PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR
ATOS JURISDICIONAIS
Autora: Cláudia Rodrigues Vieira
Orientador: MSc. Mauro Sérgio dos Santos
CLÁUDIA RODRIGUES VIEIRA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de bacharel
em Direito da Universidade Católica de
Brasília.
Orientador:
Santos
Brasília
2009
MSc.
Mauro
Sérgio
dos
Monografia de autoria de Cláudia Rodrigues Vieira, intitulada
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS”,
apresentada como requisito parcial para obtenção do certificado de Bacharel em
Direito da Universidade Católica de Brasília, em (data de aprovação), defendida e/ou
aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
Prof. MSc. Mauro Sérgio dos Santos
Orientador
(Curso/Programa) - UCB
Prof. (titulação). (Nome do membro da banca)
(Curso/Programa) - (sigla da instituição)
Prof. (titulação). (Nome do membro da banca)
(Curso/Programa) - (sigla da instituição)
Brasília
2009
RESUMO
VIEIRA, Cláudia Rodrigues. Responsabilidade civil do estado por atos
jurisdicionais. 2009. 64 f. Trabalho de Conclusão do Curso (Graduação)–
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.
A responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais consiste na possibilidade
de o Estado ter que indenizar o particular por atos praticados no exercício da função
típica da magistratura, já ensejou intensas discussões doutrinárias e
jurisprudenciais. A problemática gira em torno de duas bases consideradas
essenciais para a boa administração da justiça, quais sejam: assegurar o direito à
indenização para os jurisdicionados por eventuais danos causados pelo juiz no
exercício de suas atribuições, e possibilitar ao magistrado independência funcional,
de modo a garantir a soberania do Poder Judiciário e a solução definitiva das lides
submetidas ao seu julgamento. Atualmente prevalece o entendimento de que os
juízes, salvo nos casos expressamente previstos em lei, são irresponsáveis por atos
praticados no exercício de suas funções. Entretanto há tendência de mudança nesse
posicionamento, em face da forte pressão social daqueles que advogam a tese de
que a irresponsabilidade estatal por atos jurisdicionais não se coaduna com o
Estado democrático de direito.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Responsabilidade civil do estado. Atos
jurisdicionais.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................6
CAPITULO 1 – RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................8
1.1
BREVE HISTÓRICO .........................................................................................8
1.2
CONCEITO........................................................................................................9
1.3
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL...................10
1.4
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA ................................................................11
1.5
RESPONSABILIDADE OBJETIVA ..................................................................12
1.6
ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................12
1.6.1 Culpa..............................................................................................................13
1.6.2 Dano...............................................................................................................13
1.6.3 Nexo de Causalidade....................................................................................14
CAPITULO 2 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO
BRASILEIRO ............................................................................................................17
2.1
INTRODUÇÃO ................................................................................................17
2.2
EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................18
2.2.1 A irresponsabilidade do Estado ..................................................................18
2.2.2 Teoria da Responsabilidade com Culpa .....................................................19
2.2.3 Teoria da Culpa Administrativa ...................................................................19
2.2.4 Teoria da Responsabilidade Objetiva .........................................................20
2.2.5 Teoria do risco integral ................................................................................21
2.3
ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO .......................24
2.3.1 Fato administrativo.......................................................................................24
2.3.2 Evento danoso ..............................................................................................25
2.3.3 Nexo causal...................................................................................................25
2.4
EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO .............................26
2.4.1 Força maior e caso fortuito..........................................................................26
2.4.2 Culpa da vítima (incluir tópico no sumário) ...............................................29
2.4.3 Ato de terceiro ..............................................................................................31
2.5
PESSOAS JURÍDICAS DO ART. 37, § 6º, DA CF/88 .....................................32
2.6
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS ............34
2.7
RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO..............................................36
CAPÍTULO 3 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS
JURISDICIONAIS .....................................................................................................42
3.1
INTRODUÇÃO ................................................................................................42
3.2
ATIVIDADE JUDICIÁRIA COMO SERVIÇO PÚBLICO ...................................43
3.3
O DIREITO À JURISDIÇÃO ............................................................................44
3.4
ATOS ADMINISTRATIVOS E JURISDICIONAIS PRATICADOS PELO PODER
JUDICIÁRIO ...................................................................................................45
3.5
RESPONSABILIDADE PELO DANO DEVIDO À DEMORA NA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL ............................................................................................46
3.6
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ATOS JURISDICIONAIS ..48
3.6.1 Soberania do Poder Judiciário ....................................................................49
3.6.2 Incontrastabilidade da coisa julgada ..........................................................51
3.7
A ATIVIDADE JURISDICIONAL QUE ACARRETA A RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO-JUIZ ................................................................................52
3.8
EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO-JUIZ PELO
EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL ..............................................59
3.9
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS ..........................................................59
CONCLUSÃO ...........................................................................................................61
REFERÊNCIAS.........................................................................................................63
6
INTRODUÇÃO
O tema responsabilidade civil do Estado passou por vasto processo evolutivo.
Ao longo dos anos diversas teorias foram adotadas com vistas a acompanhar os
anseios da sociedade.
Entre
as
teorias
podemos
citar:
irresponsabilidade
do
Estado,
responsabilidade com culpa, culpa administrativa, e finalmente a responsabilidade
objetiva atualmente adotada no ordenamento jurídico pátrio. Segundo Sergio
Cavalieri o Brasil não passou pela fase da irresponsabilidade.1
Apesar de não existir dúvidas quanto à adoção da teoria da responsabilidade
objetiva aplicável à Administração Pública, por expressa previsão constitucional
inserida no art. 37 § 6º, o mesmo não se pode dizer no que se refere aos atos
praticados pelos juízes. Esse é o tema central a ser abordado no decorrer deste
trabalho.
O presente estudo tem por objetivo descrever e analisar as teses sustentadas
tanto por aqueles que defendem a responsabilidade civil do Estado por atos
jurisdicionais quanto daqueles que militam para que o atual cenário, que permite
apenas a responsabilidade dos juízes nas hipóteses previstas em lei, prevaleça.
Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos: o primeiro aborda os
conceitos da responsabilidade civil disciplinados pelo direito privado; o segundo
apresenta os aspectos principais das regras que regem a responsabilidade civil do
Estado, e o terceiro examina as particularidades das teses existentes sobre a
questão da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais.
O primeiro capítulo apresenta um breve histórico da responsabilidade civil; o
seu conceito; os elementos caracterizadores: culpa, dano e nexo de causalidade; as
responsabilidades contratuais e extracontratuais e as responsabilidades objetiva e
subjetiva, além de outros tópicos importantes para a compreensão do tema.
No segundo capítulo, se analisa os vários aspectos da responsabilidade civil
do Estado, abordando as teorias experimentadas, os seus elementos e as principais
características relacionadas ao instituto examinado.
___________________
1
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.
228.
7
O último capítulo apresenta alguns aspectos polêmicos abordados pelos mais
renomados doutrinadores no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado por
atos
jurisdicionais.
Procura-se
explorar
todas
as
opiniões,
favoráveis
e
desfavoráveis, com a finalidade de se verificar o posicionamento que mais se
coaduna com a realidade da sociedade brasileira.
Em um primeiro momento utilizamos no desenvolvimento da pesquisa o
método analítico, explorando os fundamentos das teorias que de alguma forma
envolvem o assunto; em seguida nos servimos do método dialético, com análise de
posicionamentos em conflito, na busca de se extrair uma proposta de atuação do
Estado no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais.
Podemos mencionar que o método hipotético-dedutivo também foi utilizado,
ao testar as hipóteses de solução aos conflitos apresentados de acordo com as
teorias abordadas na pesquisa e com base nos casos concretos já decididos pelos
tribunais.
A presente monografia foi elaborada a partir de pesquisa bibliográfica, na qual
foram utilizados os principais doutrinadores nacionais que escrevem sobre o tema,
além de inúmeros precedentes jurisprudenciais de tribunais brasileiros, sobretudo do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
8
CAPITULO 1 – RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1
BREVE HISTÓRICO
Nos primórdios da civilização humana, dominava a vingança coletiva, que se
manifestava por meio da reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a
um de seus integrantes. Em uma segunda fase imperou a justiça privada, em que os
homens faziam justiça pelas próprias mãos, sob a égide da Lei de Talião. A partir
dessa experiência percebeu-se que era mais conveniente para a sociedade que o
causador do dano tivesse a obrigação de repará-lo do que cobrar a retaliação,
porque esta não reparava dano algum e ocasionava duplo dano: o da vítima e do
seu ofensor.2
Parte da doutrina diverge quanto à origem do surgimento da teoria da
responsabilidade civil. Para alguns doutrinadores, entre eles Silvio de Salvo Venosa,
o direito moderno ainda se utiliza da terminologia romana em matéria de
responsabilidade3. Porém não há como precisar se de fato o nascimento dessa
teoria ocorreu no direito romano. Nesse sentido, Caio Mário aborda importantes
considerações sobre o tema:
Não chegou o direito romano a construir uma teoria da responsabilidade
civil, como, aliás, nunca se deteve na elaboração teórica de nenhum
instituto. Foi todo ele construído no desenrolar de casos de espécies,
decisões dos juízes e dos pretores, respostas dos jurisconsultos,
constituições imperiais – que os romancistas de todas as épocas,
remontando às fontes e pesquisando os fragmentos, tiveram o cuidado de
utilizar, extraindo-lhes os princípios e sistematizando os conceitos. Nem por
isso, todavia, é de se desprezar a revolução histórica da responsabilidade
4
civil no direito romano.
Certo é que a mais consagrada doutrina considera a Lex Aquilia como o
divisor de águas em termos de responsabilidade civil. Segundo Venosa a lex aquilia
possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma
penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Surge
a partir de então a idéia de responsabilidade extracontratual.
___________________
2
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 9/10.
3
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 17.
4
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 1.
9
Comungando com esse pensamento, Washington de Barros Monteiro assim
leciona:
Foi a Lei Aquília que introduziu os primeiros alicerces da reparação civil em
bases mais lógicas e racionais. Com ela a vindita, empregnada do
sentimento de represália, cedeu o passo à pena pecuniária, cujo pagamento
constitui, de fato, reparação do dano causado, e cuja idéia é precursora da
5
moderna indenização por perdas e danos.
1.2
CONCEITO
Em sua obra clássica, Sérgio Cavalieri Filho conceitua a responsabilidade civil
como “um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da
violação de um dever jurídico originário”6. Acrescenta o Autor que toda conduta
humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte
geradora de responsabilidade civil.
Para o Autor não há responsabilidade, em qualquer modalidade, sem violação
de dever jurídico preexistente, uma vez que a responsabilidade pressupõe o
descumprimento de uma obrigação.7
O Código Civil disciplina a matéria pertinente ao ato ilícito no art. 186, que
possui a seguinte redação: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”. E no que concerne à Responsabilidade Civil o art. 927 traz
a seguinte disposição: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Por sua vez, Caio Mário faz a seguinte colocação sobre o tema: “a
responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em
relação ao sujeito passivo da relação jurídica que se forma”.8
Washington de Barros Monteiro conclui que a teoria da responsabilidade civil
visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, por meio da
reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio,
___________________
5
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações: 2ª Parte. 34. ed
São Paulo: Saraiva, 2003. p. 447.
6
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.
2.
7
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 5.
8
PEREIRA, 1999, p. 11.
10
único meio de cumprir-se a própria finalidade do direito, que é viabilizar a vida em
sociedade.9
1.3
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
De maneira bastante singela, é possível diferenciar a responsabilidade
contratual da responsabilidade extracontratual a partir da fonte que dá origem a
obrigação de indenizar. A responsabilidade contratual pressupõe uma relação
jurídica contratual preexistente, enquanto que na responsabilidade extracontratual
esse dever decorre de imposição legal.
Na precisa lição de Sérgio Cavalieri Filho temos que: “tanto na
responsabilidade extracontratual como na contratual há violação de um dever
jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade
contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual)
estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos
contratantes e o dever específico a cuja observância fica adstritos. E como o
contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se dizer na
responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes
(relação jurídica, e não dever jurídico, preexistente, porque esse sempre se faz
presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá por seu turno
responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no
contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica”.10
Importante consideração traz o renomado autor no que diz respeito à
aplicação dessa divisão no direito pátrio:
Em nosso sistema a divisão entre responsabilidade contratual e
extracontratual não é estanque. Pelo contrário, há uma verdadeira simbiose
entre esses dois tipos de responsabilidade, uma vez que regras previstas no
Código para a responsabilidade contratual (arts. 393, 402 e 403) são
também aplicadas à responsabilidade extracontratual.
___________________
9
MONTEIRO, 2003, p. 448.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 16.
10
11
1.4
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
A responsabilidade subjetiva é aquela que se baseia no elemento culpa como
pressuposto necessário para o surgimento da obrigação de indenizar. Nesse sentido
é o posicionamento de Washington de Barros, de Carlos Roberto Gonçalves e de
Sérgio Cavalieri Filho:
Esta é a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada teoria da
responsabilidade subjetiva, que pressupõe sempre a existência de culpa
(latu sensu) abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta
intenção de o praticar) e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o
agente podia conhecer e acatar, mas que descumpre por negligência,
11
imprudência ou imperícia.
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de
culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do
dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador
12
do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.
A idéia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que,
de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que
tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de
acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade
civil subjetiva.13
Sérgio Cavalieri Filho analisando os pressupostos da responsabilidade
subjetiva inseridos no art. 186 do Código Civil apresenta importantes considerações.
Confira-se:
Sendo o ato ilícito, conforme já assinalado, o conjunto de pressupostos da
responsabilidade, quais seriam esses pressupostos na responsabilidade
subjetiva? Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um
dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que
pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o
dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três elementos,
apresentados
pela doutrina francesa como pressupostos da
responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art.
186 do Código Civil, mediante simples análise do texto, a saber:
a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão “aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”;
b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e
c) dano, revelado nas expressões “violar direito ou causar dano a outrem”.
Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa,
viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e
deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do
___________________
11
MONTEIRO, 2003, p. 449.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 4, p. 30.
13
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 16.
12
12
Código Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer ato
subjetivo, não só os relativos, que se fazem presentes no campo da
responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos,
reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à
14
liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem.
Portanto, quando se fala em responsabilidade subjetiva, a obrigação de
reparar o dano emerge sempre que o agente tiver causado prejuízo a outrem
através de conduta culposa (imprudência, imperícia ou negligência) ou dolosa.
1.5
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A responsabilidade objetiva desconsidera o elemento culpa para a imputação
do dever de indenizar, considerando-se, apenas, o dano e o nexo de causalidade
entre ação do agente e o prejuízo sofrido.
Vejamos os ensinamentos de alguns autores acerca do tema:
A lei impõe, em certos casos, a reparação do dano sem que haja culpa do
lesante. A responsabilidade nestes casos fundamenta-se na teoria objetiva,
porque prescinde da perquirição da subjetividade do agente, independe de
sua culpa, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade entre o
15
prejuízo e a ação lesiva.
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a
reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isso acontece, diz-se
que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se
satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade.16
Assim, ressalvado os casos em que o causador do dano demonstre a
ocorrência das hipóteses que excluem o nexo de causalidade, provados o dano e o
nexo causal surge o dever de indenizar independentemente de culpa.
1.6
ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Os elementos da responsabilidade civil são tratados com alguma imprecisão
doutrinária. Entretanto muitos consideram a culpa, o dano e o nexo de causalidade
___________________
14
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 18.
MONTEIRO, 2003, p. 456.
16
GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 30.
15
13
entre os pressupostos da responsabilidade civil, vejamos adiante alguns conceitos
pertinentes a esses elementos.
1.6.1 Culpa
Sérgio Cavalieri Filho conceitua a culpa como conduta voluntária contrária ao
dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de evento danoso
involuntário, porém previsto ou previsível.17
Sílvio Venosa citando José de Aguiar Dias menciona em seu livro que
a culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o
desprezo por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com
resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse
18
na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude.
A doutrina ao analisar o art. 186 do Código Civil conclui que a culpa deve ser
considerada de forma ampla de modo a abranger o dolo (pleno conhecimento do
mal e perfeita intenção de praticá-lo), e a culpa como violação de um dever que o
agente podia conhecer e observar, segundo os padrões de comportamento médio,
podendo se apresentar nas modalidades de imprudência, negligência ou imperícia.19
Ressalte-se que, conforme mencionado linhas atrás, o elemento culpa,
embora
seja
absolutamente
imprescindível
quando
se
fala
na
chamada
responsabilidade subjetiva, não se constitui em elemento da responsabilidade civil,
quando adotada a teoria da responsabilidade objetiva, conforme será examinado
adiante.
1.6.2 Dano
O dano pode ser entendido como sendo a subtração ou diminuição de um
bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial,
quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua
___________________
17
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 3.
VENOSA, 2008, p. 24.
19
GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 17.
18
14
honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma dano é lesão de um bem jurídico, tanto
patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão de dano em patrimonial e
moral.20
O dano é o principal elemento a ser considerado para o surgimento da
obrigação de reparar ou indenizar, pois, sem ele, mesmo existindo a culpa do
agente, não há como prevalecer a responsabilidade, por evidente perda do seu
objeto.
Nesse sentido é a lição de Carlos Roberto Gonçalves:
Sem a prova do dano ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O
dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão
na órbita financeira do ofendido. O Código Civil consigna um capítulo sobre
a liquidação do dano, ou seja, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e
a indenização cabível. A inexistência de dano é óbice à pretensão de uma
reparação, alias, sem objeto.21
1.6.3 Nexo de Causalidade
O nexo de causalidade é pressuposto imprescindível para a existência da
responsabilidade civil.
Segundo Maria Helena Diniz, o vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se
“nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação diretamente ou
como uma conseqüência previsível.22
A respeito do conceito de nexo de causalidade vale à pena transcrever as
lições de Sérgio Cavalieri Filho:
O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o
vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o
resultado.
A relação causal, portanto, estabelece o vínculo entre um determinado
comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis
naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não causa do dano.
Determina se o resultado surge como conseqüência natural da voluntária
conduta do agente.
Em suma, o nexo causal é um elemento diferencial entre a conduta e o
resultado. É através dele que podemos concluir quem foi o causador do
23
dano.
___________________
20
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 71.
GONÇALVES, 2009, v. 4, p. 36.
22
DINIZ, 2003, p. 100.
23
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 46.
21
15
Apesar da clarividência do conceito de nexo causal a sua aplicação prática
nem sempre é tão simples, representando uma das maiores dificuldades dos
julgadores na apreciação do caso concreto.
A seguir, são transcritos alguns precedentes jurisprudenciais sobre a
responsabilidade civil:
CIVIL.
INDENIZAÇÃO.
DANO
MORAL.
DANO
MATERIAL.
ANTICONCEPCIONAL SEM O PRINCÍPIO ATIVO. PLACEBO. GRAVIDEZ
INDESEJADA. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS
DA
PROVA.
POSSIBILIDADE.
MITIGAÇÃO.
NEXO
CAUSAL.
INEXISTÊNCIA. COMPROVAÇÃO.
1. Não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, mas sim
de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à
formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem
da inversão do ônus da prova. (RESp. 737.797/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX,
DJ 28/08/2006 p. 226 ).
2. Mesmo sem negar vigência aos princípios da verossimilhança das
alegações e a hipossuficiência da vítima quanto à inversão do ônus da
prova, não há como se deferir qualquer pretensão indenizatória sem a
comprovação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias do nexo
de causalidade entre a aquisição e a possível utilização do placebo em
data compatível e posterior à remessa da fase experimental para
destruição.
3. Rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, não há falarse em direito à percepção de indenização por danos morais e materiais.
4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido,
para julgar improcedente o pedido inicial.. (REsp 883612/ES. Relator:
Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/AP). Julgamento: 08/09/2009 Órgão Julgador:
QUARTA TURMA) (grifo nosso)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM ALUNO
DURANTE EXCURSÃO ORGANIZADA PELO COLÉGIO. EXISTÊNCIA DE
DEFEITO. FATO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
AUSÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE.
1. É incontroverso no caso que o serviço prestado pela instituição de ensino
foi defeituoso, tendo em vista que o passeio ao parque, que se relacionava
à atividade acadêmica a cargo do colégio, foi realizado sem a previsão de
um corpo de funcionários compatível com o número de alunos que
participava da atividade.
2. O Tribunal de origem, a pretexto de justificar a aplicação do art. 14 do
CDC, impôs a necessidade de comprovação de culpa da escola, violando o
dispositivo ao qual pretendia dar vigência, que prevê a responsabilidade
objetiva da escola.
3. Na relação de consumo, existindo caso fortuito interno, ocorrido no
momento da realização do serviço, como na hipótese em apreço,
permanece a responsabilidade do fornecedor, pois, tendo o fato relação
com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do nexo
causal.
4. Os estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação
ao aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e autoridade,
dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos.
5. Face as peculiaridade do caso concreto e os critérios de fixação dos
danos morais adotados por esta Corte, tem-se por razoável a condenação
da recorrida ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de
danos morais.
16
6. A não realização do necessário cotejo analítico dos acórdãos, com
indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entres o
aresto recorrido e os paradigmas implica o desatendimento de requisitos
indispensáveis à comprovação do dissídio jurisprudencial.
7. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos para
condenar o réu a indenizar os danos morais e materiais suportados pelo
autor. (REsp 762075/DF. Relator: Min. LUIS FELIPE SALOMÃO.
Julgamento: 16/06/2009. Órgão Julgador: QUARTA TURMA)
CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. REPARAÇÃO DE DANOS. EMPRESAS
PRESTADORAS DE SERVIÇOS A ÓRGÃO PÚBLICO. SINISTRO HAVIDO
NA EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS. CONTRATO DE
TRANSPORTE. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
CULPA DE TERCEIRO. NEXO DE CAUSALIDE. ELISÃO. OBRIGAÇÃO
INDENIZATÓRIA. AFASTAMENTO. LEGITIMIADE PASSIVA AD CAUSAM.
ENVOLVIMENTO DIRETO NO SINISTRO.
1. Conquanto o evento danoso tenha ocorrido durante a execução de
obrigações originárias de contratos de prestação de serviços celebrados por
ambas as envolvidas com órgão público, o havido e as conseqüências dele
originárias devem ser resolvidos exclusivamente entre as prestadoras de
serviços, à medida que, além de envolvidas diretamente no ocorrido, não é
apto a irradiar nenhum efeito ao órgão contratante por não ter assumido
nenhuma obrigação decorrente do ocorrido ou de acidentes havidos durante
a execução dos contratos.
2. Aviada ação indenizatória com estofo na cláusula geral de indenização
que está impregnada no artigo 186 do código civil, que regula a
responsabilidade civil derivada da culpa aquiliana ou extracontratual, à parte
autora fica debitado o ônus de comprovar a ação da parte ré, sua culpa, a
relação de causalidade entre a conduta havida e o resultado advindo, e o
dano, pois o ato ilícito, como fato gerador da responsabilidade e fonte de
obrigações, tem sua origem genética enliçada à preservação do direito,
obrigando aquele que afeta bem jurídico alheio a responder pelas
conseqüências da sua conduta.
3. Aferido que o evento danoso do qual germinaram os danos cuja
composição é perseguida derivara de fato atribuível a terceiro, não podendo
ser imputado à culpa do preposto da parte acionada, essa nuança,
afastando o nexo de causalidade enlaçando o ocorrido a qualquer ato
culposo passível de imputação à ré, exaure um dos elos indispensáveis à
indução da sua responsabilidade de indenizar os danos que advieram do
ocorrido, obstando o aperfeiçoamento do silogismo delineado pelo artigo
186 do código civil e ensejando sua alforria da obrigação de compor os
danos derivados do sinistro.
4. Apelação conhecida e provida. unânime. (APC - 003918362.2007.807.0001 (Res.65 - CNJ) TJDFT. Relator: Des. TEÓFILO
CAETANO. Julgamento: 02/09/2009. Órgão Julgador: SEXTA TURMA)
Examinados os aspectos mais importantes acerca da responsabilidade civil,
colacionando-se os conceitos necessários ao entendimento do tema que nos
propomos abordar, passa-se, no capítulo seguinte, ao exame da responsabilidade
civil do Estado.
17
CAPITULO 2 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO
BRASILEIRO
2.1
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil da Administração tem por objetivo buscar a reparação
do dano causado a terceiros por agentes públicos no desempenho de suas funções.
Em face da amplitude das prerrogativas que cercam a Administração Pública não
seria razoável aplicar na totalidade a responsabilidade subjetiva, sob pena de se
criar um total desequilíbrio nas relações que envolvem a Fazenda Pública e os
particulares, de modo a inviabilizar a reparação do dano causado.
Nesse sentido nos ensina Hely Lopes Meirelles
Responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda
Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes
públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É
distinta da responsabilidade contratual e da legal.
Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus
privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de
prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza
os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da
Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de
24
Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade.
Comentando a colocação do tema, responsabilidade civil da Administração
Pública, perante a noção de estado de direito, Celso Antonio Bandeira de Melo faz
as seguintes considerações:
Segundo entendemos, a idéia de responsabilidade do Estado é uma
conseqüência lógica inevitável de noção de Estado de Direito. A trabalharse com categorias puramente racionais, dedutivas, a responsabilidade
estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito.
Perfilhamos ainda seu entendimento de que a idéia de República (res
publica – coisa pública) traz consigo a noção de um regime
institucionalizado, isto é, onde todas as autoridades são responsáveis,
“onde não há sujeitos fora do Direito”. Procede inteiramente a ilação que daí
extrai: se não há sujeitos de Direito, não há sujeitos irresponsáveis; se o
Estado é um sujeito de direitos, o Estado é responsável. Ser responsável
implica responder por seus atos, ou seja, no caso de haver causado dano a
25
alguém, impõe-lhe o dever de repará-lo.
___________________
24
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.
656, 657.
25
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 953, 954.
18
2.2
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
No que concerne à responsabilidade civil do estado é possível verificar que o
tema foi objeto de grande evolução histórica, tendo sido adotadas diversas teorias
ao longo do tempo, entre elas: irresponsabilidade do Estado, responsabilidade com
culpa, culpa administrativa, e finalmente a responsabilidade objetiva, que é
atualmente adotada no ordenamento jurídico pátrio. Adiante analisaremos cada uma
dessas teorias.
2.2.1 A irresponsabilidade do Estado
Essa teoria vigorou durante o Estado despótico e absolutista, que tinha como
premissa a ideia de que “o rei não erra”, fundamentada no princípio da soberania do
Estado que detinha autoridade incontestável perante os súditos.26
Sérgio Cavalieri Filho nos ensina que:
Os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador
do dano, jamais contra o Estado, que se mantinha distante do problema.
Ante a insolvência do funcionário, a ação de indenização quase sempre
resultava frustrada.
Sustentava-se que o Estado e o funcionário são sujeitos diferentes, pelo
que este último, mesmo agindo fora dos limites de seus poderes, ou
27
abusando deles, não obrigava, com seu fato, a Administração.
Ainda segundo o Autor, no Brasil não passamos por essa teoria. Vejamos as
suas ponderações acerca do tema:
No Brasil, não passamos pela fase da irresponsabilidade do Estado. Mesmo
à falta de disposição legal específica, a tese da responsabilidade do Poder
Público sempre foi aceita como princípio geral e fundamental de Direito.
Cuidava-se, todavia, de responsabilidade fundada na culpa civil, para cuja
caracterização era indispensável a prova da culpa do funcionário. O Estado
só respondia pelos danos decorrentes de atos praticados por seu
funcionário se provado restasse ter este agido com negligência,
28
imprudência ou imperícia. .
Segundo Yussef Said Cahali, a teoria da irresponsabilidade representava
clamorosa injustiça, resolvendo-se na própria negação do direito: se o Estado se
___________________
26
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 596.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 228.
28
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 233.
27
19
constitui para a tutela do direito, não tinha sentido que ele próprio o violasse
impunemente; o Estado, como sujeito dotado de personalidade, é capaz de direitos
e obrigações como os demais entes, nada justificando sua irresponsabilidade.29
2.2.2 Teoria da responsabilidade com culpa
A teoria da responsabilidade com culpa, também conhecida como teoria
civilista por apoiar-se em princípios de Direito Civil, representa uma segunda fase da
responsabilidade civil do Estado. Essa teoria fundava-se na culpa do funcionário e
previa dois tipos de atitude estatal: os atos de império e os atos de gestão. De
acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, os primeiros seriam os praticados pela
Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e os segundos
seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os
particulares.30
Disso
resultava
que
nos
atos
de
gestão
o
Estado
poderia
ser
responsabilizado, enquanto que nos atos de império não haveria responsabilidade
estatal.
2.2.3 Teoria da culpa administrativa
Essa teoria passou a reger-se pelas normas de direito público, razão pela qual
é também conhecida como teoria publiscista da responsabilidade do Estado.
Comentando a teoria da culpa administrativa como estágio evolutivo da
responsabilidade do Estado, José dos Santos Carvalho Filho faz as seguintes
observações:
A teoria foi consagrada pela clássica doutrina de Paul Duez, segundo a qual
o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano.
Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo
que fosse impossível apontar o agente que provocou. A doutrina então,
cognominou o fato como culpa anônima do serviço.
___________________
29
30
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 21/22.
DI PIETRO, 2007, p. 596.
20
A falta do serviço podia consumar-se de três maneiras: a inexistência do
serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço. Em
qualquer dessas formas, a falta do serviço implicava o reconhecimento da
existência de culpa, ainda que atribuída ao serviço da administração. Por
esse motivo, para que o lesado pudesse exercer seus direitos à reparação
dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso ser
originava do mau funcionamento do serviço e que, em conseqüência, teria o
estado atuado culposamente. Cabia-lhe ainda, o ônus de provar o elemento
31
culpa.
2.2.4 Teoria da responsabilidade objetiva
Essa teoria é compreendida como a última fase da evolução em se tratando
de responsabilidade estatal. Nela não se há falar em falta ou culpa do serviço, sendo
suficiente apuração do nexo de causalidade entre o evento danoso e a atividade
estatal, por isso é também conhecida como teoria do risco administrativo, por
basear-se no risco que a atividade pública gera para os administrados.
Conforme os ensinamentos da doutrina chegou-se a essa posição com base
nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais. Afirmando-se
que a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz
benefícios para todos, justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a
serem custeados pelos impostos, nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
“Direito Administrativo”.32
Adverte Hely Lopes Meirelles que:
a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da
administração, permite que o poder público demonstre a culpa da vítima
para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não
significa que a administração deve indenizar sempre e em qualquer caso o
dano suportado pelo particular, significa, apenas e tão somente, que a
vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta
poderá demonstrar culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso
em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da
33
indenização.
Como as teorias do risco administrativo e do risco integral é objeto de
intensas discussões e divergências doutrinárias, vale à pena transcrever os
posicionamentos dos doutrinadores pátrios no que concerne ao tema:
___________________
31
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2006. p. 451.
32
2007, p. 599 apud In: CAVALIERI JÚNIOR, Sérgio. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 231.
33
MEIRELLES, 2008, p. 659.
21
2.2.5 Teoria do risco integral
Para Sérgio Cavalieri,
a teoria do risco integral é modalidade extremada da doutrina do risco para
justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da
vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior. É o que ocorre, por
exemplo, no caso de acidente de trabalho, em que a indenização é devida
mesmo que o acidente tenha decorrido de culpa exclusiva da vítima ou caso
fortuito. Se fosse admitida a teoria do risco integral em relação à
Administração Pública ficaria o Estado obrigado a indenizar sempre e em
qualquer caso o dono suportado pelo particular, ainda que não decorrendo
de sua atividade, posto que estaria impedido de invocar as causas de
exclusão do nexo causal, o que, a toda evidência, conduziria ao abuso e à
iniqüidade.34
Maria Silvya Zanella Di Pietro, observa que a maior parte da doutrina
considera as expressões risco administrativo e risco integral como sinônimos. A
autora faz referência às críticas levantadas por Yussef Said Cahali a distinção entre
essas teorias, vejamos:
Yussef Said Cahali (1995:40) criticando a distinção feita por Hely Lopes
Meirelles, diz que: “a distinção entre risco administrativo e risco integral não
é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica
entre as duas modalidades de risco pretendidas, mas simplesmente em
função das conseqüências irrogadas a uma outra modalidade: o risco
administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir contraprova de
excludente de responsabilidade, efeito que seria inadmissível se qualificado
como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou
natureza da distinção”. E acrescenta que “deslocada a questão para o plano
da causalidade, qualquer que seja a qualificação atribuída ao risco – risco
integral, risco administrativo, risco proveito – aos tribunais se permite a
exclusão ou atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores
outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido ou concorrido como causa
35
na verificação do dano injusto.
Sérgio Cavalieri comentando a divergência de entendimentos conclui que: “A
realidade, entretanto, é que a distinção se faz necessária para que o estado não
venha a ser responsabilizado naqueles casos em que o dano não decorra direta ou
indiretamente da atividade administrativa”.36
Assim, pode-se afirmar que a teoria adotada no ordenamento jurídico pátrio é
a do risco administrativo em que elementos como a culpa exclusiva ou concorrente
da vítima, o caso fortuito, a força maior e o fato exclusivo de terceiros podem afastar
___________________
34
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 233.
DI PIETRO, 2007, p. 600.
36
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 232.
35
22
do Estado o dever de indenizar. E isso ocorre também em face do rompimento do
nexo causal. Vejamos o precedente abaixo:
E M E N T A: INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
PODER PÚBLICO - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO PRESSUPOSTOS
PRIMÁRIOS
DE
DETERMINAÇÃO
DESSA
RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO CAUSADO A ALUNO POR OUTRO
ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO NA REDE PÚBLICA DE ENSINO PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO - FATO OCORRIDO NO RECINTO
DE ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL - CONFIGURAÇÃO DA
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO - INDENIZAÇÃO
PATRIMONIAL DEVIDA - RE NÃO CONHECIDO. RESPONSABILIDADE
CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos
constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere
fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público
pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou
por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional
da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera
ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizála pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de
caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta
do serviço público. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o
perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a
alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o
comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c)
a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder
Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta
comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do
comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa
excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ
91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417). - O princípio da responsabilidade
objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o
abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade
civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de
situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou
evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA
137/233 - RTJ 55/50). RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO
POR DANOS CAUSADOS A ALUNOS NO RECINTO DE
ESTABELECIMENTO OFICIAL DE ENSINO. - O Poder Público, ao receber
o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino,
assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade
física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral
desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em
responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno. - A
obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos,
enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar,
constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de
dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a
guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino.
Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno,
emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a
quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e
proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as
situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o
evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos.
(RE 109615, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado
em 28/05/1996, DJ 02-08-1996 PP-25785 EMENT VOL-01835-01 PP00081) (grifo nosso)
23
Nessa direção, Cavalieri analisando o art. 37, § 6º do texto constitucional, faz
as seguintes ponderações:
Duas outras conclusões podem ser extraídas do texto constitucional em
exame. O Estado só responde pelos danos que os seus agentes, nessa
qualidade, causem a terceiros. A expressão grifada – seus agentes, nessa
qualidade – está a evidenciar que o constituinte adotou expressamente a
teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da
Administração Pública, e não a teoria do risco integral, porquanto
condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano
recorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver
relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano. Sem
essa relação de causalidade, como já ficou assentado, não há como e nem
por que responsabilizá-lo. Importa dizer que o Estado não responderá pelos
danos causados a outrem pelos seus servidores quando não estiverem no
exercício da função, nem agindo em razão dela. Não responderá
igualmente, quando o dano decorrer de fato exclusivo da vítima, caso
fortuito ou força maior e fato de terceiro, por isso que tais fatores, por não
37
serem agentes do Estado, exclui o nexo causal. (grifo do autor).
Yussef Said Cahali comentando o sentido de evolução histórica da
responsabilidade civil no Estado direito Brasileiro faz as seguintes considerações:
A constituição de 1934, no art. 171, dispunha que os funcionários públicos
seriam responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou
Municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou
abuso no exercício de seus cargos. E nos §§ 1.º e 2.º prescrevia que, “na
ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por
funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. Executado a
sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário
culpado.38
A Constituição de 1946, no art. 194, foi clara:
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis
pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários
causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.
A Constituição de 1967 seguiu a mesma linha, dispondo de maneira ainda
mais incisiva, no art. 105 (repetido no art. 107 da Emenda Constitucional de 1969):
“As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus
funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação
regressiva contra o funcionamento responsável, nos caos de culpa ou dolo”.
E, mantendo os mesmos princípios, a Constituição de 1988 ampliou a
extensão dessa responsabilidade, conforme seu art. 37, § 6.º: “As pessoas jurídicas
de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço públicos
___________________
37
38
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 237.
CAHALI, 2007.
24
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa”.39
Em síntese, caso o Brasil adotasse a teoria do risco integral haveria sempre
que indenizar, ainda que inexistisse a conduta estatal e o nexo de causalidade. Já a
teoria do risco administrativo sinaliza que o Estado somente indenizará presentes a
conduta, o dano e a necessária relação de causalidade entre eles, razão pela qual,
por exemplo, situações ligadas a eventos da natureza que provoquem prejuízos a
terceiros (motivo de força maior) não são imputados ao Estado.
2.3
ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Não há harmonia entre os doutrinadores no que diz respeito aos elementos
da responsabilidade civil do Estado, por isso destacaremos o que há de majoritário:
fato administrativo, o dano e o nexo causal.
2.3.1 Fato administrativo
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando o fato descrito na norma legal
produz efeitos no campo do direito administrativo, ele é um fato administrativo.40
Para José dos Santos Carvalho Filho, o fato administrativo é considerado
como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima,
singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. Ainda que o agente estatal atue fora
de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no
mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de
sua conduta (culpa in vigilando)41.
___________________
39
CAHALI, 2007, p. 30/31.
DI PIETRO, 2007, p. 175.
41
CARVALHO FILHO, 2006, p. 458.
40
25
2.3.2 Evento danoso
Assim como na responsabilidade civil disciplinada pelas regras de direito
privado o evento danoso constitui-se pressuposto fundamental para o nascimento do
dever de indenizar, não importando que seja um dano patrimonial ou moral.
Yussef Said Cahali destaca um dos pontos fundamentais no que concerne ao
tema, vejamos:
Como na atividade administrativa são freqüentes os casos em que o
interesse público exige o sacrifício de interesses privados, para que o dano
dê lugar ao nascimento da pretensão indenizatória, é necessário que o
prejuízo seja especial ou singular, e não universal, isto é, “só quando certa
ou certas pessoas forem prejudicadas pela atividade administrativa
42
enquanto a generalidade foi poupada.
2.3.3 Nexo causal
O nexo causal ou relação de causalidade é o liame entre o fato administrativo
e o dano causado. Entre os pressupostos da responsabilidade Estatal esse é o que
apresenta maior dificuldade no momento de sua apreciação. Assim, oportuno
transcrever as precisas lições de José dos Santos Carvalho Filho:
O ultimo pressuposto é o nexo causal (ou relação de casualidade) entre o
fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe a penas
demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem
qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa. Se o dano decorre de fato
que, de modo algum, pode ser imputado à administração, não se poderá
imputar responsabilidade civil a esta; inexistindo o fato administrativo não
haverá, por conseqüência, o nexo casal. Essa é a razão por que não se
pode responsabilizar o Estado por todos os danos sofridos pelos indivíduos,
principalmente quando decorrem de fato de terceiros ou de ação da própria
vítima.
O nexo de casualidade é fator de fundamental importância para a atribuição
de responsabilidade civil do Estado. O exame supérfluo e apressado de
fatos causadores de danos a indivíduos tem levado alguns intérpretes à
equivocada conclusão de responsabilidade civil do estado. Para que se
tenha uma analise absolutamente consentânea com o mandamento
constitucional, é necessário que se verifique se realmente houve um fato
administrativo (ou seja, um fato imputável à Administração), o dano da
vitima e a certeza de que o dano proveio efetivamente daquele fato. Essa é
a razão por que os estudiosos têm consignado, com inteira dose de acerto,
que “a responsabilidade objetiva fixada pelo texto constitucional exige como
requisito para que o Estado responda pelo dano que lhe for imputado, a
___________________
42
CAHALI, 2007, p. 69.
26
fixação do nexo casal entre o dano produzido e a atividade funcional
43
desempenhada pelo agente estatal.
2.4
EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Como mencionado anteriormente, o Estado não pode responsabilizar-se por
todo e qualquer ato que ocorra, razão pela qual se adotou no ordenamento jurídico
pátrio a teoria do risco administrativo, na qual se admite a exclusão da
responsabilidade do Estado em determinadas situações. Entretanto, também quanto
às excludentes de responsabilidade não há unanimidade doutrinária. A maior parte
da doutrina considera como causas que obstam a incidência de responsabilidade a
ocorrência de culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiros, o caso fortuito e a força
maior.
Desse modo, a responsabilidade do Estado surge sempre que se demonstre o
dano, a conduta estatal que o ensejou, e a relação de causa e efeito, entre aquele e
esta. Sendo que ocorrendo as situações em que não há como se estabelecer um
liame entre o dano e conduta estatal, seja ela omissiva ou comissiva, ficará o nexo
de causalidade, pressuposto fundamental para se obter a reparação do dano,
prejudicado, não havendo que cogitar qualquer pretensão indenizatória por parte do
Estado.
Tais situações são facilmente visualizadas quando se tratar de caso fortuito,
força maior, estado de necessidade, culpa da vítima e ato de terceiro, as quais,
ocorrendo, afastam ou atenuam a responsabilidade do Estado.
Vejamos a seguir os principais elementos que afastam ou atenuam a
responsabilidade Estatal.
2.4.1 Força maior e caso fortuito
Apesar das intensas discussões a respeito da diferença entre a força maior e
o caso fortuito, ainda não há posicionamento unânime na doutrina.
___________________
43
CARVALHO FILHO, 2006, p. 458-459.
27
Como caso fortuito entende-se a circunstância provocada por ação ou inação
do homem, que intervém na conduta de outros indivíduos de forma irresistível.
A força maior, exemplificada pela doutrina tradicional como fenômenos da
natureza, tais como, raios, terremotos, erupções vulcânicas e outros, é conhecida
como o evento com natureza conhecida, mas impossível de ser evitada pelo
homem.
Nesse sentido, José Cretella Júnior observa que:
[...] fenômenos da natureza (cataclismos, terremotos, ciclones, furacões,
raios, inundações, erupções vulcânicas, maremotos, trombas d’água), entre
outros que, comprovados, se apresentam com o traço da inevitabilidade
mesmo diante das possibilidades técnicas de nossos dias, impotentes para
evitar-lhes os efeitos, configuram-se a força maior, evento imprevisível e
alheio à vontade do sujeito quem se pretende atribuir a responsabilidade
44
pelo prejuízo.
O artigo 393, parágrafo único do Código Civil não faz distinção entre caso
fortuito e força maior:
O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Porém, Sérgio Cavalieri Filho aponta distinções entre o caso fortuito e a forma
maior. Vejamos:
Entendemos, todavia, que diferença existe, e é a seguinte: estaremos em
face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso,
inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de
fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da
natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da
45
força maior, como o próprio nome diz.
Ainda discorrendo sobre o tema, o mesmo autor, em sua obra Programa de
Responsabilidade Civil defende que tanto o caso fortuito quanto a força maior são
causas que excluem o nexo causal e, portanto, estão fora dos limites da culpa, por
constituírem, também, causas estranhas à conduta do aparente agente.
A responsabilidade do Estado é afastada quando o prejuízo causado ao
lesado for decorrente de força maior, ainda que o evento seja previsível e inevitável,
por estar ausente a relação de causalidade entre o dano e a atuação administrativa.
___________________
44
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
p. 134/137.
45
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 66.
28
José Carvalho dos Santos Filho denomina esses elementos como fatos
imprevisíveis. O Autor sintetiza a matéria trazendo as seguintes observações:
Vimos que os pressupostos da responsabilidade objetiva são o fato
administrativo, o dano e o nexo de causalidade entre o fator e o dano. Ora,
na hipótese de caso fortuito ou força maior nem ocorreu fato imputável ao
Estado, nem o fato cometido por agente estatal. E, se é assim, não existe
nexo de causalidade entre qualquer ação do estado e o dano sofrido pelo
lesado. A conseqüência, pois, não pode ser outra que não a de que tais
fatos imprevisíveis não ensejam a responsabilidade do Estado. Em outras
46
palavras são eles excludentes da responsabilidade.
Todo o explanado, quanto aos elementos necessários para o ensejo a
responsabilidade objetiva do Poder Público, está bem resumido no voto proferido
pelo Ministro Celso de Mello no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário
495.740-0:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS
ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA
DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO
RISCO ADMINISTRATIVO – INFECÇÃO POR CITOMELOVÍRUS – FATO
DANOSO PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DA
EXPOSIÇÃO DE SUA MÃE, QUANDO GESTANTE, A AGENTES
INFECCIOSOS, POR EFEITO DO DESEMPENHO, POR ELA, DE
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM HOSPITAL PÚBLICO, A SERVIÇO DA
ADMINISTRAÇÃO, A SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO ESTATAL –
PRESTAÇÃO
DEFICIENTE,
PELO
DISTRITO
FEDERAL,
DE
ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL – PARTO TARDIO – SÍNDROME DE
WEST – DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESSARCIBILIDADE –
DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a
alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o
comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c)
a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do poder
público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta
comissiva ou omissiva, (d) a ausência de causa excludente da
responsabilidade estatal... (Ag. Reg. no RE 495.740-0. Relator Ministro
Celso de Mello. DJ 13/08/2009)
O Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão no mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO
OMISSIVO – QUEDA DE ENTULHOS EM RESIDÊNCIA LOCALIZADA À
MARGEM DE RODOVIA.1. A responsabilidade civil imputada ao Estado por
ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-se o
dever de indenizar quando houver dano ao patrimônio de outrem e nexo
causal entre o dano e o comportamento do preposto.2. Somente se afasta
a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou
força maior, ou decorrer de culpa da vítima.3. Em se tratando de ato
omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes da
responsabilidade objetiva e da responsabilidade subjetiva, prevalece, na
jurisprudência, a teoria subjetiva do ato omissivo, só havendo indenização
culpa do preposto.4. Recurso especial improvido.(REsp 721.439/RJ, Rel.
___________________
46
CARVALHO FILHO, 2006, p. 461/462.
29
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2007, DJ
31/08/2007 p. 221) (grifo nosso)
2.4.2 Culpa da vítima
Nas hipóteses em que o dano tenha sido causado exclusivamente por
conduta da própria vítima, sem que o agente estatal tenha interferido na ocorrência
do evento danoso, não haverá o necessário nexo causal entre o dano e a atuação
da máquina administrativa e, em conseqüência, a responsabilidade do estado ficará
afastada.
Sérgio Cavalieri Filho apresenta uma situação hipotética que bem ilustra a
ocorrência de culpa da vítima. Confira-se:
A culpa exclusiva da vítima – pondera Sílvio Rodrigues – é causa de
exclusão do próprio nexo causal, porque o agente, aparente causador do
dano, é mero instrumento do acidente (ob. cit., p. 179). Assim, se “A”, num
gesto tresloucado, atira-se sob as rodas do veículo dirigido por “B”, não se
poderá falar em liame de causalidade entre o ato deste e o prejuízo por
aquele experimentado. O veículo atropelador, a toda evidência, foi simples
instrumento do acidente, erigindo-se a conduta da vítima em causa única e
adequada do evento, afastando o próprio nexo causal em relação ao
motorista, e não apenas a sua culpa, como querem alguns. A boa técnica
recomenda falar em fato exclusivo da vítima em lugar da culpa exclusiva. O
problema, como se viu, desloca-se para o terreno do nexo causal, e não da
culpa. O Direito Italiano fala em relevância do comportamento da vítima
para os fins do nexo de causalidade material. Para os fins de interrupção do
nexo causal basta que o comportamento da vítima represente o fato
decisivo do agente. Washington de Barros Monteiro afirma que o nexo
desaparece ou se interrompe quando o procedimento da vítima é a causa
única do evento (qui sua culpa damnum sentit, damnum sentire non videtur)
(Curso de Direito Civil, 25ª ed., v. 1º/279, Saraiva). No mesmo sentido
Aguiar Dias, ao dizer: “Admite-se como causa de isenção de
responsabilidade o que se chama de culpa exclusiva da vítima, pelo qual
fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato
47
danoso” (ob. cit., v. II/313)
A ocorrência de culpa da vítima, uma vez provada pela administração, tem o
condão de afastar ou atenuar a responsabilidade do Estado.
Assim, se o evento danoso foi provocado exclusivamente pelo terceiro,
restará ausente o indispensável nexo de causalidade entre o dano e a atividade da
Administração, além de não configurar injusto, não se prestando, assim, como causa
jurídica de pretensão indenizatória.
Nesse sentido Yussef Said Cahali:
___________________
47
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 64.
30
Estabelecido o liame causal entre a falta administrativa e o prejuízo
superveniente, sem culpa ou dolo da vítima, cabe à Administração indenizar
o lesado. Disso deflui que, a contrario sensu, sempre que a culpa da própria
vítima for a causa imediata do acidente, ainda que envolvido se ache algum
agente do Poder Público, não se configura a responsabilidade civil da
48
Administração.
Entretanto, o ônus da prova nestes casos pertence à pessoa Jurídica de
Direito Público ou de Direito Provado prestadora de Serviço Público demandada em
juízo, pois o que se examina não é a culpa da Administração, cuja responsabilidade
rege-se pela teoria objetiva, e sim a culpa da vítima, que será regida pela teoria
subjetiva.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica
do precedente abaixo colacionado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RISCO ADMINISTRATIVO.
RECONHECIDO O NEXO CASUAL, A PROVA DE QUE HOUVE CULPA
CONCORRENTE OU EXCLUSIVA DA VITIMA NO EVENTO CABE A
PESSOA JURIDICA DE DIREITO PUBLICO. DIREITO A INDENIZAÇÃO
POR DESPESAS MEDICO-HOSPITALARES E A LUCROS CESSANTES,
A SEREM COMPROVADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
AFASTAMENTO DE PENSÃO VITALICIA, DIANTE DA CONCLUSÃO DO
LAUDO PERICIAL DE QUE O RECORRENTE NÃO SE ACHA INVALIDO.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. .(REsp 60255 / DF, Rel.
Ministro Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Ministro Adhemar
Maciel. SEGUNDA TURMA, julgado em 26/09/1996, DJ 23/06/1997) (grifo
nosso)
Existem situações em que o comportamento da vítima apenas contribuiu para
a ocorrência do evento danoso. Nessa hipótese, a responsabilidade do Estado não
poderá ser suprimida, mas será mitigada, de acordo com o nível de interferência de
cada conduta no resultado do dano.
Nesses casos, a culpa da vítima poderá ser atenuante da responsabilidade
pública, devendo o prejuízo ser dividido entre todos os causadores do dano,
cabendo ao Poder Público reparar o prejuízo causado na medida de sua
culpabilidade. Se para a verificação do evento danoso concorreram a culpa da vítima
e a ação conjunta do estado ou de ente prestador de serviço público, todos os
fatores determinantes devem ser considerados na fixação proporcional da
indenização, restando atenuada a responsabilidade pública.
___________________
48
CAHALI, 2007, p. 54.
31
2.4.3 Ato de terceiro
O terceiro é a pessoa que concorre para o evento e que não figura na posição
de pessoa jurídica de Direito Público, pessoa Jurídica de Direito Privado prestadora
de serviço Público ou de lesado.
Nas hipóteses em que o terceiro cause dano ao particular por sua ação direta,
sem que o Estado possa intervir de modo a neutralizar os efeitos dessa conduta,
dentro da razoabilidade e diligências possíveis, deve-se excluir a responsabilidade
da Administração Pública.
Se o terceiro age por sua conta e risco, sem vínculo com a atuação estatal,
deve responder pelos prejuízos oriundos de seu comportamento, excluindo, assim, a
responsabilidade pública pelo evento danoso, porém, se a atividade desenvolvida
pelo particular tiver qualquer vínculo com a Administração pública, a indenização
deve ser repartida entre o Estado e o terceiro causador do dano.
Vejamos as lições de Yussef Said Cahali:
Finalmente, o fato de terceiro pode atuar como fator de quebra do nexo de
causalidade, para excluir ou não a responsabilidade da pessoa jurídica de
direito público: “Já decidiu a Corte que o fato de terceiro que não exonera
de responsabilidade o transportar ‘é aquele que com transporte guarda
conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento. O mesmo
não se verifica quando intervenha fato inteiramente estranho, devendo-se o
dano a causa alheia ao transporte em si’ (REsp 13.351, DJ 24.02.1992;
REsp 174.382, DJ13.12.1999; REsp 67.921, DJ 08.12.1995). De igual forma
decidiu a Corte que, ‘na sistemática do direito brasileiro, o ocasionador
direto do dano responde pela reparação a que faz jus a vítima, ficando com
ação regressiva contra o terceiro que deu origem à manobra determinante
do ato lesivo’ (REsp 127.747).49
Segundo a doutrina dominante, o fato de terceiro equipara-se ao caso fortuito
ou a força maior, por se tratar de causa estranha à conduta do agente aparente,
imprevisível e inevitável. Nesse sentido, Sérgio Cavalieiri Filho:
o fato de terceiro, segundo a opinião dominante, equipara-se ao caso
fortuito ou força maior, por ser uma causa estranha à conduta do agente
aparente, imprevisível e inevitável. A culpa exclusiva de terceiros foi
também incluída pelo Código de Consumidor entre as causas de exclusão
50
de responsabilidade do fornecedor (arts. 12, § 3º, III, e 14, § 3º, II).
___________________
49
50
CAHALI, 2007, p. 65.
CARVALHO FILHO, 2006, p. 65.
32
2.5
PESSOAS JURÍDICAS DO ART. 37, § 6º, DA CF/88
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
51
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso).
José dos Santos Carvalho Filho comentando essa regra constitucional
considera como pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos as pessoas
privadas da Administração Indireta (empresas públicas, sociedades de economia
mista e fundações públicas com personalidade de direito privado), quando se
dedicam à prestação de serviços
públicos, e os
concessionários
e os
permissionários de serviços públicos como é o caso das empresas de transporte
coletivo, de fornecimento de água, de distribuição e fornecimento de energia elétrica
e outras dessa natureza.52
No mesmo sentido é a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello:
Ademais, para fins de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se,
também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do
Estado, bem como quaisquer outras, inclusive de Direito Privado, que,
inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham
cometimentos estatais sob concessão ou delegação explicitas
(concessionárias de serviço públicos e delegados de função pública) ou
implícitas (sociedade mistas e empresas do Estado em geral, quando no
desempenho de serviço público propriamente dito). Isto porque não faria
sentido que o Estado se esquivasse a responder subsidiariamente – ou
seja, depois de exaustas as força da pessoa alheia à sua intimidade
estrutural – se a atividade lesiva só foi possível porque o Estado lhe colocou
em mãos o desempenho da atividade exclusivamente pública gerada do
53
dano.
Um aspecto
que
merece
destaque é o
entendimento
de
que a
responsabilidade objetiva das pessoas privadas prestadoras de serviços públicos
incide exclusivamente na hipótese em que o dano é ocorrido contra usuários, não se
admitindo que essa incida perante terceiros. Entretanto, o Supremo Tribunal
Federal, em recente decisão, mudou esse entendimento, conforme se verifica em
seu informativo nº 557, de 24 de agosto de 2009:
Responsabilidade Civil Objetiva e Terceiro Não-Usuário do Serviço
Enfatizando a mudança da jurisprudência sobre a matéria, o Tribunal, por
maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que
___________________
51
Transcrição do art. 37, § 6º, da CF/88.
CARVALHO FILHO, 2006, p. 454.
53
MELO, 2006, p. 963.
52
33
concluíra pela responsabilidade civil objetiva de empresa privada prestadora
de serviço público em relação a terceiro não-usuário do serviço. Na espécie,
empresa de transporte coletivo fora condenada a indenizar danos
decorrentes de acidente que envolvera ônibus de sua propriedade e ciclista,
o qual falecera. Inicialmente, o Tribunal resolveu questão de ordem
suscitada pelo Min. Marco Aurélio, no sentido de assentar a necessidade de
se ouvir o Procurador-Geral da República, em face do reconhecimento da
repercussão geral e da possibilidade da fixação de novo entendimento
sobre o tema, tendo o parquet se pronunciado, em seguida, oralmente.
RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874)
No mérito, salientando não ter ficado evidenciado, nas instâncias ordinárias,
que o acidente fatal que vitimara o ciclista ocorrera por culpa exclusiva
deste ou em razão de força maior, reputou-se comprovado o nexo de
causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro nãousuário do serviço público, e julgou-se tal condição suficiente para
estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito
privado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF (“As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa.”). Asseverou-se que não se poderia interpretar
restritivamente o alcance do art. 37, § 6º, da CF, sobretudo porque a
Constituição, interpretada à luz do princípio da isonomia, não permite que
se faça qualquer distinção entre os chamados “terceiros”, ou seja, entre
usuários e não-usuários do serviço público, haja vista que todos eles, de
igual modo, podem sofrer dano em razão da ação administrativa do Estado,
seja ela realizada diretamente, seja por meio de pessoa jurídica de direito
privado. Observou-se, ainda, que o entendimento de que apenas os
terceiros usuários do serviço gozariam de proteção constitucional
decorrente da responsabilidade objetiva do Estado, por terem o direito
subjetivo de receber um serviço adequado, contrapor-se-ia à própria
natureza do serviço público, que, por definição, tem caráter geral,
estendendo-se, indistintamente, a todos os cidadãos, beneficiários diretos
ou indiretos da ação estatal. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava
provimento ao recurso por não vislumbrar o nexo de causalidade entre a
atividade administrativa e o dano em questão. Precedentes citados: RE
262651/SP (DJU de 6.5.2005); RE 459749/PE (julgamento não concluído
em virtude da superveniência de acordo entre as partes).
RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874)
Portanto, de acordo com o recente precedente acima transcrito, não só os
usuários do serviço público, como, p. ex. o passageiro de um ônibus de transporte
coletivo, mas também os não-usuários, como, p. ex., uma pessoa que tem seu
veículo abalroado pelo ônibus da concessionária podem ingressar com ação de
indenização em desfavor da delegatária de serviços públicos com base na
responsabilidade objetiva.
Nesses casos, ressalte-se, a responsabilidade primária é da empresa
concessionária de serviços públicos, somente respondendo o Estado de forma
subsidiária.
34
2.6
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS
A responsabilidade do Estado por atos omissivos é tema que tem gerado
grande controvérsia entre doutrinadores. Para alguns estudiosos da matéria, a
responsabilidade do Estado será objetiva tanto por atos comissivos quanto por atos
omissivos. Para outros, em se tratando de atos omissivos surgirá necessidade de se
apurar a culpa, não se admitindo a responsabilização sem que ela exista.
Sérgio Cavalieri citando entendimentos doutrinários acerca do assunto assim
leciona:
Na doutrina, ilustres juristas entendem que a responsabilidade estatal é
objetiva tanto por ato comissivo como omissivo. Hely Lopes Meirelles: ”O
essencial é o que o agente da Administração haja praticado o ato ou a
omissão administrativa na qualidade de agente público. Não se exige, pois,
que tenha agido no exercício de suas funções, mas simplesmente na
qualidade de agente público” (direito Administrativo brasileiro, 29º ed.,São
Paulo, Malheiros Editores,2004, p.630-grifamos); Yussef Said Cahali:
“Desenganadamente, a responsabilidade objetiva da regra constitucional –
concordam todos,doutrina e jurisprudência, em considerá-la como tal – se
basta com a verificação do nexo de casualidade entre o procedimento
comissivo ou omissivo da Administração pública e o evento danoso
verificando como conseqüência [..]” (Responsabilidade civil do Estado, 2º
ed., 2ª tir., São Paulo, Malheiros editores, 1996, p.40). No mesmo sentido
Celso Ribeiro Bastos ( Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo,
Saraiva, 1999, p. 190) e Odete Medauar (Direito Administrativo moderno, 4ª
ed., São Paulo, Ed. RT, 2000, p.430),dentre outros.54 (Programa de
Responsabilidade Civil Cavalieri Filho pg. 240 e 241).
Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho traz as seguintes
considerações:
O Estado causa danos a particulares por ação ou por omissão. Quando o
fato administrativo é comissivo, podem os danos ser gerados por conduta
culposa ou não. A responsabilidade objetiva do Estado se dará pela
presença dos seus pressupostos o fato administrativo, o dano e o nexo
casal.
Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a
omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado.
Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um
dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal.
Somente quando o Estado se omite diante do dever legal de impedir a
ocorrência do dano e que será responsável civilmente obrigado a reparar os
prejuízos.
A conseqüência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do
Estado no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes
estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na
espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao poder publico de
impedir a consumação do dano. Resulta, conseguinte que, nas omissões
___________________
54
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 240/241.
35
estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não
55
aplicabilidade como ocorrem nas condutas comissivas.
tem
perfeita
Ressalte-se que em casos de omissão que causem prejuízos a outrem,
prevalece na jurisprudência a ideia de responsabilizar o Estado somente quando for
comprovada a culpa, ou seja, na responsabilidade por omissão não bastam o fato
jurídico, o dano e o nexo de causalidade, exige-se a comprovação de que o Estado
tinha conhecimento da omissão e ainda assim manteve-se inerte, causando o
prejuízo. Em resumo, em caso de conduta omissiva, a jurisprudência acena para a
adoção da responsabilidade subjetiva do Estado, conforme se verifica abaixo:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO.
RESPONSABILIDADE
EXTRACONTRATUAL
DO
ESTADO.
ATO
OMISSIVO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AGENTE PÚBLICO FORA DE
SERVIÇO. CRIME PRATICADO COM ARMA DA CORPORAÇÃO. ART. 37,
§ 6º, DA CF/88. 1. Ocorrência de relação causal entre a omissão,
consubstanciada no dever de vigilância do patrimônio público ao se permitir
a saída de policial em dia de folga, portando o revólver da corporação, e o
ato ilícito praticado por este servidor. 2. Responsabilidade extracontratual do
Estado caracterizada. 3. Inexistência de argumento capaz de infirmar o
entendimento adotado pela decisão agravada. 4. Agravo regimental
improvido. (RE 213525 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda
Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 0602-2009 EMENT VOL-02347-05 PP-00947) (grifo nosso).
EMENTA:
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO.
CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER
PÚBLICO:
DETENTO
FERIDO
POR
OUTRO
DETENTO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO
SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder
público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige
dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a
negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto,
necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público,
de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- faute du
service dos franceses -- não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer,
do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o
dano causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro detento:
responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa
genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela
integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido. (RE 382054,
Relator(a):
Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em
03/08/2004, DJ 01-10-2004 PP-00037 EMENT VOL-02166-02 PP-00330 RT
v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL
00192-01 PP-00356) (grifo nosso)
___________________
55
CARVALHO FILHO, 2006, p. 464, 465.
36
2.7
RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO
O § 6º do art. 37 da Constituição Federal possui a seguinte redação:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.
A substituição da expressão “funcionários”, contida nas constituições
anteriores, por “agente” foi objeto de grande reconhecimento por parte da doutrina
(José dos Santos Carvalho Filho, Hely Lopes Meirelles, Yussef Said Cahali). Essa
expressão “agente” se revela mais adequada por permitir uma interpretação mais
ampla. Por oportuno, transcreveremos adiante o conceito de agentes públicos: “São
todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de
alguma função estatal”.56
A expressão agentes públicos tem sentido amplo. Significa o conjunto de
pessoas que, a qualquer título, exercem um função pública como preposto
do Estado. Essa função, é mister que se diga, pode ser remunerada ou
57
gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica [...]
A Lei 8.429/1992 também define o conceito de agentes públicos, vejamos:
Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação contratação ou qualquer forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no
artigo anterior.
Outro aspecto que merece destaque é a observação contida no dispositivo
Constitucional no sentido de ser imprescindível que o agente esteja nessa
qualidade, ou seja, na qualidade de agente público, para que o Estado possa ser
obrigado a indenizar.
Conforme adverte Hely Lopes Meirelles:
o abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a
responsabilidade objetiva da Administração. Antes, a agrava, porque tal
abuso traz ínsita a presunção de má escolha do agente público para a
missão que lhe fora atribuída. Desde que a administração defere ou
possibilita ao seu servidor a realização de certa atividade administrativa, a
guarda de um bem ou a condução de uma viatura, assume o risco de sua
___________________
56
57
MEIRELLES, 2008, p. 76.
CARVALHO FILHO, 2006, p. 488
37
execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha a
58
causar injustamente a terceiros.
O § 6º, do art. 37, da Constituição Federal permite que a Administração se
utilize da ação regressiva em face do causador do dano (agente) para que ele arque
com os prejuízos indenizados à vítima. Entretanto, enquanto que para o Poder
Público a responsabilidade é objetiva, sem necessidade de se apurar a culpa, para
que a Administração utilize-se dessa prerrogativa é necessário comprovar a
existência de culpa ou do dolo do agente. É o que se extrai da parte final do
dispositivo em comento:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Das lições doutrinárias é possível verificar que o direito da Administração em
buscar a reparação do prejuízo por meio de ação regressiva, fica condicionado a
ocorrência de dois fatores: que a reparação do dano à vítima já tenha sido satisfeita
e que haja culpa ou dolo do agente público. Nesse sentido Hely Lopes Meirelles:
A reparação do dano causado pela Administração a terceiros obtém-se
amigavelmente ou por meio da ação de indenização, e, uma vez indenizada
a lesão da vítima, fica a entidade pública com o direito de voltar-se contra o
servidor culpado para haver dele o despendido, através da ação regressiva
autorizada pelo § do art. 37 da CF.
O legislador constituinte bem separou as responsabilidades: o Estado
indeniza a vítima, o agente indeniza o Estado regressivamente.
A ação regressiva da Administração contra o causador direito do dano está
instituída pelo § 6º do art. 37 da CF como mandamento a todas as
entidades públicas e particulares prestadores de serviços públicos. Para
êxito desta ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já
tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se
comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a
Administração a responsabilidade independente da culpa, para o servidor a
responsabilidade depende da culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se
59
apura pelos critérios gerais do Código Civil.
Vejamos
as
decisões
do
Superior
Tribunal
de Justiça
acerca
da
responsabilidade civil do Estado:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO. TENTATIVA.
NEGLIGÊNCIA. POSSIBILIDADE CONCRETA. DEVER DE VIGILÂNCIA.
DIREITO À PROTEÇÃO DA VIDA PRÓPRIA E DE TERCEIROS. NEXO
CAUSAL. SÚMULA 7/STJ.
1. O nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de suicídio respaldase na negligência do Estado quanto à possibilidade de militar deprimido ter
___________________
58
59
MEIRELLES, op. cit., p. 663.
MEIRELLES, 2008, p. 667/669.
38
acesso a armas, colocando em risco não apenas a sua própria existência,
mas a vida de terceiros.
2. Ad argumentandum tantum, ainda que se admitisse a embriaguez
afirmada pelo recorrente, incumbe ao Estado o tratamento do alcoolismo,
reconhecida patologia que acarreta distúrbios psicológicos e mentais,
podendo evoluir para quadro grave, como a tentativa de suicídio.
Precedente: RMS 18.017/SP, DJ 02/05/2006.
3. In casu, assentou o Tribunal a quo caber ao Estado vigiar o
comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata
fiscalização e autoridade estão. Formar soldados não significa querê-los - a
qualquer preço - bons atiradores, bem preparados fisicamente e
cumpridores de ordens. Eventuais desequilíbrios emocionais ou
psicológicos podem e devem ser detectados pelo Administrador Público em
suas rotineiras rondas.
4. A negligência decorrente dos fatos narrados pelo autor na exordial - em
especial no que se refere à configuração da responsabilidade estatal restou examinada pelo Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório
engendrado nos autos, é insindicável nesta instância processual, à luz do
óbice constante da Súmula 7/STJ.
5. O Estado é responsável pessoas presas cauterlamente ou em
decorrência de sentença definitiva; menores carentes ou infratores
internados em estabelecimentos de triagem ou recuperação; alunos de
qualquer nível (básico, profissionalizante, nível superior etc); doentes
internados em hospitais públicos, e outras situações assemelhadas, tornase guardião dessas pessoas (Rui Stocco – in "Responsabilidade Civil e sua
Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição,
Revista dos Tribunais- página 603).
6. A Fazenda do Estado responde pelo ato ilícito praticado por agentes da
Administração, decorrente da deficiência de vigilância exercida sobre oficial
da Polícia Militar, portador de esquizofrenia, internado estabelecimento
hospitalar da Corporação, que, evadindo-se, suicidou-se com arma por ele
encontrada no Batalhão onde servila" (TJSP - 4ª C. - Ap - Rel. Médice Filho
- j. 24.8.72 - RT 445/84)" (Rui Stocco - in "Responsabilidade Civil e sua
Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição,
Revista dos Tribunais- página 604).
7. Precedentes: REsp 466969/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 15/04/2003, DJ 05/05/2003; REsp 785.835/DF, Rel.
Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ
02/04/2007;REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007.
8. A definição dos níveis de participação da vítima nem sempre é muito
clara, de modos que, na prática, têm-se admitido a mesma como excludente
apenas nos casos de completa eliminação de conduta estatal. Nos casos
em que existam dúvidas sobre tal inexistência, resolve-se pela
responsabilização exclusiva do Estado." (grifou-se) (Heleno Taveira Tôrres,
in "O Princípio da Responsabilidade Objetiva do Estado e a Teoria do Risco
Administrativo", Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 32 - nº 126
- Senado Federal - abril/junho - 1995, páginas 239/240)
9. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem
pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos.
Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os
argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados
tenham sido suficientes para embasar a decisão. 10. Recurso Especial
parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 1014520/DF
Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO. Julgamento: 02/06/2009 Órgão
Julgador: PRIMEIRA TURMA) (grifo nosso)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE
ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS". DESAFIO AO
39
ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE
ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E O DANO - INCÊNDIO -. CULPA DE
TERCEIROS. PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO
PROCESSO.
1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de incêndio em
estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando danos morais,
materiais e estéticos ao autor.
2. A situação descrita não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto
porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos,
circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos
fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização
da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo
Tribunal de origem de tese consubstanciada na caracterização da
responsabilidade civil do Estado.
3. "O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção,
pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de
reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se
quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial,
viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas.
Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à
valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à
formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i)
da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do
ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da
convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito
material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência
e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata
relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao
valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os
raciocínios presuntivo, probatório e decisório". (Luiz Guilherme Marinoni in
"Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário",
publicado na Revista Genesis - de Direito Processual Civil, Curitiba-número
35, págs. 128/145)
4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se
tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e,
neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se
no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais
especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a
comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo
imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que
seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se
configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de
indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo
causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos
subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação
da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso.
Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp 471606/SP; DJ
14.08.2007; REsp 647.493/SC; DJ 22.10.2007; REsp 893.441/RJ, DJ
08.03.2007; REsp 549812/CE; DJ 31.05.2004)
5. In casu, o Tribunal de origem entendeu tratar-se da responsabilidade
subjetiva do Estado, em face de conduta omissiva, consoante assentado:
"[...]Também restou incontroveso nos autos que o incêndio teve como causa
imediata as faíscas advindas do show pirotécnico promovido
irresponsavelmente dentro do estabelecimento, não obstante constar da
caixa de fogos o alerta do fabricante para soltá-los sempre em local aberto,
ao ar livre, e nunca perto de produtos inflamáveis. Ainda assim, me parece
óbvio que, se o município tivesse sido diligente, exercendo regularmente
seu poder de polícia, fiscalizando o estabelecimento e tomando as medidas
condizentes com as irregularidades constatadas, certamente evitaria o
incêndio, porque a Casa não estaria funcionando, ou, alternativamente,
40
daria às pessoas ali presentes a possibilidade de se evadirem do local de
maneira mais rápida e segura .[...]" (fls. 410)
6. Desta forma, as razões expendidas no voto condutor do acórdão
hostilizado revelam o descompasso entre o entendimento esposado pelo
Tribunal local e a circunstância de que o evento ocorreu por ato exclusivo
de terceiro, não havendo nexo de causalidade entre a omissão estatal e o
dano ocorrido.
7. Deveras, em se tratando de responsabilidade subjetiva, além da
perquirição da culpa do agente há de se verificar, assim como na
responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade entre a ação estatal
comissiva ou omissiva e o dano. A doutrina, sob este enfoque preconiza:
"Se ninguém pode responder por um resultado a que não tenha dado causa,
ganham especial relevo as causas de exclusão do nexo causal, também
chamadas de exclusão de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que
estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a
responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa, pois,
quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que
o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as
impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas. E, como diziam
os antigos, 'ad impossibilia nemo tenetur'. Se o comportamento devido, no
caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que o dever foi
violado.[...]" (pág. 63). E mais: "[...] é preciso distinguir 'omissão genéria' do
Estado e 'omissão específica'[...] Haverá omissão específica quando o
Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do
evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por
exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava
na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser
responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem
condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica.
Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha
rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão,
deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se
erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse
segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado. [...]" (pág. 231)
(Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa de Responsabilidade Civil", 7ª Edição,
Editora Atlas).
8. In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa de shows, não
revela nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado. Porquanto,
a causa dos danos foi o show pirtotécnico, realizado pela banda de música
em ambiente e local inadequados para a realização, o que não enseja
responsabilidade ao Município cujas exigências prévias ao evento não
foram insuficientes ou inadequadas, ou na omissão de alguma providência
que se traduza como causa eficiente e necessária do resultado danoso.
9. Neste sentido, bem preconizou a sentença a quo: "em face dos
elementos carreados aos autos, verifica-se que a causa do incêndio foram
as fagulhas provocadas pelo show pirotécnico dentro do estabelecimento,
evidentemente promovido e autorizado pelos seus administradores que não
observaram, devidamente, o aviso do fabricante, estampado na caixa dos
fogos para soltá-los em local amplo e aberto, ou seja, ao ar livre 'sendo
desaconselhável seu uso perto de produtos inflamáveis'. f. 151. Diante disto,
não restaram dúvidas que o ato culposo foi praticado por terceiros que, de
forma inescrupulosa decidiram promover o show pirotécnico, sem qualquer
zelo com as 1.500 pessoas que superlotaram aquela casa noturna, não
obstante terem conhecimento possuía capacidade para 270 pessoas." (fl.
329)
10. O contexto delineado nos autos revela que o evento danoso não
decorreu de atividade eminentemente estatal, ao revés, de ato de
particulares estranhos à lide.
11. O chamamento ao processo dos proprietários da casa de shows e do
empresário da banda, revela-se prejudicada, por pressupor existência de
41
uma relação jurídica de direito material, na qual o chamante e o chamado
figure como devedor solidário do mesmo credor, o que in casu pressupõe a
procedência da demanda.
12. Recurso Especial provido. (REsp 888420/MG. Relator: Min. LUIZ FUX.
Julgamento: 07/05/2009. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA)
Após o exame sobre a responsabilidade civil do Estado por ação e omissão,
no capítulo seguinte, que é o núcleo da presente monografia, será analisada a
possibilidade de se responsabilizar o Estado pelos prejuízos causados a terceiros
em decorrência da prática de atos jurisdicionais.
42
CAPÍTULO 3 – RESPONSABILIDADE
JURISDICIONAIS
3.1
CIVIL
DO
ESTADO POR
ATOS
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil do estado por atos jurisdicionais já foi objeto de
intensas discussões no mundo jurídico. Yussef Said Cahali observa que a
irresponsabilidade dos danos causados pelos atos judiciais constitui o último reduto
da teoria da irresponsabilidade civil do estado.60
O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a
responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos
casos expressamente declarados em lei.
No que se refere à previsão legislativa, a própria Constituição Federal prevê a
hipótese de responsabilidade civil do Estado nos casos de erro judiciário, art. 5º,
inciso LXXV: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o
que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.
Para aqueles que defendem a responsabilidade civil do estado por atos
jurisdicionais, o citado artigo deve ser interpretado de maneira ampla de modo a
alcançar outras situações de erro judiciário além daqueles ocorridos na esfera penal.
Na seara penal temos a regra inserida no art. 630, do Código de Processo
Penal:
O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma
justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a
União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal
ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2 º A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável
ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu
poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.
Por outro lado, nas relações de natureza cível o art. 133 do Código de
Processo Civil dispõe sobre a responsabilidade pessoal do magistrado nos casos
em que agir com dolo ou fraude ou ainda se comportar com desídia no exercício de
suas funções, vejamos:
___________________
60
CAHALI, 2007, p. 469.
43
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva
ordenar de ofício ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II
só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que
determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez)
dias.
Analisaremos adiante alguns aspectos que envolvem o tema.
3.2
ATIVIDADE JUDICIÁRIA COMO SERVIÇO PÚBLICO
O conceito de serviço público não é unânime entre os doutrinadores, assim
vale à pena mencionar o entendimento de alguns estudiosos da matéria:
Conceituamos serviço público como toda atividade prestada pelo Estado ou
por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas
61
à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade.
É toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça
diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer
concretamente às necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou
62
parcialmente público.
Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus
delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer as
necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples
63
conveniências do Estado.
Discorrendo acerca do assunto, Augusto do Amaral Dergint conclui que a
atividade judiciária constitui serviço público por se compor de todos os elementos de
sua definição, vejamos:
A função jurisdicional (assim como a administrativa, à qual é
ontologicamente semelhante) constitui um serviço público, monopolizado
pelo Estado.
A própria origem da atividade jurisdicional atesta seu caráter de típico
serviço público. Em dada fase evolutiva, o Poder Público vedou aos
particulares o exercício da justiça de mão própria, chamando a si a tutela
dos direitos ameaçados ou violados, Instituiu-se, então, um “serviço público
judiciário” (Silva, J. C., 1985, p 118). Como bem observa Carlos Maximiliano
(1923, p. 737 e 1948, p. 257), “o Estado impõe o serviço, não o propõe”.
Se a prestação da tutela jurisdicional é exclusivamente incumbida ao Poder
Público, em caráter obrigatório, não podendo os particulares “fazer justiça”
___________________
61
CARVALHO FILHO, 2006, p. 267.
DI PIETRO, 2007, p. 90.
63
MEIRELLES, 2008, p. 333.
62
44
de mão própria, o serviço judiciário configura, inequivocamente, um serviço
64
Público.
No mesmo sentido, se posicionou Oreste Nestor de Souza Laspro:
Ora, a atividade jurisdicional encontra-se elencada dentre as funções
essenciais e exclusivas do Estado, razão pela qual é inquestionável sua
natureza pública. Aliás, se a prestação da tutela jurisdicional é
exclusivamente incumbida ao Poder Público, em caráter obrigatório, não
podendo os particulares, ‘fazer justiça’ de mão própria, a prestação
jurisdicional configura, inequivocamente, um serviço público.
Da mesma forma, trata-se de uma função estatal que se encontra à
65
disposição de toda a sociedade.
3.3
O DIREITO À JURISDIÇÃO
O direito à jurisdição ou acesso à justiça está inserido na Constituição Federal
entre os direitos fundamentais. Dispõe o art. 5º, inciso XXXV: “A lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direto”.
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco analisando as circunstâncias que envolvem o direito à jurisdição fizeram
importantes ponderações, que por oportuno trazemos à colação:
Acesso à justiça não se identifica, pois, como a mera admissão ao
processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá no texto,
para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número
possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se é
adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também
condenáveis as restrições quando a determinadas causas (pequeno valor,
interesse difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça é preciso
isso e muito mais.
A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias) e o lavor dos
processualistas modernos têm posto em destaque uma série de princípios e
garantias que, somados e interpretados harmoniosamente, constituem o
traçado do caminho que conduz as partes à ordem jurídica justa. O acesso
à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e
legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla
admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição),
depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das
regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam
participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar
a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dela a (d) efetividade de
uma participação em diálogo -, tudo isso com vistas a preparar uma solução
que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. Eis a
___________________
64
DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. São Paulo: RT,
1994. p. 113.
65
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 172.
45
dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação
66
teleológica apontada para a pacificação com justiça.
Maria Helena Diniz, citando as lições de Arruda Alvim, define a função
jurisdicional como aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei
a uma hipótese controvertida, mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa
julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e a vontade das partes.67
3.4
ATOS ADMINISTRATIVOS
PODER JUDICIÁRIO
E
JURISDICIONAIS
PRATICADOS PELO
Os atos judiciais são aqueles praticados no exercício específico da
magistratura. Enquanto que os demais atos praticados pelo Poder Judiciário são
denominados de administrativo ou judiciário, nesse sentido José dos Santos
Carvalho Filho:
As expressões atos judiciais e atos judiciários suscitam algumas dúvidas
quanto a seu sentido. Como regra, tem-se empregado a primeira expressão
como indicando os atos jurisdicionais do juiz (aqueles relativos ao exercício
específico da função do juiz). Atos judiciários é expressão que tem sido
normalmente reservada aos atos administrativos de apoio praticado no
judiciário. Para o tema da responsabilidade civil do Estado, é preciso
distinguir a natureza dos atos oriundos do Poder Judiciário.
Como todo Poder do Estado, o judiciário produz inúmeros atos de
administração além daqueles que correspondem efetivamente à sua função
típica. São, portanto, atos administrativos, diversos dos atos jurisdicionais,
estes peculiares ao exercício de sua função.
Os atos jurisdicionais, já antecipamos, são aqueles praticados pelos
magistrados no exercício da respectiva função. São, afinal, os atos
processuais caracterizadores da função jurisdicional, como os despachos,
68
as decisões interlocutórias e as sentenças.
No mesmo sentido é a lição de Yussef Cahali:
Impende distinguir função jurisdicional da função judiciária; a última como
gênero, por ser mais ampla, engloba também hipóteses distintas das
atividades decisórias: na expressão “atividade” ou “função judiciária”
enquadram-se todos os atos praticados pelo Estado-juiz e seus auxiliares,
de natureza não necessariamente decisória, destinados a perfeita
69
consecução da prestação jurisdicional.
___________________
66
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 35, 36, 37.
67
DINIZ, 2003, p. 573.
68
CARVALHO FILHO, 2006, p. 469, 460.
69
CAHALI, 2007, p. 474.
46
Quanto aos atos administrativos ou judiciários não há dúvida de que são
suscetíveis de atrair a responsabilidade civil do Estado. Esse é o posicionamento de
Sergio Cavalieri:
No que respeita aos danos causados pela atividade judiciária, aqui
compreendidos os casos de denegação da justiça pelo juiz, negligência no
exercício da atividade, falta do serviço judiciário, desídia dos serventuários,
mazelas do aparelho policial, é cabível a responsabilidade do Estado
amplamente com base no art.37, § 6º, da Constituição ou na culpa anônima
(falta serviço), pois trata-se, agora sim, de atividade administrativa realizada
pelo Poder Judiciário.
Ora, já ficou assentado que o arcabouço da responsabilidade estatal está
estruturado sobre o princípio da organização e do funcionamento do serviço
público. E, sendo a prestação da justiça um serviço público essencial, tal
como outros prestados pelo Poder Executivo, não há como e nem por que
escusar o Estado de responder pelos danos decorrentes da negligência
judiciária, ou do mau funcionamento da justiça, sem que isto moleste a
soberania do judiciário ou afronte o princípio da autoridade da coisa
julgada.70
Assim, pode-se concluir que função judiciária é gênero da qual ato
jurisdicional é espécie.
3.5
RESPONSABILIDADE PELO DANO DEVIDO À DEMORA NA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL
Conforme verificamos no item 3.2 (direito à jurisdição), o direito à jurisdição
compreende vários aspectos que visam garantir não apenas o acesso à justiça como
também meios adequados para a sua efetividade.
De fato a morosidade da justiça pode criar para o jurisdicionado prejuízos de
ordem moral e patrimonial. Não há dúvida de que a falha na atividade jurisdicional,
caracterizada
pela
demora
na
sua
efetiva
entrega,
poderia
ensejar
a
responsabilidade objetiva do Estado. Entretanto, o atual posicionamento do
Supremo Tribunal Federal é de que, em regra, não cabe indenização por danos
decorrentes da atividade jurisdicional, salvo nos casos expressamente previstos em
Lei. Esse posicionamento tem sido objeto de intensas críticas por parte da doutrina.
Vejamos o entendimento de Yussef Cahali:
___________________
70
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2.
47
De nossa parte, temos sustentado – divergindo da orientação
jurisprudencial dominante – que deve o Estado responder civilmente pelos
danos causados pela excessiva morosidade no desempenho da atividade
jurisdicional, pela incompetência ou desleixo de alguns magistrados.
Insistindo na ausência de responsabilidade do Estado pelo dano
conseqüente da atuação do juiz, antigo acórdão majoritário do STF, em
caso de réu processado por emissão de cheques sem fundos que teve
contra si decretada prisão preventiva e permaneceu na cadeia pública 3
anos e 17 dias, dos quais 2 anos e 9 meses em virtude de desídia do juiz,
que, recebendo ao autos conclusos depois do interrogatório em 15.04.1961,
conservou-os consigo, displicentemente, sem qualquer despacho ou
providência, até 16.01.1964, vindo o réu ao final a ser absolvido a
requerimento do próprio Ministério Público, afirmava: “É fora de dúvida a
responsabilidade do Estado em razão de danos causados por funcionários
administrativos. Porém, quando se cogita da responsabilidade do Estado
em virtude de ato jurisdicional, a quaestio juris assume feição polêmica na
doutrina e mesmo na jurisprudência. No caso concreto as decisões nas
instâncias ordinárias seguiram a diretriz predominante na jurisprudência
pátria, ou seja, de que a responsabilidade do Estado por ato judicial
somente se verifica quando prevista em lei, como se dá na hipótese de
revisão criminal julgada procedente e em que se reconhece ao interessado
71
o direito a indenização pelo prejuízos sofridos (§ 1º do art. 630 do CPP)
Não obstante as precisas considerações do autor a respeito do assunto,
entendemos que a situação acima colacionada se enquadraria, perfeitamente, nas
hipóteses que permitem a responsabilização pessoal do magistrado, pois, pelo o que
se extrai da situação descrita, o juiz laborou com desídia, atraindo a incidência da
previsão legislativa inserida no art. 133, do Código de Processo Civil. Não havendo o
que se falar em responsabilidade objetiva do Estado.
É importante lembrar que o Estado não está totalmente alheio ao problema da
morosidade do Judiciário. Tanto é assim que as alterações inseridas na Constituição
Federal por meio da Emenda Constitucional nº 45 tem como objetivo a busca da
celeridade processual e da razoável duração do processo, sendo esses, inclusive,
princípios constitucionais inseridos por meio da referida Emenda.
Art. 5º (omissis)
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.
A questão ainda carece de aprofundamento. Porém entendemos que, na atual
situação em que se encontra o Poder Judiciário, atribuir ao Estado responsabilidade
por danos decorrentes da tardia prestação jurisdicional não seria o suficiente para a
solução do problema. Certamente, adviriam outros ainda maiores em razão da
quantia vultosa que o Estado teria que arcar com tais indenizações.
___________________
71
CAHALI, 2007, p. 4513.
48
3.6
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE ATOS JURISDICIONAIS
A maior parte da doutrina comunga do entendimento de que os atos
jurisdicionais não geram para o Estado a responsabilidade objetiva, vejamos alguns
desses posicionamentos:
Não obstante, é relevante desde já consignar que, tanto quanto os atos
legislativos, os atos jurisdicionais típicos são, em principio, insuscetíveis de
redundar na responsabilidade civil do estado. São eles protegidos por dois
princípios básicos. O primeiro é da soberania do Estado: sendo atos que
traduzem umas das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da
própria soberania. O segundo é o princípio da recorribilidade dos atos
jurisdicionais: se um ato do juiz prejudica a parte no processo, tem ela os
mecanismos recursais e até mesmo outras ações para postular a sua
revisão. Assegura-se ao interessado, nessa hipótese, o sistema do duplo
72
grau de jurisdição.
Por atos (permissão, licença) ou fatos (atos materiais, a exemplo da
construção de obras públicas) administrativos que causem danos a terceiros
a regra é a responsabilidade civil do Estado, mas por atos legislativos (leis)
e judiciais (sentenças) a regra é a irresponsabilidade (RDA, 105:217 e
144:162) patrimonial. Em princípio, o Estado não responde por prejuízos
decorrentes de sentenças (o Poder Judiciário é soberano; os juízes devem
agir com independência e sem qualquer preocupação quanto a seus atos
ensejarem responsabilidade do Estado; o magistrado não é servidor público;
73
a indenização quebraria o princípio da imutabilidade da coisa julgada).
Para os atos administrativos, já vimos que a regra constitucional é a
responsabilidade objetiva da Administração. Mas, quanto aos atos
legislativos e judiciais, a Fazenda Pública só responde mediante a
comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira ilegítima e
lesiva. Essa distinção resulta do próprio texto constitucional, que só se
refere aos agentes administrativos (servidores), sem aludir aos agentes
políticos (parlamentares e magistrado), que não são servidores da
Administração Pública, mas sim membros de Poderes de Estado.
O ato judicial típico, que é a sentença ou decisão, enseja responsabilidade
civil da Fazenda Pública, nas hipóteses do art. 5º, LXXV, da CF/88. Nos
demais caso, tem prevalecido no STF o entendimento de que ela não se
aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro judiciário não ocorre
quando a decisão judicial está suficientemente fundamentada e obediente
aos pressupostos que a autorizam. Ficará, entretanto, o juiz individual e
civilmente responsável por dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento
injustificado de providência de seu oficio, nos expressos termos do art. 133
do CPC, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá ser
cobrado em ação regressiva contra o magistrado culpado. Porém, nos
casos de referido art. 5º, LXXV, a responsabilidade pelo dano é do Estado,
não do juiz.74
Entretanto, é crescente o número dos defensores da tese da responsabilidade
civil objetiva por atos jurisdicionais, nesse sentido as seguintes colocações:
___________________
72
CARVALHO FILHO, 2006, p. 469, 460.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 981/982.
74
MEIRELLES, 2008, p. 666, 667.
73
49
[...] a posição da jurisprudência brasileira é lamentável porque existem erros
flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição
adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e
trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo
ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado, mas,
mesmo em casos de dolo ou culpa poderia incidir essa responsabilidade, se
comprovado erro da decisão.75
São inconsistentes, data vênia, as razões apresentadas em prol da tese da
irresponsabilidade do estado por atos jurisdicionais. Além da imprecisão do
vocábulo “soberania” e da polêmica existente em torno do seu sentido,
como considerar o Judiciário um Poder soberano sem situar no mesmo
plano os outros dois Poderes? O Judiciário não é um superpoder colocado
sobre os outros.
Ademais, soberano é o Estado como um todo, como entidade titular máxima
do poder político. Os três Poderes, não obstante exerçam suas atribuições
como componentes do Estado, e o façam em seu nome, não são
soberanos. Apenas implementam e tornam factível, na medida em que
exercem as suas funções, a soberania estatal. Nesse mister estão em pé
de igualdade, o que importa dizer que o juiz é órgão do Estado tal como
qualquer colégio legislativo ou autoridade executiva.Destarte, a prevalecer a
tese da irresponsabilidade fundada na soberania do Judiciário, seria ela
também aplicável ao executivo, em relação ao qual ninguém mais admite o
privilégio.76
O § 6º desse mesmo artigo não mais fala em funcionário, mas sim em
agentes, que, como já visto, compreende “todas as pessoas físicas
incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função
estatal” (Hely Lopes Meirelles, ob. Cit., 28º ed., p. 73). Nesta categoria
incluem-se, sem dúvida, não somente os membros do Poder Judiciário
como agente político, como, também, os serventuários e auxiliares da
justiça em geral, em vez que desempenham funções estatais.
Após a constituição de 1998 fortaleceu-se a corrente doutrinária que advoga
a responsabilidade ampla do Estado por atos judiciais, fundada na teoria do
risco administrativo. Excelentes monografias vieram a lume sustentado a
aplicabilidade do art.37, § 6º, nesta questão porque o “serviço judiciário é
uma espécie do gênero serviço público do Estado e o juiz, na qualidade de
prestador deste serviço, é um agente público, que atua em nome do Estado.
Ademais, o texto constitucional, ao tratar da responsabilidade do Estado,
77
não excepciona a atividade judiciária.
3.6.1 Soberania do Poder Judiciário
José Afonso da Silva conceitua a soberania como: “poder supremo
consistente na capacidade de autodeterminação”.78
___________________
75
DI PIETRO, 2007, p. 607.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 258.
77
DERGINT, 1994, p. 160-161 apud CAVALIERI FILHO, 2008, p. 258, 259.
78
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2004. p.
100.
76
50
Aqueles que advogam a tese da responsabilidade do estado por atos
jurisdicionais, sustentam que a soberania é algo pertencente à pessoa jurídica do
Estado e não ao Poder Judiciário isoladamente.
Nesse sentido, vejamos os ensinamentos de alguns autores:
Para Augusto do Amaral Dergint:
Com relação à função jurisdicional, por muito tempo, justificou-se a
irresponsabilidade do estado no fato desta ser uma manifestação da
soberania estatal. O poder judiciário, no exercício “soberano” de suas
atribuições era, assim, colocado em uma posição supra legem, não se
admitindo tanto a responsabilidade estatal quanto a pessoal do juiz. “como a
soberania é intocável, ela funciona como um ‘campo de forças’ que,
79
envolvendo o corpo judiciário, o protegeria dos ataques dos cidadãos.
Antes de tudo, cabe atentar ao princípio da “unidade do poder estatal”. A
soberania é um atributo da pessoa jurídica Estado, de forma una, indivisível
e inalienável. Soberano é o estado como um todo, e não o legislativo, o
executivo ou o judiciário (independente ou conjuntamente), estes, alias, são
mais propriamente “funções” e não “poderes” do estado. A cada qual
compete unicamente o exercício da soberania estatal, dentro dos limites
constitucionalmente traçados. A unidade e a totalidade caracterizam a idéia
de soberania, que, em verdade, não designa o poder, mas uma qualidade
80
do poder estatal - o grau supremo deste poder.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim leciona:
Com relação à soberania, o argumento seria o mesmo para os demais
poderes; a soberania é o estado e significa a inexistência de outro poder
acima dele; ela é una, aparecendo nítida nas relações externas com outros
Estados. Os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – não são
soberanos, porque devem obediência à lei em especial á Constituição. se
fosse aceitável o argumento da soberania ,o estado também não poderia
responder por atos praticados pelo poder executivo, em relação aos quais
não se contesta a responsabilidade.81
Por outro lado, há aqueles que entendem que o Poder Judiciário é dotado de
soberania e em razão dela os atos típicos são insuscetíveis de atrair a
responsabilidade civil do Estado.
Esse é o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho que entende que os
atos emanados pelo magistrado são: “atos que traduzem uma das funções
estruturais do Estado, refletem o exercício da própria soberania.”82
___________________
79
SOUZA, 1990, p. 33 apud DERGINT, 1994, p. 130/131.
DERGINT, 1994, p. 130/131.
81
DI PIETRO, 2007, p. 606.
82
CARVALHO FILHO, 2006, p. 470.
80
51
3.6.2 Incontrastabilidade da coisa julgada
O próprio Código de Processo Civil em seu art. 467 traz a definição de coisa
julgada: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”
A Constituição Federal deu especial tratamento à coisa julgada ao disciplinar
em seu art. 5º, inciso XXXVI que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Sobre o tema, coisa julgada, vale à pena transcrever as lições de José Afonso
da Silva:
Tutela-se a estabilidade dos casos julgados, para que o titular do direito aí
reconhecido tenha a certeza jurídica de que ele ingressou definitivamente
no seu patrimônio. A coisa julgada é, em certo sentido, um ato jurídico
perfeito; assim já estaria contemplada na proteção deste, mas o constituinte
a destacou como um instituto de enorme relevância na teoria da segurança
jurídica.83
Humberto Theodoro Júnior bem define a função e a importância da coisa
julgada, vejamos:
Tão grande é o apreço da ordem jurídica pela coisa julgada, que sua
imutabilidade não é atingível nem sequer pela lei ordinária garantida que se
acha a sua intangibilidade por preceito da Constituição federal (art. 5º,
XXXVI).
[...]
Na realidade, porém, ao instituir a coisa julgada, o legislador não tem
nenhuma preocupação de valorar a sentença diante dos fatos (verdade) ou
dos direitos (justiça). Impele-o tão-somente uma exigência de ordem prática,
quase banal, mas imperiosa, de não mais permitir que se volte a discutir
acerca das questões já soberanamente decididas pelo Poder Judiciário.
Apenas a preocupação de segurança nas relações jurídicas e de paz na
84
convivência social é que explicam a res iudicata.
Um forte argumento que sustenta a tese da irresponsabilidade civil do Estado
por atos jurisdicionais é exatamente o da incontrastabilidade da coisa julgada.
Sustenta-se que o ordenamento jurídico pátrio já possui número excessivo de
recursos que permitem que a decisão monocrática seja amplamente revisada pelas
instâncias superiores. E assim, permitir nova discussão a respeito do objeto do litígio
seria o mesmo que atentar contra a segurança jurídica.
Augusto Dergint elucidou com propriedade a questão abordada:
___________________
83
84
SILVA, 2004, p. 435.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 43. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. p. 574.
52
A força de coisa julgada que se liga ao ato jurisdicional sempre foi um
obstáculo (e o fundamento mais sério) à adoção da teoria da
responsabilidade em matéria de atos judiciais
A lei estabelece uma série de precauções – regras de procedimento, regras
de instrução, vias de impugnação, recursos - a que os julgamentos sejam
imparciais e esclarecidos. A aplicação destas regras haveria de tornar os
erros judiciários e os mal julgados muito raros – tão raros a ponto de tronar
inquestionável a coisa julgada, que seria, então, presumida como “verdade
legal”. As regras processuais, ditadas pelo legislador, garantiriam, pois,
suficientemente, a legitimidade da decisão.
Contra a eventual injustiça das decisões judiciárias possuem as partes as
vias recursais. O ato judicial decisório, quando não mais sujeito a recurso,
torna-se definitivo, adquirindo a autoridade de coisa julgada. A decisão
transita em julgado, ainda que contendo erro de fato ou de direito, cria sua
própria “verdade” e seu próprio direito (res iudicata facit ius). Por tal razão,
pressuposta legítima, a decisão não pode ensejar a responsabilidade civil,
85
que pressupõe dano gerado por ato contrário ao direito.
3.7
A ATIVIDADE JURISDICIONAL QUE ACARRETA A RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO-JUIZ
Como visto, no ordenamento jurídico brasileiro prevalece o entendimento de
que os juízes não são, em regra, responsáveis pelos atos que praticarem na função
jurisdicional. Entretanto, casos existem em que a regra é excepcionada para atender
aos ditames da justiça, essas situações são exatamente aquelas previstas em lei.
Quanto ao erro judiciário e a prisão além do tempo fixado pela sentença prevê
o art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal: “O Estado indenizará o condenado
por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.
Vejamos as lições de Sergio Cavalieri no que respeita ao erro de julgamento:
No exercício da atividade tipicamente judiciária podem ocorrer os chamados
erros judiciais, tanto in procedendo. ao sentenciar ou decidir, o juiz por não
ter bola de cristal nem o dom da adivinhação,está sujeito aos erros de
julgamento e de raciocínio, de fato ou de direito.importa dizer que
possibilidade de erros é normal e até inevitável na atividade jurisdicional.
Ora, sendo impossível exercer a jurisdição sem eventuais erros,
responsabilizar o estado por eles, quando involuntários,inviabilizaria a
própria justiça, acabando por tornar irrealizável a função de uma infalível,
qualidade, esta ,que só a justiça divina tem.
É justamente para evitar ou corrigir erros que a lei prevê os recursos, por
vezes até em numero excessivo. A parte agravada ou prejudicada a uma
sentença injusta ou equivocada pede a sua revisão, podendo chegar, neste
mister, até a suprema corte. Mas, uma vez esgotados os recursos, a coisa
julgada se constitui em fator inibitório da responsabilidade do estado, que
tudo fez, dentro das possibilidades humanas, para prestar uma justiça justa
e correta.
___________________
85
DERGINT, 1994, p. 135.
53
Daí o entendimento predominante, no meu entender mais correto, no
sentido de só poder o estado ser responsabilizado pelos danos causados
por atos judiciais típicos nas hipóteses previstas no art.5, LXXV. Da
Constituição Federal.
Contempla-se, ali, o condenado por erro judiciário, assim como o que fica
preço alem do tempo fixado na sentença por erro judiciário deve ser
entendido o ato jurisdicional equivocado e gravoso a alguém,tanto na orbita
penal como civil;ato emanado da atuação do juiz(decisão judicial)no
86
exercício da função jurisdicional”.
Ainda no que diz respeito à indenização por erro judicial na esfera criminal o
art. 630, do Código de Processo Penal:
O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma
justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a
União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal
ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2 º A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável
ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu
poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.
No que concerne a incidência da obrigação do Estado de indenizar a vítima
de erro judicial, surgem na jurisprudência alguns questionamentos quanto às prisões
cautelares e a absolvição do acusado que se manteve preso e ao final da instrução
penal foi declarado inocente.
É possível verificar que existe grande divergência jurisprudencial acerca da
matéria. Vejamos o entendimento dos Tribunais Pátrios:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO: ATOS DOS JUÍZES. C.F., ART. 37, §6º. I. – A
responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a
não ser nos casos expressamente declarados em lei.
Precedentes do Supremo Tribunal federal. II. – Decreto judicial de prisão
preventiva não se confunde com o erro judiciário. III Negativa de trânsito ao
RE. Agravo não provido. (RE 429518 AgR / SC. Relator Min. Carlos Velloso.
DJ 05/10/2004. Segunda Turma)
PROCESSUAL
CIVIL.
ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO ESTADO. DANO MORAL. GARANTIA DE RESPEITO À
IMAGEM E À HONRA DO CIDADÃO. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. PRISÃO
CAUTELAR. ABSOLVIÇÃO. ILEGAL CERCEAMENTO DA LIBERDADE.
PRAZO EXCESSIVO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA PLASMADO NA CARTA CONSTITUCIONAL.
MANIFESTA CAUSALIDADE ENTRE O "FAUTE DU SERVICE" E O
SOFRIMENTO E HUMILHAÇÃO SOFRIDOS PELO RÉU.
1. A Prisão Preventiva, mercê de sua legalidade, dês que preenchidos os
requisitos legais, revela aspectos da Tutela Antecipatória no campo penal,
por isso que, na sua gênese deve conjurar a idéia de arbitrariedade.
___________________
86
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 260.
54
2. O cerceamento oficial da liberdade fora dos parâmetros legais, posto o
recorrente ter ficado custodiado 741 (setecentos e quarenta e um) dias,
lapso temporal amazonicamente superior àquele estabelecido em Lei - 81
(oitenta e um) dias - revela a ilegalidade da prisão.
3. A coerção pessoal que não enseja o dano moral pelo sofrimento causado
ao cidadão é aquela que lastreia-se nos parâmetros legais (Precedente:
REsp 815004, DJ 16.10.2006 - Primeira Turma).
4. A contrario senso, empreendida a prisão cautelar com excesso
expressivo de prazo, ultrapassando o lapso legal em quase um décuplo,
restando, após, impronunciado o réu, em manifestação de inexistência de
autoria, revela-se inequívoco o direito à percepção do dano moral.
5. A doutrina legal brasileira à época dos fatos assim dispunha:
Código Civil de 1916:
Art. 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a
reparar o dano.
Art. 1550 - A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no
pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma
soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547.
Art, 1551 - Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal (art. 1.550):
[...]
III- a prisão ilegal (art. 1.552).
Art. 1552 - No caso do artigo antecedente, no III, só a autoridade, que
ordenou a prisão, é obrigada a ressarcir o dano
Por sua vez, afere-se do Código Civil em vigor que:
Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art.954 - A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no
pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não
puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo
antecedente.
Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:
[...]
III - a prisão ilegal.
Do Código de Processo Penal:
Art. 630 - O Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o
direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos;
§ 1º - Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a
União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal
ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2º - A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável
ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu
poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.
6. O enfoque jurisprudencial do tema restou assentado no Resp
427.560/TO, DJ 30.09.2002 Rel. Ministro Luiz Fux, verbis:
PROCESSO CIVIL. ERRO JUDICIÁRIO. ART. 5º, LXXV, DA CF. PRISÃO
PROCESSUAL. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO. INDENIZAÇÃO. DANOS
MORAIS.
1. A prisão por erro judiciário ou permanência do preso por tempo superior
ao determinado na sentença, de acordo com o art. 5º, LXXV, da CF, garante
ao cidadão o direito à indenização.
2. Assemelha-se à hipótese de indenizabilidade por erro judiciário, a
restrição preventiva da liberdade de alguém que posteriormente vem a ser
55
absolvido. A prisão injusta revela ofensa à honra, à imagem, mercê de
afrontar o mais comezinho direito fundamental à vida livre e digna. A
absolvição futura revela da ilegitimidade da prisão pretérita, cujos efeitos
deletérios para a imagem e honra do homem são inequívocos (notoria no
egent probationem).
3. O pedido de indenização por danos morais decorrentes de restrição ilegal
à liberdade, inclui o dano moral, que in casu, dispensa prova de sua
existência pela inequivocidade da ilegalidade da prisão, duradoura por nove
meses. Pedido implícito, encartado na pretensão às perdas e danos.
Inexistência de afronta ao dogma da congruência (arts. 2º, 128 e 460, do
CPC).
4. A norma jurídica inviolável no pedido não integra a causa petendi. "O
constituinte de 1988, dando especial relevo e magnitude ao status libertatis,
inscreveu no rol da chamadas franquias democráticas uma regra expressa
que obriga o Estado a indenizar a condenado por erro judiciário ou quem
permanecer preso por tempo superior ao fixado pela sentença (CF, art. 5º,
LXXV), situações essas equivalentes a de quem submetido à prisão
processual e posteriormente absolvido.
5. A fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade
e exemplaridade, que implica na valoração da proporcionalidade do
quantum e na capacidade econômica o sucumbente.
6. Recurso Especial desprovido.
7. A prisão ilegal por lapso temporal tão excessivo, além da violação do
cânone constitucional específico, afronta o Princípio Fundamental da
República Federativa do Brasil, consistente na tutela da Dignidade Humana,
norma qualificada, que, no dizer insuperável de Fábio Konder Comparato é
o centro de gravidade do direito na sua fase atual da ciência jurídica.
8. É que a Constituição da República Federativa do Brasil, de índole póspositivista e fundamento de todo o ordenamento jurídico expressa como
vontade popular que a mesma, formada pela união indissolúvel dos
Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito ostentando como um dos seus fundamentos a
dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de
construção de uma sociedade justa e solidária.
9. Consectariamente, a vida humana passou a ser o centro do universo
jurídico, por isso que a aplicação da lei, qualquer que seja o ramo da ciência
onde se deva operar a concreção jurídica, deve perpassar por esse tecido
normativo-constitucional, que suscita a reflexão axiológica do resultado
judicial.
10. Direitos fundamentais emergentes desse comando maior erigido à
categoria de princípio e de norma superior estão enunciados no art. 5º da
Carta Magna, e dentre outros, o que interessa ao caso sub judice destacamse:
[...] LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade
judiciária;
11. A garantia in foco revela inequívoca transgressão aos mais comezinhos
deveres estatais, consistente em manter-se preso um ser humano por
quase 800 (oitocentos) dias consecutivos, preventivamente, e , sem o
devido processo legal após exculpado, com afronta ao devido processo
legal.
12. A responsabilidade estatal, quer à luz da legislação infraconstitucional
(art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) quer à luz do art. 37,
§6º da CF/1988 sobressai evidente.
13. Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão Kantiana, na
autodeterminação e na vontade livre daqueles que usufruem de uma vida
sadia.
14. O reconhecimento da dignidade humana, outrossim, é o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal dos
direitos do homem, inaugura seu regramento superior estabelecendo no art.
1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos" .
56
Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é
premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência,
no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os
efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a
relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.
15. Deveras, à luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente
sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana
perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.
16. O direito à liberdade compõe a gama dos direitos humanos, os quais,
segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e
imprescritíveis. Por isso que a exigibilidade a qualquer tempo dos
consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que
o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz.
17. A ampliação da responsabilidade estatal, com vistas a tutelar a
dignidade das pessoas, sua liberdade, integridade física, imagem e honra,
não só para casos de erro judiciário, mas também de cárcere ilegal e,
igualmente, para hipóteses de prisão provisória injusta, embora formalmente
legal, é um fenômeno constatável em nações civilizadas, decorrente do
efetivo respeito a esses valores
(Roberto Delmanto Junior - In "As Modalidades de Prisão Provisória e seu
Prazo de Duração - 2ª edição - Renovar - páginas 377/386)
18. A Responsabilidade estatal é inequívoca porquanto há causalidade
entre o "faute du service" na expressão dos doutrinadores franceses,
doutrina inspiradora do tema e o sofrimento e humilhação experimentados
pelo réu, exculpado após ter cumprido prisão ilegal, princípios que se
inferem do RE 369820/RJ, DJ 27-02-2004, verbis:
[...] a falta do serviço - faute du service dos franceses – não dispensa o
requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação
omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. "
19. Por esses fundamentos DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial,
divergindo do Relator, para restaurar, in totum, a indenização fixada na
sentença a quo. (REsp 872630/RJ. Relator Ministro Francisco Falcão.
Relator p/ Acórdão Ministro Luiz Fux. DJ 13/11/2007. Primeira Turma)
Por outro lado, nas relações de natureza cível o art. 133 do Código de
Processo Civil dispõe sobre a responsabilidade pessoal do magistrado nos casos
em que agir com dolo ou fraude ou ainda se comportar com desídia no exercício de
suas funções, vejamos:
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva
ordenar de ofício ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II
só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que
determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez)
dias.
Sergio Cavalieri sustentando a importância da garantia da independência do
Poder Judiciário traz preciosas lições que merecem destaque:
Ressalte-se, por derradeiro, que o juiz só pode ser pessoalmente
responsabilizado se houver dolo ou fraude de sua parte e, ainda, quando,
sem justo motivo, recusar, omitir ou retardar medidas que deve ordenar de
ofício ou a requerimento da parte (Código de Processo Civil, art.113, I e II, e
57
lei Complementar nº 35/1979, art.49). “A independência funcional, inerente à
Magistratura, tornar-se-ia letra morta se o juiz, pelo fato de ter proferido
decisão neste ou naquele sentido, pudesse ser acionado para compor
perdas e danos” em favor da parte que sucumbiu, “pelo fato de ter sido a
decisão reformada pela instância superior; nenhum juiz ousaria divergir da
interpretação dada anteriormente pela instância superior; seria a morte do
Direito, uma vez que cessaria o pendor para a pesquisa, estiolar-se-ia a
formulação de novos princípios.87
José dos Santos Carvalho Filho, lecionando quanto as condutas dolosa e
culposa do Magistrado que ensejam o dever de indenizar, faz as seguintes
considerações:
Há hipóteses, embora não muito comuns, em que o juiz pratica ato
jurisdicional com o intuito deliberado de causa prejuízo à parte ou a terceiro.
No caso, a conduta e dolosa e revela, sem dúvida, violação a dever
funcional, como estatuído na Lei Orgânica de Magistratura.
Contudo, ninguém pode negar que o juiz é um agente do estado. Sendo
assim, não pode deixar de incidir também a regra do art. 37, § 6º, da CF,
sendo, então civilmente responsável a pessoa jurídica federativa (a União
ou o Estado-membro), assegurando-se-lhe, porém, direito de regresso
contra o juiz.
Para a compatibilização da norma do Código de Processo Civil com a
Constituição, forçoso será reconhecer que o prejudicado pelo ato
jurisdicional doloso terá a alternativa de propor a ação indenizatória contra o
Estado ou conta o próprio juiz responsável pelo dano, ou, ainda, contra
ambos, o que é admissível porque o autor terá que provar, de qualquer
forma, que a conduta judicial foi consumada de forma dolosa.88
O ato jurisdicional causador do dano pode, entretanto, ter sido praticado de
forma culposa. È o caso, por exemplo, em que o juiz, profere sentença de
modo negligente, sem ter apreciado devidamente as provas produzidas
processo.
Se a solução é tranqüila no que diz respeito a atos jurisdicionais de
natureza penal, o mesmo não se pode dizer em relação a atos de natureza
cível.
Como regra, já se viu, os atos jurisdicionais decorrentes de conduta culposa
do juiz na área cível não ensejamos a responsabilidade civil do Estado, pois
que afinal teria o interessado os mecanismos recursais com vistas a evitar o
dano. No entanto, o texto que está no art. 5º, LXXV, da CF dá margem a
duvidas, vistos que se limita a mencionar o condenado por erro judiciário,
sem especificar que tipo de condenação, civil ou criminal. Apenas da duvida
que suscita, entendemos que o legislador constituinte pretendeu guindar à
esfera constitucional à norma legal anteriormente, contida no Código de
Processo Penal, sem todavia, estender essa responsabilidade a atos de
natureza civil. Em nosso entendimento, portanto, se um ato culposo do juiz,
de natureza civil, possibilita a ocorrência de danos à parte, deve ela valer-se
dos instrumentos recursais e administrativos para evitá-los, sendo inviável a
responsabilização civil do Estado por fator desse tipo. A não ser assim, os
juizes perderiam em muito a independência e a imparcialidade, bem como
permaneceriam sempre com a insegurança de que atos judiciais de seu
convencimento pudessem vir a ser considerados resultantes de culpa em
sua conduta.
___________________
87
88
CAHALI, p. 625 apud CAVALIERI FILHO, 2008, p. 263.
CARVALHO FILHO, 2006, p. 470, 471.
58
Não obstante, parece-nos inteiramente cabível distinguir os atos tipicamente
jurisdicionais do juiz, normalmente praticado dentro do processo judicial,
dos atos funcionais, ou seja, daquelas ações ou omissões que digam
respeito à atuação do juiz fora do processo. Neste último caso,
diferentemente do que sucede naqueles, se tais condutas provocam danos
à parte sem justo motivo, o Estado deve ser civilmente responsabilizado,
ainda que o juiz tenha agido de forma apenas culposa, porque o art. 37, §
6º, da CF é claro ao fixar a responsabilidade estatal por danos que seus
agentes causarem a terceiros, e entre seus agentes encontraram-se, à
evidência, inseridos os magistrados. É o caso, por exemplo, em que o juiz
retarda, sem justa causa, o andamento de processos; ou perde processos
por negligencia em sua guarda; ou deixa, indevidamente, de atender a
advogado das partes, ou ainda pratica abuso de poder em decorrência de
seu cargo. Todos essas hipóteses, que refletem condutas mais de caráter
administrativo do que propriamente jurisdicionais, rendem ensejo, desde
que provados o dano e o nexo causal, é responsabilidade civil do Estado e
ao conseqüentemente dever de indenizar, sem contar, é óbvia, a
responsabilidade funcional do juiz. O Estado, todavia, nos termos do
referido mandamento constitucional, tem direito de regresso contra o juiz
responsável pelo dano, o qual, demonstrada sua culpa, deverá ressarcir o
Estado pelos prejuízos que lhe causou. O mesmo, em nosso entender,
aplica-se aos membros do Ministério Público em face de sua posição no
cenário jurídico pátrio.89
Um outro aspecto que merece ser lembrado é no que diz respeito à
possibilidade da incidência da responsabilidade civil do Estado mesmo diante da
expressa disposição inserida no art. 133 do Código de Processo no sentido de que
“Responderá o juiz por perdas e danos”.
Conforme se verifica, parte da doutrina sustenta que a responsabilidade
prevista
no
mencionado
artigo
possui
as
mesmas
características
da
responsabilidade civil do Estado advindas das demais hipóteses em que ele
responde objetivamente. O Estado indenizaria o dano causado ao particular e teria o
direito de buscar regressivamente a reparação perante o magistrado que agiu com
dolo, fraude ou desídia no exercício das suas funções.
Nesse sentido Sergio Cavalieri Filho:
Tenho sustentado que a responsabilidade do juiz, em que pese as
respeitáveis opiniões em contrário, não exclui a do Estado, por uma razão
muito simples. Se o Estado responde, como já sustentado, pela simples
negligência ou desídia do juiz, por mais forte razão deve também responder
quando ele age dolosamente. Em ambos os casos o juiz atua como órgão
estatal, exercendo função pública. Entendo que, no último caso, poderá o
lesado optar entre acionar o Estado ou diretamente o juiz, ou, ainda, os
dois, porquanto haverá, aí, uma solidariedade estabelecida pelo ato ilícito.
90
Neste sentido já começa a se inclinar a jurisprudência (RTJ 105/225-234).
___________________
89
90
CARVALHO FILHO, 2006, p. 471-472.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 264.
59
3.8
EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE
EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL
DO
ESTADO-JUIZ
PELO
São excludentes da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais as
mesmas causas que ensejam a isenção da responsabilidade da Administração
Pública: culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiros, o caso fortuito e a força maior.
Além dessas hipóteses há também a previsão contida no § 2º do artigo 630
do Código de Processo Penal que dispõe que a indenização não será devida se o
erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio
impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder e se a
acusação houver sido meramente privada.
3.9
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
A seguir, são transcritos importantes precedentes acerca da responsabilidade
civil do Estado por atos jurisdicionais:
EMENTA: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO
PODER JUDICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado
não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente
declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF.
Recurso conhecido e provido. (RE 219117 / PR – Paraná. Relator: Min.
ILMAR GALVÃO. Julgamento: 03/08/1999 Órgão Julgador: PRIMEIRA
TURMA)
EMENTA: - Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do Poder Judiciário. A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições
anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado
não se aplica aos atos do Poder Judiciário a não ser nos casos
expressamente declarados em lei. Precedentes do S.T.F. Recurso
extraordinário não conhecido. (RE 111609/AM – Amazonas. Relator: Min.
MOREIRA ALVES. Julgamento: 11/12/1992. Órgão Julgador: PRIMEIRA
TURMA)
EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Direito
à indenização por danos morais decorrentes de condenação desconstituída
em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º, LXXV. C.Pr.Penal,
art. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela
presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já
era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação
penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a
condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não
veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade
fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei
60
Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a
irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que,
naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente,
não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º,
LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei,
nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a
responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto
sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça. (RE
505393 / PE – Pernambuco. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. 1ª Turma.
DJ 26/06/2007)
EMENTA: No acórdão objeto do recurso extraordinário ficou acentuado que
o Estado não e civilmente responsável pelos atos do Poder Judiciario, a não
ser nos casos expressamente declarados em lei, porquanto a administração
da justiça e um dos privilégios da soberania. Assim, pela demora da decisão
de uma causa responde civilmente o Juiz, quando incorrer em dolo ou
fraude, ou ainda sem justo motivo recusar, omitir ou retardar medidas que
deve ordenar de oficio ou a requerimento da parte (art. 121 do Cod. Proc.
Civil) Além disso, na espécie não se trata de responsabilidade civil
decorrente de revisão criminal (art. 630 e seus paragrafos do Cod. de
Processo Penal). Impõe-se a responsabilidade da pessoa jurídica de direito
público quando funcionário seu, no exercício das suas atribuições ou a
pretexto de exerce-las, cause dano a outrem. A pessoa jurídica responsável
pela reparação e assegurada a ação regressiva contra o funcionário, se
houve culpa de sua parte. "In casu" não se caracteriza negativa de vigência
da regra do art. 15 do Código Civil, nem tão pouco ofensa ao princípio do
art. 105 da Lei Magna. Aferição de matéria de prova (súmula 279). Recurso
extraordinário não conhecido. (RE 70121 / MG - Minas Gerais. Relator: Min.
Aliomar Baleeiro. Relator p/ Acórdão: Min. DJACI FALCÃO Julgamento:
13/10/1971 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO
Assim, verifica-se que a tese da irresponsabilidade do Estado por atos
jurisdicionais vem sendo mitigada, em razão, além de outros aspectos, do principio
da igualdade dos encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma
indenização toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço
público.91
___________________
91
DINIZ, 2003, p. 575.
61
CONCLUSÃO
Como
visto
no
decorrer
deste
trabalho,
atualmente
prevalece
o
posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que os atos
dos magistrados são insuscetíveis de atrair a responsabilidade civil do estado, com
exceção daquelas hipóteses legalmente previstas.
Ao iniciar a pesquisa a primeira impressão que tivemos foi a de que esse
entendimento do Supremo feria de morte alguns princípios que regem o
ordenamento jurídico brasileiro. Porém, após pesquisas e em uma análise
percuciente a respeito do assunto, pode-se concluir que, mesmo havendo a
possibilidade de os atos emanados pelos membros do Poder Judiciário causar
prejuízos aos particulares, é preciso, em nome da boa administração da justiça, que
se preserve a autonomia da atividade jurisdicional.
Imaginemos a atuação do juiz premido pelo receio de arcar, mesmo que de
forma regressiva, com possíveis prejuízos decorrentes de sua atuação. Certamente
restariam comprometidas todas as medidas de urgência que, em regra são
baseadas na aparência do direito, carecendo de provas cabais, e o resultado disso
seria a ineficácia dessas decisões. Contribuindo-se ainda mais para o quadro de
morosidade que já está instalado no Poder Judiciário.
É preciso lembrar que o atual sistema não permite que o magistrado seja
irresponsável por todo e qualquer ato que praticar, vez que as partes têm o direito de
buscar a reparação dos danos com amparo no art. 133, do Código de Processo
Civil, que prevê a responsabilidade do juiz nos casos em que agir com dolo, fraude
ou se comportar com desídia no exercício de suas funções, assim como no art. 5º,
LXXV, da CF/88 e art. 630 do Código de Processo Penal, nas hipóteses de erro nas
decisões de natureza penal.
Ademais, como bem observado por diversos doutrinadores citados ao longo
do desenvolvimento deste trabalho, o sistema legislativo brasileiro já possui um
extenso rol de recursos que possibilita o reexame das decisões proferidas pelos
juízes no exercício de suas funções típicas.
Entretanto, não se pode perder de vista que o magistrado, como agente
público que é, tem suas condutas imputadas, em regra, ao Estado, razão pela qual
seus atos – e omissões – estariam também abarcados pela norma do art. 37, § 6º,
62
CF, Por isso, é cada dia mais crescente o número de pessoas que militam a favor da
tese da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais, tendo inclusive
algumas decisões dos tribunais pátrios que reconhecem o direito à reparação dos
prejuízos causados por atos decorrentes do exercício da magistratura.
Entendemos que essa mudança deve ser precedida de análise mais apurada
da matéria, pois, ainda que o modelo atual não seja o ideal, é preciso ter em mente
que a irrestrita responsabilização dos magistrados pode gerar efeitos imprevisíveis e
irreparáveis para a Administração Pública e, em consequência, para toda sociedade.
63
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Janeiro: Forense, 2005.
64
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Claudia Rodrigues Vieira - Universidade Católica de Brasília