Produção de conhecimento e transformação:
o papel da extensão universitária
Projeto Quilombos de São Francisco: Produção de conhecimento e
transformação em comunidades quilombolas do Norte de Minas Gerais.
Jessica Paula Carvalho Gandra1
Maria da Conceição Meireles Gouvea2
Neila Maralise Meireles3
Marilene Gomes Durães4
Pedro Augusto Xavier de Assis5
Resumo
O presente artigo resulta da experiência extensionista no Projeto ―Quilombos de São
Francisco‖ da PUC Minas em Contagem, que tem por objetivo identificar as
potencialidades das comunidades quilombolas ―Buriti do Meio‖ e ―Bom Jardim da
Prata‖ localizadas na cidade de São Francisco/MG e transformá-las em
desenvolvimento econômico e social. Os resultados alcançados demonstram a
importância da extensão universitária como fonte de formação do corpo discente e
docente e potencial fator de transformação da realidade local. O artigo relata as
demandas das comunidades quilombolas e a intervenção do projeto extensionista,
através de pesquisa de campo, demonstrando como o saber teórico aliado à prática
contribui para produção de conhecimento e transforma a comunidade e a si mesma.
As demandas surgidas durante a pesquisa de campo foram apresentadas e
discutidas no ―I Seminário Quilombos de São Francisco: Direitos Quilombolas‖ por
1
Acadêmica do Curso de Serviço Social da PUC Minas em Contagem. [email protected].
Assistente Social e Professora do Curso de Serviço Social da PUC Minas.
[email protected].
3
Acadêmica do Curso de Serviço Social da PUC Minas em Contagem. [email protected].
4
Advogada e Professora do Curso de Direito da PUC Minas. [email protected].
5
Administrador de Empresa e Professor da PUC Minas. [email protected]
2
representantes do poder público municipal, pelas lideranças comunitárias e diversos
seguimentos da sociedade civil, que buscaram juntos, norteados pelo Estatuto da
Igualdade Racial, Lei 12.288, de 20 de Julho de 2010, soluções nas áreas da saúde,
educação, cultura, esporte, lazer e moradia para as comunidades quilombolas do
município.
Palavras-chave: Comunidades Quilombolas. Extensão Universitária. Direitos
Quilombolas. Estatuto da Igualdade Racial.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo resulta da experiência extensionista no Projeto ―Quilombos
de São Francisco‖ da PUC Minas em Contagem/MG que foi aprovado pela primeira
vez em 2009, ano em que se dedicou a conhecer melhor a realidade e necessidades
das comunidades quilombolas do Norte de Minas Gerais.
Novamente aprovado nos anos de 2010, 2011 e 2012, o projeto permitiu o
desenvolvimento de um trabalho contínuo e sistemático, focado no apoio às políticas
públicas de assistência social e no assessoramento e planejamento das associações
quilombolas.
O Projeto ―Quilombos de São Francisco‖ tem por objetivo identificar as
potencialidades das comunidades quilombolas de São Francisco, ―Bom Jardim da
Prata‖ e ―Buriti do Meio‖ e transformá-las em desenvolvimento econômico e social.
Os resultados já alcançados tiveram como principais parceiros as associações
quilombolas e a Prefeitura Municipal de São Francisco, em especial a Secretaria de
Assistência Social. Os trabalhos são desenvolvidos no município de São Francisco,
norte de Minas Gerais, cidade margeada pelo Rio São Francisco que recebeu esse
nome em sua homenagem. Majestoso e caudaloso o rio transpõe o sertão e serve
não só de fonte de renda para inúmeros de seus habitantes, mas também de base
histórica para compreender a formação dos quilombos da região.
A experiência acumulada pelo corpo docente e discente nos anos de atuação
do Projeto nas comunidades quilombolas onde o mesmo é executado, justifica a
presente pesquisa cujo objetivo principal é propor uma reflexão sobre a importância
da prática extensionista na formação do aluno e na transformação da realidade local
alcançada pelas ações da extensão universitária. Para tanto, necessário se faz
buscar um suporte legal e teórico para dialogar com as ações práticas realizadas no
Município.
2 O PAPEL DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO FORMA DE PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO E TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE.
A Constituição da República Federativa do Brasil em seu art. 207 dispõe que
―as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão‖. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Lei nº 9394/96 ao tratar da educação superior, estabelece em seu capítulo IV o
seguinte:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
(...)
IV - Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e
técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber
através do ensino, de publicações e de outras formas de comunicação.
VI – Estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em
particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à
comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade.
VII – Promover a extensão, aberta à participação da população,
visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação
cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição
(grifo nosso). (BRASIL,1996).
A Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, cumprindo
as exigências legais desenvolveu e vem implementando a sua ―Política de
Extensão‖, concebendo-a como um excelente meio de solidificar o conhecimento
adquirido ao propor uma interação com a sociedade de tal forma que ao atuar sobre
esta, desencadeia uma série de reflexões que contribuem para aprimorar a tríade
universitária composta pelo ensino, pesquisa e extensão, senão vejamos:
Na perspectiva de democratizar o conhecimento produzido, a extensão
consolida-se como um dos meios que permite ampliar os canais de
interlocução com os segmentos externos à universidade. Simultaneamente,
o contato com a sociedade retroalimenta o ensino e a pesquisa e a própria
extensão, contribuindo para o desenvolvimento de novos conhecimentos
científicos. (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS,
2006)
Tomando como parâmetro os textos legais, bem como a própria Política de
Extensão da PUC/Minas supracitados impõe-se analisar como o Projeto ―Quilombos
de São Francisco‖ vem cumprindo o importante papel da extensão universitária
impactando a produção de conhecimento e transformando a sociedade e a própria
Universidade através das mudanças provocadas no corpo docente e discente.
2.1 A Contribuição do projeto Quilombos de São Francisco para a autonomia e
autoafirmação das comunidades quilombolas.
O
Projeto
Quilombos
São
Francisco
sempre
buscou
identificar
as
potencialidades das comunidades quilombolas e transformá-las em crescimento e
desenvolvimento. Os primeiro passos em 2009 foram centrados em conhecer a
comunidade e buscar nas lideranças dos quilombos e na prefeitura pessoas que
possuíssem um perfil empreendedor, que pudessem transformar o ambiente e com
o apoio do projeto criar novas oportunidades para todos.
O empreendedor é um insatisfeito que transforma seu inconformismo em
descobertas e propostas positivas para si mesmo e para os outros. É
alguém que prefere seguir caminhos não percorridos, que define a partir do
indefinido, acredita que seus atos podem gerar consequências.
(DOLABELA, 2006)
Percebeu-se desde o primeiro momento que as comunidades quilombolas
tinham vocação para o trabalho cooperado, uma das características mais
importantes para a formação de uma socioeconomia solidária, descrita por Neto
(2002) como uma comunidade forte e atuante. Gente simples agindo como
empreendedor. Singer (2000) afirma que esta economia é aquela que segue o
caminho da cooperatividade em vez da competitividade, da eficiência sistêmica em
vez de eficiência apenas individual, do ‗um por todos, todos por um‘ em vez do ‗cada
um por si em Deus só por mim‘.
Frente a esta nova economia se faz necessário um líder preparado para
transformar a realidade social. Neto (2002) defende que não é qualquer um que
pode ser um empreendedor social. O empreendedorismo social é um misto de
ciência e arte, racionalidade e intuição, ideia e visão, sensibilidade social e
pragmatismo responsável, utopia e realidade, força inovadora e praticidade.
O empreendedor social deve ser alguém que gosta de, e que sabe, ―pensar
social‖, subordina o econômico ao humano, o individual ao coletivo e que
carrega consigo um grande ―sonho de transformação da realidade atual‖.
(NETO, 2002)
Nesse sentido foram realizadas várias reuniões com as associações
comunitárias, prefeitura, secretarias municipais e outros setores representativos do
poder publico local a fim não só de se conhecer e levantar os trabalhos já realizados
no município cujo objetivo estivesse relacionado com o desenvolvimento das
comunidades
quilombolas,
mas
também
identificar
os
atores,
possíveis
empreendedores, que estiveram à frente das ações.
Dentre os principais resultados alcançados em 2009 pode ser evidenciada a
identificação de alguns potenciais empreendedores sociais que poderiam ajudar o
Projeto Quilombos de São Francisco a alcançar os seus objetivos nos próximos
anos. Eram líderes que como descrito por Neto (2002) possuíam um forte desejo de
ajudar as pessoas, desenvolver a sociedade, criar coletividade, vê-las crescerem e
fortalecerem-se para nelas implementar ações autossustentáveis que lhes
garantissem o sustento e a melhoria contínua do seu bem-estar.
Como primeiro trabalho conjunto com estas lideranças locais identificadas,
após várias análises principalmente junto à Secretaria de Cultura, foi traçar dois
objetivos centrais: criar um espaço para apresentar à sociedade a história e cultura
do município de São Francisco e promover eventos culturais que permitissem
apresentar a riqueza do patrimônio cultural quilombola, integrando-a com a
comunidade urbana.
2.1.1 Promoção e divulgação dos conhecimentos culturais
Com o intuito de promover e divulgar a rica cultura do Município foi projetada
a ―Casa de Cultura Popular‖ com o objetivo de fomentar a produção cultural local,
dando destaque a ―pesca‖ e aos ―quilombos‖. O projeto arquitetônico foi idealizado
por discentes do curso de arquitetura da PUC Minas que planejou adequar e
reformar um casarão no centro histórico da cidade. O casarão foi doado ao
Município por uma família tradicional da cidade, sendo que o processo de
negociação da doação foi discutido entre a família, a municipalidade e a equipe do
Projeto. A casa foi projetada contemplando a construção de um auditório, galeria de
arte, biblioteca e salas para oficinas de artes plásticas e cênicas. Uma sala seria
destinada a exposição da história dos quilombos de São Francisco.
Em um segundo momento, visando a divulgação da cultura quilombola, o
―Projeto Quilombos de São Francisco‖ promoveu no centro da cidade em 2010, a I
Feira de Artesanato Quilombola de São Francisco onde foi demonstrada a arte e a
cultura dos Quilombos de Buriti do Meio e Bom Jardim da Prata. Além da exposição
e feira de artesanato apresentando os vasos em cerâmica, cultura e tradição dos
moradores de Buriti do Meio, repassada de pais para filhos, foi realizada uma
exposição de fotos das comunidades em suas tradicionais festas, destacando-se as
festas de São Geraldo e de Nossa Senhora Aparecida; a folia de Bom Jesus, e a
folia-de-reis. Durante a exposição foram realizadas danças típicas como a dança da
coruja, a dança do carneiro, o maculelê e o lundu. As crianças da Comunidade
Quilombola de Bom Jardim da prata apresentaram teatro e coral, expressando a sua
realidade cotidiana. A capoeira foi um dos pontos centrais do evento no qual os
jovens de Buriti do Meio e Bom Jardim da Prata, mostraram toda a sua habilidade e
expressão cultural.
2.1.2 Promoção e divulgação de conhecimentos científicos e técnicos
O Projeto contribuiu para a promoção e divulgação de conhecimentos
científicos e técnicos com implicações na realidade do Município. Além das ações já
mencionadas, destaca-se a pesquisa realizada por discente do curso de Comércio
Exterior integrante da equipe, que em sua monografia dedicou-se a analisar e avaliar
as possibilidades de se apresentar um projeto direcionado ao FOCEM – Fundo para
a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul - com o intuito
de promover melhorias na cidade de São Francisco. O resultado da pesquisa foi
apresentado pelo discente ao Prefeito Municipal e secretários. Com base nesse
estudo monográfico a prefeitura inseriu em seu planejamento a formação de uma
equipe de trabalho para desenvolver e apresentar o Projeto ao FOCEM.
Outra importante iniciativa diz respeito às oficinas de capacitação para as
comunidades de Bom Jardim da Prata e Buriti do Meio. Estas oficinas que foram
oferecidas no ano de 2010 objetivaram conhecer habilidades e demandas das
comunidades. As oficinas de artesanato serviriam também como novas alternativas
para obtenção de renda, já que foram ensinados alguns trabalhos manuais,
principalmente fuxico6 e bijuterias, que poderiam ser feitos em casa, utilizando
materiais que tivessem disponíveis no ambiente local. Estas ações tiveram
resultados imediatos: os professores e alunos da Escola Barreira dos Índios, em
Bom Jardim da Prata, passaram a produzir bolsas de fuxico para vender e arrecadar
fundos para investirem na escola.
Ainda no primeiro semestre de 2010, aconteceram palestras que se deram
em torno de dois temas: o primeiro sobre direitos humanos e o segundo sobre
elaboração de projetos. Nas palestras confrontou-se os direitos e garantias
fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
o Sistema Único de Assistência Social - SUAS - enquanto consolidação da conquista
de direitos fundamentais, e as dimensões de criatividade e método na elaboração de
projetos. Segundo relato dos próprios participantes do curso, em São Francisco
existia um déficit de formação e atualização profissional sobre os assuntos
abordados, que atingiam os técnicos da rede sócio-assistencial do Município. Por
6
Artesanato feito de pano para enfeitar, que pode ser usado em roupas, almofadas e objetos em
geral.
este motivo, e a partir da solicitação dos próprios participantes, firmou-se o
compromisso de se elaborar um Curso de Extensão da PUC Minas dando maior
profundidade e continuidade aos temas citados.
Deste modo, no segundo semestre de 2010, o projeto priorizou incluir em
suas ações a formação dos assistentes sociais da cidade de São Francisco,
contando com a presença dos técnicos do Centro de Referência da Assistência
Social7 – CRAS - local, de trabalhadores da Secretaria de Assistência Social e
outros profissionais que atuam na área social, tais como professores e historiadores.
A estratégia era aumentar a abrangência das ações do projeto junto aos quilombos
através dos assistentes sociais e técnicos do município.
Para alcançar os objetivos foi desenvolvido um Curso de Extensão dentro da
metodologia da PUC Minas, com foco na ―Elaboração de Projetos Sociais‖. O curso
foi elaborado por cinco alunos do curso de Serviço Social, que orientados pelos
professores foi ministrado para 30 profissionais, com a duração de trinta horas. Para
o desenvolvimento do curso foi elaborado um material didático que incluía apostilas,
CDs com base de dados e exemplos de projetos sociais. O programa do curso
apresentou
um
projeto
social
de
forma
assim
estruturada:
diagnóstico,
caracterização, justificativa, público alvo, metas, metodologia, cronograma de
atividades, plano de investimentos, monitoramento e avaliação de resultados. A
metodologia utilizada teve como objetivo transformar a teoria em prática durante a
execução do curso. Ao final dos trabalhos os técnicos e assistentes sociais do
município teriam pré-projetos reais que poderiam ser transformados em projeto,
dependendo apenas da captação de recursos para a sua implementação.
Paralelamente aos trabalhos com os Assistentes Sociais e demais técnicos do
Município, em parceria com o SEBRAE, a sua Escola Técnica de Formação
Gerencial de Belo Horizonte MG promoveu junto à comunidade vários cursos na
área de Empreendedorismo. O objetivo foi fomentar o desenvolvimento a partir da
formação empreendedora dos membros da associação e também da população.
Vários cursos tiveram como objetivo capacitar os líderes comunitários para que
pudessem atuar como empreendedores sociais e desenvolver planejamentos e
7
Segundo Orientações Técnicas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome ―CRAS
é uma unidade de proteção social básica do SUAS, que tem por objetivo prevenir a ocorrência de
situações de vulnerabilidades e riscos sociais nos territórios‖.
projetos que garantissem a resolução de problemas sociais da comunidade
quilombola e também a possibilidade de geração de trabalho e renda.
Dolabela (2006) afirma que o empreendedorismo é um caminho sustentável
para o desenvolvimento:
O empreendedor é a pessoa responsável pelo crescimento econômico e
pelo desenvolvimento social. Por meio da inovação ele dinamiza a
economia. O conceito de empreendedorismo trata não só de indivíduos,
mas de comunidades, cidades, regiões, países. Implica a ideia de
sustentabilidade. O empreendedorismo é a melhor arma contra o
desemprego. (DOLABELA, 2006)
E Dornelas (2001) assim tipifica o empreendedor social:
São aqueles que assumem uma atitude pró-ativa no que se refere ou no
que diz respeito ao desenvolvimento integrado da sua comunidade, da sua
cidade ou do seu país, sempre promovendo mudanças, reunindo recursos e
constituindo benefícios à comunidade voluntária e terceiro setor. É aquele
que contribui para a resolução de problemas sociais, ligados à pobreza, às
drogas, à integração de eficientes, à exclusão social, etc. Normalmente
colaboram com Organizações não Governamentais e com instituições
governamentais sem se refugiar na escassez de recursos. (DORNELAS,
2001)
Os alunos da PUC Minas e da Escola Técnica de Formação Gerencial do
SEBRAE também apoiaram o desenvolvimento do PROJETO PETROBRAS
MENINAS DE MINAS, desenvolvido pela ACRA – Associação Comunitária dos
Bairros Jardim Regalito e Aparecida durante o ano de 2010. Foram realizadas
oficinas ensinando aos participantes dos cursos de manufatura de sandálias
rasteirinhas, manicure, cabeleireiro, culinárias, artesanato, corte e costura e lingerie
a transformar através do empreendedorismo e Planos de Negócio as habilidades
aprendidas nas oficinas do projeto em trabalho e renda para elas e a família. O
trabalho contemplou 500 adolescentes e jovens do sexo feminino de 15 a 29 anos
de idade, em situação de vulnerabilidade social, carentes, desempregadas e/ou sem
oportunidades de trabalho, preferencialmente as oriundas de famílias com renda
inferior a um salário mínimo de diversos bairros do município de São Francisco e
também comunidades quilombolas como a de ―Porto Velho‖, em Bom Jardim da
Prata.
2.3 Extensão aberta à participação da população e à difusão das conquistas e
benefícios resultantes da criação cultural, da pesquisa científica e tecnológica
No ano de 2011, o Projeto Quilombos São Francisco já muito mais próximo
das comunidades e das lideranças das associações quilombolas teve como principal
objetivo fazer um levantamento de informações para elaborar um planejamento de
longo prazo, juntamente com as associações quilombolas e as secretarias
municipais em especial a de Assistência Social. Para isto realizou-se um estudo de
campo para possibilitar conhecer melhor a realidade da população. Essa realidade
foi amplamente debatida durante o ―1º Seminário Quilombos de São Francisco:
Direitos Quilombolas‖, alternativa encontrada para, conjuntamente, população
quilombola e lideranças comunitárias discutirem as políticas públicas que possuem
como foco as comunidades quilombolas.
O evento que contou com mais de 330 participantes das comunidades
quilombolas e foi resultado de uma parceria entre a PUC Minas, a Prefeitura
Municipal de São Francisco e as Associações Quilombolas de Buriti do Meio e Bom
Jardim da Prata. Entre os presentes estavam líderes comunitários, o Prefeito de São
Francisco,
alguns
deputados estaduais e federais,
secretários municipais,
representantes da prefeitura e Comunidade Quilombola Júlia Mulata da cidade de
Luislândia e professores representantes da Unimontes.
Participaram do Seminário com palestras e debates a PUC Minas, a Polícia
Militar do Estado de Minas Gerais, o Exército Brasileiro, a CEDEFES — Centro de
Documentação Eloy Ferreira da Silva, a Federação das Comunidades Quilombolas
do Estado de Minas Gerais – N´Golo e a SEPROMIRACIAL do Estado de Minas
Gerais.
O Seminário contemplou várias palestras, entre elas, uma intitulada
―Cidadania Quilombola e Direitos Sociais‖ que ressaltou, dentre outros pontos, a
responsabilidade de cada cidadão fazer valer seus direitos. Posteriormente, no
Seminário formou-se uma Mesa Redonda com diversos representantes das
Comunidades Quilombolas e Autoridades. Neste ponto a discussão foi norteada pelo
Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº12.288 de 20 de Julho de 2010.
O Estatuto da
Igualdade Racial estabelece diretrizes para a implementação de políticas públicas de
promoção da igualdade de direitos e oportunidades para a população negra, bem
como ações para o enfrentamento do preconceito e discriminação racial.
Durante as discussões da mesa foi gerado um documento contendo as
principais informações e questões levantadas por meio dos eixos norteadores:
saúde; educação; cultura, esporte e lazer; o acesso a terra; o acesso à moradia
adequada; o trabalho e meios de comunicação. Tal documento final foi assinado
pelos componentes da mesa e posteriormente entregue as autoridades presentes.
Vale destacar que relevantes questões abordadas no Seminário, vão de encontro
com os dados levantados no estudo de campo realizado pela PUC Minas junto às
comunidades quilombolas.
Os temas abordados no Seminário ratificaram as demandas detectadas
durante a realização da pesquisa de campo.
No que diz respeito à saúde, constatou-se a necessidade de se ampliar
ações existentes no Município e nas comunidades quilombolas que ficam distantes
do centro urbano. O atendimento médico em Bom Jardim da Prata por exemplo,
acontece apenas na parte da manhã, atendendo a mais ou menos 20 pessoas. A
maioria dos necessitados fica sem atendimento e precisa se deslocar por horas a pé
ou bicicleta e de balsa para chegar ao posto médico no centro urbano. Ainda no que
diz respeito à saúde apontou-se, também, a importância dos quilombolas
participarem mais ativamente dos Conselhos para fazer valer os seus direitos.
O Estatuto da Igualdade Racial – Lei nº 12.288/2010, estabelece em seu
artigo 7° o seguinte:
Art. 7º. O conjunto de ações de saúde voltadas à população negra constitui
a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, organizada de
acordo com as diretrizes abaixo especificadas:
I - ampliação e fortalecimento da participação de lideranças dos movimentos
sociais em defesa da saúde da população negra nas instâncias de
participação e controle social do SUS (BRASIL, 2010).
Já foi identificada a participação de integrantes das lideranças das
comunidades quilombolas no conselho municipal de saúde. No entanto, esta
participação precisa ser aprimorada como estabelece o inciso III do mesmo artigo:
III - desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação
para contribuir com a redução das vulnerabilidades da população negra.
(BRASIL, 2010).
Cumprindo o seu papel e atendendo ao disposto nas diretrizes do Capítulo I –
Do Direito à Saúde do Estatuto da Igualdade Racial, o Projeto Quilombos São
Francisco, através do corpo docente e discente da PUC Minas propôs durante o
seminário, incluir nos objetivos do projeto a partir do ano de 2012 a produção de
conhecimento científico em saúde da população negra. Os discentes do curso de
enfermagem, presentes no seminário e participantes da pesquisa de campo
afirmaram poder desenvolver como 1º passo, já para o ano de 2012, oficinas
voltadas para informar e disseminar à comunidade quilombola e também a técnicos
da prefeitura, conhecimento científicos já disponíveis em saúde da população negra.
Na área da educação foi pontuada a necessidade de se trabalhar a
identidade
quilombola
nas
comunidades
e
a
implementação
de
Curso
de Ensino Médio, para incentivar a continuação dos estudos por parte dos jovens.
Nas comunidades quilombolas, tanto Buriti do Meio quanto Bom Jardim da Prata não
possuem escolas que ofereçam o ensino médio a população. Os jovens que queiram
continuar os estudos precisam se locomover até o centro do município dependendo
da distância, esta locomoção pode durar mais de meio dia o que desestimula os
jovens a continuar os estudos. É raro encontrar uma pessoa dentro da comunidade
que possua ensino médio completo.
O capítulo II do Estatuto da Igualdade Racial que trata do direito à Educação,
à Cultura, ao Esporte e ao Lazer em seu artigo 10 atribui aos governos federal,
estadual, distrital e municipal a responsabilidade de promover ações para viabilizar e
ampliar o acesso da população negra ao ensino gratuito e as atividades esportivas e
de lazer.
No entanto, sem a oportunidade de avançar com os estudos e evoluir através
da cultura, do esporte e do lazer os jovens das comunidades quilombolas de Bom
Jardim da Prata e Buriti do Meio começam a trabalhar cedo optando muitas vezes,
por falta de alternativa, por ―trabalhos pesados‖ fora do município tais como
plantação de cana, colheita de milho e café em fazendas de outros estados.
O esporte e o lazer ganharam espaço no debate para chamar a atenção para
a ausência de uma política publica voltada para essa temática. A preocupação dos
mais velhos, segundo a liderança das associações quilombolas é que os jovens das
comunidades, com a falta de ocupação se envolvam com o uso de álcool e outras
drogas. O esporte e o lazer poderiam contribuir na formação dos jovens e na criação
de vínculos mais sólidos com a comunidade na qual vivem.
Nesse aspecto, ressalta-se o que estabelece a já citada Lei nº12.288/2010 em
seu artigo 21 ao dispor que ―o poder público fomentará o pleno acesso da população
negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos social‖.
(BRASIL, 2010).
Outro tema amplamente discutido foi as condições de moradia da população
quilombola. Em algumas comunidades a carência nesse aspecto acaba por
desencadear outras necessidades que a coloca em situação de extrema
vulnerabilidade como é o caso da comunidade do Lajedo onde a situação é
emergencial. As lideranças das associações quilombolas disseram já ter procurado a
Caixa Econômica Federal em busca de alternativas previstas no Programa Brasil
Quilombola que destina verbas específicas para a questão de moradia adequada as
comunidades quilombolas, porém não obtiveram êxito.
O artigo 35 da Seção II da Lei nº 12.288/2010, ao dispor sobre a moradia
estabelece:
Art. 35. O poder público garantirá a implementação de políticas públicas
para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive
em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em
processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e
promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida.(BRASIL, 2010).
A infraestrutura das comunidades também foi alvo de discussão no seminário.
Muito ainda há que se fazer para que condições mínimas possam ser oferecidas às
comunidades quilombolas. A água não é para todos e a luz, mesmo com o programa
LUZ PARA TODOS da Cemig faz faltar energia em escola e sede da associação,
como é o caso da Comunidade de Santa Helena e Porto Velho.
O direito à saúde, trabalho e educação bem como outros direitos sociais das
comunidades remanescentes de quilombos ou ―comunidades tradicionais‖ não
encontra no direito brasileiro, uma legislação específica. A proteção a tais direitos
está consagrada a nível geral na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Outras leis e atos normativos infraconstitucionais abordam o tema de maneira
geral, como o faz a Lei nº 12.288/2010. Os vários decretos instituídos pela
Presidência da República preocupam-se muito mais com questões operacionais
voltadas para implementar a agenda intitulada ―Programa Brasil Quilombola‖.
Os direitos sociais integram os chamados direitos de 2ª dimensão e, nas
palavras de Sarlet (2005)
[...] a nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que
se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade
individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um
―direito de participar do bem-estar social‖. Não se cuida mais, portanto, de
liberdade do e perante o estado, e sim da liberdade por intermédio do
estado.(SARLET, 2005).
Os direitos sociais necessitam, para serem colocados concretamente à
disposição dos indivíduos da implementação de políticas públicas por parte do
Estado. Nesse aspecto, não basta a existência da lei; é necessário criar condições
de efetivo acesso a tais direitos.
Porém há que citar Bobbio (2004) quando afirma que chegamos em uma
época na qual não se trata mais de elencar direitos. O desafio colocado na agenda
atual é o de efetivar o acesso dos indivíduos aos seus direitos humanos
fundamentais. O que falta para a população quilombola não são leis. Falta
implementar as já existentes.
O 1º Seminário Quilombos de São Francisco chamou a atenção da população
alvo para o fato de que os direitos humanos fundamentais são frutos de uma
construção histórica e não mera doação por parte dos governantes. Foi destacado a
necessidade de organização, de conhecimento e de reivindicação da implementação
da agenda social quilombola que contempla ações nas mais diversas áreas, a saber:
saneamento, habitação, energia elétrica, saúde, educação e inclusão digital.
(SECRETARIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, 2012).
3 CONCLUSÃO
A realidade encontrada pela equipe demonstrou o quanto o Bobbio (2004)
estava correto em seu ensinamento. Em uma das comunidades visitadas, devido a
não assinatura de convênio entre a empresa concessionária do serviço público e a
municipalidade, iria acarretar a interrupção do fornecimento de água potável; e isso,
em uma época em que a água do rio estava totalmente imprópria para o consumo
sem o devido tratamento. Em virtude do período chuvoso o rio estava cheio e as
suas águas ―barrentas‖. Durante o Seminário as lideranças comunitárias
reivindicaram a manutenção da prestação do serviço fundamentando no exercício de
um direito humano fundamental; reivindicação essa que foi prontamente recebida
pelo Prefeito local que garantiu a continuidade da prestação do serviço.
Fato incontestável é que o seminário e todas as outras ações desenvolvidas
no projeto provocou uma grande mudança na comunidade local, no corpo docente e
discente. Através do presente Projeto experiências práticas foram confrontadas com
o saber teórico. Pode-se afirmar que, mais uma vez, a Universidade rompeu os seus
muros e cumpriu a sua missão institucional e, a mudança provocada na comunidade
local repercutiu dentro da própria Universidade.
Ante ao exposto pode-se concluir que as várias questões levantadas pelo
estudo, acrescidas das questões pontuadas no ―1º Seminário Quilombos de São
Francisco‖, demonstram haver muito a se caminhar rumo aos direitos previstos pelo
Estatuto da Igualdade Racial. Ao confrontar a realidade dos quilombos de São
Francisco com o arcabouço legal já existente no que tange aos direitos quilombolas,
percebe-se que a realidade brasileira ainda afronta a Constituição Federal Brasileira
de 1988, que preconiza o direito à dignidade da pessoa humana, a cooperação entre
os povos para progresso da humanidade, além dos essenciais direitos sociais à
educação, saúde, alimentação, moradia e lazer, etc.
REFERÊNCIAS
ARMANI, Domingos. Como elaborar projetos? Guia para elaboração e gestão de
Projetos Sociais. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2001 (Coleção Amencar).
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BRASIL. Lei n° 12.288 de 20 de Julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade
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