CASOS ESPECIAIS DE INTERVENÇÃO DO MP NOS
JUIZADOS CÍVEIS
ANDRÉ DEL GROSSI ASSUMPÇÃO
As hipóteses de intervenção do Ministério Público em ações cíveis em
sentido estrito são marcadas pelas notas da obrigatoriedade e da nulidade
como maior conseqüência de sua inobservância. Embora bastante
excepcionais, também os Juizados Especiais Cíveis têm suas hipóteses de
intervenção ministerial expressamente previstas em lei, mas pouco lembradas
mesmo pelos profissionais de Direito.
Fundamentalmente, quando não é autor da demanda, o Ministério
Público atua nas causas em que o interesse público o recomenda como "fiscal
da lei", segundo as diretrizes do artigo 82 do Código de Processo Civil, a saber:
1) nas causas em que há interesses de incapazes; 2) nas causas concernentes
ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento,
declaração de ausência e disposições de última vontade; e 3) nas ações que
envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em
que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da
parte.
O apontamento das demais hipóteses de "interesse público" referido no
inciso III nem sempre é fácil, mas conhecê-las é essencial, porque as hipóteses
de intervenção ministerial são sempre obrigatórias, sob pena de nulidade
(absoluta ou relativa - conforme a orientação seguida). Bem por isso, o
"interesse público", algumas vezes, é presumido por normas especiais que
reclamam de forma cogente a fiscalização ministerial, com as conseqüências
mencionadas para seu descumprimento.
De forma geral, dos comentários de Theotônio Negrão e José Roberto
Ferreira Gouvêa se extrai a necessária intervenção ministerial nos seguintes
casos: como curador judicial de ausentes e incapazes (art. 9º, parágrafo único
[nos JE, art. 9º, inc. II e parágrafo único]); ações rescisórias (art. 493, CPC);
processos de insolvência (art. 748, CPC); organização e fiscalização das
fundações (arts. 1.199 a 1.204); mandados de segurança (LMS, art. 10);
habeas data (LHD, art. 12); causas falimentares (LF, art. 210 e Nova Lei de
Falências, art. 4º); ações populares (LAP, art. 6º, § 4º); ações de alimentos (LA,
art. 5º); desapropriação para reforma agrária (LC 76/93, art. 18, § 2º; LD, art.
19); feitos em que se discutem os direitos dos idosos em risco (EId, art. 74, II);
ações propostas no Juizado Especial (LJE, arts. 11 e 57, parágrafo único);
procedimentos relativos a registros públicos (LRP, arts. 57, 67, § 1º; 76, § 3º,
109, 200, 213, § 3º); ações de usucapião rural e urbano (Lei 6.969/81, art. 5º, §
5º; Lei 10.257/01, art. 12, § 1º) (Código de Processo Civil e legislação
processual em vigor. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 204).
A Lei nº 9.099/95 faz remissão às hipóteses de intervenção do Ministério
Público no seu artigo 11, mas as restrições do mesmo diploma quanto à
admissão das partes e a natureza das causas provocam redução sensível do
número de casos da atuação ministerial. Atentando, especificamente, aos
Juizados Estaduais e do Distrito Federal, um dos maiores nomes no tema, Dr.
Ricardo Cunha Chimenti, identifica apenas quatro hipóteses especiais em que
o Ministério Público deverá necessariamente intervir:
"[...] a) quando há revel citado com hora certa e no local onde se
desenvolve o processo o Ministério Público seja o responsável pela curadoria
1
especial (art. 9º, II, CPC); b) na hipótese de o demandado ser concordatário ou
estar sob regime de liquidação extrajudicial; c) na hipótese de mandado de
segurança impetrado junto ao Colégio Recursal contra ato de juiz do Sistema
Especial, observado o art. 10 da Lei nº 1.533/51; e d) na hipótese de arresto e
citação editalícia em execução fundada em título extrajudicial [...]". (CHIMENTI,
Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e
federais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 114).
Em comparação com a listagem anterior, nota-se que os casos de
intervenção ministerial no Juizado configuram um minus em relação ao
universo da atuação cível do Ministério Público, inexistindo hipóteses de
intervenção exclusiva no Juizado, porque todas se repetem fora dele.
De fato, como não poderão ser partes no Juizado o incapaz e o preso
(artigo 8º, LJE), nem se fará citação por edital (artigo 18, § 2º, LJE), a
intervenção da Promotoria na primeira hipótese exige a combinação de três
circunstâncias (citação com hora certa, revelia e curadoria pelo Ministério
Público).
Exceção se faz à execução fundada em título extrajudicial, para a qual
há quem admita o arresto e a citação editalícia quando o devedor nãoencontrado deixa bens passíveis de penhora, em vista da interpretação do
comando normativo que determina a extinção do feito em caso de inexistência
de bens dessa qualidade. Nesse sentido: "Em exegese ao art. 53, § 4º, da Lei
9.099/95, não se aplica ao processo de execução o disposto no art. 18, § 2º, da
referida lei, sendo autorizados o arresto e a citação editalícia quando não
encontrado o devedor, observados, no que couber, os arts. 653 e 654 do CPC"
(Enunciado
37
do
Fórum
Nacional
dos
Juizados
Especiais.
www.fonaje.org.br./2006).
Ainda sobre a execução no Juizado, lembre-se que "Se o MP funcionou
obrigatoriamente no processo de conhecimento, deve também intervir,
necessariamente, na liquidação da sentença (RT 571/127), na execução e nos
processos cautelares (RT 566/218)" (NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José R.
F. Op. cit., p. 204).
Também não são admitidas no Juizado dos Estados as ações
rescisórias, os falidos e insolventes, as ações de alimentos e aquelas que se
relacionem a pessoa jurídica de direito público ou sejam de interesse da
Fazenda Pública (artigos 3º, § 2º, 8º e 59, LJE), casos em que, perante o
"Juízo Comum", o Ministério Público teria necessária participação.
Mas, como a lei não proíbe que o réu seja pessoa jurídica sob
concordata ou liquidação extrajudicial, surge, então, outra hipótese de
intervenção ministerial, obrigatória por força de variados dispositivos da Lei nº
11.101/05 (v.g. artigos 52, V, e 99, XIII, entre outros, da nova Lei de Falências).
Também são comuns os mandados de segurança em vista de atos do Juízo de
primeiro grau, que não encontram nenhuma restrição na lei e estão sujeitos a
parecer do Ministério Público em atenção ao já citado artigo 10 da Lei 1.533/51.
Além desses casos de intervenção, a atuação extrajudicial do Ministério
Público pode ter reflexos na execução perante o Juizado em função do
referendo que o órgão singular apõe sobre acordo de cidadãos que buscam a
Promotoria para solução de variada gama de assuntos (direito de vizinhança,
danos causados por ilícito penal etc.), fato que é rotina nas Comarcas do
interior (artigo 57, parágrafo único, LJE).
2
Com restrições diversas, o mesmo Ricardo Cunha Chimenti indica as
hipóteses de intervenção do Ministério Público nos Juizados Especiais
Federais, mencionando: "[...] causas em que houver interesse de incapaz
(podendo inclusive propor ação em nome deste), de idosos (Lei nº
10.741/2003), de crianças (Lei nº 8.069/90) ou interesse público [sem opor
novas restrições] (arts. 82 a 85 do CPC)". (Op. cit., p. 114).
Embora não destacadas pelo autor, crê-se que - observadas as
restrições à legitimidade das partes (sobretudo nos Juizados dos Estados) -,
ambas as listagens merecem inclusão das ações em que são rés as fundações
públicas (expressamente admitidas pelo artigo 6º, II, da Lei nº 10.259/01), por
determinação do artigo 66 do Código Civil; e participam outras categorias que
por lei contam com a atenção do Ministério Público na defesa dos direitos
decorrentes de sua condição especial, destacadamente: os indígenas (artigo
129, V, CR); e as pessoas portadoras de deficiência (que não sejam incapazes
para os atos da vida civil, aqui admitidas à evidência todas as deficiências
físicas - não-mentais - e a surdo-mudez não incapacitante para a manifestação
da vontade), desde que a demanda esteja fundada basicamente na sua
condição especial (Sobre a intervenção ministerial quanto a essas categorias:
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 242).
Anota-se também alguma divergência quanto à intervenção ministerial
em ações decorrentes do Direito do Consumidor, registrando-se que, para
Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, a intervenção não é
obrigatória em vista de qualquer relação de consumo, mas somente daquelas
de natureza coletiva: "'O MP não haverá de necessariamente intervir em todas
as causas em que se litigue a propósito das relações de consumo. Oficiará,
como fiscal da lei, nas ações coletivas. A essas se refere o art. 92 do CDC'.
(RSTJ 98/260; do voto do relator, p. 262)". Mas, o próprio cabimento de ações
coletivas nos Juizados Especiais não é admitido sem dificuldades, registrandose posições diversas. Contra, colhem-se, por exemplo: JECC-BR 32 e II ENJE
13; e a favor: Conclusão nº 6 do 4º Congresso Brasileiro de Direito do
Consumidor, em Gramado-RS, março de 1998; e RODRIGUES, Geisa de
Assis. Juizados Especiais Cíveis e ações coletivas. 1997. p. 54-55. (NERY
JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa M. A. Op. cit., p. 1.237).
Outro ponto controvertido é o cabimento de ação rescisória em sede de
Juizados Especiais Federais, hipótese em que a intervenção do Ministério
Público seria necessariamente obrigatória. Entendendo que o silêncio da Lei nº
10.259/01 não é impeditivo, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery
sustentam o cabimento de ação rescisória em âmbito especial federal (Código
de Processo Civil comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.
1567). Quanto aos Juizados dos Estados, porém, a hipótese não existe, já que
a Lei nº 9.099/95 exclui, expressamente, o cabimento de ação rescisória, como
já referido acima.
Nos casos em que intervenha, o Ministério Público tem os mesmos
poderes de que está dotado pelo Código de Processo Civil, estando capacitado
a argüir a incompetência do Juízo, suspeições ou impedimento, argüir
nulidades e interpor recursos.
Em conclusão, embora pouco percebidas pela prática judiciária, são
várias as hipóteses de intervenção obrigatória do Ministério Público perante os
Juizados Especiais Cíveis estaduais e federais, permitindo-se sua identificação
3
a partir do cotejo do artigo 82 do Código de Processo Civil com as diferentes
normas especiais que presumem o interesse público na causa e expressam a
atuação ministerial.
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