das feministas. Porém, o ponto de partida do
feminismo brasileiro era similar aos movimentos da Europa e dos Estados Unidos,
ou seja, o direito de votar e de serem votadas (BIANCHINI, 2009).
Já na década de 1970, o movimento feminista consolidou-se entre a
sociedade em geral disseminando a ideia de transformação social, através de
inúmeros grupos que se formaram, como aponta Álvarez (apud BIANCHINI, 2009, p.
09):
[...] nesse processo de transição, o intenso labor que as feministas
enfrentaram ao serem obrigadas constantemente a lidar com a
discriminação, a repensar sua relação com os partidos políticos dominados
36
pelos homens, com a igreja progressista, com um Estado patriarcal,
capitalista e racista.
Nos anos de 1980, a redemocratização abriu espaço para que o
feminismo fosse cada vez mais atuante no que tange a luta pelos direitos das
mulheres. Nesta mesma década, a ONU (Organização das Nações Unidas)
reconheceu a questão da desigualdade em relação ao sexo feminino como sendo
social, e favoreceu a abertura de grupos feministas como o Brasil Mulher, o Nós
Mulheres e o Movimento Feminista pela Anistia. A aproximação do movimento das
mulheres com esses outros grupos foi bastante proveitosa. Inicialmente, o feminismo
brasileiro era formado por mulheres intelectuais da classe média, porém sua
pluralidade expandiu-se pelas classes populares e pelas organizações de bairro,
provocando assim novas discussões. Diante desse panorama, cita Pinto (2009, p.
17):
Com a redemocratização no ano de 1980, o feminismo no Brasil entra em
fase de efervescência na luta pelos direitos das mulheres: há inúmeros
grupos e coletivos em diferentes regiões tratando de uma gama muito
ampla de temas – violência, sexualidade, direto no trabalho, igualdade no
casamento, direito à terra, direito à saúde, luta contra o racismo, opções
sexuais.
Na década de 1990, as discussões acerca da luta das mulheres
ganharam notoriedade no espaço acadêmico com a realização de um seminário 2 na
UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) que discutia as torturas praticadas
durante o regime militar, entre elas as vivenciadas por mulheres, como aponta Sarti
(2001, p. 38):
De forma insólita, em 1996, o espaço acadêmico se abriu para um evento
eminentemente político que debatia a tortura durante a ditadura militar no
Brasil. Neste seminário foi discutida a presença da mulher como
protagonista na resistência à ditadura e, pela primeira vez, como vítima de
uma violência específica. Os depoimentos femininos foram contudentes em
revelar o corpo ferido e torturado com base naquilo que identifica o ser
mulher em nossa sociedade, dada a forma específica de violência que a
repressão submeteu as mulheres militantes. Elas foram atingidas não
apenas sexualmente, mas também por uma manipulação do vínculo entre
mãe e filhos, uma vez que esse vínculo torna a mulher particularmente
vulnerável e suscetível à dor.
Dessa forma, as lutas dos movimentos feministas sempre tiveram como
principal objetivo a mudança da posição da mulher na sociedade e o interesse era
37
que fossem superadas as relações de desigualdade existentes entre os sexos
feminino e masculino, que sempre deixavam em desvantagem o sexo feminino,
causando uma condição de inferioridade para a mulher em relação ao homem
(BIANCHINI, 2009).
Importante ressaltar que, de acordo com o Ministério Público (2012), as
questões referentes aos direitos da mulher vêm sendo discutidas desde a Revolução
Francesa (1789), porém, apenas no século XX, as mulheres foram reconhecidas
como cidadãs e, consequentemente, sujeitos de direitos.
Entre as principais convenções que discutiram a condição feminina estão:
as duas Convenções Interamericanas, sendo que uma tratou sobre a concessão dos
direitos civis, e a outra sobre a concessão dos direitos políticos à mulher, e que
ocorrem em 1950 e 1952, respectivamente; a Convenção sobre Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em 1979; e, em 1994, a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará.
As conquistas oriundas dos movimentos feministas, como por exemplo, o
direito ao voto, são provas do poder articulador das mulheres, enquanto seres
participantes da sociedade. A partir da força desses movimentos, o governo
brasileiro passou a repensar o cenário de políticas públicas para as mulheres,
principalmente no que se refere ao enfrentamento da violência contra a mulher, que
culminou com a criação da Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha.
Dessa forma, as políticas progredirão cada vez mais e as conquistas
femininas serão ainda maiores, principalmente no que tange a legislação que
assegure seus direitos, como é o caso, por exemplo, da Lei Maria da Penha, que
será abordada a seguir.
As políticas públicas, no que se refere ao modo como são tratadas as
mulheres vítimas de violência doméstica, passaram por um longo processo histórico
para que avanços como a implantação da Lei 11. 340 /06, ou Lei Maria da Penha, se
concretizassem. Sendo assim, entendemos ser relevante a abordagem do assunto
no tópico seguinte.
2
Seminário A Revolução Possível: homenagem às vítimas do regime militar. Organizado pelo instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMPI, em abril de 1996.
38
3.3
A Lei Maria da Penha: um avanço significativo para as mulheres
Uma política pública que atendesse ás necessidades das mulheres
vítimas de violência doméstica sempre foi uma luta da classe feminina, e tal fato foi
concretizado com a criação da Lei Maria da Penha. Assim, Maria da Penha Maia
Fernandes é a responsável por ter escrito um importante capítulo na luta pelos
direitos das mulheres, no que se refere à violência contra as mesmas.
Dentro desse contexto, é importante descrever a mulher que inspirou a
Lei. Maria da Penha, uma biofarmacêutica formada pela Universidade Federal do
Ceará, casada com Marcos Antônio Heredia Viveiros, recebeu enquanto dormia, no
dia 29 de maio de 1983, um disparo de arma de fogo feito pelo então marido, fato
este que a deixou paraplégica. Quando retornou do hospital, ainda fragilizada e em
recuperação, sofreu uma nova agressão por parte de seu esposo: dessa vez uma
descarga elétrica enquanto tomava banho3.
Após as agressões, Maria da Penha denunciou o marido ao Ministério
Público, e ele foi condenado a 15 anos de prisão, em 1991. Mas, em decorrência
das inúmeras apelações feitas por parte da defesa do réu, este se manteve em
liberdade. Inconformada com a situação, Maria da Penha resolve busca justiça junto
aos órgãos internacionais e apresenta seu caso a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sua situação foi
melhor analisada na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher, mais conhecida como Convenção do Pará4. Esta
apelação resultou na condenação do Brasil por negligência e a recomendação de
que houvesse uma legislação brasileira específica para tratar da violência contra a
mulher.
Em decorrência dessa sanção, ocorreu a criação da Lei nº 11.340/06, que
ficou popularmente conhecida como Lei Maria da Penha devido a luta dessa mulher
não apenas pelo seu direito à vida, mas pelo direito de milhares de mulheres.
Apesar de toda a batalha, o agressor Marco Antônio, que foi preso em
2002, permaneceu por apenas 2 anos na prisão, recebendo a progressão para o
regime aberto, pois a legislação da época do crime assim permitia.
3
As informações de toda essa seção estão disponíveis em: <http://www.mariadapenha.org.br>.
Convenção realizada pela Organização dos Estados Americanos, que tinha como objetivo rever o conceito de
violência contra a mulher, bem como as ações que permeiam essa violência.
4
39
3.3.1 Aspectos e inovações da Lei nº 11.340/06
Para tanto, a condenação do Brasil pela OEA representou um marco na
luta das mulheres contra a violência sofrida por elas. Depois da apelação de Maria
da Penha junto ao órgão internacional, o Brasil passou a implementar algumas
medidas que visavam efetivar ações que resolvessem o caso em questão. Assim,
houve a criação de diversos órgãos, como o Grupo de Trabalho Interministerial,
formado por outros órgãos governamentais, como por exemplo, a Secretaria
Especial de Políticas Públicas para Mulheres (SPM) e o Ministério da Saúde.
Do trabalho realizado por esses órgãos, elaborou-se o Projeto Lei nº
4.559, que versava em seu texto acerca da definição de violência doméstica contra a
mulher, estabelecia medidas protetivas de urgência e estabelecia ser a violência
uma violação dos direitos humanos.
A Lei nº 11.340/06, em seu Art. 1º, expressa os direitos fundamentais da
mulher, além de comprometer o Governo que deverá buscar os meios necessários
para garantir que os direitos adquiridos sejam respeitados, como se observa a
seguir:
Art. 1º: Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher nos termos do § 8º do art. 226 da, da
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Violência contra a
Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados
pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de
assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e
familiar.
De forma geral, o principal objetivo da Lei em questão é coibir todo e
qualquer tipo de violência que aconteça dentro do meio familiar, focando na proteção
da mulher, para que esta não sofra nenhuma agressão por parte de seu
companheiro, ou por qualquer outro membro familiar (CUNHA; PINTO, 2007).
Outro fator de suma importância trazido por essa Lei refere-se ao
atendimento que deve ser disponibilizado para a mulher que é acometida por algum
tipo de violência, pois se deve buscar, de todas as formas, minimizar os traumas
sofridos por ela. De acordo com a Lei, a mulher não pode sofrer sanções em seu
emprego e, caso seja necessário, poderá afastar-se para recuperar-se. Além disso,
40
ela deve ser inserida em programas assistenciais do Governo e deverá ter
assessoria jurídica de forma gratuita.
No que se refere ao agressor, a Lei Maria da Penha também trouxe
modificações quanto ao tratamento e punição do mesmo. Dentre elas, a questão
penal que pode chegar até 3 anos, além da necessidade de participação em
programas que visem a reeducação do réu. É válido salientar, que nenhuma das
penas aplicadas ao agressor poderá ser substituída por cestas básicas ou
semelhantes.
A estrutura para atender a mulher vítima de violência também foi
modificada com a implementação da Lei, sendo criados os Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM). Os juizados visam agilizar o
processo que envolve violência contra a mulher, prestando um atendimento mais
humanizado e que priorize o bem estar da agredida, como aponta Souza (2008, p.
56):
A opção por criar um juizado com uma gama de competências tão ampla
está vinculada à ideia de proteção integral à mulher vítima de violência
doméstica e familiar, de forma a facilitar o acesso dela à Justiça, bem como
possibilitar que o juiz da causa tenha uma visão integral de todo o aspecto
que a envolve, evitando adotar medidas contraditórias entre si, como ocorre
no sistema tradicional, no qual as adoções de medidas criminais contra o
agressor são de competência do Juiz Criminal, enquanto que aquelas
inerentes ao vínculo conjugal são de competência, em regra, do Juiz de
Família.
A Lei Maria da Penha também estabelece em seu Artigo 11, diretrizes
para as Delegacias que devem ser seguidas caso essas recebam mulheres vítimas
de violência. Entre os pontos elencados estão: a proteção, por parte do corpo
policial, da vítima e de seus respectivos familiares; o direcionamento da vítima para
a unidade de saúde mais próxima, além de serem orientadas acerca das medidas
que podem ser realizadas por elas, visando garantir seus direitos e resguardar-se do
agressor. Já o Artigo 12 da referida Lei, explana de forma detalhada os
procedimentos que devem ser seguidos pela autoridade policial no ato da denúncia
da vítima, além de esclarecer que a mesma pode realizar exame de corpo de delito
em qualquer unidade de saúde (SOUZA, 2008).
A Lei nº 11,340/06 também estabelece mudanças no âmbito judicial,
sendo que a principal delas, refere-se a criação dos Juizados Especializados, que
por sua vez deverão atender de forma humanizada àquelas que o procuram. É dever
41
dos juizados acelerar os processos, principalmente os de medida protetiva de
urgência que, segundo o Artigo 19 da Lei 11.340/06, poderão ser concedidos pelo
juiz (SOUZA, 2008).
Outro ponto relevante gerado pela criação da Lei Maria da Penha,
relaciona-se às medidas protetivas de urgências, que têm por objetivo garantir a
integridade física e psicológica da mulher que sofreu algum tipo de violência
doméstica. Para que isso ocorra, pode-se, caso seja necessário e solicitado pelo
juiz, utilizar-se força policial, salientando-se que estas medidas são revisadas
periodicamente por um juiz que verifica se há a necessidade de se expandir o
período de duração.
Dessa forma, as medidas protetivas referem-se tanto ao agressor quanto
à agredida. As que são aplicadas à agredida, tem-se, de acordo com o Artigo 23 da
Lei Maria da Penha:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou
comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao
respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos
relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
As que são aplicadas ao agressor, estão no Artigo 22, da Lei nº 11.340/06
e traz, entre outros pontos:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao
agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas
de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação
ao órgão competente,nos termos da Lei 10.826, de 22 de dezembro de
2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando
o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio
de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade
física e psicológica da ofendida; [...].
42
A Lei nº 11.340/06 também explana a função do Ministério Público e de
sua participação nos Juizados de Violência Doméstica, apontando que o órgão deve
fiscalizar denúncias que tratem de violência contra a mulher e necessite, caso seja
preciso, força policial ou qualquer outro serviço que a vítima necessite. Também
cabe ao Ministério acompanhar ou solicitar medidas protetivas de urgência, de
acordo com o caso analisado.
Para acompanhar todo o andamento do processo e amparar a vítima de
violência doméstica no que tange as questões legais, torna-se relevante que haja a
presença de um advogado, fato este resguardado pela Lei Maria da Penha no Artigo
27, podendo ser solicitado o apoio da Defensoria Pública, como explana o Artigo 28:
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em
situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de
advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e
familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência
Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante
atendimento específico e humanizado.
Segundo Cabette (2009), a prisão preventiva também pode ser utilizada
como meio de punição quando não houver a obediência por parte do agressor em
relação à medida protetiva que lhe restringe, conforme apresentado no Artigo 20 da
Lei nº 11.340/06:
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal,
caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz de ofício, a
requerimento do Ministério Público ou mediante representação da
autoridade policial.
Na cidade de Fortaleza, segundo Cavalcante (2011), após a criação da
Lei Maria da Penha, as mulheres que sofrem violência doméstica têm a disposição
alguns serviços à sua disposição. Inicialmente, elas registram um boletim de
ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher e faz a solicitação da medida
protetiva; as medidas protetivas são recebidas pelo Juizado de Violência Doméstica
e Familiar Contra a Mulher de Fortaleza, onde são registradas e despachadas pela
juíza, que autoriza a intimação das mulheres agredidas e dos agressores. A partir do
Juizado, encaminha-se a vítima de violência para outros órgãos, como os Centros
de Referência. Há também em Fortaleza a Defensoria Pública da Mulher, que
43
fornece assistência jurídica, e o Hospital da Mulher, rede de saúde específica para a
parcela feminina da sociedade.
As inovações acarretadas pela criação da Lei Maria da Penha são,
indiscutivelmente, benéficas para àquelas mulheres vítimas de violência doméstica,
pois as auxiliam durante todo o processo penal que é desencadeado a partir da
denúncia apresentada pela agredida.
Apesar disso, muitos são os avanços necessários para que se possa
observar uma verdadeira efetividade da Lei no que concerne sua aplicação, pois
mesmo existindo uma grande estrutura para atender a mulher vítima de violência
doméstica, essa rede necessita funcionar melhor e possuir profissionais cada vez
mais especializados. É preciso que os órgãos competentes façam seu papel e
coloquem em prática o que a lei determina, além de trabalharem para reinserir a
mulher vítima de violência na sociedade.
44
4
4.1
A VISÃO INSTITUCIONAL POR MEIO DAS FALAS
Contextualização do campo de pesquisa
Para entender um pouco mais sobre do campo de realização desta
pesquisa, torna-se necessário fazer uma breve exposição a respeito da Lei Maria da
Penha. A Lei Federal nº 11.340/06 foi sancionada em 7 de agosto de 2006, pelo
então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, e reconhecida como um
avanço ao combate à violência contra a mulher. Ela aumentou os mecanismos de
proteção das vítimas e triplicou a pena para casos de agressões domésticas.
Esta Lei foi elaborada pela Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres com a participação de um consórcio de ONG e juristas, a partir
das recomendações da OEA, com embasamento nas convenções
ratificadas pelo Brasil. Ela significa para as mulheres, seus filhos e suas
filhas, a possibilidade de uma vida sem violência já que apresenta
mecanismos para prevenir, coibir e proteger as vítimas de violência
doméstica e punir o agressor (SENADO FEDERAL. Lei Maria da Penha: um
avanço no combate à violência doméstica contra a mulher. anexo II.
Brasília: Ed. SEEP, 2001).
Por determinação da Lei Maria da Penha foram criados os Juizados
Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, dentre eles encontrase o Juizado de Violência Doméstica da Comarca de Fortaleza, espaço que se
configura o campo de investigação desta pesquisa. O referido juizado foi inaugurado
um ano depois de ser sancionada a Lei Maria da Penha, no dia 18 de dezembro de
2007.
O Juizado de Violência Doméstica constitui o recorte espacial da
pesquisa, logo neste campo tornou-se limitado à abrangência empírica do objeto
estudado. O referido Juizado fica situado na avenida da Universidade, nº 3281, no
bairro Benfica, sendo que seu horário de funcionamento ocorre a partir das 08:00 da
manhã, seguindo suas atividades até as 18:00 da noite.
No que se refere à equipe do Juizado, esta tem em sua composição
principal: a Dra. Fátima Maria Rosa de Mendonça, que é a Juíza Titular e a
responsável pela permissão que foi a mim concedida para que pudesse realizar esta
pesquisa; a Dra. Verônica Martins Telles, que é Promotora de Justiça; e a Dra. Ana
Lúcia da Silva de Monteiro, que ocupa o cargo de diretora de secretaria.
45
O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é uma
unidade jurídica criada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Dos Territórios
(TJDFT), por meio da Resolução nº 05, de 20 de setembro de 2006, do Conselho
Administrativo, para julgar especificamente casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher, como ordena a Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei
Maria da Penha. Após sua criação, este Juizado tornou-se subordinado ao Tribunal
de Justiça do Ceará.
A referida instituição é um órgão especializado e organizado de forma que
as mulheres vítima de violência doméstica sejam atendidas de forma respeitosa e
humanizada. Sua especialização é em decorrência da dupla competência que é
concedida ao magistrado no julgamento de causas civis, ou seja, causas de famílias,
e também em causas criminais.
O atendimento diferenciado também é caracterizado pela existência de
equipes multiprofissionais, que é formada, atualmente, por uma psicóloga, que
auxilia as vítimas em sua recuperação psicológica, além de prestar apoio para as
famílias das mesmas, e uma assistente social que auxilia as mulheres que procuram
o Juizado nas mais diversas questões, como por exemplo, a inclusão das mesmas
em programas governamentais, e verifica as condições familiares necessárias para
que a vítima possa fazer uso de direitos que lhe são conferidos.
Tanto a Psicóloga quanto a Assistente Social possuem estagiárias, uma
para cada área, porém identificamos que a equipe multiprofissional é insuficiente,
haja vista a enorme demanda do Juizado. De forma geral, a equipe citada tem o
dever de assessorar a juíza na tomada de decisões, além de identificar as
necessidades das mulheres atendidas no local.
4.2
Aproximação com o objeto
Realizar uma pesquisa é algo que demanda tempo, dedicação,
organização e exige do pesquisador um apego ao objeto pesquisado. Deve haver
uma harmonia entre ambos, pois dessa forma a atividade torna-se prazerosa e
tende a fluir sem muitas dificuldades. Eu5 sempre fui fascinada pelo processo
revolucionário e pela trajetória de luta que muitas mulheres travaram e que teve
46
como consequência o reconhecimento de direitos que antes eram concedidos
apenas aos homens, como por exemplo, o direito ao voto.
De acordo com Gil (2008), a pesquisa é um processo que traz formas e
sistemas de desenvolvimento do método científico, sendo o principal objetivo da
pesquisa, apresentar esclarecimentos sobre problemas existentes respaldando-se
em procedimentos científicos.
A relevância social sobre a temática violência doméstica contra a mulher
é considerada importante, pois se acredita que é essencial ter um olhar cuidadoso e
atento por parte das autoridades governamentais, através da criação de políticas
públicas, que visem à prevenção e o combate deste fenômeno.
Como a própria Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 226,
parágrafo 8º, “a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”.
Observamos com esse artigo que o papel do Estado brasileiro é fundamental ao
enfrentamento da violência, porém, percebe-se que ainda existe um número elevado
de mulheres que são violentadas diariamente por existir uma omissão por parte das
autoridades competentes.
Dessa forma, é relevante destacar também o papel da sociedade em
fiscalizar a implementação de políticas públicas para as mulheres, principalmente no
que tange à proteção das mesmas contra a violência doméstica.
O interesse em realizar esta pesquisa sobre violência doméstica contra a
mulher advém da crença da pesquisadora em questão que esse problema
representa um retrocesso aos direitos que as mulheres adquiriram até os dias
atuais. Aliado a isso, há a crença de que a violência é uma forma de manifestação
das desigualdades entre gêneros, logo, configura-se, também, violência contra os
direitos humanos. É como afirma (QUEIROZ, 1992, p.15):
A concentração do interesse do pesquisador em determinados problemas, a
perspectiva em que se coloca para formulá-los, a escolhas dos instrumentos
de coleta e análise do material não são nunca fortuitos; todo estudioso está
sempre engajado, de forma profunda e muitas vezes inconsciente, naquilo
que executa.
5
Nesta sessão, utilizou-se a primeira pessoa do singular no desenvolvimento do texto por se tratar da
experiência da pesquisadora.
47
Comecei a estudar sobre o assunto a partir do projeto de pesquisa, que
realizei no quarto semestre do curso de Serviço Social e, na época, fui orientada a
pesquisar sobre algo que despertasse meu interesse. Sendo assim, ficou cada vez
mais evidente que eu sentia a necessidade de entender os elementos que permeiam
esse problema, me interessava saber: Quais os tipos de violência sofrida pelas
mulheres? Quais as percepções das mulheres vítimas de violência em relação aos
seus agressores? Como as vítimas se percebem após a violência sofrida? Qual o
conhecimento das mulheres vítimas de violência doméstica sobre a Lei Maria da
Penha?
Durante minha experiência de estágio supervisionado da Faculdade
Cearense no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS/AD) do bairro Rodolfo Teófilo
realizei um trabalho, juntamente com minha supervisora de campo, que consistia na
elaboração de relatórios contendo informações sobre os usuários que lá cumpriam
penas alternativas, sendo estas designadas pelo Juizado de Violência Doméstica da
Comarca de Fortaleza. Essa atividade estimulou ainda mais o meu interesse em
desenvolver estudos sobre violência e ampliou os meus questionamentos a respeito
do problema.
Então, pensei em realizar minha pesquisa na própria unidade em que
estagiava, mas, infelizmente, percebi que não seria possível, pois teria que
conseguir autorização por parte do Conselho de Saúde. Este processo demanda
bastante tempo, sendo maior do que o prazo de entrega do trabalho de conclusão
de curso estipulado pela instituição de ensino a qual estou vinculada. Tal fato
inviabilizou a realização da pesquisa naquele local, pois aconteceria um choque
entre as datas.
Nas interpretações de Turatto (2003), o campo torna-se o espaço natural
de interação entre pesquisador e o objeto da pesquisa. Esse espaço é o local no
qual as pessoas falam com propriedade sobre o tema pesquisado e, por
conseguinte, é visto pelo pesquisador como o ambiente ideal para se analisar as
posturas dos sujeitos observados de forma a encontrar respostas para as
indagações levantadas durante o processo de pesquisa.
Foi durante uma conversa com uma Assistente Social do CAPS/A/D, onde
expus a problemática que enfrentava no que se relacionava a dificuldade de
encontrar um local para que a mesma fosse realizada. Na ocasião, ela sugeriu que a
48
pesquisa de campo fosse desenvolvida no Juizado de Violência Doméstica de
Fortaleza.
Eu já conhecia um pouco da instituição, pois juntamente com a Assistente
Social do CAPS, já havia, elaborado relatórios dos usuários que cumpriam pena na
unidade, inclusive, algumas vezes, cheguei a levar alguns relatórios para o juizado
supracitado. No mesmo dia, liguei para o juizado, realizei um primeiro contato para
saber quais eram as possibilidades para a execução dessa etapa da minha
pesquisa, solicitando a autorização para o meu ingresso naquele espaço para a
realização do estudo. Logo, fui orientada a levar um ofício à instituição, e assim o fiz.
No primeiro dia em estive no local, ainda na sala de espera, naquele
momento em que fiz o primeiro contato com as vítimas pude constatar que seria o
ambiente adequado para atender os objetivos da pesquisa que são: Identificar quais
tipos de violência as mulheres sofrem e as percepções das mesmas em relação à
violência sofrida; observar como as mulheres vítimas de violência percebem os seus
agressores; entender, a partir das falas das vítimas, como elas se percebem após
sofrerem violência; analisar o que as vítimas de violência doméstica entendem a
respeito da Lei Maria da Penha.
4.3
Percurso metodológico
A natureza da pesquisa é predominantemente qualitativa, logo, buscamos
analisar os sentidos e os significados relacionados à violência contra a mulher, pois
havia o interesse de se trabalhar com percepções e entender as motivações, os
significados, os princípios e valores, que permeiam o universo das mulheres vítimas
de violência. Sendo assim, não se trata de uma escolha, mas sim de uma
consequência própria desta pesquisa. Assim fala Queiroz (2008, p. 23):
As técnicas qualitativas procuram captar a maneira de ser do objeto
pesquisado, isto é, tudo o que o diferencia dos demais; a sociologia já tem
sido por isso chamada de “ciência das diferenças”. Por meio da separação
das diversas partes que compõem um todo (quer seja um grupo ou uma
sociedade) é ele composto, para ser recomposto de acordo com as divisões
do projeto previamente traçado.
49
O caráter qualitativo da pesquisa permitiu entender além do que era
expresso verbalmente pelas entrevistadas, pois o contato direto com os atores da
pesquisa possibilita certo conhecimento sobre eles, tornando possível extrair
respostas de olhares e até mesmo do próprio silêncio.
As entrevistas realizadas com as mulheres vítimas de violência atendidas
pelo Juizado de Violência Doméstica foram submetidas à análise temática, que de
acordo com Berelson (apud OLIVEIRA, 2008, p. 569):
[...] a análise de conteúdo parte de uma literatura de primeiro plano para
atingir um nível mais aprofundado: aquele que ultrapassa os significados
manifestos. Para isso, a análise de conteúdo em termos gerais relaciona
estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas
(significados) dos enunciados. Articula a superfície dos textos descrita e
analisada com os fatores que determinam suas características: variáveis
psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção de
mensagem.
Para o desenvolvimento do presente estudo, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica e de campo. Iniciamos com a bibliográfica para que fossem expostos
estudos sobre as categorias que compõem o objeto de estudo gênero e violência
doméstica. Para Gil, (2008, p. 24), “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir
de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.”
Todo esse processo é de fundamental importância para a formulação do estudo,
pois como aponta Minayo (1998, p. 19):
Se quisermos, portanto, trilhar a carreira de pesquisador, temos de nos
aprofundar nas obras dos diferentes autores que trabalham os temas que
nos preocupam, inclusive dos que trazem proposições com as quais
ideologicamente não concordamos.
No geral, este tipo de pesquisa caracteriza-se como bibliográfica por ser
de natureza acadêmica, e como é perceptível, o estudo teve início com a parte
teórica, sendo referenciado por livros e artigos científicos que abordavam o tema
pesquisado.
Não obstante a natureza qualitativa do estudo recorreu-se a recursos
quantitativos, pois tivemos acesso a dados estatísticos referentes à quantidade de
mulheres que são agredidas, sendo utilizados recursos quantitativos para apresentar
o número de vítimas. Porém, esclarecemos aqui que a recorrência desses dados
não torna a pesquisa quantitativa, pois não foram produzidos por nós, sendo
50
utilizadas fontes que tratam da temática com o intuito de expor em que nível se
encontra tal problema.
Já a característica de campo da pesquisa se dá por ter ocorrido um estudo
empírico no Juizado citado anteriormente, junto às mulheres vítimas de violência
doméstica atendidas na instituição. Segundo Gondim (1987, p. 34):
É altamente recomendável, para a elaboração de projetos de pesquisa que
incluirão trabalho de campo, que se realize um levantamento empírico
preliminar, por meio de observações sobre a instituição, o grupo ou as
pessoas que se quer estudar.
Foram realizadas idas antecipadas ao local de pesquisa, e esse ato
possibilitou mais segurança à pesquisadora e proporcionou uma melhor relação com
a equipe que atua na instituição. Primeiramente, utilizou-se a observação simples,
que de acordo com Gil (2008, p. 102), “é muito útil quando é dirigida ao
conhecimento de fatos ou situações que tenham certo caráter público, ou que pelo
menos se situem estreitamente no âmbito das condutas privadas”. Antes de
entrevistar qualquer pessoa, observei toda a estrutura do Juizado, bem como os
funcionários, a maneira que as mulheres eram atendidas pela equipe e,
principalmente, as próprias mulheres, que são as protagonistas desta pesquisa.
Para Cardoso (2000, p. 19):
Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo - ou no campo –
esteja na dominação teórica do seu olhar. Isso porque, a partir do momento
em nos sentimos preparados para a investigação empírica, o objeto sobre o
qual dirigimos o nosso olhar, já foi previamente alterado pelo próprio modo
de visualizá-lo.
Para compreender como estava organizada a estrutura da equipe que
compõe a instituição, foi agendada uma entrevista com a Assistente Social do
Juizado. Na ocasião, a mesma me informou que a equipe multidisciplinar é bem
reduzida, tornando-se desproporcional em relação à demanda existente.
Para este estudo foram realizadas entrevistas, que segundo Haguette
(1995 apud ALMEIDA et al., 1999) correspondem a um “processo de interação
social, no qual o entrevistador tem a finalidade de obter informações do entrevistado,
através de um roteiro contendo tópicos em torno de uma problemática central”. O
tipo de entrevista aplicada para a coleta de informações foi a semi-estruturada, pois
esta possibilita ao entrevistado narrar suas experiências relacionadas ao tema
51
abordado pelo entrevistador. A elaboração das questões ocorreu de forma que as
mesmas tivessem como suporte o referencial teórico e que permitissem que as
mulheres vítimas de violência doméstica contassem sua história de forma livre.
Antes de realizar as entrevistas, todas as participantes foram previamente
observadas durante os momentos em que eram atendidas no Juizado, bem como foi
realizado um estudo a respeito da história de cada uma, de acordo com os registros
da instituição. Tal fato foi necessário para que a presente pesquisadora tivesse a
noção de que as mesmas se encaixavam nos objetivos da pesquisa em
desenvolvimento.
Dessa forma, para levantar dados qualitativos foi empregada a técnica de
entrevistas com roteiros semi-estruturados, que são questões que buscam focar em
determinado tema, com perguntas abertas, norteadas por um roteiro previamente
elaborado, que contemplava perguntas sobre o relacionamento entre a vítima e o
agressor, sua autopercepção sobre violência, a percepção que a mesma tinha em
relação ao autor da violência, e o que ela entendia a respeito da Lei Maria da Penha,
que para Gil é (2008, p. 109):
A entrevista é das técnicas de coletas de dados mais utilizada no âmbito
das ciências sociais. Psicólogos, sociólogos, pedagogos, assistentes sociais
e praticamente todos os outros profissionais que tratam de problemas
humanos valem-se dessa técnica, não apenas para coleta de dados, mas
também com voltados para diagnóstico e orientação.
Foi pedida a autorização de cada participante dessa pesquisa para a
realização das entrevistas. Todas assinaram um termo de consentimento e todas
têm suas identidades preservadas, sendo utilizados apenas nomes fictícios, alguns
escolhidos pelas mesmas.
Para registrar as informações colhidas durante essa etapa, utilizou-se um
diário de campo, que consiste no registro das observações cotidianas e uma
reflexão sobre as mesmas (GIL, 2008), nele foi anotado desde horário de
funcionamento até os questionamentos que iam surgindo no decorrer da pesquisa.
Outro instrumento utilizado, também foi um gravador de áudio, para poder registrar
as falas de cada participante.
Todas as entrevistas foram devidamente transcritas e cada depoimento
foi conservado de acordo com o que foi dito e escutado. Realizou-se assim, uma
leitura
densa
de
cada
depoimento
transcrito
para
buscar as
categorias
52
interpretativas, que para Osterne (2010), “Constituem os elementos do sistema que
servem de estrutura ao conhecimento científico”. Destarte, caracterizam-se como um
momento heurístico, as análises de conteúdo, os quais uniram teoria e prática na
perspectiva de responder os questionamentos levantados.
Para analisarmos o conteúdo colhido no campo de pesquisa, utilizamos o
tipo de análise temática, que de acordo com Bardin (1995, p. 77), “quer dizer, da
contagem de um ou vários temas ou itens de significação, numa unidade de
codificação previamente determinada”.
Dessa forma, elencamos cada pergunta e cada resposta de todas as
participantes, onde realizamos uma leitura densa e pormenorizada, com o intuito de
analisarmos cada fala para identificarmos as categorias e construirmos as respostas
para os objetivos deste trabalho. Para tanto, estabelecemos discussões com os
autores que abordavam a temática em questão. Assim, Bardim (1995, p.81) enfatiza
que:
Poder-se-iam assim multiplicar os desmembramentos temáticos,
classificando e ventilando as significações do discurso em categorias em
que os critérios de escolha e de delimitação seriam orientados pela
dimensão da análise, ela própria determinada pelo objeto pretendido.
Desse modo, a partir da fala das mesmas, tornou-se possível identificar
os tipos de violência sofridas, bem como suas percepções sobre os tipos de
violências. Também possibilitou analisarmos o que elas entendem sobre a Lei Maria
da Penha e como as mesmas percebem seus agressores após o ato de violência.
Finalizaremos o presente estudo com os resultados obtidos na pesquisa e
com as considerações, fazendo uma comparação entre os levantamentos
bibliográficos e as informações colhidas em campo.
No próximo item, detalharemos através de categorias levantadas por meio
das verbalizações das entrevistadas que participaram do presente estudo e
analisaremos as percepções que as mesmas apresentam acerca da violência
sofrida.
53
5
PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISE DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA A PARTIR DAS USUÁRIAS DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA DA COMARCA DE FORTALEZA
5.1
Análise de conteúdo dos Resultados da Pesquisa
De acordo com Schraiber et al. (2005), o conceito de violência pode ser
entendido
como os atos que ultrapassam os direitos das pessoas: direito ao
respeito e dignidade. Quando acontecem atos de violência nas relações, ocorre uma
violação dos direitos passando a ser prejudicial a quem vivencia.
Destarte, os danos podem ser físicos ou psicológicos, mas são tão sérios
quanto o homicídio, pois abrem espaço para uma série de agravos que acarretam,
geralmente, com a morte da mulher, vítima da violência. Dessa forma, esta questão
deve ser vista tanto no âmbito social, como no âmbito da saúde pública. Para
compreendermos o que pensam as mulheres vítimas pela violência, direcionamos a
pergunta expressa no tópico a seguir.
5.1.1 A partir da verbalização da pergunta: O que você entende por violência?
A maioria das entrevistadas disse entender por violência as agressões
físicas, morais e psicológicas, 60%; 30% citaram como violência as agressões
físicas e morais; e apenas 10% entendeu que violência se referia às agressões
físicas, sexuais e psicológicas.
54
Gráfico 1 - O que você entende por violência?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
A
partir
das
verbalizações
das
entrevistadas,
evidenciam-se
as
categorias: violência física, citada por todas as vítimas de violência doméstica,
violência moral, violência psicológica, sendo que apenas uma cita a violência
sexual e a patrimonial.
Violência é quando você agride, são as humilhações, os traumas que ficam
pra sempre. Violência pode ser de espancamento, psicológica e sexual.
(GABI)
Violência é qualquer tipo de agressão, física, verbal ou psicológica, é tudo
que cause dor e sofrimento, que faz mal a uma pessoa. (JOANA)
Violência pode ser física, psicológica. Quebrar as coisa dentro de casa eu
também acho que seja violência. (MAGA)
Diante desses relatos, notamos que além das marcas da violência física,
as marcas da violência psicológica são perpetuadas e suas consequências tomam
uma dimensão incalculável, refletindo de forma negativa na vida das mulheres que
sofrem violência.
Violência, além de agressão física são as agressões na alma, a ferida que
fica e não cicatriza nunca. (KAROL)
Tem gente que acha que violência é só a física, só que não é assim não.
Violência é quando você agride verbalmente uma pessoa, são palavras.
(ANA)
55
Percebemos que nenhum tipo de violência deve ser descartada ou
minimizada no que se refere a sua gravidade, pois seus efeitos podem causar sérios
prejuízos ao bem estar psíquico do receptor das violências. Assim, todo tipo de
violência deve ser combatida de forma veemente em todos os âmbitos. Faz-se
necessário compreendermos a terminologia de violência contra a mulher, que de
acordo com a convenção de Belém do Pará (1994):
Artigo 1º:
Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a
mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte,
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito
público como no privado.
Artigo 2º:
Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e
psicológica:
a. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em
qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja
convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre
outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;
b. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer
pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura,
maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro
e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições
educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e
c. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer
que ocorra.
As mulheres, em determinados momentos, deixam de ser vistas por seus
companheiros como mães e companheiras e passam a ser tratadas como mulheres
objeto, não sendo considerados seus valores enquanto ser humano, tão pouco seus
sentimentos, prevalecendo, assim, o machismo. Percebemos claramente esse fato
na fala da entrevistada Ana, que afirma:
[...] ele falava que as obrigações de casa era de mulher mesmo, nunca me
ajudava, sempre falava coisas que me colocavam pra baixo, dizia que
mulher não tinha que dirigir. Uma vez, ele jogou 200 reias em cima da cama
e disse: “tá com raiva, pega, mulher só gosta mesmo é de dinheiro” [...].
(ANA)
A presença de uma cultura machista ainda é muito presente no Brasil, e
isto ainda hoje é visto como um dos principais motivos da violência doméstica contra
mulheres. Em um relacionamento afetivo, a mulher é educada para o papel mais
passivo e acaba sendo vitimizada, enquanto o homem, por outro lado, é treinado
mais para a ação, tendo maior atração, e, por muitas vezes, assumindo o papel de
56
“vilão” (SAFFIOTI, 2004, p. 116). Assim, vão sendo tolerados pela sociedade, como
notamos no trecho a seguir:
No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar
a conduta das categorias sócias nomeadas, recebendo autorização ou, pelo
menos, tolerância da sociedade para punir o que considera como desvio.
Ainda que não seja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de
trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do
projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que
sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência (SAFFIOTI, 2004 p.
118).
Vários são os atores que discutem acerca da violência simbólica, dentre
eles Barros (2004), que afirma que a violência acontece de duas maneiras:
simbólica, podendo ser interpretada como subjetiva e física ou verbal (objetiva). A
violência simbólica normalmente é expressa nas atitudes das pessoas: gestos
machistas, comentários carregados de preconceitos, desconfiança, ausência de
incentivos, entre outros. Tratando-se da violência física ou verbal, esta é
caracterizada através de atos brutais visíveis, de humilhação, do uso da força e até
mesmo por homicídios.
Ao direcionarmos para Bourdieu (1999, p. 7), este enfatiza que a
“violência simbólica” ultrapassa as relações onde há presença da força física,
ocorrendo de forma sutil, prevalecendo também o uso da linguagem e do simbólico,
sendo disseminado através de inúmeras situações por diversas instituições.
Nessa linha, temos também Grossi (2001, p. 38), que entende que “a
violência simbólica é uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita
daqueles que a sofrem e também daqueles que a exercem, na medida onde uns e
outros não têm consciência de exercê-la ou de sofrê-la”.
5.1.2 No que concerne as verbalizações da pergunta: Você já havia sofrido
violência outras vezes?
No intuito de compreendermos os tipos de violência que as mulheres
estão expostas, foi direcionada a seguinte pergunta: Questionando junto às
entrevistadas se elas já haviam sofrido agressões anteriormente, fosse do atual
companheiro ou não. Lamentavelmente, 80% respondeu afirmativamente, ou seja,
que já haviam sido agredidas antes. O gráfico a seguir revela os dados. A partir dos
57
relatos, as vítimas de violência doméstica explicitam que já sofreram violência
sexual, violência moral, violência física e violência psicológica.
Gráfico 2 - Você já havia sofrido violência outras vezes?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
Percebemos claramente na fala da Gabi o quanto a violência sexual é
presente, tornando a mulher um mero objeto sexual para satisfazer aos desejos do
homem, e que não é respeitada a sua liberdade e a sua dignidade de ser humano.
Gabi afirma na entrevista que:
Ele já fez cada absurdo comigo, ele me obrigava a fazer sexo à força com
ele, eu tinha que fazer sexo oral contra a minha vontade porque ele era
muito violento. Uma vez ele me empurrou, quase eu caio em cima do meu
filho mais novo. Ele já fez muito absurdo, ficava falando dos defeitos que
tenho no corpo no meio da rua, dizia que eu era gorda, velha. (GABI)
A fala da entrevistada demonstra diversos tipos de violência doméstica,
como a violência sexual, quando ela narra que era obrigada a fazer atos sexuais
sem vontade; a violência física, quando a entrevistada conta que sofreu agressões
nos olhos e nas costas; a moral, quando o agressor desferia comentários que
atingiam de forma negativa a beleza da companheira; e a psicológica, pois seu excompanheiro a torturava diariamente com palavras que a diminuíam em sua
autoestima.
A partir das falas das entrevistadas vão surgindo novas categorias, uma
delas nos chama bastante atenção e ela surge como parte das consequências das
violências sofridas. Estamos nos referindo à saúde comprometida da vítima de
violência, que não é um caso isolado, pois durante as entrevistas, 30% das
58
participantes dizem estar tomando calmante ou estão com algum problema de saúde
proveniente da violência sofrida, assim relata Gabi:
[...] por causa da violência que já sofri, eu estou com problemas no ouvido,
problemas na visão. O médico passou um exame pra mim fazer que custa
um absurdo, mais de 200 reias. Eu estou ainda muito nervosa, estou
tomando calmante [...]. Eu já tive depressão por causa dele, é muito
sofrimento. (GABI)
A violência contra a mulher ocorre diariamente das relações conjugais
abusivas, as vítimas nem sempre sofrem agressões físicas constantes. Contudo, os
atos têm início através de nervosismos, um simples gesto violento seguido por uma
fase amorosa. E de acordo com o Brasil (2011, p. 32), o ciclo vicioso acontece da
seguinte forma:
Fase I: Acumulação de tensão- stress, espancamento leve, a mulher tenta
amenizar, permanecendo fora do caminho do homem; tenta evitar a
violência por meio de “comportamento correto”;
Fase II: Explosão- espancamento grave, falta de previsibilidade, falta de
controle; mulher pode chamar a polícia, procurar apoio com familiares ou
terceiros confiáveis;
Fase III: Lua de mel- homem é amoroso, bom, carinhoso, e pede desculpas;
negação da violência; homem promete mudar.
Muitas mulheres tornam-se codependentes de seus parceiros abusivos.
De acordo com Beattie (2013), a codependência envolve um sistema vicioso de
pensar, segundo a autora a definição de codependente seria a seguinte:
“codependente é uma pessoa que tem deixado o comportamento de outra afetá-la, e
é obcecada em controlar o comportamento dessa outra pessoa.”( BEATTIE, 2013,
p.58).
Dessa forma, para muitas mulheres vítimas de violência doméstica, em
um determinado momento o comportamento agressivo do companheiro vai mudar, a
preocupação não se volta para o seu própria postura diante de uma relação abusiva,
marcada por constantes atos de violência, mas na mudança do outro.
Para Beattie (2013), as pessoas codependentes apresentam diversas
características como: baixa autoestima, repressão, obsessão, controle, negação da
realidade, dependência, falta de comunicação, limites fracos, falta de confiança,
raiva, problemas sexuais, cometem excessos, dentre elas elencaremos algumas:
Essas pessoas consideraram-se e sentem-se responsáveis por outras pessoas;
59
normalmente veem de uma família problemática, sentem-se oprimidas e
pressionadas, sentem repulsa do parceiro, fazem sexo apenas para agradar o
parceiro, afastam-se de outras pessoas, dentre outras.
Assim, é necessário o rompimento, o desligamento, para que haja uma
vida saudável, é preciso ter a primeira iniciativa, o “desligamento é uma ação
positiva, que beneficiará todos os envolvidos, mas principalmente o codepende.
Assim, afirma Beattie (2013, p.93).
[...] melhor fazer tudo numa atitude de amor. Entretanto, por uma serie de
razões, nem sempre é possível fazer isso. Se não pode desligar-se com
amor, minha opinião é de que é melhor separar-se com raiva do que
permanecer ligado. Se nos separamos, ficamos numa posição melhor para
lidarmos (ou por meio de) nossos sentimentos.
Assim, a partir dos relatos das participantes, surgiu a categoria negação
da violência por parte de algumas entrevistadas, característica de codependentes
afetivos, que se “protegem” com esse mecanismo de defesa.
Essa foi a única vez que ele me bateu, ele me enforcava, eu acho que ele
só não me matou porque não tinha uma faca perto [...]. (BIA)
Evidenciamos também a constância da violência, a qual era muitas
vezes perdoada pelas vítimas. De acordo com Cardoso (1997), muitas mulheres,
passam anos convivendo com um parceiro abusivo a fim de preservar a família, e
para isso, se submetem de forma passiva à constantes episódios de insultos e de
brutalidades.
Eu já sofri violência várias vezes, ele já bateu em mim várias vezes,
quebrava as coisa dentro de casa. (MAGA)
Além das palavras, a gente vivia discutindo. Ele já tinha me batido antes,
essa foi a segunda vez. Eu já queria me separar faz 4 anos, quando eu
disse que queria me separar dele, ele correu atrás de mim com uma faca.
(ANA)
Nesses relatos, percebe-se a gravidade das violências, porém, ainda
assim, têm vítimas que tentam minimizar a violência. As práticas contínuas de
agressividade fazem as mulheres esboçar reações em busca da justiça, porém
algumas são movidas pela sensibilidade, pelo “amor” e acabam dando uma
segunda chance ao agressor.
60
[...] a mulher é sempre mais amorosa, mas o homem quando quer bater,
bate mesmo. [...] ele já tinha me batido outras vezes, eu sempre
denunciava, mas aí depois eu perdoava, só que dessa vez foi diferente [...].
(LIANA)
Segundo Strey (2000, p. 9), “submissão e resistência sempre fizeram
parte da vida das mulheres”. Muitas vezes, as mulheres que são vítimas de violência
doméstica não prestam queixa por se deixarem levar pela noção de submissão da
mulher perante o homem e quando denunciam muitas vezes se arrependem.
5.1.3 No que concerne as verbalizações da pergunta: Quais tipos de violência
você já sofreu?
As respostas divergem, apesar de algumas citarem que nunca tinham
sofrido violência. Todavia, percebemos através dos relatos de algumas participantes
que, anterior a violência física, outros tipos de violência já vinham sendo cometidas
pelos companheiros.
Gráfico 3 - Quais tipos de violência você sofreu?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
Vejamos o que relataram as entrevistadas acerca dos tipos de violências já
sofridas:
Eu já sofri violência psicológica, de espancamento, sexual, já estive perto da
morte várias vezes. (GABI)
61
Ele me bateu duas vezes, mas antes ele já vinha falando um bucado de
coisa que eu não gostava. Tem palavras que machucam mais que uma
porrada. (ANA)
A violência doméstica é um grande problema social “e permanece a
acarretar consequências deletérias às suas vítimas. O mais comum é atribuir ao
termo características de agressão física, embora existam outras formas mais sutis,
como a psicológica” (HIRIGOYEN, 2006, p. 34).
Eu nunca tinha sofrido violência antes, depois de onze anos juntos essa foi
a primeira vez que ele me agrediu. Depois que eu comecei a trabalhar
nesse emprego, ele mudou muito, ele não, entende, tem raiva porque eu
tenho que trabalhar de madrugada, ainda tem os vizinhos que fazem
fofocas, aí ele fica achando que eu tenho outro homem. Uma vez ele rasgou
as minhas roupas de trabalho, queimou minhas calças cumpridas da farda
para eu não ir mais trabalhar. Às vezes ele procurava, eu nem queria ter
relação porque eu estava cansada, né? Eu não tinha hora para trabalhar, às
vezes chegava muito cansada, às vezes tinha que ir sem vontade, só para
agradar ele. (BIA)
A entrevistada relata que nunca havia sofrido violência, no entanto,
através do seu relato, é notória a presença de vários outros tipos de violências
manifestadas pelo seu companheiro, como: a violência patrimonial e a violência
sexual. Porém, essas outras violências passam despercebidas pela vítima. Para
Saffioti (2004, p.111), esses tipos de violências machucam tanto quanto as outras.
Há mulheres que, não obstante jamais terem sofrido violência física ou
sexual, tiveram suas roupas ou seus documentos rasgados, cortados,
inutilizados. Trata-se de uma violência atroz, uma vez que se trata da
destruição da própria identidade dessas mulheres. Sua ferida da alma
manifesta-se no corpo sob diversas modalidades.
Gregori (1993) destaca em seus estudos a contribuição das mulheres no
ciclo
da
violência
conjugal,
sendo
atribuída
à
vítima
uma
parcela
de
responsabilidade, portanto, vistas como culpadas pela violência sofrida. São
acusadas, ainda, de serem passivas e de permanecerem nas situações de violência.
62
5.1.4 No que concerne a verbalização da pergunta: Você tem algum sentimento
em relação ao agressor?
O gráfico a seguir representa a realidade vivenciada por muitas mulheres
vítimas de violência doméstica e que têm que conviver com a sensação de medo
despertada por seus agressores. As respostam explicitam medo, mágoa, revolta.
Gráfico 4 - Você tem algum sentimento em relação ao seu agressor?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
Ao observamos o gráfico, confirmamos o que foi relatado pelas
entrevistadas, que narraram os seus sentimentos como sendo:
Eu sinto uma revolta, um arrependimento tão grande de ter vivido tanto
tempo com uma pessoa assim [...]. (ARLETE)
Eu tenho medo dele, ainda mais porque ele disse que se fosse preso,
depois que ele fosse solto me matava. (MAGA)
Eu sinto mágoa, medo, eu não consigo tirar nada de bom dele [...]. (KAROL)
As entrevistadas demonstram que apesar da coragem de terem
denunciado seus agressores, a sensação de medo é constante, e que apesar de
acharem que a Lei Maria da Penha trouxe mudanças positivas para as mulheres que
sofrem violência doméstica, as punições ainda não são aplicadas de forma efetiva.
63
De acordo com os dados do Mapa da Violência (2012)6, atualmente o
Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial dos países com mais crimes
praticados contra as mulheres. Nos últimos 30 anos, aproximadamente 92 mil
mulheres foram assassinadas no Brasil, tendo sido 43,7 mil apenas na última
década. Tal fato demonstra um aumento considerável deste tipo de violência a partir
dos anos 90.
De acordo com a narração das entrevistadas, o agressor, muitas vezes,
apresenta sinais antes de praticar o ato violento, pois a mesma suspeitou desses
sinais tendo em vista que seu comportamento estava estranho. Observemos o seu
relato:
Ele estava muito estranho, acho que ia era me matar, porque tinha feito a
mala, disse que ia viajar e antes de me agredir, foi me buscar no trabalho,
só que eu não fui com ele, porque eu já tinha feito uma promessa que não
andava mais de moto com ele, pois quando ele bebia andava feito doido.
Falei pra ele que o namorado da minha filha ia me pegar. (GABI)
Segundo o Mapa da Violência (2012), do total de mulheres brasileiras que
são agredidas, em números 42.916, cerca de 68,8% foram violentadas no âmbito de
suas relações domésticas, afetivas ou familiares, pois, nestes casos, o agressor foi o
cônjuge, o ex-cônjuge ou algum outro parente. Os estados do Norte e Nordeste
apresentam os maiores índices, como por exemplo, Sergipe, onde 78,26% das
mulheres foram agredidas nesse tipo de relação; Tocantins, com 66,64%; Piauí, com
59%; assim como Rondônia e Acre, com índices na faixa dos 58%.
De 2010 até 2012, a quantidade de mulheres assassinadas no Estado do
Ceará passou de 171 para 197, representando, assim, um aumento de 15,2%. Em
Fortaleza, o aumento foi de 14,9%: foram 67 homicídios em 2010, contra 77 no ano
de 2012. Os números são da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social
(SSPDS) e foram confirmados pelo Núcleo de Gênero Pró-Mulher do Ministério
Público Estadual (MPE). O Núcleo também aponta que desde a criação da Lei Maria
da Penha, cerca de 5 mil agressores foram presos em Fortaleza.
Segundo dados do Juizado de Violência Doméstica da Comarca de
Fortaleza (2014), apenas em 2013 foram abertos 6.834 novos procedimentos, sendo
eles: pedidos de medida protetivas (4.441); inquéritos policiais (1.618); comunicados
6
Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/>. Acesso em: 10 dez. 2013.
64
de prisão em flagrante (255); pedidos de relaxamento de prisão (93); e pedidos de
liberdade provisória (350).
Dessa forma, é necessário destacar outra categoria importante que é o
papel familiar, o apoio da família é bastante relevante, mesmo que exercendo uma
função coercitiva, é altamente positivo para que as mulheres vítimas de violência
doméstica possam se libertar das relações de violências abusivas. Assim, podemos
evidenciar através do relato dessa entrevistada:
Às vezes, eu até penso em voltar, mas minha família ficou muito revoltada
com ele, não querem nem ouvir falar nele. Além disso, eu tenho medo que
possa acontecer outra vez e que ele possa fazer pior. Sempre escuto casos
de mulheres que foram mortas pelos companheiros. Gente que jamais
imaginou que isso pudesse acontecer. Por isso, eu tenho medo dele. Eu
tenho muito medo. (KAROL)
Para Brito & Koller (2002) e Koller, (1999), mulheres vítimas de violência
normalmente estão afastadas dos familiares e da comunidade, e esse isolamento
favorece o domínio do agressor sobre a vítima, dificultando o término dessas
relações conflituosas cercada de violência. Sendo assim, o apoio da família pode ser
determinante para o fim de uma relação abusiva, pois ao perceberem que tem um
apoio tornam-se mais corajosas e determinadas.
Notamos em outras falas das entrevistadas a crença na mudança, e que
existe a esperança de que o agressor mude sua conduta após sair do presídio,
mesmo ele sendo reincidente nos atos de violência contra mulher.
[...] eu quero que ele crie juízo e me deixe viver em paz com a minha filha,
espero que ele mude, porque ele nunca tinha sido preso antes, mas sempre
gostou de bater em mulher. Eu sou a terceira mulher dele e em todas ele já
bateu. (LIANA)
Ele não é uma pessoa violenta. Ele fez isso, ele errou, mas eu não tenho
raiva dele e nem rancor. Eu posso até voltar para ele, se ele mudar, mas
não sei se ele tirou essas coisas da cabeça. Se eu perceber que ele tá
diferente, se não beber mais, aí eu volto. Depois dessa, eu não sei como
está o coração dele. Ele é uma pessoa boa, respeitador. Mas no dia, acho
que ele não me matou porque não tinha uma faca, uma arma. (BIA)
No decorrer da entrevista Bia demonstrou o desejo de que o companheiro
saísse da prisão, notava que o mesmo podia mudar, pois ele nunca havia sido preso
e se sentia envergonhado pelo que fez. Liana, assim como a maioria das
entrevistadas, também disse que não sente raiva de seu agressor.
65
5.1.5 Segundo as verbalizações da pergunta: O quanto você conhece da Lei
Maria da Penha?
Importante frisar que, faz-se necessário apreendermos acerca dos
conhecimentos que as entrevistadas possuem em relação à Lei Maria da Penha.
Gráfico 5 - Quanto você conhece a respeito da lei Maria da Penha?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
Ao
interpretarmos
o
gráfico,
percebemos
que
muitas
mulheres
responderam que tem um conhecimento razoável da Lei. A maioria cita que já tinha
escutado falar a respeito da Lei e relatam, ainda, que jamais tinham imaginado
precisar da Lei. A Lei Maria da Penha surge representando avanços significativos
para a mulher. De acordo com uma das entrevistadas:
[...] para mim a Lei Maria da Penha foi uma das melhores coisas que
aconteceu. Faz mais de 20 anos que eu sofro. Em 1996 eu sofri a primeira
agressão, fiz um BO, só que nada aconteceu, ele continuou dentro de casa.
Mas agora, depois da Lei, é diferente. Taí, ele bateu no meio da rua, a
polícia chegou e ele foi preso, desceu para o presídio, agora eu me sinto
bem melhor. (Maga)
Eu até já conhecia a Lei Maria da Penha de ouvir falar, sabia do que se
tratava, que era para proteger mais a mulher. Mas nunca imaginei ter que
passar por isso, ter que usar mesmo essa Lei.
66
De acordo com Dias (2012), apesar da popularização da Lei não há, de
fato, uma diminuição nos números de violência doméstica. Isso não significa que
essa violência aumentou, mas sim que as mulheres agredidas estão mais cientes
dos seus direitos.
Parcela das entrevistadas afirmaram que a Lei Maria da Penha possui
mecanismos para assegurar os direitos das mulheres, relatando que “ (...) é uma Lei
maravilhosa, que o governo assinou, que dá todo apoio à mulher, basta só ela se
conscientizar e denunciar, dá toda assistência, psicólogos, a mulher não pode mais
tirar a queixa.” (LIANA).
5.1.6 A partir da verbalização da pergunta: Você sente segurança em relação às
medidas adotadas?
Em relação às verbalizações da pergunta sobre a segurança dessas
medidas, a partir das falas, percebemos que se almeja um maior rigor nas medidas
adotadas.
Gráfico 6 - Você sente segurança em relação às medidas adotadas?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
O gráfico 7 reflete que, assim como as mulheres agredidas sentem medo
de seus agressores, consequentemente, não se sentem seguras, apesar das
medidas impostas para protegê-las. Podemos observar nas falas a seguir:
67
Acho que deveria ser mais severa, como eu já falei deixa muito espaço para
o homem. (KAROL)
Outra fala denuncia a omissão por parte dos órgãos competentes:
Por enquanto, nada aconteceu ainda, faz um mês que eu saí de casa, tem
horas que eu tenho vontade de desistir. (ARLETE)
Apesar de não existirem estatísticas nacionais que retratem de forma fiel
as denúncias realizadas, segundo dados do Mapa da Violência (2012), os números
da Central de Atendimento à Mulher, o Disque 180, são impressionantes. No
primeiro semestre de 2012, foram contabilizados 388.953 registros, representando
uma média de 65 mil mensais, ou 2.150 registros diários. De acordo com o Juizado
da Violência Doméstica da Comarca de Fortaleza (2013), foram recebidas por esta
instituição 266 denúncias, fato que comprova uma maior conscientização das
mulheres agredidas sobre denunciar seus agressores.
Apesar da quantidade de denúncias, ainda é lenta a efetivação, por parte
dos órgãos governamentais, da criação de Delegacias da Mulher. Assim, torna-se
fundamental o Conselho Nacional de Justiça, pois este determina a instalação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
A omissão por parte dos agentes públicos também foi constatada.
Através dos relatos das vítimas de violência doméstica, percebe-se que a autoridade
policial, em determinados momentos, mostra-se resistente ao cumprimento do seu
dever, e suas condutas vão de encontro a Lei Maria da Penha. Vejamos o que
relataram as entrevistadas acerca dessa omissão dos profissionais:
Quando os policiais chegaram lá em casa, ele estava me empurrando e
mandando eu ir embora pra casa da minha mãe. Os policiais chamaram ele
pro canto e começaram a conversar, depois me perguntaram se eu ia dar
queixa, se eu ia levar pra frente. Eles disseram: “olha, ele lhe ajuda, se ele
for preso, vai descer pro presídio, vai dar Lei Maria da Penha”. Eles não
queriam levar ele, fui eu que quis, porque se não, de outra vez ele me
matava. (BIA)
Eu tenho a medida contra ele, ele tem que ficar distante de mim pelo menos
100 metros, mas ele é muito atrevido. Teve um dia que ele foi jogar bola em
frente a minha casa. Eu chamei o Ronda, eles disseram que não podiam
fazer nada, eu tinha que vir aqui (Juizado de Violência doméstica). Eles
disseram que os policiais foram negligentes, mas não resolveram nada.
(KALIANE)
68
Diante
desses
relatos
percebemos
que
falta
qualificação
para
determinados profissionais que devem zelar pela integridade da população, como
aponta Azevedo (1985, p. 33) “o registro de uma queixa constitui a primeira
providência no caso de agressão contra a mulher”. As mulheres vítimas de violência
doméstica estão amparadas pela Lei 11. 340, Lei Maria da Penha, elas têm o direito
à proteção policial sempre que se fizer necessário.
Bia conta que quase perdeu a vida por conta da agressão que sofreu de
seu então marido, que além de desferir socos em sua face, ainda tentou asfixiá-la. A
chegada de agentes da polícia militar não minimizou o sofrimento dessa vítima, pois
os policiais não tiveram uma conduta coerente com uma mulher vítima de violência
doméstica.
Porém, o Artigo 10 da Lei 11.340, diz que: “na hipótese da iminência ou
da prática de violência doméstica contra a mulher, a autoridade policial que tomar
conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis”
(Lei Maria da Penha, p.14, reimpressão 2011).
A insegurança foi apontada por várias entrevistadas, os relatos apontam
que as mulheres não se sentiam seguras em relação às medidas tomadas,
confessam que não acreditam que as providências tomadas impliquem na total
segurança delas, impedindo que os agressores se aproximem delas.
A delegada disse que eu podia pedir a medida protetiva, mas eu não quis,
eu não confio nisso não, um papel não impede nada, é só um papel na
minha mão. Ele não é uma pessoa violenta, mas se fosse, esse papel não
ia impedir nada. Se ele quisesse me matar o que esse papel ia impedir? Eu
acredito nele preso, se ele me agredir de novo, que ele volte para o
presídio, passe mais tempo lá. (BIA)
[...] Me falaram da medida protetiva, mas eu não quis pedir, não sei se é
necessário, porque ele nunca tinha feito isso. Também se ele quiser fazer
alguma coisa comigo não acredito que isso vá impedir, é só um papel, não
garante nada, né? (KAROL)
Não, porque eu não sei o que ele vai fazer quando estiver aqui, ele disse
com todas as letras: “olha eu vou preso, mas na hora que eu for solto eu te
mato”. Agora eu estou tranquila, porque ele tá preso, mas, e depois? Eu não
sei o que vai ser de mim. (MAGA)
69
Dessa
forma,
tanto
o
medo
quanto a
insegurança
certamente
provenientes das ameaças, das agressões físicas e principalmente da violência
psicológica manifestada pelo ex-parceiro também parecem desempenhar um papel
relevante nessa realidade (NARVAZ; KOLLER, 2004).
A descrença por parte das pesquisadas foi superior, por meio de seus
depoimentos, elas explicitaram que só se sentem seguras quando seus excompanheiros estão no presídio. Seus discursos deixam claro que apesar da
coragem de terem denunciado seus agressores, a sensação de medo é constante e
que, apesar de acharem que a Lei Maria da Penha trouxe mudanças positivas para
as mulheres que sofrem violência doméstica, as punições ainda não são aplicadas
de forma efetiva.
Por outro lado, algumas entrevistadas afirmaram que estão bastante
satisfeitas em relação ao desfecho do processo, demonstram crença nas medidas
protetivas e relatam estarem sendo muito bem atendidas pelos agentes públicos.
Pra mim está perfeito, tá tudo indo muito rápido. Está com um mês
que ele foi preso e eu já fui chamada para uma audiência, mas eu só
acho que não deve deixar brechas, porque você sabe Janaína, que
quando eles prometem de fazer uma coisa, eles fazem mesmo. Está
com uma semana que uma mulher que morava uma rua depois da
minha, foi assassinada com 10 facadas pelo marido e eu não quero
ser mais uma, eu não quero fazer parte dessa estatística. Eu tenho a
medida que vale por 5 anos, mas eu acho pouco tempo, ele tem que
ficar cem metros de distância de mim, mas também acho muito
pouco, porque eu sei que ele é uma pessoa violenta. (GABI)
Essa entrevistada demonstrou estar bem satisfeita com o atendimento
que até então recebera. Todavia, após dois meses retornar ao Juizado de Violência
Doméstica Contra a Mulher para levantar mais informações e melhorar a pesquisa,
enquanto aguardava na sala de espera, fui surpreendida por Gabi, umas das
entrevistadas anteriormente.
Perguntou-me
se
recordava
dela,
cumprimentei-a
e
respondi
positivamente, em seguida convidei-a para sentar ao meu lado. Obviamente não me
esqueceria do seu rosto, pois foi uma das entrevistadas, que falava com emoção,
cada palavra parecia esboçar o peso de tantos anos de sofrimento. Estava com uma
aparência bastante abatida e visivelmente mais magra.
70
Relatando que seu ex-marido estava em liberdade, que atualmente vivia
na esquina de sua casa para intimidá-la. Segundo ela, sentia medo e já tinha pedido
até demissão, pois temia que o ex-companheiro pudesse fazer alguma coisa contra
ela. Tinha ido assegurar seus direitos, pois o agressor deve manter-se afastado da
vítima 100m de distância, porém ele não estava cumprindo a medida protetiva.
Após o relato de Gabi, fiquei bastante preocupada, pois recordara que
durante a entrevista ela afirmou categoricamente que seu companheiro era um
homem violento, que tinha medo que ao sair do presídio ele colocasse em prática a
ameaça que fez contra ela, tinha medo de fazer parte das estatísticas de mulheres
mortas no Brasil. No entanto, agora o agressor encontra-se solto e não está
cumprindo a medida protetiva. Diante disso, lanço o seguinte questionamento: Até
onde vai a efetividade da Lei Maria da Penha?
Para as mulheres que sofrem violência doméstica, é de suma importância
que as esferas de poder tramitem em consonância, para que as ações impostas pela
Lei 11.340/06 sejam efetivadas e com isso as vítimas possam se sentir segurança e
possam estar denunciando cada vez mais os casos de violências abusivas por parte
de seus companheiros.
Outros fatores estão quase sempre presentes às contendas conjugais. O
álcool e outras drogas são elementos presentes na sociedade atual e, muitas
vezes, estão relacionadas a casos de agressão. Assim, faz-se às seguintes
perguntas:
71
5.1.7 Verbalizações acerca das seguintes perguntas: O agressor estava sob
efeito de alguma droga? Se estava, qual era?
Gráfico 7 - O seu agressor estava sob efeito de alguma droga?
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
De acordo com o gráfico 8, 70% das entrevistadas afirmaram que seus
agressores usavam alguma substância, fossem as drogas ou o álcool, como
podemos observar por meio da fala das entrevistadas:
[...] ele bebe, usa drogas desde de novo, todo tipo ele já usou: maconha,
cocaína, usa crack, mas no dia ele não estava bêbado, acho que também
não estava drogado, porque ele gosta de mesmo de bater em mulher, isso é
dele. Em todas as outras mulheres que ele já teve ele bateu. (LIANA)
Eu não sei se ele usava drogas, mas ele bebe. No dia que aconteceu tudo,
ele estava bêbado, nós íamos sair, estava tudo bem, do nada ele começou
a discutir, eu nem imaginava que isso fosse acontecer. (KAROL)
Ele usa drogas e no dia ele tinha bebido e talvez tinha usado alguma
porcaria, porque ele também usa crack, pó. No dia, ele estava com muita
força. (GABI)
De acordo com a oralidade das vítimas, evidenciamos que assim como o
álcool, outras drogas vêm somar para um comportamento agressivo. Sendo assim,
“vários estudiosos têm concluído que o álcool é a substância mais ligada às
mudanças de comportamento provocadas por efeitos psicofármacos que tem como
resultante a violência” (MINAYO; DESLANDES, 1998, p. 37).
72
Saffioti (2004, p. 125) aponta que “as chamadas drogas pesadas, sem
dúvida,
desempenham
importante
papel
no
crescimento
da
violência,
principalmente, da violência contra a mulher”. Zilberman e Blume (2005, p. 52)
apontam que:
O álcool frequentemente atua como um desinibidor, facilitando a violência.
Os estimulantes como cocaína, crack e anfetaminas estão frequentemente
envolvidos em episódios de violência doméstica, por reduzirem a
capacidade de controle dos impulsos e por aumentar as sensações de
persecutoriedade. O uso de álcool parece estar envolvido em até 50% dos
casos de agressão sexual. Homens casados violentos possuem índices
mais altos de alcoolismo em comparação àqueles não violentos. Estudos
relatam índices de alcoolismo de 67% e 93% entre maridos que espancam
suas esposas. Entre homens alcoolistas em tratamento, 20 a 33% relataram
ter atacado suas mulheres pelo menos uma vez no ano anterior ao estudo,
ao passo que suas esposas relatam índices ainda mais elevados.
As autoras ainda afirmam que quando os agressores estão sob efeito de
álcool ou drogas, existe uma maior tolerância por parte das vítimas, pois estas
entendem que a violência só foi praticada porque o agressor estava fazendo uso de
alguma substância, e que quando ele voltar ao “normal” a situação de violência não
mais acontecerá (ZILBERMAN; BLUME, 2005). É como podemos constatar através
do relato dessa vítima que faz parte dessa dinâmica:
Quando ele bateu, ele estava bêbado, porque bom ele não tinha coragem,
ele precisou beber, né, pra poder ter coragem. Quando a minha filha pediu
pra ele não beber, ele disse: „eu vou ficar só na minha, não vou fazer nada
com a sua mãe não. Eu acho que ele já estava era planejando. Quando ele
está bom ele é uma pessoa, mas quando ele tá bêbado, ele é outra pessoa
totalmente diferente, fica ignorante, agressivo. Ele não pode beber, eu já
falei até pra ele. O defeito dele é a bebida mesmo. (BIA)
De acordo com Minayo e Deslades (1998), a utilização de álcool pelo
homem apresenta-se como um significativo fator de risco para a violência do homem
contra a mulher. Nesse caso, o álcool aparece como estratégia para justificar a
verdadeira personalidade do sujeito, sendo assim, a bebida alcoólica é apontada
pela vítima como causa de uma característica que pode ser inerente ao agressor.
O álcool, nessas situações, poderia estar sendo interpretado como um
meio utilizado para desinibir comportamentos agressivos, sendo estes quase sempre
desempenhados por homens. Vale salientar que para Fonseca (2009, p. 47) “não
existe consenso sobre se essa associação é casual ou se o consumo do álcool é
usado como desculpa para o comportamento violento”.
73
A categoria inconstância no emprego, consequência do uso abusivo de
álcool e outras drogas também é apontada nas entrevistas.
Ele usa crack e bebe muito também, ele não dura em emprego nenhum por
causa das drogas. Sou eu que sustento os meus filhos, eu sou pra tudo
dentro de casa. Quase todas as vezes que ele me bateu estava bêbado e
drogado. (MAGA)
Eu não dependo dele pra nada, financeiramente ele já não me ajudava
mais, porque nem sempre ele trabalhava e às vezes que ele trabalhava
fazendo bico, o dinheiro só dava pra comprar as porcarias (drogas) dele.
(GABI)
Diante de todos esses relatos, faz-se necessário perguntarmos às vítimas
como elas percebiam o homem responsável pela violência sofrida. As respostas,
mais uma vez, divergem, pois surgem percepções negativas dos parceiros, assim
como também positivas.
5.1.8 Verbalizações sobre a pergunta: Como você percebe seu agressor?
Como podemos observar através da fala dessa entrevistada, logo surge a
categoria machismo. “Ele é muito machista como muitos homens por aí, pensa que
mulher deve viver dentro de casa, é ignorante (...)” (ANA).
Assim, podemos evidenciar também as categorias preconceituoso e
violência indireta.
Assim, eu percebo ele como um "monstro", além do mal que ele fez pra
mim, tem o meu filho mais novo que tem que ser acompanhado por uma
psicóloga. Acho que ele é hiperativo, ele viu muitas vezes as confusões, ele
me batendo, me chamando de "rapariga". Também esculhambava meu filho
mais velho só porque ele é homossexual. (GABI)
Quando ele começava a beber, a minha filha mais velha ficava logo
nervosa, ela ficava pedindo pra ele não beber, ela dizia: „pai pra que o
senhor bebe? Essa menina é muito nervosa. No dia, ela tava deitada
comigo, ela viu tudo. (BIA)
Ele é um louco, impossível. Da última vez que ele me bateu, não respeitou
nem meu filho, quebrou até o braço do menino com as brutalidades dele, o
menino se meteu pra me defender e ele não quis nem saber [...]. (KALIANE)
74
Através da verbalização das entrevistadas percebemos que a violência
doméstica não atinge apenas a mulher, os demais membros também são vítimas da
violência física e psicológica. Muitas crianças que presenciam conflitos conjugais
precisam ser acompanhadas por psicólogos.
Contudo, surgem as percepções positivas: respeitador, trabalhador,
bom pai.
Ele errou, mas é uma pessoa muito boa, respeitador, sempre me ajudou
dentro de casa, é trabalhador, o defeito dele é a bebida mesmo. Não tenho
que falar muita coisa de ruim dele não, só que tem homem que é assim
mesmo, não perdoa traição e por causa das fofocas, né? (BIA)
Ele é uma pessoa boa, apesar de tudo que aconteceu. Eu sei ele errou, ele
não podia ter me batido, nem sei o que teria acontecido comigo se os
vizinho não tivessem se metido, mas ele disse que se arrependeu muito, se
pudesse voltar no tempo não faria de novo. (KAROL)
No entanto, aparecem as categorias desprovido de amor, covarde.
Eu percebo ele como um homem violento, ele é um covarde que gosta de
bater em mulher. Eu acho que ele não tem amor nem pela mãe dele, nem
pela filha, não tem amor por ninguém, acho que nem sabe o que é isso.
(LIANA)
Além da percepção que as entrevistadas tinham sobre seus agressores,
também questionamos a visão que elas tinham sobre si mesmas após as agressões.
O olhar que todas as entrevistadas têm de si mesmas está relacionado a pontos
negativos; vergonha aparece como consequência das relações abusivas.
5.1.9 Assim, as verbalizações acerca da pergunta: Como você se percebe após a
violência sofrida?
Eu sinto vergonha dos vizinhos, porque ele foi lá na minha irmã me
esculhambou, o que é que os vizinhos vão pensar que eu sou? Isso tudo
me dá uma tristeza tão grande.
(ALERTE)
Eu sinto vergonha, eu passei uns dias sem sair de casa, tinha vergonha de
olhar para as pessoas, porque os vizinhos escutaram tudo, foram eles que
chamaram a polícia, é muito constrangedor, é horrível lembrar de tudo.
(KAROL)
75
Não era a primeira vez que ele me batia, mas eu aguentava porque tinha
medo e também vergonha do que os outros iam falar. Vivia de olho roxo, de
marcas nas costas. Tinha semana que não podia sair de casa porque tava
toda marcada e morria de vergonha. A família dele também me ameaçava,
que se eu denunciasse ele, podia me preparar. Até facada ele já me deu
(MAGA).
Todas as entrevistadas afirmaram que sentem, principalmente, vergonha
da situação que estão vivenciando. Muitas, inclusive, evitam sair de casa, pois ficam
receosas do que as outras pessoas possam estar comentando a respeito dela. É
como salienta Zuwick (2001, p. 89), “a vergonha de que deveria ser portador aquele
que a agrediu, volta-se contra a mulher e a silencia, tornando-a parte da rede que
sustenta a dominação”. A vergonha também vem sendo referenciada como um dos
fatores que dificulta o fim da relação abusiva.
Os relatos apresentados demonstram que os agressores não se importam
com as marcas que deixam nas companheiras; na verdade, muitos deles gostam de
marcar os corpos das mulheres, pois se acham “donos” das mesmas e pensam ter
direito de puni-las.
Para Bourdieu (2012), quando este trata da violência simbólica, nos
remete ao fato da questão da honra e virilidade masculinas, qualidades estas que
precisam ser constantemente afirmadas, como aponta o autor:
A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas
também como aptidão ao combate e ao exercício da violência (sobretudo
em caso de vingança), é, acima de tudo, uma carga. Em oposição à mulher,
cuja honra, essencialmente negativa, só pode ser defendida ou perdida, sua
virtude sendo sucessivamente a virgindade e a fidelidade, o homem
„verdadeiramente homem‟ é aquele que se sente obrigado a estar à altura
da possibilidade que lhe é oferecida de fazer crescer sua honra buscando a
glória e a distinção na esfera pública (BOURDIEU, 2012).
Assim, a maioria dos homens que cometem violência doméstica contra
suas companheiras, busca uma autoafirmação no sentido de se mostrarem
detentores do poder e realmente “homens”, que não hesitam em usar a força
quando sua “honra” encontra-se ameaçada. Zilberman e Blume (2005) citam que as
fortes emoções como o ciúme e o ódio são elementos que estão envolvidos nas
situações que culminam nas agressões.
76
A depressão também foi bastante citada pelas entrevistadas e todas
disseram que estão passando ou passaram por momentos depressivos devido à
situação de violência doméstica na qual elas estão inseridas. Muitas mulheres têm
sua saúde comprometida em virtude das violências vivenciadas pelas vítimas.
Ele fez da minha vida um inferno, eu vivo apavorada, eu tenho medo de sair
na rua, a minha vida se transformou de uma hora pra outra. Eu vivo
depressiva, quando eu ando na rua, eu não posso ouvir um barulho de carro
atrás de mim que eu já fico toda me tremendo. (KAROL)
Eu estou muito abatida, eu só saio de casa agora para o médico e pra cá
(Juizado), a minha labirintite atacou, minha coluna. Às vezes me dá uma,
agonia, uma coisa ruim, dá vontade de desistir, deixar isso de mão.
(ARLETE)
De acordo com Saffioti (2004, p. 116), a partir do momento que as
mulheres agredidas, elas assumem a “posição vitimista, não há espaço para se
resignificarem as relações de poder”. Assim, por mais difícil que seja a situação de
violência doméstica que estas mulheres estão passando, torna-se importante que
elas não se deixem perpetuar como vítimas, devendo exigir punições para seus
agressores e recuperar sua autoestima.
Outra fala nos remete ao sentimento de liberdade, mas essa liberdade
está relacionada à prisão do parceiro, para muitas mulheres, a detenção do excompanheiro representa o fim do ciclo vicioso e significa o rompimento de vínculos
com o agressor, o fim da relação abusiva. Percebemos isso no relato a seguir:
A sensação é muito ruim, agora eu estou melhor, estou rindo, assim, estou
bem sabe? Agora eu me sinto livre, eu só quero é ficar em paz mesmo,
cuidar da minha filha, eu trabalho, não dependo dele pra nada mesmo.
(LIANA)
Nesta pesquisa, foi necessário conhecermos os tipos de lesões que as
entrevistadas sofreram, para que possamos levantar dados quantitativos e
específicos desses tipos de lesões que as mulheres vitimadas pela violência sofrem.
As respostas nos remetem às lesões físicas.
77
5.1.10 De acordo com as verbalizações: Quais tipos de lesões você sofreu?
De dez entrevistadas, apenas três não sofreram lesões corporais.
Segundo Werba (2002), são considerados atos de violência física: tapas, puxões de
cabelos, empurrões, socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, amarrar,
estrangular, lesões por qualquer objeto, removê-la de casa através da utilização da
força, rasgar a roupa do corpo da vítima, deixar em lugares desconhecidos e a
omissão de cuidados e proteção.
Ele deu em mim de murro, apanhei na cara, quando eu disse que eu queria
me separar. Ele já tentou me esfaquear, não fez porque eu corri. (ANA)
Eu já levei muito murro na cara, puxões de cabelo e já fui ameaçada com
faca. Já levei pedradas. (GABI)
Eu já apanhei de capacete, de pau, chutes, murros, ele já me ameaçou de
morte, mas eu sempre denunciei, mas depois eu perdoava, mas agora foi
diferente. (LIANA)
Nenhuma, somente a ferida da alma. (ARLETE)
Durante a pesquisa de campo, foi possível observar que são muitos os
fatores agregados às ocorrências de atos de violência domésticas e que estes se
encontram estreitamente relacionados às questões da dominação masculina. Os
papéis disseminados na sociedade de que o homem é o ser dominante e que à
mulher cabe o papel de submissa, serve de respaldo para aqueles que se validam
da força para exercer essas “funções”.
Outro fator que se destacou na pesquisa, estando quase sempre presente
nos momentos em que ocorreram as agressões, é o uso do álcool e de outras
drogas. De dez vítimas entrevistadas, apenas três não sofreram violência após seu
cônjuge fazer uso do álcool. Nos relatos da maioria das vítimas, constatamos que o
autor de violência estava alcoolizado ou sob o efeito de qualquer outra droga.
78
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mediante um elevado número de mulheres vitimadas pela violência e por
ser uma temática relevante no contexto social, buscando responder a vários
questionamentos, nossos objetivos com este trabalho de conclusão de curso eram:
identificar os tipos de violência sofrida pelas mulheres; analisar quais as percepções
das mulheres vítimas de violência em relação aos seus agressores; entender como
as vítimas se percebem após a violência sofrida; e identificar o conhecimento das
mulheres vítimas de violência doméstica sobre a Lei Maria da Penha.
Questionamos às participantes, o que elas entendiam pelo termo
violência, a parti da verbalização das entrevistadas, percebemos que a maioria ,
respectivamente 60% da mulheres citou que entendia por violência as agressões
física, psicológicas e morais, 30% as agressões físicas e morais e apenas 10% disse
que entendia que violência seria as agressões físicas, sexuais e psicológica.
Para tanto, a violência vem se tornando um fenômeno alarmante na
sociedade brasileira e a violência doméstica vem se tornando cada vez mais
comum. De acordo com os relatos das participantes, podemos evidenciar que a
maioria das vítimas antes de sofrerem agressões físicas, sofrem vários outros tipos
de violência como a violência simbólica, a violência psicológica, a violência
patrimonial e a violência moral.
No decorrer do trabalho, percebemos que a violência doméstica contra a
mulher ainda é fator bastante presente na sociedade. Os números impressionam e
levam ao questionamento de quantas outras mulheres sofrem este tipo de violência
em silêncio, pelo medo de denunciar aquele que está lhe agredindo.
Outro fator que podemos evidenciar durante a pesquisa, é que a violência
doméstica ainda vem sendo justificada nas diferenças de gênero impostas pelas
normas sociais. Essas diferenças consistem na desvalorização de um sexo e na
autovalorização do outro.
De acordo com as verbalizações das participantes aos questionarmos
qual sentimos ela tinham em relação ao agressor, as respostas explicitavam medo,
mágoa. As entrevistadas demonstraram que, apesar da coragem de terem
denunciado seus agressores, a convivência com o medo era constante, pois tinha
receio do que podia acontecer quando os agressores tivessem em liberdade.
79
Percebe-se que o homem, em determinadas situações, quer impor seu
poder de “macho” através da violência, sendo visível a presença do poder patriarcal.
Muitos homens ainda têm pensamentos arcaicos e atitudes machistas conservando,
assim, relações desiguais. Eles não aceitam serem contrariados e nem rejeitados,
muito menos traídos, e, por isso, utilizam qualquer motivo para justificar seus atos de
brutalidade.
Através dos relatos das entrevistadas, percebemos que algumas vítimas
passam anos convivendo com a presença de vários tipos de violências, porém, em
um determinado momento, essas mulheres não suportam mais conviver em relações
abusivas e o que mais almejam é o término do relacionamento. Na maioria dos
casos, o parceiro abusivo não aceita o fim do relacionamento, assim, passa a
perseguir a mulher, a fazer ameaças de tirar-lhe a vida, e, dessa forma, o sofrimento
das vítimas de violência doméstica não cessa, e a maioria diz conviver com a
sensação de medo.
A importância da equipe multiprofissional nos equipamentos que
prestam serviços às mulheres vitimadas pela violência é indiscutível, pois a maioria
das vítimas de violência doméstica ainda chega muito fragilizada às unidades de
atendimento. Portanto, o trabalho interdisciplinar é bastante relevante para o
fortalecimento das vítimas. Porém, o número de funcionários ainda é ínfimo em
relação à demanda; assim é a realidade do Juizado de Violência Doméstica Contra a
Mulher da Comarca de Fortaleza.
Segundo as verbalizações da pergunta, quanto você conhece da Lei
Maria da Penha, observamos que cerca de 60% das participantes tinha um
conhecimento razoável da Lei, a maioria já havia escutado falar e sentem que Lei
Maria da Penha representa avanços significativos para a mulher.
Assim, como é de extrema importância que as mulheres tenham
conhecimento de seus direitos, torna-se imprescindível a afirmação desses por parte
do Estado. Os órgãos públicos devem estar desenvolvendo parcerias para o
reconhecimento e a efetividade da Lei Maria da Penha.
A Lei 11.340/06, ou Lei Maria da Penha, é vista como um grande avanço
na luta por punições maiores àqueles que cometem crimes contra a mulher. Apesar
disso, para que a Lei atinja toda sua eficácia, torna-se necessário que os órgãos
governamentais pontualizem suas ações, de forma que todas as esferas possam
80
trabalhar em conjunto e de forma pautável para que a mulher que sofre algum tipo
de violência possa ter uma resposta efetiva para seu caso.
A promulgação da Lei Maria da Penha modificou o destino de inúmeras
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. Em decorrência da
tragédia pessoal de uma mulher, as vítimas de agressões que possuem marcas
permanentes em seu psicológico e em seu corpo, e todo o país vê no ordenamento
jurídico nacional uma importante resposta à sociedade internacional acerca dos
compromissos firmados por convenções para o combate à violência doméstica
contra a mulher.
Os avanços trazidos pela Lei Maria da Penha são consideráveis,
principalmente no que se refere à criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar Contra a Mulher (JVDFM) e as novas sistemáticas de atendimento adotadas
pelas delegacias de polícia. Além disso, a Lei possibilitou à vítima o
acompanhamento de um advogado em todas as fases do inquérito e do processo,
sendo-lhe garantido o acesso à Defensoria Pública e à gratuidade da justiça.
Apesar disso, ainda são muitos os desafios a serem vencidos para que se
possa assegurar integralmente os direitos colocados pela Lei 11.340/06,
principalmente no que se concerne a efetivação de seus artigos, por parte dos
órgãos públicos.
Enquanto pesquisadora foi um grande desafio estudar tal temática, pois
mexe com a subjetividade dos sujeitos pesquisados e da pesquisadora, pois antes
de sermos profissionais, somos seres humanos, visto que muitas vezes era
extremamente difícil de conter as emoções diante de cada história narrada pelas
vítimas de violência doméstica.
Durante o processo de pesquisa, muitas vezes foi preciso conter os
sentimentos para não refletir de forma negativa na pesquisa. Muitas vezes também
foi necessário desligar o equipamento de áudio, interromper as entrevistas, respeitar
o momento de fragilidade das vítimas, pois durante as escutas, muitas mulheres
eram
tomadas
pelo
choro
e
só
retornávamos
às
entrevistas
após
o
reestabelecimento emocional das entrevistadas.
Por meio das análises das entrevistas, percebemos que as mulheres que
sofrem violência doméstica têm, cada vez mais, criado coragem e denunciado seus
agressores. Com esse ato, elas esperam que o poder público cumpra com seu papel
de garantir sua integridade física, psicológica e moral. A maioria das entrevistadas
81
que participaram da pesquisa de campo, sentem medo de seus agressores e
afirmaram não ser a primeira vez que sofrem violência doméstica.
Assim, é interessante fomentar a consciência da sociedade para que a
violência doméstica contra a mulher não se torne um caso banalizado. Dessa forma,
é relevante a realização de palestras, encontros, oficinas nas comunidades para a
debatermos acerca dessa temática.
É através da união das próprias pessoas que se torna possível construir
uma sociedade mais justa e sem violência. Torna-se imprescindível uma postura
diferente por parte da humanidade, na qual se estabeleça relações de igualdade
entre os sexos, onde homens e mulheres tenham direitos e deveres iguais, ou seja,
sendo igualmente cidadãos.
82
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87
APÊNDICES
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Declaro, por meio deste Termo, que concordei em ser entrevistado (a) e/ou participar
da pesquisa de campo referente à pesquisa intitulada: Violência Doméstica e a
Efetividade da Lei Maria da Penha: A Visão das Mulheres Atendidas pelo
Juizado de Violência Doméstica em Fortaleza desenvolvida pela estudante de
Graduação em Serviço Social, da Faculdade Cearense, Maria Janaína Valentim do
Nascimento Sousa. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem
receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade
exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado (a) do objetivo
geral, estritamente acadêmico, do estudo que, em linhas gerais, fala sobre Violência
Doméstica e as percepções das vítimas sobre violência. Fui também esclarecido
(a) de que os usos das informações por mim oferecidas estão submetidos às normas
éticas destinadas à pesquisa e que minha colaboração se fará de forma anônima,
por meio de entrevista, a ser gravada a partir da assinatura desta autorização. O
acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e/ou sua
orientadora – Rebeca Torres. Fui ainda informado (a) de que posso me retirar desse
estudo a qualquer momento, sem prejuízo nenhum a minha pessoa ou sofrer
quaisquer sanções ou constrangimentos. Atesto recebimento de uma cópia assinada
deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Fortaleza, ____ de _________________ de 2013.
__________________________________
Assinatura do (a) participante
__________________________________
Assinatura da pesquisadora
__________________________________
Assinatura da testemunha
88
APÊNDICE B - Roteiro de Perguntas
NOME:_____________________________________________________
IDADE:_____________________________________________________
PROFISSÃO:________________________________________________
ESCOLARIDADE:____________________________________________
ESTADO CIVIL:_____________________________________________
RENDA FAMILIAR:__________________________________________
RENDA PESSOAL:__________________________________________
PRINCIPAL RENDA DA FAMÍLIA:______________________________
1. O que você entende por violência?
2. Quais os tipos de violência que você sofreu?
3. Quanto você conhece a respeito da Lei Maria da Penha?
4. Já havia sofrido violência outras vezes?
5. Como você percebe seu agressor?
6. Como se percebe após ter sofrido violência?
7. Qual seu sentimento em relação ao seu agressor?
8. Você se sente segura em relação ás medidas tomadas?
9. O agressor estava sob efeito de alguma droga? Se estava, qual era?
10. Qual foi o tipo de lesão que você sofreu?
89
ANEXOS
ANEXO A – Fotos do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
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