CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL DO ADMINISTRADOR:
UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE AS HABILIDADES REQUERIDAS
E A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA ADQUIRIDA
Autor: Sandra Regina da Rocha-Pinto
Baseado em pesquisa bibliográfica, e de campo, este trabalho investiga se os futuros
administradores percebem as habilidades demandadas pelas maiores empresas do mundo
como inerentes ao seu desempenho profissional. Investiga, também, bem como se a
universidade está contribuindo para o desenvolvimento das referidas habilidades. Os
resultados obtidos indicam que os alunos concordam em grande parte com o fato de que as
demandas do mercado são indispensáveis para o seu desempenho profissional, estando a
contribuição da universidade em uma escala menor do que a demanda do mercado. Essa
percepção se ameniza quando se considera o extrato dos alunos veteranos. Uma possível
interpretação para esse fato é a de que, mais experientes, e em contato com a realidade do
mercado, os veteranos têm as suas expectativas reduzidas. Investigar se essa realidade se deve
às atuais circunstâncias do mercado de trabalho ou se ocorre uma certa redução de
expectativas conforme o tempo de formação se passa, pode se tornar um objetivo de um outro
estudo. Cabe, contudo, refletir sobre até que ponto as habilidades investigadas - demandadas
pelas maiores empresas do mundo - , são aquelas compatíveis com a realidade brasileira.
2
Introdução:
O senso comum revela que as empresas, pressionadas pelas intensas mudanças
ocorridas nos seus ambientes de negócios, começaram a rever as suas práticas administrativas.
A globalização, o desenvolvimento de tecnologias de informação e de automação de fábricas,
o ingresso de minorias no mercado de trabalho, o excesso de oferta de produtos, dentre outros
fatores, (Nadler et alii, 1994) impuseram às organizações uma série de medidas no sentido de
torná-las mais ágeis; as pressões anteriormente enumeradas demandavam rapidez no processo
decisório. Assim sendo, as estruturas burocráticas perderam o sentido quando a flexibilidade e
a criatividade precisavam ser incentivadas. Entre outros paradoxos, as empresas perceberam
que precisavam: ser globais e locais; grandes e pequenas; centralizadas e descentralizadas
(Handy, 1995).
Observou-se, então, uma onda de intervenções nas organizações: reengenharia,
downsizing, qualidade total, apenas para citar as tentativas mais conhecidas. As estruturas e os
processos organizacionais ideais passaram a ser aqueles que criavam a “organização flexível”
(Tachizawa e Scaico, 1997). Ao mesmo tempo, as habilidades tradicionalmente requeridas no
ambiente de trabalho mudaram de escopo; espera-se que todos dentro da organização
desenvolvam habilidades conceituais: aquelas que permitam enxergar o todo.
Enquanto o taylorismo e o fordismo edificaram organizações de trabalho autoritárias,
as inovações organizacionais subverteram esse modelo trazendo formas mais participativas,
integradas, grupais, descentralizadas, autônomas, envolventes e flexíveis (Machado, 1994).
Surgem, assim, os trabalhadores do conhecimento (Drucker, 1995 a; b); as exigências saem
do escopo do saber como fazer para saber por que fazer. A formação profissional passa,
então, do simples adestramento, - treinamento para a operação -, para o desenvolvimento
sistemático de habilidades reunidas sob o nome genérico de “competências”. Nesse momento
muda o escopo da qualificação profissional (Hirata, 1994, Machado, 1994).
A temática do trabalho e sua relação com a educação tem sido objeto da reflexão de
educadores, sociólogos e outros profissionais da área de ciências sociais sob os mais diversos
enfoques e encaminhamentos teóricos (Perrota, 1995; Salm, 1994). Assim, instigante se faz
contribuir para as discussões a respeito da formação do trabalhador do conhecimento à luz da
realidade brasileira no contexto da área de Administração. Esse é o objetivo deste trabalho.
Para tanto, a exploração da problemática privilegiará dois eixos temáticos:
Competência e qualificação profissional;
Avanços tecnológicos e mudança no mundo trabalho.
Com esse pano de fundo, buscar-se-á investigar se os futuros administradores
percebem as exigências/habilidades postas aos profissionais pelas maiores empresas do
mundo como inerentes ao seu desempenho profissional, bem como se a universidade está
contribuindo para o desenvolvimento das referidas habilidades.
3
1. Metodologia
Em um momento em que também se discute o fim dos empregos (Rifkin, 1995,
Bridges, 1995), bem como se ainda faz sentido pensar em carreiras (Chanlat, 1995, 1996) face
às condições do atual mercado de trabalho, uma pesquisa efetivada pela Creative Education
Foundation e divulgada no Jornal do Brasil de 17 de janeiro do corrente ano aponta as
habilidades requeridas pelas 500 maiores empresas do mundo por ordem de importância: São
elas:
Trabalho em equipe
Solução de problemas
Habilidades interpessoais
Comunicação oral
Saber ouvir
Desenvolvimento profissional e pessoal
Pensamento criativo
Liderança
Motivação para objetivos e metas
Redação própria
Desenvolvimento organizacional
Computação
Muita leitura
Entendeu-se que para alcançar os objetivos de investigar até que ponto o(a) nosso(a)
estudante percebe esses atributos como sendo relevantes ao seu desempenho profissional, bem
como se ele(a) sente a universidade contribuindo para essa formação, algumas delimitações
seriam necessárias:
a) Em primeiro lugar, a pesquisa restringiu-se à percepção dos alunos matriculados
no Curso de Administração de uma Universidade do Rio de Janeiro, reconhecida
no meio acadêmico e pelo público em geral, como uma instituição de excelência
no ensino de 3° grau.
b) Em segundo lugar, a pesquisa concentrou-se em uma amostra de cerca de 17% dos
alunos matriculados desconsiderando-se aqueles inscritos no primeiro semestre. O
tratamento estatístico procurou investigar se haveria diferenças significativas entre
os estágios intermediários e avançados do curso de Administração da instituição de
ensino escolhida. Como estágio intermediário considerou-se o intervalo do
segundo ao quarto período – categoria calouros - e avançado do quinto ao nono –
categoria veteranos.
c) Em terceiro lugar, consideram-se como habilidades demandadas pelo mercado de
trabalho aquelas reveladas pela pesquisa Creative Education Foundation
enumeradas no parágrafo acima, acrescentando-se a variável aprender a aprender.
As habilidades foram dispostas na forma de afirmações a serem avaliadas pelos
alunos compondo o questionário anexo.
4
2. Competência e qualificação profissional
É evidente que as rupturas que têm caracterizado a realidade dos últimos
tempos não significam mudança no paradigma que a fundamenta. Sendo
assim, é a ordem capitalista que continua vigorando. Todavia, como uma
dinâmica que é produzida dialeticamente – num movimento que envolve
conflito e contradição, conservadorismo, inovação e transformação – esse
sistema dispõe, também, de espaços para a construção da cidadania ao se
instaurar a competência, mesmo se é uma demanda produzida principalmente
pelo capital para atender às necessidades do mundo do trabalho (Desaulniers
1997, p.55).
A polivalência, a tendência à substituição do trabalho manual por manejo de
informações simbólicas, a delegação de responsabilidades, a retomada de um certo controle
do processo de trabalho pelos operários, a dissipação de tarefas fragmentadas e
preestabelecidas e a aparição de novas atividades mais gerais como a otimização de sistemas e
a prevenção de problemas são as características mais citadas na identificação de um conjunto
daquelas características que definiriam a qualificação em sistemas produtivos automatizados.
Contudo, o problema de imprecisão conceitual dificulta a possibilidade de avaliar “o conjunto
das transformações da qualificação” tornando difícil a comparação entre os resultados
empíricos à falta de indicadores Castillo (1997).
Desaulniers (1997) colabora para essa reflexão quando destaca que, além de se
questionar a pertinência do conjunto de competências conforme enunciados nos países
centrais à realidade brasileira, deve-se prestar a devida atenção ao deslocamento das noções
de competência que hoje se articula. Longe de representar um “mero preciosismo”, a
preocupação com o conteúdo/sentido dos termos se justifica para Desaulniers (1997) pois eles
representam uma categoria de pensamento que exprimem o tempo comum de um grupo.
Portanto, os termos são indispensáveis à comunicação e à coordenação das atividades de seus
membros. Percebemos nas últimas décadas, junto à esfera do trabalho a qualificação sendo
substituída pela noção de competência e na esfera educativa, a instauração de saberes sendo
englobada pela construção de competência (p.53).
A título de ilustração encontramos a proposição de Sveiby (1998) que, a fim de
simplificar a noção de conhecimento aplicado ao trabalho em organizações, sugere o termo
competência pois, “como a palavra conhecimento é uma noção com tantas conotações, seu
uso normalmente não é prático” (p.42). Sveiby (1998) entende que a competência de um
indivíduo consiste em cinco elementos mutuamente dependentes:
Conhecimento explícito: envolve o conhecimento dos fatos. É adquirido
principalmente através da informação quase sempre pela educação formal.
Habilidade: a arte de “saber fazer” envolve uma proficiência prática – física e
mental. É adquirida sobretudo por treinamento e prática. Inclui o conhecimento de
regras e procedimentos e habilidades de comunicação.
Experiência: adquirida principalmente pela reflexão sobre erros e sucessos
passados.
Julgamento de valor: percepções do que o indivíduo acredita estar certo. Agem
como filtros conscientes e inconscientes para o processo de saber1 de cada
indivíduo.
Rede social: formada pelas relações do indivíduo com outros seres humanos dentro
de um ambiente e uma cultura transmitidos pela tradição.
1
Sveiby (1998) inspira-se em Michael Polanyi.
5
Por outro lado, quando trabalha as categorias formação, qualificação e competência
Desaulniers (1997) ensina que de acordo com vários estudos e pesquisas produzidos nos
países desenvolvidos:
A formação é entendida como um processo que freqüentemente insere-se num
sistema formal de escolarização objetivando preparar os indivíduos para o mercado
de trabalho.
A qualificação realizando-se também em processos de formação está sempre
relacionada com “um sistema de exigências, ligando ao emprego e às aquisições
individuais, oriundas da experiência (obtida no/pelo) e da formação”.2
A
competência
“relaciona-se
com
a
capacidade
de
mobilizar
conhecimentos/saberes junto aos postos de trabalho, os quais são adquiridos
através da formação, da qualificação e da experiência social. Essa noção baseia-se,
fundamentalmente, nos resultados”.3
Lembra Desaulniers (1997) que “atualmente, com a globalização da economia, o
desenvolvimento de todas as capacidades do trabalhador como um ser integral constitui-se
numa das condições ao avanço dessa nova ordem social” (p.54). Sveiby (1988) reforça essa
afirmativa quando assevera que em grande parte, a competência depende do ambiente valendo
especialmente para os componentes empíricos da rede social da competência. Vejamos as
considerações de Sveiby (1988) a esse respeito:
Se uma pessoa se muda para um novo ambiente, ela perde competência. Por
exemplo, quando uma usina siderúrgica fecha, aqueles que trabalhavam no
forno e eram competentes no antigo ambiente perdem as relações mantidas
pela organização da fábrica. A menos que encontrem uma organização
semelhante, eles não podem usar sua competência. Quando a ética profissional
é forte – como nas culturas às quais pertence a maioria das pessoas – esses
trabalhadores se sentem destituídos de valor próprio e perdem a autoestima.(p.43)
Contudo, há que se concordar com Desaulniers (1997) quando ela afirma que a
realidade dos países periféricos representa um duplo desafio: “ampliar as ações voltadas à
qualificação que, ao mesmo tempo, contemplem os pressupostos que configuram a que visa
instaurar a competência junto aos seus formandos. Essa nova forma de formar o trabalhador
não se faria sem rupturas estando o êxito desse empreendimento associado parcialmente à
“compreensão relativa ao significado de qualificação e competência, com expressões que
condensam diferentes aspectos da sociedade atual”. Nas suas palavras:
É certo que a construção da competência baseia-se nos diversos saberes que
constituem a qualificação. Todavia, mesmo com a multiqualificação, não está
assegurado o desempenho profissional que o mundo do trabalho vem exigindo,
o qual se traduz pela competência e não pela qualificação ou
multiqualificação (Desaulniers 1997, p.55).
Por outro lado, a competência aqui referida é individual. Esse conceito é diferente do
uso genérico do termo em teoria e estratégias organizacionais. Os teóricos das organizações
definem competência como uma característica organizacional, como o elo entre o
2
Cita Claude Dubar em La qualificacion à tarves les journées de Nantes. In: Revue de Sociologie du Travail.
Explica que esses comentários referem-se principalmente às idéias de Stroobants desenvolvidas em várias
obras.
3
6
conhecimento e estratégia, como a capacidade que uma organização tem de agir em relação a
outras (Sveiby 1998, p.43).
Preocupada em sugerir alguns indicadores para operacionalizar as habilidades que
configuram a construção de competências, Desaulniers (1997) menciona alguns
procedimentos de cunho pedagógico necessários:
Definir, o mais precisamente possível, o perfil do profissional a ser formado, que
envolva o conjunto de suas dimensões como um ser integral.
Instaurar estratégias de aprendizagem que se vinculam ao conjunto de
conhecimentos já acumulados pelo formando, a partir de situações-problema a
serem resolvidas por ele.4
Articular teoria e prática, o que supõe uma revisão do senso comum sobre a
relação entre conhecimento científico e prática. Essa postura repousa na idéia de
que os conhecimentos não se apoiam só nos saberes disciplinares, e menos ainda,
nos conhecimentos técnicos.
Propor uma dinâmica que envolva as qualidades humanas, a formação técnicocientífica com instrumentos especializados confiáveis, devidamente ratificados
pela ciência, a qual desempenha um papel decisivo/fundamental no
desenvolvimento da competência.
Priorizar as propostas educativas de cunho interdisciplinar, com o intuito de
instaurar uma visão mais globalizante do real, que seja capaz de combater a da
fragmentação.
Insistir em relações baseadas na interação e flexibilidade entre os vários agentes
que atuam na construção desse processo.
Resume Desaulniers (1997) que a construção de competências implica planejar
situações desafiadoras a ponto de produzirem:
um estado, um clima de instigação/investigação junto ao formando; que as
ações pedagógicas sustentem-se em problemáticas que contenham/
desvelem/impliquem, tenham outras problemáticas nelas imbricadas, capazes
de despertar o contínuo interesse do formando pela descoberta, pelo novo,
pelo inusitado. Ou seja, pela busca de maior compreensão sobre a
complexidade que constitui o real e, assim, tenha condições de interagir com
ele com mais eficácia: com competência, como trabalhador e cidadão.
(Desaulniers 1997, p.55).
Esse conjunto de competências, se devidamente construídos, ajudariam a formar
empresas imbuídas com o sentido de responsabilidade social. Uma decorrência: o
fortalecimento do sentido de cidadania.
4
Desaulniers (1997) acredita que assim é possível desafiar o formando a aplicar de forma mais articulada
possível, todos os inúmeros saberes que ele dispõe até o momento.
7
3. Avanços tecnológicos e mudanças no mundo do trabalho
... o operário de fábrica – nu da cintura para cima, o dorso heróico
avermelhado pela luz infernal do alto-forno – está se tornado um artefato de
uma era passada, cuidadosamente preservado em murais. Hoje, é provável que
ele trabalhe em um ambiente com ar condicionado, observando um conjunto
de telas e botões, saindo de tempos em tempos para visitar os robôs sob seu
comando ou para presenciar uma reunião onde ele e os colegas apresentam
histogramas, gráficos de Pareto, diagramas de espinha de peixe e outras
ferramentas de análise estatística a fim de verificar que novas formas podem
encontrar para reduzir o tempo e os desperdícios no processo de produção.
(Stewart 1998, p.39).
A intensificação da competição entre as organizações, levou à necessidade de rápida
incorporação do desenvolvimento tecnológico ao processo produtivo. A fusão da ciência com
a produção possibilitou a aceleração na implementação de inovações tecnológicas à produção
e a diminuição do ciclo de vida dos produtos. Essa fusão - uma das características do novo
modelo, que se organiza sobre uma nova base técnica, eletroeletrônica, em substituição à
eletromecânica que permeou o fordismo – permitiu o aumento da produtividade por
trabalhador e uma redução no custo final do produto. Como resultado, observam-se mudanças
organizacionais e no processo de trabalho (Machado, 1994; Assis, 1994.).
Machado (1994) ensina que devido à pressão da concorrência surge um novo tipo de
gestão do processo produtivo: orientado por uma sistemática racionalização de custos e de
busca de maior produtividade. A “flexibilização de recursos humanos” defendida por
Tachizawa e Scaico (1997) ilustra a organização do processo de trabalho que:
(...) baseada na automação, restabelece, sob novas bases, princípios utilizados
pela organização clássica anterior, como a implementação do fluxo contínuo
da produção, com a introdução de uma racionalidade sistêmica, e o
fracionamento do trabalho, com a atribuição a grupos pequenos da
responsabilidade por tarefas específicas (Machado, 1994:p.174)
No modelo atual necessita-se de um profissional multiqualificado, capaz de atuar
cognitivamente, em contraste com o trabalhador fordista, que tinha como uma de suas
características principais a especialização (ver quadro 1). O novo perfil demanda um
trabalhador cuja formação privilegie o raciocínio lógico, a abstração, o aprender a aprender
em detrimento do aprender a fazer (Hirata 1994; Machado, 1994; Drucker, 1995 a;b; Harvey,
1995).
é preciso distinguir entre trabalhador multifuncional e trabalhador
multiqualificado: enquanto o primeiro se caracteriza por operar mais de uma
máquina com características semelhantes – o que pouco acrescenta em termos
de desenvolvimento e qualificação profissional – o segundo desenvolve e
incorpora diferentes habilidades e repertórios profissionais. Trata-se,
portanto, de duas visões sobre o trabalho: uma aditiva...(visando geralmente
a intensificação do trabalho); e outra, integrativa...(Salerno, 1994:p.59).
A necessidade por profissionais polivalentes, levou as organizações a optarem pelo
modelo de equipes de trabalho, que viabiliza a integração de profissionais de várias áreas
direcionados a objetivos (Assis, 1994:p.196). Essas equipes podem ser inter, multi,
transdiciplinares dependendo de sua meta e geralmente tem como traço comum a
8
temporalidade. O conhecimento e a criatividade de uma força de trabalho responsável e
criativa constituem uma contribuição bem-vinda na busca da eficiência, da qualidade e da
inovação (Carvalho, 1994:p.101)
Machado (1994) lembra que no trabalho em equipe, a semi-autonomia é regulada pelo
“tempo informático” e pelos laços de responsabilidade e motivação dos trabalhadores com a
empresa. No que diz respeito a qualificação, a autora chama a atenção para o fato de que o
êxito e a absorção de conhecimento de uma equipe pode não se transmutar em conhecimento
para outras equipes ou mesmo para todos os indivíduos que as compõem. Destaca-se, assim, o
papel do líder como catalisador do conhecimento acumulado e de disseminador desse
conhecimento.
Quadro 1 : Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível segundo Swyngedouw
Produção Fordista
Produção just-in-time
(baseada em economias de escala)
(baseada em economias de escopo)
A. PROCESSO DE PRODUÇÃO
Produção em massa, bens homogêneos
Produção em pequenos lotes
Uniformidade e padronização
Produção flexível e em pequenos lotes de
uma variedade de tipos de produto
Grandes estoques e inventários
Sem estoques
Testes de qualidade ex-post (detecção tardia
Controle de qualidade integrado ao processo
(detecção imediata de erros)
de erros e produtos defeituosos)
Produtos defeituosos ficam ocultados nos
Rejeição imediata de peças com defeito
estoques
Perda de tempo de produção por causa de
Redução do tempo perdido, reduzindo-se
longos períodos de preparo das máquinas,
“a porosidade do dia de trabalho”
pontos de estrangulamento nos estoques...
Voltada para os recursos
Voltada para a demanda
Integração vertical e (em alguns casos)
Integração (quase-) vertical subcontratação
horizontal
Redução de custos através do controle dos
Aprendizagem na prática integrada ao
salários
planejamento a longo prazo
B. TRABALHO
Realização de uma única tarefa pelo
Múltiplas tarefas
trabalhador
Pagamento pro rata (baseado em critérios da
Pagamento pessoal (sistema detalhado de
definição do emprego)
bonificações)
Alto grau de especialização de tarefas
Eliminação da demarcação de tarefas
Pouco ou nenhum treinamento no trabalho
Longo treinamento no trabalho
Organização vertical no trabalho
Organização mais horizontal no trabalho
Nenhuma experiência de aprendizagem
Aprendizagem no trabalho
Ênfase na redução de responsabilidade do
Ênfase
na
co-responsabilidade
do
trabalhador (disciplinamento da força de
trabalhador
trabalho)
Nenhuma segurança no trabalho
Grande segurança no emprego para
trabalhadores centrais (emprego perpétuo).
Nenhuma segurança no trabalho e condições
ruins para trabalhadores temporários
9
Quadro 1 : Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível segundo Swyngedouw (cont.)
Produção Fordista
(baseada em economias de escala)
Produção just-in-time
(baseada em economias de escopo)
C. ESPAÇO
Especialização espacial funcional
Agregação e aglomeração espaciais
(centralização/descentralização)
Divisão espacial do trabalho
Integração espacial
Homogeneização dos mercados regionais de
trabalho (mercados de trabalho
Diversificação do mercado de trabalho
espacialmente segmentados)
(segmentação interna do mercado de
Distribuição em escala mundial de
trabalho)
componentes e subcontratantes
Proximidade espacial de firmas
verticalmente quase integradas
D. ESTADO
Regulamentação
Desregulamentação
Rigidez
Flexibilidade
Negociação coletiva
Divisão/individualização, negociações locais
ou por empresa
Socialização do bem-estar social (o Estado
Privatização das necessidades coletivas e da
do bem-estar social)
seguridade social
Estabilidade internacional através de
Desestabilização internacional; crescentes
acordos multilaterais
tensões geopolíticas
Centralização
Descentralização e agudização da
competição inter-regional/interurbana
O Estado/cidade “subsidiador”
O Estado/cidade “empreendedor”
Intervenção indireta em mercados através de
Intervenção estatal direta em mercados
políticas de renda e de preços
através de aquisição
Políticas regionais nacionais
Políticas regionais “territoriais” (na forma
de uma terceira parte)
Pesquisa e desenvolvimento financiados
Pesquisa e desenvolvimento financiados
pelas firmas
pelo Estado
Inovação liderada pela indústria
Inovação liderada pelo Estado
E.IDEOLOGIA
Consumo de massa de bens duráveis: a
Consumo individualizado: cultura “yuppie”
sociedade de consumo
Pós-modernismo
Modernismo
Especificidade/adaptação
Totalidade/reforma estrutural
Individualização; a sociedade do espetáculo
Socialização
Fonte: Swyngedouw (1986) apud HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo:
Ed.Loyola, 1993.
10
4. Analisando os dados
A análise dos dados revelou que os alunos concordam em grande parte, com o fato de
que os valores demandados pelo mercado são indispensáveis ao seu desempenho profissional.
Contudo, a universidade encontra-se sistematicamente defasada em termos da contribuição à
formação das habilidades; exceção feita à variável trabalho em equipe considerada quase que
plenamente atendida. (ver tabela 1)
Tabela 1: Percepção dos alunos entre mercado e universidade
Variáveis* Mercado
AP
1,7861
CO
2
CP
1,8851
DO
1,9655
DP
2
HI
1,9827
LD
2,1149
LT
2,1329
MT
1,8538
PC
2,0289
RED
2,2586
RP
2,1387
SO
1,9368
TE
2,2644
Universidade
2,5549
2,3873
3,1092
2,8276
2,5402
2,5954
2,9138
2,5202
2,7018
2,815
2,8908
2,7572
2,6207
2,3563
Dif
-0,7688
-0,3873
-1,2241
-0,8621
-0,5402
-0,6127
-0,7989
-0,3873
-0,848
-0,7861
-0,6322
-0,6185
-0,6839
-0,0919
t*
-6,45
-3,174
-8,155
-6,752
-4,462
-5,103
-6,578
-3,111
-6,924
-6,672
-5,168
-5,093
-5,6646
-870
Desdobrando-se a amostra entre calouros - alunos do segundo ao quarto período – e
veteranos, - alunos do quinto ao último período -, constata-se que os calouros percebem com
mais intensidade a diferença entre o que o mercado demanda e o que a universidade fornece.
Para os veteranos a diferença maior se dá na variável computação. (ver tabelas 2 e 3)
Tabela 2: Percepção dos calouros
Variáveis* Mercado
AP
1,6111
CO
1,7865
CP
1,7111
DO
1,8
DP
1,8111
HI
1,7753
LD
1,9556
LT
1,8539
MT
1,6517
PC
1,7865
RED
2,1556
RP
1,9663
SO
1,6556
TE
2,1444
*
*
Universidade
2,4444
2,2921
2,9667
2,7556
2,3889
2,3933
2,8889
2,3596
2,6629
1,2745
2,9778
2,5955
2,5111
2,1667
Dif
-0,8333
-0,5056
-1,2556
-0,9556
-0,5778
-0,618
-0,9333
-0,5057
-1,0112
0,512
-0,8222
-0,6292
-0,8555
-0,0223
Teste T aplicado usando um intervalo de confiança de 95%.
idem
t*
-5,712
-3,513
-6,33
-5,094
-3,621
-3,999
-5,465
-2,988
-6,22
-6,43
-4,681
-4,011
-5,454
-0,151
11
Tabela 3: Percepção dos Veteranos
Variáveis* Mercado
AP
1,871
CO
2,1111
CP
2,0159
DO
2,0476
DP
2,0476
HI
2,1429
LD
2,1746
LT
2,3492
MT
2,0328
PC
2,1587
RED
2,2063
RP
2,2857
SO
2,1905
TE
2,3016
Universidade
2,7097
2,4921
3,4444
2,8889
2,6984
2,8095
3,0476
2,6825
2,7869
2,9048
2,6825
2,9524
2,7302
2,5079
(*)Definição das variáveis
AP = aprender a aprender
CO = comunicação oral
CP = computação
DO = visão de empreendedor
HI = habilidades interpessoais
LT = leitura
LD = liderança
MT = motivação para objetivos e metas
PC = pensamento criativo
RED = redação própria
RP = resolução de problemas
SO = saber ouvir
TE = trabalho em equipe
*
idem
Dif
-0,8387
-0,381
-1,4285
-0,8413
-0,6508
-0,6666
-0,873
-0,3333
-0,7541
-0,7461
-0,4762
-0,6667
-0,5397
-0,2063
t*
3,608
1,723
5,36
3,851
3,154
2,903
4,3
1,503
3,446
3,598
2,37
2,991
2,424
1,176
12
5. A título de conclusão
Conforme enunciado, o objetivo deste trabalho era o de contribuir para os debates em
torno da capacitação profissional no contexto da área de Administração. Para tanto, realizouse uma pesquisa entre os alunos de um centro de ensino de Administração reconhecido pelo
seu grau de excelência tanto pela comunidade acadêmica como pelo mercado de trabalho. Os
resultados indicaram que os alunos concordam em grande parte com o fato de que as
habilidades colocadas pelo mercado de trabalho são indispensáveis para o seu desempenho
profissional.
No que se refere à contribuição da universidade para a formação profissional, os
alunos, a despeito de concordarem que ela está presente para a maioria dos ítens, consideram
que ela se dá em uma escala menor do que a demanda do mercado. Na opinião dos alunos,
existe um hiato entre a demanda do mercado e a formação obtida na universidade. Essa
percepção se ameniza quando se considera o extrato dos alunos veteranos. Uma possível
interpretação para esse fato é a de que, mais experientes, e em contato com a realidade do
mercado, os veteranos têm as suas expectativas reduzidas. Investigar se essa realidade se deve
às atuais circunstâncias do mercado de trabalho ou se ocorre uma certa redução de
expectativas conforme o tempo de formação se passa, pode se tornar um objetivo de um outro
estudo.
As discussões em torno da responsabilidade sobre a formação profissional
recrudescem e podem ser observados diferentes pontos de vista a este respeito. Enquanto os
defensores da empregabilidade (Bridges, 1995) transferem a responsabilidade pelo
desenvolvimento de sua própria carreira para o indivíduo, outros contestam essa idéia.
Inúmeras são as controvérsias a respeito do serviço da educação ao mercado de trabalho.
Inegável, porém, é a constatação de que a sociedade atual, caracterizada pela multiplicidade
de organizações, elegeu o trabalho como o espaço de atuação e de afirmação do indivíduo,
estando a escola na condição de porta de entrada para esse mundo. Mundo de concretização
das habilidades individuais que, transformadas em produtos e serviços, afetam a sociedade de
uma forma geral permanecendo o trabalho como uma “prerrogativa humana” (Saviani, 1994).
Cabe, contudo, refletir sobre até que ponto as habilidades investigadas neste estudo demandadas pelas maiores empresas do mundo - , são aquelas necessárias às empresas
brasileiras. Em outras palavras, se uma competência é construída dentro de um determinado
contexto faz sentido em se falar em competências universais? Oportuno se faz determinar o
conjunto de competências que, compatíveis com a nossa realidade, ajude a construir a nossa
autonomia, respeitando a nossa singularidade.
13
Anexo 1: Questionário aplicado
Através deste questionário procuraremos avaliar até que ponto os estudantes de
Administração entendem as habilidades demandadas pelo atual mercado de trabalho.
Esperamos, também, avaliar a sua expectativa/percepção a respeito da contribuição do curso
de graduação à sua formação profissional. Você encontrará a seguir 28 afirmativas podendo
concordar ou discordar em diferentes graus. Não existe resposta certa nem errada. Sua
opinião é que conta. Ela pode ser (e provavelmente será) diferente do seu colega ao lado.
Para cada questão, você encontrará uma escala que vai de 1 até 5, onde 1 e 5 são situações
extremas. A idéia é mensurar a importância de cada habilidade em termos do que você
considera importante para o seu desempenho profissional julgando também, o seu curso
universitário.
Escalas:
1- Concordo plenamente
2- Concordo em grande parte
3- Não concordo nem discordo
4- Discordo em grande parte
5- Discordo totalmente.
Sexo: F M
Ingresso: ___
Curso: Noturno
Diurno
Agradecemos a sua colaboração.
1. O trabalho em equipe é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
2. A universidade está contribuindo plenamente para aprendizagem do trabalho em equipe.
1
2
3
4
5
3. A resolução de problemas é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
4. A universidade está contribuindo plenamente para a resolução de problemas.
1
2
3
4
5
5. Desenvolver habilidades interpessoais é totalmente indispensável ao meu desempenho
profissional.
1
2
3
4
5
6. A universidade está contribuindo plenamente para o desenvolvimento de habilidades
interpessoais.
1
2
3
4
5
7. A comunicação oral é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
8. A universidade está contribuindo plenamente para o desenvolvimento da comunicação
oral.
1
2
3
4
5
9. Saber ouvir é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
10. A universidade está contribuindo plenamente para eu saber ouvir.
1
2
3
4
5
14
11. O desenvolvimento profissional e pessoal é totalmente indispensável ao meu desempenho
profissional.
1
2
3
4
5
12. A universidade está contribuindo plenamente para o meu desenvolvimento profissional e
pessoal.
1
2
3
4
5
13. Pensamento criativo é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
14. A universidade está contribuindo plenamente para o meu desenvolvimento do pensamento
criativo.
1
2
3
4
5
15. Liderança é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
16. A universidade está contribuindo plenamente para desenvolvimento da minha liderança.
1
2
3
4
5
17. Motivação para objetivos e metas é totalmente indispensável ao meu desempenho
profissional.
1
2
3
4
5
18. A universidade está contribuindo plenamente para a minha motivação para objetivos e
metas.
1
2
3
4
5
19. Redação própria é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
20. A universidade está contribuindo plenamente para a minha redação própria.
1
2
3
4
5
21. Computação é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
22. A universidade está contribuindo plenamente para o meu conhecimento em computação.
1
2
3
4
5
23. Muita leitura é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
24. A universidade está contribuindo plenamente para muita leitura.
1
2
3
4
5
25. Aprender a aprender é totalmente indispensável ao meu desempenho profissional.
1
2
3
4
5
26. A universidade está contribuindo plenamente para aprender a aprender.
1
2
3
4
5
27. Ter visão de empreendedor(a) é totalmente indispensável ao meu desempenho
profissional.
1
2
3
4
5
28. A universidade está contribuindo plenamente para eu ter visão de empreendedor(a).
1
2
3
4
5
15
Bibliografia:
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capacitação profissional do administrador: uma