DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2009) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao A IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS PARA O FUTURO DA LEITURA LITERÁRIA NO SÉCULO XXI: CIBERCULTURA, LITERATURA, ESCOLA E NOVAS TECNOLOGIAS - UMA PONTE NECESSÁRIA Neide Aparecida Cacciolari (PG-UENP-CP)1 Profa. Orientadora Dra.. Alice Atsuko Matsuda (Grupo de Pesquisa CRELIT UENPCP/ FACCREI)2 RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar o papel da literatura e da contação de histórias no mundo digital, marcado pelo ciberespaço como novo canal de comunicação que vem modificando as relações entre autores, textos e leitores. A contação de histórias destaca-se como uma procura pela humanização, já que o ato de contar utiliza perfomance dos sentidos. Constitui uma abordagem sobre aspectos formativos do processo de leitura, visando aprimorar o desempenho na prática pedagógica através de perspectivas que tornem a leitura mais aceitável e atraente para crianças e para alunos adolescentes. PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Imaginário infantil. Contação de histórias. Humanização. Cibercultura. ABSTRACT: The objective of this research is to analyze the paper of literature and the telling histories in the digital world, marked for cyberspace as new communication channel that comes modifying the relations between authors, texts and readers. The telling histories are distinguished as return/looks for the humanization, since the act to tell uses performance of directions. It constitutes a boarding on formative aspects of the reading process aiming at to improve the practical performance in the pedagogical one through perspectives that become the attractive reading most acceptable and, either for children or adolescent pupils. KEYWORDS: Literature. Education of literature. Imaginary infantile. 1. INTRODUÇÃO O final do século XX e o início do terceiro milênio são marcados por um grande desenvolvimento tecnológico e científico, fazendo com que a informação supere as barreiras nacionais, aproxime as pessoas e contribua para o estabelecimento de um mundo globalizado e interdependente. A democratização do conhecimento é uma necessidade cada vez mais presente na sociedade, pois atende às necessidades de formação de um cidadão apto a enfrentar os desafios trazidos por rápidas transformações sociais. Com a revolução tecnológica e a influência dos meios eletrônicos, as discussões sobre as práticas de leitura são retomadas, considerando-se a mudança de paradigmas 1 Especialista em Literatura e Ensino da linguagem pela UENP-CP. 2 Mestre em Letras – Área de concentração Literaturas de Língua Portuguesa – Linha de Pesquisa – Literatura e Ensino pela UNESP/Assis. Doutora em Letras – Área de concentração Estudos Literários – Linha de Pesquisa Cânones, Ideias e Lugares pela UEL DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao nas relações entre autores, textos e leitores. Aos textos impressos, somam-se os hipertextos e os livros eletrônicos (e-books) que surgem como novas ferramentas de comunicação e interação, instaurando outros paradigmas nas relações entre autores, textos e leitores. Da idéia do leitor convencional, passa-se para a noção de leitornavegador ou hiperleitor, ou seja, um novo tipo de leitor, que percorre caminhos diversos diante da infinidade de links disponibilizados na web (KOCH, 2002: 3). Nesse contexto marcado pela interatividade e pelo dinamismo dos recursos da era multimídia, a literatura busca encontrar caminhos, a fim de se adaptar às rápidas transformações ocasionadas pela revolução tecnológica. Qual o futuro da literatura na era do hipertexto, em que surgem novos gêneros digitais, os quais redirecionam a interação entre autores, textos e leitores? Pretende-se, assim, investigar o impacto das novas tecnologias na leitura literária, considerando, principalmente, a contação de histórias como um desafio para a formação dos leitores no ciberespaço, por exemplo. Também serão realizadas reflexões sobre as inter-relações entre leitura e literatura na escola, reavaliando-se as metodologias direcionadas ao ensino de literatura no mundo digital em que serão apresentados alguns exemplos de aplicação. 2. OS DESAFIOS DO LEITOR DE LITERATURA EM TEMPOS DE HIPERTEXTUALIDADE A noção de ciberespaço e o dinamismo da cibercultura provocam novos desafios nas estratégias de comunicação, exigindo que os indivíduos assumam múltiplos papéis na leitura e produção de textos. Conforme Lévy (1999: 13), o ciberespaço é um “novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele abriga.” Associada à noção de ciberespaço, a cibercultura funciona, ainda na visão de Lévy (1999: 17), “como conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” Na perspectiva do autor, a cibercultura é um mundo marcado pela interatividade em que três princípios básicos orientam o crescimento do ciberespaço: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. Na era do hipertexto, as práticas de leitura e de escrita começam a sofrer mudanças significativas, modificando o comportamento dos leitores, agora chamados de navegadores. Altera-se, também, o perfil dos autores que desenvolvem uma autoria múltipla, compartilhada, por meio da participação ativa dos receptores. A noção do texto virtual revoluciona as estratégias de leitura e a concepção da autoria múltipla ou compartilhada, entendendo-se o hipertexto como “um texto móvel, caleidoscópico, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e desdobra-se à vontade frente ao leitor” (LÉVY, 1999: 56). Ainda segundo Lévy (1999), com a revolução do texto eletrônico (hipertexto), há uma nova importância dada aos efeitos produzidos no leitor e à construção do significado pelas diferenças estruturais entre o texto impresso e o virtual. No caso da leitura literária, a cibercultura também impõe uma mudança de paradigmas, em que o hipertexto assume papel de destaque no mundo contemporâneo dos computadores. Os gêneros literários começam a se adaptar a esse contexto, na medida em que leitores e DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao autores começam a priorizar a produção e recepção de textos curtos (contos, crônicas, poemas), dado o dinamismo da vida moderna. As narrativas longas, como o romance, por exemplo, não encontram mais o espaço privilegiado de antes. Surgem novos gêneros literários a partir do dinamismo e da interatividade do ciberespaço. Vários teóricos começam a discutir os rumos da leitura literária no universo digital. Cléo Busatto (2006), por exemplo, acredita não apenas nas facilidades trazidas pelo computador, mas também num importante lugar que a literatura e as práticas de leitura literária estão assumindo rapidamente nesse contexto de revolução tecnológica. No entanto, o papel da literatura precisa ser cuidadosamente reavaliado, a fim de se garantir o espaço da leitura literária. A tarefa mais urgente é, segundo a autora, integrar a literatura num ambiente global, informacional, no qual ela possa funcionar como um componente imaginativo, integrado às práticas culturais do mundo digital (BUSATTO, 2006: 12). Segundo a autora citada, a partir do advento da Internet, tanto a leitura, quanto as formas de comunicação escrita estão assumindo novas funções, ou seja, o leitor está aos poucos ajustando estratégias comunicativas e interativas ao contexto dinâmico em que vive. Os autores e os leitores de obras literárias adaptam-se também às novas estratégias de produção e recepção, estabelecendo contratos comunicativos que exigem um dinamismo maior. A leitura assume um papel de destaque no contexto marcado pelo automatismo e pela superabundância de informações, ou seja, fatores que exigem um leitor ativo, extremamente dinâmico, capaz de selecionar quantitativa e qualitativamente informações. A partir dos diversos suportes eletrônicos e dos novos gêneros textuais que surgem na era da Internet, o ato de ler assume novos rumos e esses novos textos “implicam outras leituras, através de novas práticas para mediar as negociações dos sentidos possíveis” (BUSATTO, 2006: 12). A noção de hipertextualidade redireciona, assim, as práticas de linguagem e propõe uma reavaliação das abordagens direcionadas à obra literária. A intertextualidade ganha maior destaque nas interfaces eletrônicas, na medida em que as interconexões entre diferentes códigos, linguagens e textos invadem o ciberespaço, com mescla de informações, som, imagem, fotografia, pintura, entre outros recursos. Na perspectiva de Cléo Busatto (2006: 11), as tecnologias eletrônicas permitem que os alunos leiam de modo multissequencial, com uma liberdade maior para testar suas habilidades interpretativas, examinando, construindo e reconstruindo suas leituras diante do texto literário virtual. A leitura de hipertextos também torna os leitores ainda mais participativos na construção do sentido textual, uma vez que o ato de ler e o ato de escrever tornam-se inseparáveis. Desse modo, o hipertexto, construído a partir de relações intra/intertextuais, pode ser eficaz para se trabalhar com o aluno a rede de textos como processo de absorção e transformação de um texto por outro, investigando-se os vários níveis de intertextualidade Busatto acredita que não cabe à literatura competir com os meios modernos de comunicação que surgiram após o desenvolvimento das novas tecnologias. Certamente, como meio de expressão das relações sociais, políticas, históricas e culturais, a literatura sempre terá seu lugar garantido numa sociedade em que a informação ganha destaque e o conhecimento global torna-se pré-requisito para os profissionais do futuro. A literatura precisa se adaptar aos novos modelos de comunicação mediada pelo computador ajustando-se ao caráter dinâmico e interativo do ciberespaço, criando novas formas de pensar e concretizar o objeto literário (BUSATTO, 2006: 92). O ato de ler, DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao com o propósito da busca da informação e do conhecimento, não irá destruir ou restringir as práticas de leitura voltadas para o prazer estético do texto literário. A leitura literária certamente pode contribuir para a compreensão crítica do mundo, reconhecendo que a obra de ficção constrói um mundo possível que dialoga com a realidade. As funções lúdicas, imaginativas e criativas que a literatura desempenha não perderão espaço diante de outros meios atrativos de comunicação que prendem a atenção do receptor por meio do privilégio da iconicidade (NUNES, apud CONDINNI, 1999: 37). Ou seja, os recursos midiáticos conduzem a uma importância maior do ensino da leitura e da escrita na escola, como, por exemplo, no caso do computador, que impõe ao sujeito o domínio das competências do ler e escrever, conforme bem esclarece Ezequiel Theodoro, em citação de Umberto Eco (2003: 36): o computador é um instrumento através do qual pode-se produzir e editar imagens [...]; mas é também igualmente certo que o computador se transformou, antes de mais nada, num instrumento alfabético. Na tela do computador, correm palavras, linhas, e para usar um computador o sujeito precisa saber ler e escrever. A nova geração que usa computadores é treinada a ler a uma velocidade espantosa. Portanto, a literatura terá seu espaço garantido e assumirá papéis diferentes a partir da interação com os modernos meios de comunicação, mas a função social da obra literária e a capacidade de ficcionalização, assinaladas por Melo (apud CONDINNI, 1999: 64), sempre serão fatores que contribuirão para a permanência desse objeto artístico, capaz de transformar o leitor a cada nova leitura. No entanto, autores e leitores devem repensar seus papéis em face do texto literário. 3. CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NO SÉCULO XXI: O CAMINHO DO MEIO Para Cleo Busatto (2006: 11) quando se conta histórias pelos meios tradicionais de comunicação, como em uma narração oral, um livro, cinema, televisão ou rádio, sabe-se o que esperar dessas linguagens. Elas são conhecidas e previsíveis. Por mais que a leitura que se faça delas seja múltipla e determinada pelo contexto pessoal e coletivo, pelo qual se dá a experiência, elas serão sempre as mesmas histórias, pois o suporte que as abriga determina esta qualidade imutável. Fisicamente não se constrói um novo livro na medida em que se lê. Nem se altera, aleatoriamente, a sequência de uma história numa narração oral. Porém, quando se pensa no meio digital, que por natureza é interativo e imersivo, assiste-se a uma reviravolta na recepção de uma história, pois se está interagindo com algo que tem como característica da sua arquitetura a mutabilidade e a transitoriedade. O que existe num momento pode não existir mais em poucos minutos. Neste pressuposto, a prática pedagógica da contação de histórias pode ser desenvolvida junto à nova cultura tecnológica, o ciberespaço, que permite a formação de comunidades virtuais, possibilitando uma experiência social diferente para a criança, mas não menos interativa que os meios. Contar histórias é um dos hábitos mais antigos, inerentes à humanidade e tão velho quanto resistente. As mudanças que essa prática vem sofrendo nos últimos quinhentos anos correspondem a uma mudança da capacidade do ser humano narrar algo (BUSATTO, 2006: 92). DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao Segundo Busatto (2006: 20), atualmente, no mundo contemporâneo, com a invenção da internet, esta sociedade caótica passou a ser dinamizada pela cultura cibernética e as crianças, diretamente influenciadas pela tradição progressista, são embaladas neste ritmo, que hoje está em pleno processo de superação/transformação. As histórias antigas podem até parecer ultrapassadas neste ciberespaço dinamizado pelas informações e pelas conquistas da eletrônica e da informática, porém é neste confronto que as histórias revelam que são verdadeiras fontes de sabedoria, que têm papel formador da identidade. Há pouco tempo, elas foram redescobertas como fonte de conhecimento de vida, tornando-se também um grande recurso para educadores. Com o advento da comunicação, ampliação dos seus recursos e a globalização das informações, a linguagem falada tende a definhar, porém, concomitante a esse desenvolvimento, surgiu uma necessidade de resgatar os valores tradicionais e a própria natureza humana. A tradição oral dos contos, não só não desapareceu, como está ganhando força nos últimos tempos (BUSATTO, 2006: 21). Para Girardello (2004: 13), hoje assistimos ao nascimento de muitos grupos de contadores de histórias, uma novidade para um ofício que foi quase sempre individual. Do ofício à oficina, muitas instituições têm investido na formação de contadores de histórias como garantia de permanência e transformação da cidadania. Este fogo aceso para aquecer as salas de leituras se alastrou e ganhou a praça, o teatro, a televisão, as rádios, os clubes, as feiras de livros, os centros culturais, conquistando assim os mais variados adeptos (BUSATTO, 2006: 21; GIRARDELLO, 2004: 13). Mesmo nos encontrando em uma era marcada por computadores, pelas telecomunicações e pela micro-eletrônica, o material impresso – o livro, continua exercendo grande influência na educação, principalmente para a literatura. Não necessita de equipamentos sofisticados, pode ser facilmente transportado e a maioria dos adultos sabe como utilizá-lo. Este material apresenta-se em forma de livros, manuais, fascículos, revistas, jornais, textos e histórias em quadrinhos, e pode ser utilizado como única forma de informação, ou como meio complementar ou suplementar de informação, conforme planejamento do professor. O custo da produção do material é baixo, sua reprodução é fácil, sua durabilidade é alta quando comparado aos sites e home-pages disponíveis na Internet que têm condições voláteis. Conforme a sociedade se defronta com mudanças significativas em suas bases sociais e tecnológicas, novas atribuições passam a ser exigidas à escola. E as perspectivas tecnológicas para as formas literárias podem ser grandes atrativos para despertar o gosto artístico. 4. NARRATIVAS DIGITAIS E CIBERESPAÇO As perspectivas para criação de roteiros em ambientes virtuais e o futuro da narrativa no ciberespaço são temas levantados por Janet Murray (2003), em seu livro Hamlet on the Holodeck. Para Murray, estamos vivendo o inicio de uma nova cultura, a cibercultura, proporcionada por computadores e videogames de avançada tecnologia capazes de proporcionar ambientes virtuais imersivos e sofisticados processos de interação. As novas variedades de entretenimento digital, que vão dos videogames ao hipertexto, representam novos formatos para o roteiro ficcional. O meio comercialmente mais bem sucedido corresponde aos jogos eletrônicos, que estão em constante evolução DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao tecnológica e com cada vez mais ênfase na estória. Apesar dessa evolução, Murray (2003: 2) coloca que os jogos de ação ainda têm que desenvolver mais suas estórias, sendo que sua estrutura de labirintos e níveis nos submete apenas a violência dos tiros e ataques, sem vivenciarmos as situações de conflitos e os momentos de clímax da narrativa, que aumentariam o envolvimento do jogador durante a partida. Outros gêneros, como os jogos de enigma, no entanto, tem uma concepção diferenciada dos jogos de ação, e utilizam recursos avançados de gráficos e som para criar cenas e ambientes com grande poder de imersibilidade. O engajamento mais lento na estória e as revelações de alto poder dramático que permitem a solução dos enigmas tornam a narrativa desses jogos mais ricas e complexas. Neste sentido, a popularização da internet proporcionou o crescimento da ficção baseada em hipertexto. Conforme Murray (2003: 7), essas estórias são segmentadas em pedaços genéricos de informação, unidades de leitura chamadas lexias, conectadas entre si através de palavras chaves que remetem o leitor a outro lugar. O hipertexto tem possibilitado a escritores novas experimentações com segmentação, justaposição e conectividade: as estórias possuem geralmente mais que um ponto de entrada, muitas bifurcações internas e um final não muito claro. Na narrativa hipertextual, Murray (2003: 3) explica que os roteiristas deixam de escrever antecipando todas as possibilidades de movimentação e todas as ações de quem está interagindo. Pelo contrário, eles elaboram os eventos do enredo de forma não específica, apresentando uma relação de todas as regras das ações, criando um caminho concreto, uma estrutura coerente. Os roteiristas criam não uma seqüência de eventos, mas multiformas de enredo para uma participação colaborativa de quem está interagindo. Assim, a verossimilhança permite ao jogador manter a lógica interna do enredo, ou seja, a acreditar na história que está sendo contada. Geralmente, as narrativas multimídia prevêem uma coleção de começos, meios e fins para a estória, porque, assim, conforme o usuário, ela será contada de um jeito ou de outro. Para conseguir prender a atenção do usuário, os autores escrevem e expandem suas histórias, incluindo múltiplas possibilidades para quem está agindo poder assumir um papel mais ativo. Para Murray (2003: 4), os escritores têm utilizado muito pouco as vantagens e as oportunidades de se escrever para ambientes hipertextuais. A geração NET está mais habituada com uso do hipertexto, seja pelo acesso à internet ou outros ambientes multimídia, como as enciclopédias em CD-ROM, por exemplo. É de se esperar que a próxima geração de escritores aceite integralmente o formato do hipertexto e aumente sua capacidade de expressão, transformando o emaranhado confuso da internet em um padrão mais coerente. As narrativas tradicionais, no entanto, têm se aproximado cada vez mais do computador, e os cientistas da computação se movem para domínios que antes eram restritos aos artistas criativos. A estrutura digital traz com ela muitas possibilidades para a narrativa. Cabe aos ciberdramaturgos explorar essas possibilidades sem sobrecarregar o participante, e procurar soluções para a disposição da ação dramática de maneira a sustentar o fluxo da estória, sem interromper o sonho ficcional que se cria na imaginação do público. Informações não devem ser simplesmente ditas, mas mostradas dramaticamente como as causas da história. A exposição não é necessariamente colocada em um bloco só no início da narrativa, podendo ser introduzida no contexto conforme a ação exigir, sem interferir na fluência da história. Na seqüência do enredo, o autor exerce pressão sobre o herói e articula uma série de crises que ele enfrentará. No desenvolvimento DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao cumpre ainda ao ficcionista elaborar os personagens que apóiam e encorajam o herói e os que se opõem a ele, e também as forças que atuam a seu favor. Finalmente, o conflito se resolve de um modo ou de outro no clímax da história e a leva ao seu desfecho, podendo ser, por exemplo, terrível e trágico, ou um retorno ao repouso. Como vimos, a narrativa está baseada em uma sequência unificada que leva a uma compreensão a partir de elementos essenciais e que são esperados pelo leitor do texto. 4.1 Recursos Mediáticos na narrativa Ao abordarmos a questão da contação de histórias no século XXI, é importante entender como se relacionam palavra e imagem nas diversas mídias e o que representa a imagem, como linguagem, atualmente. Informações não devem ser simplesmente ditas, mas mostradas dramaticamente como as causas da história. A exposição não é necessariamente colocada em um bloco só no início da narrativa, podendo ser introduzida no contexto conforme a ação exigir, sem interferir na fluência da história. Na seqüência do enredo, o autor exerce pressão sobre o herói e articula uma série de crises que ele enfrentará. No desenvolvimento cumpre ainda ao ficcionista elaborar os personagens que apóiam e encorajam o herói e os que se opõem a ele, e também as forças que atuam a seu favor. Finalmente, o conflito se resolve de um modo ou de outro no clímax da história e a leva ao seu desfecho, podendo ser, por exemplo, terrível e trágico, ou um retorno ao repouso. Como vimos, a narrativa está baseada em uma seqüência unificada que leva a uma compreensão a partir de elementos essenciais e que são esperados pelo leitor do texto. A cultura contemporânea é sobretudo visual. Videogames, videoclipes, cinema, telenovela, propaganda e histórias em quadrinhos são técnicas de comunicação e de transmissão de cultura cuja força retórica reside sobretudo na imagem, tal o impacto de significação dos recursos imagéticos. Tomando por exemplo, as narrativas visuais do cinema ou da telenovela, produtos culturais a que (quase) todos têm acesso e que competem diretamente com as narrativas literárias no gosto do público consumidor de cultura; o que se capta, em primeiro lugar, é um contexto demonstrativo em vez de um contexto verbal: percebe-se pela vestimenta, caracterização e comportamento das personagens, pelo lugar onde estão, por seus gestos e expressões faciais, se se trata de drama ou comédia, em que época se desenvolve o enredo, enfim, de que modo o espectador está sendo convidado a fruir aquele conjunto de significados visuais componentes de uma trama. Cada cena comporta um peso visual e auditivo, este dado pela trilha sonora, que se comunica imediatamente, sem necessidade de palavras. A imagem tem, portanto, seus próprios códigos de interação com o espectador, diversos daqueles que a palavra escrita estabelece com o seu leitor. A televisão não é utilizada somente como um passatempo de lazer, ela tem funções culturais e também pedagógicas. Além dos tradicionais programas educativos, que reproduzem as salas de aula no espaço da televisão, existem outras iniciativas, que misturam os mais diversos elementos e linguagens das diversas artes e mídias, revitalizam e atualizam os textos para as novas gerações e para os novos meios. Como as histórias reproduzidas em vídeos e DVDs, muito comuns nos desenhos da Disney, nos programas da TV Cultura, com contação de histórias, na TV Globo, com as histórias de Monteiro Lobato, no Sítio do Picapau Amarelo, que reproduz muito bem a narração oral. DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao O cinema (filmes) e o teatro também são representativos contribuintes para o ensino de literaturas e contação de histórias, no que se refere ao estímulo e motivação. Muitos filmes de desenhos animados começam sempre com o eterno ... “Era uma vez...” Irmão Urso inicia-se com uma anciã narrando a tradição de seu povo como fio condutor da história, que será apresentada em flashback através de “há muito tempo passado, havia ...” . Shrek tem como primeira imagem um livro que vai abrindo-se em páginas, e como roteiro, personagens como príncipes, princesas, dragão, castelos com torres altíssimas, obstáculos de todo tipo, encantamentos e feitiços e, principalmente, o herói salvador. Tudo isso numa bem humorada sátira. O filme traz uma nova visão sobre os contos de fadas, em que o herói não se sobressai pela beleza e imponência, mas pelo caráter e virtudes. Ao invés do belo Príncipe e da linda Princesa, a história incrementa nas almas o senso de contradição entre o bem e o mal, mostrando que o hediondo e o horror não são características da aparência apenas. Em Shrek, a felicidade alcançável é a que resulta da prática da virtude, da perseverança nas vias do bem. Nas histórias de contos de fadas do século XXI, o sapo já não precisa voltar a ser príncipe. Por isso o ogro, antes monstruoso, torna-se figura tão amada das crianças, sem precisar ser transformado em sua aparência. Nesse pensamento, as escolas podem ser as oficinas que engendram a nova cultura se professores e alunos aprenderem a superar as intransigências e compreenderem que pode aprender e ensinar com os filmes. Assim, os recursos midiáticos podem contribuir muito para o ensino de literatura. Quanto maior o contato com a linguagem, na diversidade textual, mais possibilidades se tem de entender o texto como material verbal carregado de intenções e de visões de mundo. Porém, é lógico, a escola e os professores devem selecionar criticamente os meios ou os veículos comunicacionais, conforme a natureza do objeto ou conteúdo a ser ensinado, sabendo justificar os motivos dessa seleção. Diante do exposto, pode-se entender que as práticas da linguagem, como fenômeno de uma interlocução viva, perpassam todas as áreas do agir humano, potencializando, na escola, a perspectiva interdisciplinar. 5. CONCLUSÃO Após as explanações sobre as relações literatura, ensino, imaginário infantil e contação de histórias, concluímos que o futuro da literatura está intimamente relacionado à forma de se encarar a obra literária, que deve ser considerada como um meio de conhecer melhor o mundo e a nós mesmos, enquanto leitores, promovendo-se uma articulação entre a leitura crítica do mundo (o que é percebível na contação de histórias) e a leitura do texto literário. É preciso que os leitores descubram o mundo contido nos textos literários como um espaço para compartilhar sentimentos, atitudes, posturas vivenciadas por personagens, mas que traduzem nossas expectativas diante da própria realidade. O estímulo à leitura pode se dar a partir do contato com histórias, desde a mais tenra idade, quando a criança encontra nelas uma maneira de viajar em aventuras fantásticas e viver em outro mundo, encontrando o prazer e associando-o aos livros. Há desta maneira um incentivo real para a aprendizagem da leitura e da escrita, pois se a criança pôde experimentar o prazer por terem lhe contado histórias quando pequena, cedo descobrirá o valor da leitura. DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao Hoje, poucas famílias conservam o antigo hábito de contar histórias para as crianças à hora de dormir, ficando esta tarefa para a televisão, e para o computador e para os games a função de provocar a imaginação infantil. Embora o papel da televisão se depare com alguma polêmica, argumentamos que esse instrumento pode ser bem aproveitado como coadjuvante na formação de leitores. O ensino de linguagem audiovisual na escola, acompanhado da disciplina de filosofia, faria com que as crianças desenvolvessem a capacidade de abstração, ao mesmo tempo em que seriam alfabetizadas nas letras e nas imagens, passando, com o tempo, a entender seus códigos, sua grafia, escrever e raciocinar com elas, inter-relacionando-as. O grande problema da televisão é que desde o momento em que a criança está diante da tela, não percebe mais o texto enquanto texto, mas como imagem, e não promove a interação entre a imagem e a leitura de mundo. E, em relação aos educadores, estes, ao se oferecerem como modelo para o processo de identificação, têm a tarefa de cuidar da criança em sua integridade física, emocional e social, visto que a escola não se restringe apenas à transmissão de conhecimento, mas tem a missão essencial de formação humanística. Concluindo, percebe-se que, felizmente, as histórias estão contribuindo com o desenvolvimento das crianças e lhes dando a alegria e o prazer de transitar por este universo mágico, persiste no século XXI. Resta-nos, enquanto educadores, lutar para que esta magia permaneça dentro da escola. A nossa preocupação é que a escola, que também deveria suscitar o imaginário infantil, dedica a essa tarefa um tempo insuficiente para obter algum resultado minimamente satisfatório em termos de formação de leitores. 6. REFERÊNCIAS BUSATTO, Cleo. A Arte de Contar Histórias no Século XXI: Tradição e Ciberespaço. Petrópolis: Vozes, 2006. CONDINNI, Paulo (org). A formação de Leitores. Rio de Janeiro: Leia Brasil, 1999. ECO, Umberto. Muito além da internet. Folha de São Paulo, 14.dez.2003. Disponível em www.sibi.usp.br. Acessado em 15/08/2009. GIRARDELLO, Gilka (org.) Baús e Chaves da Narração de Histórias. Florianópolis: SESC/SC, Milbocas, 2004. KOCH, Ingedore Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Contexto, 2002. LAJOLO, Marisa. “Leitura–Literatura: mais do que uma rima, menos do que uma solução” In: ZILBERMAN, Regina & THEODORO, Ezequiel. Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática, 2001. LÉVY, Pierri. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. DIÁLOGO E INTERAÇÃO volume 2 (2010) - ISSN 2175-3687 http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao MELLO, Guiomar Namo de. “A escola do futuro: uma ponte de significados sobre a estrada da informação”. In: CONDINNI, Paulo (org.). A Formação de Leitores. Rio de Janeiro: Leia Brasil, 1999. MORAN, José Manuel. Desafios da Internet para http://www.eca.usp.br/eca/proFmoran/desafio.htm , 14/10/2005. o professor. MURRAY, Janet H. HAMLET NO HOLODECK - O futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp e Itaú Cultural, 2003. SILVA, Ezequiel Theodoro. (Coord.). A leitura nos oceanos da internet. São Paulo: Cortez, 2003.