PARTICIPAÇÃO DAS SUBSIDIÁRIAS BRASILEIRAS NO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO GLOBAL: ESTUDOS DE
CASOS NOS SETORES AUTOMOTIVO E DE TELECOMUNICAÇÕES
Ana Valéria Carneiro Dias
Simone Vasconcelos Ribeiro Galina
Depart. de Engenharia de Produção – Escola Politécnica - USP
e-mail: [email protected], [email protected]
Abstract: This paper aims to point, through a conceptual review and field research, some tendencies
on the type of insertion of Brazilian subsidiaries of transnational companies (TNCs) in the automotive
and telecommunication sectors in the global product development of their parent companies. The
basic hypothesis is that Brazil may become a peripheral product development center in both sectors,
complementing the product development which takes place in the parent companies. The paper
presents some concepts related to the relationship between subsidiaries and parent companies;
discuss the factors that may affect the choice of localization of research and product development
activities; and presents some case studies related to Brazilian subsidiaries in both sectors. The
conclusion points to the existence of some factors which could increase the participation of Brazilian
subsidiaries in the development of some niche products in these sectors.
Keywords: global product development; globalization; automotive sector; telecommunications sector;
technological development, transnational companies.
Resumo: O objetivo deste trabalho é apontar algumas tendências no que se refere à inserção de
subsidiárias brasileiras de empresas transnacionais (TNCs) dos setores automotivo e de
telecomunicações nos processos de desenvolvimento global dos produtos de suas matrizes. A hipótese
básica é a de que o Brasil pode tornar-se um centro de desenvolvimento periférico de produtos nos
dois setores, complementando o desenvolvimento realizado nas matrizes ou centros de
desenvolvimento das principais TNCs dos setores. O artigo apresenta alguns conceitos relativos às
formas de relacionamento entre empresas subsidiárias de TNCs e suas matrizes; discute os fatores
que influenciam a escolha da localização das atividades de pesquisa e desenvolvimento de produtos;
por fim, apresenta casos relacionados a subsidiárias brasileiras de empresas dos dois setores. A
conclusão aponta para a existência de fatores que poderiam fazer do Brasil um centro de
desenvolvimento para alguns nichos de produtos nesses setores.
Palavras chave: desenvolvimento global de produtos; globalização; setor automotivo; setor de
telecomunicações; desenvolvimento tecnológico; empresas transnacionais.
1- Introdução
O objetivo deste trabalho é apontar, a partir de base conceitual e de pesquisa de campo,
algumas tendências no que se refere à inserção de subsidiárias brasileiras de empresas TNCs dos
setores automotivo e de telecomunicações no desenvolvimento tecnológico da companhia,
especialmente nos processos de desenvolvimento global de seus produtos (DGP).
Embora nos últimos anos o processo de inserção da economia brasileira na economia mundial
como um todo, e dos setores automotivo e de telecomunicações em particular, tenha sido objeto de
grande discussão, a nosso ver foram deixados à margem aspectos como o impacto da globalização no
potencial de geração e consolidação de competências de gestão das organizações e de
desenvolvimento tecnológico apresentados pelas empresas localizadas no Brasil, tanto subsidiárias de
TNCs quanto empresas de capital nacional. Nossa intenção é discutir essa questão nos dois setores
acima citados, enfocando as estratégias de DGP em empresas TNCs e suas subsidiárias brasileiras. A
hipótese básica é a de que o Brasil pode tornar-se um centro de desenvolvimento periférico de
produtos nos dois setores, complementando o desenvolvimento de produtos (DP) realizado nos países
“centrais” – EUA, países da Europa Ocidental e Japão – onde localizam-se as matrizes ou centros de
desenvolvimento das principais TNCs dos setores.
Este artigo estrutura-se da seguinte forma: em primeiro lugar, são apresentados alguns
conceitos relativos às formas de relacionamento entre empresas subsidiárias de capital transnacional e
suas matrizes. Em seguida, discutimos conceitos relativos ao DGP, enfatizando a questão da
localização das atividades de pesquisa e DP. Finalmente, são apresentados alguns casos relacionados a
subsidiárias brasileiras de empresas dos setores automotivo e de telecomunicações.
Para os casos, foram escolhidas empresas transnacionais (TNCs) com presença no Brasil. Do
setor de telecomunicações, participam do estudo os grandes fabricantes mundiais de aparelhos de
telecomunicações, dessa forma, excluem-se as empresas prestadoras de serviço de telefonia e os
fornecedores de componentes para os produtos telefônicos. Do setor automotivo, são abordadas
empresas montadoras de veículos e fornecedores de primeiro e segundo níveis.
2- As formas de integração das subsidiárias nas estratégias das empresas transnacionais
A presença das transnacionais é apontada como o principal diferencial do atual processo de
internacionalização e integração das economias nacionais – a globalização – em relação a processos de
internacionalização ocorridos em outros períodos da história econômica. As corporações TNCs são os
principais agentes da globalização produtiva, na medida em que adotam estratégias de produção que
integram globalmente suas diversas empresas, localizadas em diferentes países.
A lógica de operação global dessas empresas procura, de maneira geral, aproveitar “vantagens
competitivas” locais – do ponto de vista da empresa – para aprimorar o desempenho da corporação
como um todo. O espectro dessas “vantagens competitivas” é bastante amplo, existindo uma
“hierarquia” que caracterizaria algumas vantagens como sendo “de ordem inferior” (por exemplo,
baixos custos de mão de obra) enquanto outras seriam “de ordem superior”(por exemplo, capacitação
tecnológica em determinado processo). Essas últimas seriam mais sustentáveis, do ponto de vista do
local, porque mais difíceis de serem imitadas; sua obtenção exigiria, entretanto, maiores e contínuos
investimentos (PORTER, 1990). Assim, caberia aos agentes locais desenvolverem suas vantagens
competitivas, que seriam aproveitadas pelas TNCs de alguma forma.
Por outro lado, as próprias empresas TNCs podem assumir um papel no aprimoramento da
capacitação tecnológica dos países em desenvolvimento (UNCTAD, 1999b). As empresas TNCs
podem gerar tecnologia em suas subsidiárias, localizando nelas atividades de pesquisa e
desenvolvimento, ou podem realizar transferências da tecnologia gerada em suas matrizes para as
subsidiárias ou empresas locais. Segundo REDDY (1997), a localização de unidades de P&D no
exterior pode beneficiar a TNC e seu país de origem de várias maneiras: pela adaptação de produtos e
processos às condições locais; pela geração de novos produtos/processos melhorando a condição da
subsidiária local; pela integração com a comunidade de ciência e tecnologia local possibilitando
benefícios para a empresa e contribuindo com a capacitação dos recursos locais de C&T.
Em qualquer um dos casos, poderia ocorrer difusão de novas tecnologias para outras empresas
do mesmo setor (clientes, fornecedores ou concorrentes), para instituições com as quais as empresas se
relacionam (centros de pesquisa, universidades, centros de treinamento) e, através delas, para outros
setores da economia. Daí a importância de verificarmos quais são as estratégias das empresas TNCs
localizadas no Brasil com relação à capacitação tecnológica de seus quadros locais e mesmo das
empresas com as quais as TNCs se relacionam ao longo da cadeia produtiva.
As atuais estratégias das TNCs com relação às suas subsidiárias brasileiras devem ser
compreendidas dentro de um contexto histórico determinado. FLEURY (1999) caracterizou a
trajetória das empresas TNCs no Brasil como sendo composta por três fases: uma fase inicial de
instalação (1950-1970), na qual as matrizes transferiam tecnologia e políticas gerenciais para as
subsidiárias; uma fase de acomodação (1970-1990), quando a performance financeira das subsidiárias,
de uma maneira geral, surpreendeu positivamente as matrizes a ponto destas aumentarem a autonomia
das subsidiárias, diminuindo a transferência de tecnologia, conhecimentos e informação, ocorrendo a
formação de competências locais; e uma terceira fase, após 1990, com a abertura econômica inserindo
o país na globalização produtiva e tendo como conseqüência a inserção das subsidiárias nas estratégias
globais das companhias.
Entre as companhias TNCs podem ser encontradas diferentes estratégias quanto ao
relacionamento entre matrizes e subsidiárias, inclusive no que se refere à questão da capacitação
tecnológica. FLEURY (1999) identificou, através de pesquisa de campo, três modos de integração das
subsidiárias brasileiras nas matrizes na década de 90: as subsidiárias podem atuar como braço
operacional (tipo 1) das TNCs; como uma unidade relativamente autônoma (tipo 2); ou como centro
de competências (tipo 3). Em cada situação a forma de relacionamento entre as empresas é
modificada, sendo a primeiro situação a mais centralizadora em termos de processos decisórios,
estratégia de manufatura e sistemas de controle de gestão; o tipo 3, ao contrário, é a configuração de
maior autonomia para a subsidiária.
No que se refere à capacitação tecnológica traduzida no processo de DP, a subsidiária tipo 1
não participaria do projeto dos produtos, cabendo a ela somente a produção; a subsidiária tipo 2 pode
apresentar algum tipo de participação, por exemplo adaptando localmente produtos centralmente
desenvolvidos; e a subsidiária tipo 3 participaria ativamente do desenvolvimento de produtos ou
componentes específicos.
Portanto, genericamente podemos afirmar que coexistem diferentes estratégias de inserção das
subsidiárias nas políticas das matrizes. Dentro de um mesmo setor, essa afirmação continua válida. De
modo geral, em ambos os setores, as empresas TNCs com subsidiárias no Brasil aparentemente se
enquadram, em sua maioria, no tipo 1 ou no tipo 2. Empresas que tratam as subsidiárias brasileiras
como centro de competências parecem ser mais raras.
Ainda assim, é preciso considerar os segmentos de atuação das subsidiárias instaladas no
Brasil, especificamente ao que se refere ao tipo de produto fabricado. Alguns produtos podem possuir
características que tornam o processo de DP mais facilmente descentralizado, permitindo assim uma
maior inserção da subsidiária brasileira no DGP. No setor de telecomunicações, a classificação das
empresas estudadas segundo os tipos de atuação descritos pode ser diferente para software e
hardware. No que se refere a hardware, a maioria das empresas se enquadra no tipo 1 ou 2. A
situação é diferente quando se considera a área de software, na qual as empresas de tipo 3 são mais
freqüentes. No setor automotivo, encontramos empresas como centro de competências em alguns
produtos específicos, por exemplo suspensão e desenvolvimento de modelos derivativos destinados a
países em desenvolvimento. Para outros produtos, por exemplo veículos de luxo, as subsidiárias
classificam-se no tipo 1 ou 2.
Especificamente quanto às estratégias de centralização ou descentralização das atividades de
DP, existem, a nosso ver, vários fatores que compõem a escolha da configuração mais adequada. Em
primeiro lugar, certas características do produto podem influenciar a decisão quanto ao tipo de
inserção da subsidiária – alguns produtos podem ser mais “globais”, necessitando menos adaptações
aos mercados aos quais são destinados do que outros. O histórico da subsidiária em termos de
capacitação para projeto ou processo produtivo, em termos de relacionamento com clientes e
fornecedores localizados no Brasil e a importância do mercado onde atua a subsidiária com relação às
vendas totais da companhia são outras variáveis importantes. A seguir trataremos brevemente esses
fatores.
3- Possíveis determinantes para a definição de estratégias de atuação no DGP
Uma das características do processo de globalização, em seus diversos aspectos, é a constante
tensão entre o “global” e o “regional”. A formação de mercados comuns regionais é uma das
manifestações dessa propriedade, que acaba influenciando as estratégias adotadas pelas companhias
TNCs, em particular quando da concepção do produto final, que é o nosso objeto de estudo. Dessa
forma, é preciso ressaltar que, ainda que o produto mundial ou global seja hoje uma realidade, a
tendência à adaptação dos modelos mundiais às características e gostos locais e/ou regionais também
está fortemente presente. Esta característica pode facilitar a adoção de processos de desenvolvimento
de produtos mais descentralizados, com maior participação das subsidiárias, que estão mais próximas
dos mercados locais ou regionais.
Nesse sentido, alguns autores discutem a necessidade do desmembramento das atividades de
concepção definindo diferentes tipos de conhecimento necessários para o projeto ou a adaptação, que
exigiriam maior ou menor proximidade com o mercado do produto final. SUBRAMANIAM et al.
(1998) e CARRINCAZEAUX E LUNG (1997) distinguem entre o conhecimento tácito, “que não
pode ser comunicado facilmente ou transmitido em linguagem formal, sistemática ou codificada”
(SUBRAMANIAN et al., 1998:787), em oposição ao conhecimento explícito. Por exemplo, é mais
difícil determinar as preferências de cada mercado do que as condições de rodagem em um
determinado país. SUGIYAMA E FUJIMOTO (2000) acrescentam que algumas informações
necessárias durante o processo de DP podem também possuir um caráter mais tácito (“sticky”), difícil
de ser transmitido.
Quando é necessário lidar com informação ou conhecimento tácito, a proximidade física tornase importante, porque é mais difícil transferi-lo para outro indivíduo. SUBRAMANIAM et al.
propõem, então, que grupos globais de desenvolvimento de novos produtos tenderão a ser
internacionalmente localizados (e portanto descentralizados) quando o conhecimento tácito em outros
países que não a matriz for dominante para o projeto; e tenderão a ser centralizados na matriz quando
o conhecimento explícito nos outros países for dominante. Da mesma forma, tais grupos tenderão a ser
domésticos com a participação de alguns membros de outros países onde o conhecimento tácito é
relevante quando os níveis desse conhecimento forem moderados (1997:789). Portanto, dependendo
da qualidade do conhecimento envolvido no desenvolvimento, as empresas optariam ou não pela
centralização de suas atividades de projeto.
A herança administrativa, ou a trajetória da companhia relacionada às estratégias de DP,
também parece ser importante na definição das estratégias atuais (SUGIYAMA E FUJIMOTO, 2000;
BARTLETT E GHOSHAL, 1992). Ao longo dos anos, a existência de atividades de desenvolvimento
local ou mesmo adaptação de produtos poderia criar competências técnicas nas subsidiárias, que
seriam aproveitadas pelas matrizes quando do DGP, ou adaptação destes aos mercados locais ou
regionais. Além disso, caso ocorra co-design no DP– ou seja, desenvolvimento em conjunto com
alguns fornecedores – e o fornecedor local possua competência tecnológica, pode ser interessante a
estratégia de descentralização do processo de desenvolvimento a fim de aproveitar a capacitação
tecnológica do fornecedor.
A importância da subsidiária nos negócios da companhia pode influenciar a decisão quanto à
participação ou não da empresa local no processo de desenvolvimento, bem como a extensão dessa
participação.
Os custos para a criação de uma unidade local de desenvolvimento devem ser, logicamente,
levados em conta. Fatores como matérias-primas e custo da mão de obra local parecem ser muito
importantes. REDDY (1997) cita que algumas TNCs localizam P&D nos principais países em
desenvolvimento como Brasil, Índia, Israel e México. Segundo o mesmo autor, essas empresas estão
atentas para os talentos disponíveis em alguns países em desenvolvimento e para os ganhos com os
custos localizando as unidades de P&D neles.
Por fim, a escolha entre centralizar ou não o processo de DP é afetada pela existência de
políticas industriais, como incentivos diretos a atividades locais de desenvolvimento e a existência, ou
o potencial, de infra-estrutura tecnológica, universidades, institutos de pesquisa, qualificação do
pessoal etc. Esses fatores “externos” às estratégias das corporações podem ser proporcionados pelos
Estados locais, a exemplo do que fizeram os governos de países como Singapura, Taiwan e Coréia
(UNCTAD, 1999b). Não há como negar a importância dos Estados na atração de atividades de DP.
4- Evidências dos estudos de caso
4.1- Setor automotivo
A classificação proposta por FLEURY (1999) aplica-se perfeitamente à trajetória das
empresas TNCs do setor automotivo brasileiro. Não é nosso objetivo discutir essa trajetória; mas é
preciso ressaltar a importância das empresas TNCs no setor, já que as montadoras, que são claramente
as direcionadoras das estratégias das empresas de toda a cadeia, são empresas TNCs. Além disso, o
setor de autopeças também encontra-se extremamente internacionalizado, com forte presença de
empresas TNCs, algumas verdadeiras potências – as mega suppliers como a Magnetti Marelli, a
Visteon, a Delphi, a Dana, entre outras (DIAS, GALINA, SILVA, 1999).
Antes da década de 90, várias subsidiárias de montadoras aqui instaladas adotavam uma
política de adaptação de produtos criados na matriz; em geral adaptavam-se localmente produtos
previamente lançados na matriz, ocorrendo assim uma defasagem temporal. Por exemplo, a
Volkswagen (VW) apresentava-se como uma das companhias onde a descentralização das atividades
de projeto era bastante forte, possuindo uma estrutura de engenharia local significativa, embora na
realidade essas atividades tenham sido, em sua maioria, adaptações de plataformas (isto é, partes
centrais de um veículo) originalmente concebidas na matriz para os mercados centrais. Ainda assim,
em alguns casos o projeto local deu origem a produtos únicos, que podem ser considerados como
modelos brasileiros, como é o caso da Brasília e do Gol.
A abertura do setor automotivo em 1991 mudou esse panorama, dando lugar a estratégias de
produção local de veículos “mundiais” ou “regionais” – destinados, por exemplo, ao Mercosul ou a
países em desenvolvimento –, mais modernos e aptos a enfrentar um mercado mais competitivo. Os
veículos mundiais, ou as plataformas (isto é, as partes centrais de um veículo: usualmente, motor,
transmissão, alguns componentes da parte inferior da carroceria), em geral são concebidos nas
matrizes e sofrem adaptações (“tropicalização”) às condições locais – gostos, condições de rodagem
ou ambientais, volume de produção. Por exemplo, o Classe A, da Mercedes-Benz, foi lançado
simultaneamente na Europa e no Brasil, apresentando algumas modificações devido a diferenças
climáticas, de estradas etc.
Essas adaptações não implicam em uma estratégia de descentralização do processo de DP. No
caso do Classe A, a tropicalização foi realizada na Alemanha, e não no Brasil, o mesmo ocorrendo
com o Scénic, da Renault. Por outro lado, os modelos Palio, da Fiat, e o novo Blue Macaw, da GM – a
ser lançado – foram parcialmente desenvolvidos no Brasil, dando margem à hipótese de que o Brasil
pode ser um centro de desenvolvimento periférico de alguns produtos do setor automotivo, tanto para
montadoras quanto para fornecedores de componentes. Nesse caso, a concepção de produtos e a
coordenação do processo permanece nas mãos das matrizes, ocorrendo participação das subsidiárias
nos estágios de projeto de componentes, protótipos, testes e engenharia de processo. Na escolha entre
essas duas estratégias, pesam os fatores anteriormente citados.
A Fiasa, subsidiária brasileira da Fiat, por exemplo, é um caso ilustrativo de descentralização
do processo de desenvolvimento de alguns produtos específicos. A Fiasa é responsável, dentro do
grupo Fiat, pelas adaptações de plataformas globais às condições ou gostos locais. O departamento
local de engenharia possui como atribuições essas adaptações, bem como a nacionalização de
componentes, o desenvolvimento de fornecedores locais e o teste do produto final. O Projeto 178, que
deu origem ao Palio e ao Siena, foi desenvolvido com grande participação da engenharia local, e
mesmo de alguns fornecedores locais. Após a definição do conceito e do design dos veículos,
centralizada na Itália com alguma participação de engenheiros e executivos do setor de compras da
Fiasa, o desenvolvimento da plataforma foi centralizado no Brasil. O mesmo processo ocorre
atualmente com a reestilização dos modelos. Vale ressaltar que o Palio e o Siena são veículos
concebidos para atender os mercados de países em desenvolvimento, como Brasil, Argentina,
Venezuela, Polônia, Turquia.
Além disso, a Fiasa é considerada pela Fiat um dos seus “centros de excelência”, ao lado de
quatro outros centros, todos localizados na Itália. A Fiasa é responsável pelo desenvolvimento de
alguns componentes de motor (para suportar combustíveis de baixa qualidade ou alternativos, como o
álcool) e de módulos de suspensão. Ou seja, a subsidiária brasileira está apta a prestar serviços no
desenvolvimento desses componentes para qualquer modelo que a Fiat venha a desenvolver, ainda que
sob a coordenação da matriz.
A GM também adotou um processo descentralizado para o projeto de seu novo modelo,
conhecido por Blue Macaw. Ocorreu também uma forte participação de subsidiárias locais de
fornecedores no desenvolvimento: a VDO, por exemplo, concentrou no Brasil, com suporte da matriz,
o projeto do módulo do painel de instrumentos do novo modelo.
É interessante notar que tanto a Fiasa quanto a GM do Brasil são casos de empresas
subsidiárias que contribuem significativamente para o desempenho financeiro de suas matrizes. Ao
contrário, a Mercedes Benz do Brasil representa para a matriz um mercado muito pequeno em veículos
de passeio; o desenvolvimento do único modelo produzido no Brasil, o Classe A, foi todo centralizado
na Alemanha.
No que se refere às empresas de autopeças, encontramos casos de empresas TNCs
aproveitando-se de competências locais, muitas vezes desenvolvidas em companhias brasileiras que
foram adquiridas pelas TNCs na década de 90. A Metal Leve, paradigma da empresa de capital
nacional com forte capacitação tecnológica, também nos serve de exemplo neste caso. Adquirida pela
Mahle, tornou-se centro mundial de pesquisa e desenvolvimento dessa companhia para bronzinas,
produto em cujo desenvolvimento e produção a Mahle não possuía competência tecnológica.
As companhias estudadas ressaltaram o fato de que as subsidiárias brasileiras são mais ágeis
na identificação das necessidades de adaptação e de suas soluções, por estarem mais próximas do
mercado final. Os fornecedores locais também teriam esse diferencial. Trata-se, portanto, de
conhecimento tácito envolvido no projeto do produto.
4.2- Setor de telecomunicações
Apesar de menos evidente que no setor automobilístico, a classificação proposta por FLEURY
(1999) também se aplica no setor de telecomunicações. A telefonia no Brasil se expandiu lentamente
desde seu surgimento em 1876, estagnando-se no período entre os anos 20 e os anos 60. Em 1962 criase o Código Brasileiro de Telecomunicações, que formula uma política nacional para o setor e inicia
um processo que coloca telecomunicações como uma das áreas chave para garantir o desenvolvimento
do país.
A década de 70 constitui o período de maior crescimento do setor no Brasil até então, com a
ampliação e melhoria nos serviços de telefonia. Nessa mesma época, especificamente em 1976, é
criado o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Padre Roberto Landell de Moura), o maior
centro de desenvolvimento do setor no hemisfério sul.
Nessa época, o setor é razoavelmente protegido e com mercado garantido. Isso faz com que a
indústria cresça e as empresas brasileiras atendam a totalidade da demanda por centrais telefônicas,
cabos, rede externa e equipamentos de transmissão (SIQUEIRA, 1998). A política industrial
estabelecida na época dá seus frutos, mas também contribui para a elevação dos custos ao impor à
produção local, índices de nacionalização superiores a 95%.
A capacitação industrial brasileira foi responsável pelo êxito do setor nos anos 70 e em parte
dos anos 80. Mas os problemas gerados pelo monopólio estatal se agravam na década de 80 e
persistem até meados da década seguinte. A indústria brasileira não acompanha a evolução mundial do
setor de telecomunicações, cujo desenvolvimento tecnológico é crescente e cuja aplicação é cada vez
mais ampla, alterando os aspectos culturais e comportamentais da sociedade. Considerando esses
aspectos, o país começou a reestruturar o setor em 1995. Essa reestruturação define, entre outros
fatores, a quebra do monopólio estatal, a privatização das empresas de telefonia, o programa de
ampliação e recuperação do sistema de telecomunicações com investimentos de U$ 90 bilhões em 8
anos e a substituição do Código Brasileiro de Telecomunicações pela Lei Geral das Telecomunicações
(LGT – lei 9472) em julho de 1997, que define as linhas gerais do novo modelo institucional para o
setor.
No que se refere a incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento no país, o setor de
telecomunicações é beneficiado com a lei da Informática (lei 8248) criada em 1991, constantemente
prorrogada por decretos. Tal lei estabelece incentivos fiscais para empresas que tenham como
finalidade a produção de bens e serviços de informática. Para obterem os incentivos da lei, as
empresas devem investir no mínimo 5% do seu faturamento bruto do mercado interno em atividades
de P&D a serem realizadas no país, conforme projetos elaborados pelas próprias empresas. Também é
item obrigatório da lei, que 2% do faturamento bruto deve ser aplicado em projetos que tenham
convênio com centros de pesquisas ou entidades de ensino brasileiros. Esses incentivos estimulam e
garantem o investimento das empresas TNCs no desenvolvimento tecnológico no país, diferentemente
do que acontece no setor automobilístico, sem qualquer política nesse sentido.
Das empresas em estudo, três serão citadas neste trabalho. Elas se destacam pela relevância
mundial na área e importância no Brasil e América Latina. A empresas serão tratadas anonimamente
neste artigo. A empresa A se destaca no país atuando principalmente nas áreas de comutação fixa,
telefonia móvel celular (centrais) e terminais móveis. A empresa B, também européia, está presente no
Brasil principalmente nas áreas de comutação fixa, comutação privada e telefonia móvel celular
(centrais). A empresa C, norte americana, instalou-se no Brasil há pouco tempo, especificamente
trazida pela privatização do setor, e atua principalmente com telefonia móvel celular (centrais) e
comutação fixa.
Considerando o atual cenário brasileiro no setor de telecomunicações e analisando as
principais áreas de atuação dessas empresas no Brasil, optou-se por estudar principalmente as áreas
que compõem nichos em que a participação brasileira no DGP se torna viável, especialmente no que
se refere a desenvolvimento de software (comutação fixa, telefonia móvel celular).
Nos casos estudados verificou-se alguns pontos importantes que evidenciam os fatores citados
na seção 3 como influentes da participação das subsidiárias brasileiras no DGP. Cada uma com seus
fatores específicos, mas todas elas apontam a lei 8248 como fundamental para o crescimento de
investimentos em P&D no país.
A empresa A concentra no Brasil as atividades mundiais de desenvolvimento de software de
tarifação para centrais telefônicas. Isso acontece principalmente porque o Brasil possui um histórico de
sucesso na atuação nessa área pelas constantes alterações necessárias nos sistemas tarifários nacionais.
Esse fator e o de que a empresa A atua no Brasil há quase 80 anos, tornam a participação brasileira em
tal área significativa. A empresa também está investindo para transferir, dos EUA para o Brasil, o
centro de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia CDMA, especificamente o laboratório de
software. A decisão da transferência decorre da necessidade de os engenheiros norte-americanos
passarem a se dedicar ao desenvolvimento da terceira geração em CDMA e de que o Brasil (e América
Latina) é um dos maiores usuários dessa tecnologia.
A empresa C entrou recentemente no mercado brasileiro e atualmente toda a comercialização
dos produtos fabricados no país são direcionados para o mercado interno, mas o objetivo da
companhia é fazer do Brasil o centro de distribuição da América Latina e Caribe. A TNC adquiriu
empresas de capital nacional, que desenvolviam, em parceria com centros de pesquisa e universidades
nacionais, centrais telefônicas de tamanho reduzido. A empresa continua investindo no
desenvolvimento deste produto aqui no Brasil e a sua subsidiária brasileira passará a ser a base
principal do desenvolvimento mundial do produto. Vale destacar que a TNC não possui produto
similar no mercado global.
Isso não é o que acontece com a empresa B, que adquiriu parte de uma empresa de capital
nacional e tentou descontinuar o produto principal dessa empresa (comutação fixa) para comercializar
seu produto global, mas por resistência do mercado, essa decisão teve que ser “adiada” – o que,
evidentemente, não é confirmado pela empresa – e ela continua comercializando o produto nacional.
Mas não há investimentos significativos para a melhoria tecnológica desse produto. Das três empresas,
a subsidiária de empresa B parece ser a que menos participação efetiva tem no DGP.
5- Conclusões
A partir de evidências dos estudos, ainda que preliminares, realizados em empresas dos dois
setores, podemos identificar alguns fatores que podem determinar uma maior ou menor participação
de subsidiárias brasileiras de TNCs nos processos de DGP de suas matrizes. Chama a atenção a
ausência, no setor automotivo, de políticas públicas que estimulem o desenvolvimento tecnológico
local, ao mesmo tempo em que existem políticas de atração de empresas TNCs que criam uma
verdadeira “guerra fiscal”, mas que visam somente a instalação local de operações de produção a fim
de gerar empregos. Ao contrário, no setor de telecomunicações as empresas consideram fortemente os
incentivos fiscais concedidos e investem localmente no desenvolvimento tecnológico. Como
mostramos, as empresas dos setores teriam motivos para descentralizar suas atividades de DGP; há
evidências de que a existência de políticas específicas consolida a estratégia de maior inserção do
Brasil nos processos de desenvolvimento, dessa forma fica clara a importância de políticas
governamentais para que o desenvolvimento tecnológico cresça no país.
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