PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CÂMARA ESPECIAL Apelação Nº 0398797-89.2010.8.26.0000 Voto nº 7.363 Registro: 2011.0000025386 Número de Ordem Pauta Não informado ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 039879789.2010.8.26.0000, da Comarca de Americana, em que é apelante CLOVIS ALVES sendo apelado PROMOTOR JUSTIÇA VARA INFANCIA E JUVENTUDE DE AMERICANA. ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao presente recurso, mas, de ofício, alteraram a base de cálculo da sanção pecuniária, para fixá-la em três salários de referência, a serem corrigidos à época do respectivo recolhimento, mantida no mais a sentença proferida. V. U. ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VICE PRESIDENTE (Presidente) e ENCINAS MANFRÉ. São Paulo, 28 de março de 2011. Maria Olívia Alves RELATORA Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CÂMARA ESPECIAL Apelação Nº 0398797-89.2010.8.26.0000 Voto nº 7.363 Recorrente: Clovis Alves Recorrido: Ministério Público Comarca: Vara da Infância e da Juventude de Americana APELAÇÃO Infração administrativa Descumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar - Prova suficiente nesse sentido Genitores negligentes em relação aos cuidados com os filhos Situação de abandono material e emocional constante Jovens abrigados, a pedido da genitora Acolhimento que perdurou seis anos Várias intervenções, orientações e encaminhados da equipe técnica do juízo e do Conselho Tutelar, sem sucesso Conduta, aliás, justificadora da perda do poder familiar Violação ao art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente Substituição da multa por medida de prestação de serviços à comunidade Ausência de previsão legal Alteração, de ofício, da base de cálculo da pena pecuniária - Adequação à previsão legal Não provimento do recurso. Trata-se de representação oferecida pelo Ministério Público contra Vera Lúcia Maria de Brito e Clovis Alves, aos quais foi imputada infração ao art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Conforme sentença de fls. 210/213, a representação foi julgada procedente e aplicada aos réus a sanção equivalente a três salários mínimos. Inconformado, recorre apenas o representado Clóvis e pede a inversão do julgamento. Sustenta, em síntese, que não restou comprovada a prática da infração administrativa de sua parte. Subsidiariamente, pugna pela conversão da sanção pecuniária em medida de prestação de serviços à comunidade (fls. 229/233). 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CÂMARA ESPECIAL Apelação Nº 0398797-89.2010.8.26.0000 Voto nº 7.363 Foram apresentadas contra-razões (fls. 236/240). Por fim, a digna Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido ser negado provimento ao recurso (fls. 253/256). É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e nego-lhe provimento. A prova reunida neste processo é farta a evidenciar que os recorridos descumpriram seus deveres em relação aos filhos F. e J. A situação desses jovens passou a ser acompanhada pelo Juízo da Infância e Juventude após seu acolhimento, a pedido da genitora, em 2003. Apurou-se então que os representados sempre apresentaram conduta omissiva em relação ao cumprimento de seus deveres paternos. Como consta das inúmeras avaliações técnicas, os meninos sempre viveram em situação de negligência, ou seja, sem receber atendimento em suas necessidades básicas. Junto aos pais, nunca receberam alimentação e cuidados adequados com a higiene. Não foram encaminhados para os atendimentos médicos necessários e nem mesmo para a escola. Além disso, viveram em meio a brigas e agressões físicas entre os requeridos. Após a separação do casal, foram encaminhados para um abrigo, por solicitação da genitora, sob a alegação de dificuldades financeiras para cuidar dos filhos. Contudo, nenhum dos genitores apresentou 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CÂMARA ESPECIAL Apelação Nº 0398797-89.2010.8.26.0000 Voto nº 7.363 mobilização para reassumir a responsabilidade pela criação dos filhos. Aliás, nem sequer efetuaram visitas regularmente. A genitora continuou a alegar dificuldades financeiras e sempre responsabilizou o recorrente pela situação. No entanto, teve mais três filhos, de companheiros distintos, a demonstrar sua enorme inadequação para as responsabilidades maternais. O recorrente, por sua vez, sob a alegação de ter dúvida sobre a paternidade dos infantes, também se omitiu no cumprimento de suas responsabilidades. Além disso, sempre demonstrou total descaso com a sorte dos meninos e, nas poucas visitas que efetivou, não mantinha nem sequer postura adequada na convivência com eles. As avaliações técnicas registram que tanto ele quanto a genitora não se importam com a sorte da prole e não adequados para o exercício da paternidade. As crianças permaneceram institucionalizadas, por cerca de seis anos, e só foram desacolhidas por determinação judicial, pois apesar de advertidos, orientados e auxiliados pelo Conselho Tutelar e pela equipe do Juízo da Infância e Juventude, os genitores não alteraram seu modo de vida. Ao contrário, o recorrente, durante o período de abrigamento de J. e F., como já dito, realizou visitas esporádicas e, nessas ocasiões, apresentou comportamento agressivo, além de ainda humilhar os filhos, com suas dúvidas a respeito da paternidade, que nunca cuidou de esclarecer. A prova oral também confirmou a total falta de responsabilidade dos genitores, com a prole. 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CÂMARA ESPECIAL Apelação Nº 0398797-89.2010.8.26.0000 Voto nº 7.363 E, conforme consta dos relatórios mais recentes, mesmo após o desabrigamento dos jovens, eles permanecem em situação de vulnerabilidade, pois não recebem assistência material necessária, por parte do recorrente, não apresentam freqüência escolar e ficam sem receber cuidados médicos e de alimentação adequados na residência materna (fls. 166/168). Como se vê, a prova é farta a evidenciar que os genitores sempre foram negligentes no atendimento das necessidades básicas dos adolescentes J. F. que, desde a infância, se encontram em situação de abandono emocional e material. Os dois, aliás, poderiam e mereciam terem sido destituídos do poder familiar, há muito tempo. Agora, essa solução não parece mais útil às crianças, que a esta altura não encontrariam mais chances de serem encaminhados a uma família substituta. Diante desse contexto, não há dúvida de que os recorrentes mereciam a sanção, nos termos do artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois descumpriram reiteradamente seus deveres paternos. O art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente é claro no sentido de estabelecer que “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. E nada fazer em relação à conduta de genitores irresponsáveis em relação à prole é estimular a violação dos direitos da criança e do adolescente por aqueles que têm o dever de justamente os proteger. Portanto, era de rigor a procedência da representação, 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CÂMARA ESPECIAL Apelação Nº 0398797-89.2010.8.26.0000 Voto nº 7.363 como bem decidiu o ilustre magistrado sentenciante. Incabível, outrossim, a substituição da sanção pecuniária por medida de prestação de serviços à comunidade, como pleiteado pelo recorrente, por ausência de previsão legal. A sentença deve ser alterada apenas no tocante à base de cálculo da multa. É que, conforme o mencionado art. 249, ela deveria ter sido fixada com base no salário de referência. A extinção desse parâmetro não pode justificar a alteração da lei, pelo julgador. No caso, a solução mais adequada é a determinação da atualização da multa, arbitrada em salários de referência, na época do seu recolhimento. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao presente recurso, mas, de ofício, altero a base de cálculo da sanção pecuniária, para fixá-la em três salários de referência, a serem corrigidos à época do respectivo recolhimento, mantida no mais a sentença proferida. MARIA OLÍVIA ALVES Relatora 6