SER PROFESSOR: QUE PROFISSÃO É ESSA?
MEDEIROS, Maria de Fátima Gomes – UFRN
INTRODUÇÃO
Na trajetória histórica da educação, a figura do professor tem se modificado a
cada cenário social, político, econômico e educativo pela qual passa a educação
brasileira, exigindo deste educador novas competências para exercer o trabalho
docente – “o aprender” e “o ensinar” – diante dos desafios neste século identificando
como pós-moderno. E que nos leva a pensar sobre que educação, que competências,
que tipo profissional necessitaremos para as atuais e futuras gerações? Quem são
esses profissionais que formamos, estamos formando e que pretendemos formar?
Frente a estas e outras indagações que ao longo do texto irão surgir, o papel
da educação toma novos contornos, pois estamos diante de uma sociedade marcada
por caminhos que sofreram e sofrem rápidas transformações no mundo do trabalho,
na construção de uma educação melhor. Diante de um quadro de desequilíbrio e
desigualdades sociais, econômicas e culturais que incide com bastante força na
escola, aumentando os obstáculos para torná-la uma conquista democrática efetiva,
lutamos por um ensino de qualidade, com profissionais competentes.
Não é tarefa simples. Necessário se faz, nesta sociedade do conhecimento,
buscarmos nova perspectiva de transformar as escolas em suas práticas, termos um
novo modelo de professor estimulado a aprender no dia-a-dia, a pesquisar, a dialogar
e interagir com outras pessoas, ser criativo, sensível e que eduque as crianças e
jovens propiciando-lhes desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e humano,
como também investir em seu crescimento profissional.
Neste sentindo, pretendemos, à luz da teorização concebida através das
reflexões suscitadas durante a pesquisa realizada no município de Caicó-RN, com
professores do ensino fundamental da rede municipal, refletirmos sobre a formação
continuada, na tentativa de compreender esse SER, que é o PROFESSOR, esse
PROFISSIONAL que em movimentos dialéticos muda de roupagem para atender as
demandas do mundo globalizado.
Portanto, sem esgotar a discussão sobre o tema, pois o mesmo já vem sendo
discutido no meio acadêmico com provocações dialógicas, para adentrar nos espaços
escolares e ganhar dimensões no debate sobre a profissão e a profissionalização da
2
docência como alternativas para a construção de novos papéis e maneiras de pensar
e agir no ato de ensinar/aprender.
É nessa engrenagem que sentimos a necessidade de desenhar a discussão
sobre o trabalho docente, não para servir de receituário, mas para fomentar reflexões
sobre o tipo de profissional/educador que está mergulhado nas práticas pedagógicas,
de modo a avançar à profissionalização, frente às atuais exigências propostas nos
discursos das políticas educacionais postas aos professores(as) pelas Reformas, pela
Sociedade e pela a Escola.
2. MERGULHANDO NO TEMPO: um pouco de história
Nesse quadro, a compreensão dos desafios da educação torna-se complexo,
sobretudo, quanto à formação de professores numa perspectiva histórica. Trata-se de
realizar uma viagem no túnel do tempo para entendermos a conjuntura do trabalho
docente, pois sua complexidade vai acontecer conforme as conotações sociais,
históricas, culturais, econômicas e políticas, enfim, uma trajetória dinâmica, dialética,
no contexto educacional de cada época.
Será
um
difícil
exercício
de
reflexão
para
compreendermos
suas
transformações, já que o debate sobre a educação de qualidade vem ganhando
espaço em todos os segmentos da sociedade. Entendemos que a democratização do
ensino passa pelos professores, por sua formação, sua valorização profissional, suas
condições de trabalho e investimento profissional, mas não poderíamos deixar de fora
o percurso que tem o desempenho do professor para a melhoria do processo ensinoaprendizagem como um dos principais elementos de ensino.
Neste texto, faremos breves comentários históricos sobre a concepção de
professor na visão de alguns teóricos que contribuíram e contribuem com suas teorias
para a construção e o avanço da educação.
Desde a antiguidade, a preocupação com o professor era presente no âmbito
educacional e social, pois se fazia referência ao tipo de educador ou preceptor para
exercer com responsabilidade e compromisso o trabalho docente na educação dos
filhos. Para os idealistas, o professor tem características socráticas e encorajaria os
jovens a melhorarem seu pensar com a ação baseada na reflexão e suas vidas
apoiadas em tal pensar. Apesar das críticas ao idealismo na educação,
principalmente, a visão do professor como uma pessoa reverenciada e central ao
processo de educação, historicamente, sua influência foi fortemente presente nas
escolas, que mesmo hoje, ainda encontramos princípios idealistas.
3
Passando a página da história, vamos à Idade Moderna, caracterizada pela era
da razão (Cogito Cartesiano), a recuperação da experiência sensível (novo órganon
baconiano) e a confiança no poder transformador do homem proclamaram , no século
XIX, uma escola capacitada para disseminar os conhecimentos acumulados e as luzes
da razão: uma escola pública, obrigatória, universal e laica.
Tomemos por exemplo, Comenius (1592-1670), que defendia uma educação
para todos, além de abordar a questão da quantidade e de lutar por uma educação
que atinja pobres e ricos, também se preocupava com uma educação de qualidade.
Os pilares da tríade principal: Todos, Tudo e Totalmente (elementos da
universalidade) anunciado na Didática Magna é desenvolvido na Pampaedia. Propõe
uma escola para Todos (OMNES): “todo o gênero humano, seja qual for a sua idade,
o seu estado, o seu sexo e a sua nacionalidade” (GARPARIN, 1994, p. 106); que
ensina Tudo (OMNIA): formação integral do homem para aperfeiçoar a natureza
humana “em todas as coisas que podem tornar o homem sábio e feliz” (GASPARIN,
1994, p. 109); em que a aprendizagem aconteça de forma satisfatória e competente
(OMNINO). Comenius já definia um projeto de professor e propostas pedagógicas
relevantes e avançadas para a modernidade.
Na concepção de Comenius, a natureza do trabalho docente exigia
determinadas características como: o respeito ao estágio de desenvolvimento da
criança no processo ensino-aprendizagem; a construção do conhecimento através da
experiência, da observação e da ação; a clareza e a diretividade do ensino de
conteúdos; a aplicação prática dos conteúdos aprendidos; a atribuição de causalidade
aos fatos ensinados; a educação do diálogo e do exemplo, sem punição; a importância
da afetividade do educador no processo educativo; a organização do ambiente
escolar; a necessidade da interdisciplinaridade; a coerência de propósitos
educacionais entre a família e a escola; o desenvolvimento do raciocínio lógico e do
espírito científico para a formação do homem religioso, social, político, racional, afetivo
e moral e finalmente, competência intelectual: organização, zelo e atualização sobre
os fins e os meios da profissão e as variedades de métodos e especialidades. Enfim, a
docência, para Comenius, deixa de ter um sentido de sacerdócio, doação, para ser
uma profissão como as outras. O professor é um profissional que exerce uma tarefa
específica e deve receber um salário pelo seu trabalho.
Percebemos que na visão comeniana, o professor deve ter competências,
habilidades inter-pessoal
e equilíbrio emocional, além de pesquisar, analisar,
sintetizar e dialogar.
Esse ideário nutriu o pensamento latino-americano, essencialmente, o Brasil,
no debate sobre a organização da escola primária pública através da Lei Imperial de
4
15 de outubro de 1827 – celebrada como a norma que funda o Ensino Primário no
Brasil (ARAÚJO, 2001); quando no texto da lei, segundo Lima, no seu artigo 5
proclama:
Para as escolas do ensino mutuo se applicarão os edificios, que
houveram com suffciencia nos logares dellas, arranjando-se com os
utensilios necessários á custa da Fazendo Publica e os Professores,
que não tiverem a necessária instrução deste ensino, irão instruir-se
em curto prazo e á custo dos seus ordenados, nas escolas das
capitaes. (LIMA, 1927, p. 8)
É bem do conhecimento, como está escrito no artigo da lei, a determinação de
formação do professor para exercer suas funções como profissional investindo na sua
própria qualificação.
No final do século XIX, o movimento educacional conhecido como Escola Nova
vem propor novos caminhos à educação, que se encontra em descompasso com o
mundo, procurando o esforço de superação da pedagogia da essência pela pedagogia
da existência. Como representante dessa teoria temos o filósofo John Dewey que
acreditava “que os indivíduos deveriam ser educados como seres sociais e direcionálas”. (OZMON, 2004, p. 151.). Nesse sentido, a função do professor é estabelecer um
ambiente adequado para a aprendizagem, para estimular o crescimento intelectual e
emocional desejado entre os alunos. Entendemos que para Dewey, o professor deve
estar preparado, muito bem informado sobre os conteúdos para desmembrá-lo em
elementos que os educandos sejam capazes de conectar com sua própria experiência
e vida social.
No Brasil, o movimento da Escola Nova só começou no século XX, na década
de 1920, com diversas reformas esparsas do ensino público. Com a crescente
industrialização e a urbanização em todo o mundo, a necessidade de preparar o país
para o desenvolvimento levou um grupo de intelectuais brasileiros, entre eles, Anísio
Teixeira, a se interessar pela educação, vista como elemento central para remodelar o
país. Surge, então, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932. O
documento pregava a universalização da escola pública, laica e gratuita.
Nesse período, o ensino adquiria caráter novo com espírito investigativo e
currículo diversificado, portanto, o professor também mudava seu perfil. O professor
da área de física ou química, por exemplo, não teria a necessidade de saber o que
está e se passa além da janela do seu laboratório. Na abordagem nova, esse
professor, passaria a “educador”, com necessidade de uma cultura múltipla e bem
diversa, com conhecimentos dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases,
5
para perceber, além do aparente, a evolução social; e compreender a escola e sua
função na diversidade e pluralidade da sociedade na qual está inserido. Neste
contexto, Anísio vem colaborar afirmando que o professor deve incentivar o aluno a
pensar e julgar por si mesmo, ser estudioso da sociedade e do homem.
Quando iniciamos a elaboração do texto, nos reportávamos para a
complexidade da história da educação no tocante a um dos elementos do ensino – o
professor – imbuído na direção do agir pedagógico, tentando desenhar seu trajeto nas
diversas fases históricas, apresentando as multi-facetas do desempenho deste
profissional no processo educativo, à medida que transforma o contexto social,
político, cultural e econômico da sociedade. Ao afirmarmos as palavras supra citadas,
não queremos omitir o tempo cronológico da história, negando os fatos ocorridos, mas
ser perspicaz, no sentido de realizarmos sínteses dos anos seguintes, demonstrando a
pertinência das várias etapas das atividades do professor no processo educativo.
Como já dissemos, a imagem do professor tem variado, quaisquer que tenham
sido as funções reservadas a ele (professor). Mas, penetrando neste contexto,
delinearemos as décadas de 1960, 1970 e 1980 expondo a figura do educador de
acordo com as mudanças sociais e educacionais.
Os anos 60 e 70 foram marcados por muitas crises políticas, econômicas, entre
outras, que afetaram o mundo inteiro. No campo da educação, pelos paradigmas
racionalistas e os princípios do behaviorismo se destacando como método no
processo ensino-aprendizagem. Com Skinner, o pioneiro em sua implementação em
muitos campos da vida contemporânea. Os behavioristas consideram a criança como
organismo que já está programada antes de vir para a escola. Tal programação é
realizada pela a influência dos pais, colegas, irmãos e pela televisão. Segundo o
behaviorismo, os professores têm muitas recompensas ou reforçadores à sua
disposição: elogios, sorrisos, um toque, estrelas, doces, entre outros. Então, qual seria
o papel do professor? Utilizar técnicas do behaviorismo de algum tipo em suas salas
de aula, mesmo que não estejam conscientes disso. Os professores precisam não
apenas
aprender
as
técnicas
de
condicionamento,
mas
também,
usá-las
eficientemente.
No Brasil não foi diferente, passou a receber assistência técnica dos Estudos
Unidos, por meios de acordos MEC – USAID (firmados entre o Ministério da Educação
e Cultura e a United States Agency for International Development) e cooperação
financeira que resultaram em reformas do ensino, nas Leis 5.540/68 (ensino
universitário) e 5.692/71 (ensino de 1º e 2º grau). Sob essa perspectiva, o professor é
um técnico que, assessorado por outros técnicos e intermediado por recursos
técnicos, transmite um conhecimento técnico e objetivo.
6
Ao reconhecer que o homem está inserido em um contexto de relações sociais
no qual a desigualdade é mantida, o objetivo da educação a partir dos anos 80 é o
desenvolvimento do ser humano total, integral, um homem novo para horizontes
novos, para a democratização do ensino. A escola se torna o lugar de socialização do
conhecimento elaborado, possibilitando às camadas populares terem acesso à
educação, tornando possível um saber vinculado ao vivido, inserindo-se assim na
prática social.
Portanto, o que saber, o que fazer e para que fazer está na dependência da
compreensão das necessidades sociais vividas, sempre a partir da situação histórica
dada. Nesse sentido, a formação do professor está voltada para a competência
técnica, um compromisso político a orientar o aluno na escolha das prioridades em
educação. O professor, então, seria um mediador e orientador da aprendizagem,
criando condições para que o aluno construa um conhecimento crítico sobre o mundo,
valorizando sempre a ação, a reflexão e a tomada de consciência.
No final do século XX, com a queda do bloco soviético, em 1989, virou mais
uma página da história: Deu-se origem a um mundo mais complexo e inseguro, e, sem
dúvida, mais perigoso. A violência presente nos lares, ruas, e ainda, chegando às
escolas atingindo as crianças e jovens, convivendo com as incertezas do destino.
A educação numa sociedade face à globalização da economia e das
comunicações volta-se para defender um projeto de Educação para a vida, para todos,
que respeite a diversidade, a pluralidade de doutrinas, os direitos humanos, ampliando
o horizonte de conhecimentos e de visões de mundo. Assim, a grande tarefa do
professor para o fim do século XX e o novo milênio – Século XXI, não é a de instruir,
mas a de educar o nosso aluno como ser humano, como pessoa que interage com
outros, no mundo tecnológico, mas povoado de sentimentos, dores, incertezas e
inquietações humanas.
Um dos pontos altos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
nº 9.394/96 – é o reconhecimento da importância do ensino e da aprendizagem de
valores vinculados à cidadania na educação escolar. Para isso, devemos pensar num
novo professor, mediador do conhecimento, sensível e crítico, aprendiz permanente,
pesquisador e organizador do trabalho na escola, um orientador, um cooperador,
curioso e, sobretudo, um construtor de sentido. Para Paulo Freire (1997, p. 25):
“ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
produção ou a sua construção”.
É preciso pensar no ato de aprender/ensinar, é necessário buscar o aprender
no ato de ensinar (PAULO FREIRE, 1997, p. 25): “não há docência sem discência, as
7
duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se
reduzem à condição de objeto um do outro”.
Nosso intuito é provocativo no sentido de refletir sobre esse PROFESSOR que
está nas escolas, a partir das exigências estabelecidas pelas reformas educacionais
para se adequar aos novos tempos.
3. SER PROFESSOR: que PROFISSIONAL é esse?
Estamos pressupondo que a especificidade da Educação é não ser específica,
mas múltipla, plurilateral, uma legião de abordagens dialogando e construindo redes
de conhecimento. Por isso, na complexidade do mundo atual, a sociedade espera dos
professores o comprometimento para com a formação de um educando capaz de
assumir-se como ser social e histórico, transformador e crítico. Assim, o papel do
professor terá de passar por um redirecionamento, não mais o professor como
informador e reprodutor do conhecimento, porém como mediador e orientador capaz
de estimular seus alunos com propostas desafiadoras, questionadoras, que
impulsionem o educando a buscar outros conhecimentos, pesquisar, encontrar
soluções e formular novos problemas.
Para se entender esse professor que ao longo da história obteve diversas
denominações: transmissor, executor, reprodutor, orientador e mediador do
conhecimento, necessário se faz ressignificar a sua identidade.
3.1. IDENTIDADE: ressignificação na formação docente
Ao identificar o processo que origina a identidade do professor devemos
perceber a indissolúvel união existente entre o professor como pessoa e o professor
como profissional. Para Ramalho (2004, p.49): “Pensar no professor como um
profissional, é trabalhar na perspectiva da docência como profissão, implica
reconhecê-lo como produtor de sua identidade profissional.”
A identidade do professor é um processo complexo, dinâmico e desafiador,
pois o mesmo deve construí-la na sua docência com momentos teóricos e práticos na
parceria com outros, a partir de reflexões realizadas sobre o contexto sócio-histórico
ao qual está inserido para se sentir construtor da profissionalização docente. A
construção da identidade do professor, segundo Ramalho:
8
É um processo complexo de construção do ser individual e do ser
grupo profissional. A construção da identidade profissional supõe
que os professores sejam os atores dessa construção ao
estabelecerem
relações
progressivas
de
apropriação
e
ressignificação de uma nova profissionalidade (evoca o
desenvolvimento de um hábito reflexivo, de pesquisa, de crítica) e de
um novo profissionalismo (consolidação do grupo profissional com a
sociedade para legalizar seu crescimento como grupo profissional,
ganhar prestígio social na base das suas competências1, avanços na
identidade do grupo, numa luta política pela valorização real do
trabalho docente). (RAMALHO, 2004, p. 189-193)
Para tanto, essa construção vai se dar na prática pedagógica reflexiva e
investigativa, devendo caracterizar os saberes docentes (FIORENTINI apud NUNES,
2001, p. 35). Entendemos que não basta uma formação docente baseada na prática e
na experiência meramente reprodutora de técnicas. É fundamental urgir dos docentes
uma prática reflexiva e investigativa, em busca de novos referenciais e condutores
profissionais almejando uma reformulação constante da identidade do professor, dos
saberes.
É necessário pois, que os docentes possam perceber que o Modelo
Hegemônico da Formação – MHF (RAMALHO, 2004) seja a largada para reflexões
sobre a sua prática, enquanto professor, profissão e profissional. As palavras
professor e profissão são próximas em seus significados. A primeira designa o sujeito
que professa, isto é, aquele que diz a verdade publicamente. E a verdade, segundo
Abbagnano (2000, p. 994): “qualidade em virtude da qual um procedimento
cognoscitivo qualquer se torna eficaz ou obtém êxito”; podemos ainda dizer que a
verdade é fenômeno ou interação em conformidade com o real (FERREIRA, 2000).
Assim, o professor é aquele que torna público, socializa algum conhecimento. A
segunda palavra designa uma ocupação ou atividade especializada e voltada para o
ato de professar. Assim, toda profissão afirma uma identidade e esta por sua vez, nas
palavras de Nóvoa (1996, p. 57): “Não é um dado adquirido, não é uma propriedade,
não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço em
construção de maneiras de ser e de estar na profissão”.
Sendo a profissão considerada uma atividade especializada para o trabalho em
construção numa relação entre homens, num espaço ideológico, o trabalho docente
volta-se para a formação global destes homens. De acordo com Marx (1983, p. 120):
“o homem é um ser ativo, produtivo e sensível, e apropria seu ser multiforme de forma
global, isto é, como homem integral”. Desta forma, podemos afirmar que a identidade
1
Para Perrenoud (2000, p. 15); competência é a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos
para enfrentar tipos de situações, tais como: refletir, agir, analisar, avaliar, decidir, etc.
9
profissional desenvolve-se e adapta-se ao contexto sócio-político-histórico em que
está inserido o professor num processo dialético na interação com a natureza (no
trabalho) e com outro homem (na linguagem) num processo universal, construindo
suas identidades pessoais no seu grupo e nos respectivos contextos e em interação
com outros grupos profissionais (RAMALHO, 2004).
Sabemos, entretanto, que o professor produtor de sua identidade profissional
organiza e estrutura seu trabalho docente buscando conhecer as realidades escolares,
com o olhar de um futuro professor, não mais como aluno. Considerando que, a partir
deste “olhar2”, o trabalho docente possa criar possibilidades de construção de novos
saberes, atitudes, valores, de um novo agir profissional, com o objetivo de formação
ética, pensar sobre a classe de pessoa que se quer chegar, ou seja, que tipo de
homem queremos formar e a sociedade em que queremos viver; como também
refletir sobre a política relacionando-a com outros segmentos da sociedade,
educação, por exemplo, que tipo escola queremos ter; enfim, pensar na
epistemologia, não na forma fenomenológica, superficial, mas na elaboração de
pensamento reflexivo, coerente com a busca ética de geral pensamento crítico que
situe o conhecimento como momento dialético da prática docente.
Mapear o ser professor é sair da “mesmice3”, sentir-se pessoa valorizando o
seu ser, enquanto humano – essência – existência, ser sujeito da sua própria história,
numa perspectiva crítico-reflexiva, produzir vida. Como profissional, produzir a
profissão do docente com caráter de investigação, uma dimensão de pesquisa
estimulando o desenvolvimento autônomo e contextualizado, pois profissionais
competentes têm capacidade de auto-pensamento reflexivo. O que viabiliza a
reconstrução constante e permanente do professor.
A identidade do professor deve ser ressignificada como profissional e como
protagonista. Essa ressignificação de identidade deve incluir a modificação racional da
formação docente, de modo que fortaleça sua autonomia e valorize a sua prática.
Isto significa superar seu papel de roldana de transmissão, passivo e
instrumental; tampouco voltar à concepção do positivismo pedagógico e seu papel
como mediador coercitivo, e sim aproximá-lo do intelectual transformador, crítico e
emancipador (FREIRE, 1997), desafio para a formação e o acompanhamento dos
docentes que se permitam à reflexão sobre suas próprias práticas.
2
Olhar profissional, compromisso político crítico e transformador (grifo meu).
Sair da acomodação, renovando a prática docente valorizando suas habilidades e atitudes, como
também, assumir com responsabilidade o crescimento intelectual para a sua docência.
3
10
Para Ramalho:
essas referências convergem para o fazer profissional competente
do professor e são ferramentas para seu desenvolvimento
profissional. Assumir a reflexão, a crítica, a pesquisa como atitudes
que possibilitam ao professor na construção de sua profissão e no
desenvolvimento da inovação educativa, [...] como também para
contribuir na transformação da realidade educacional no âmbito de
seus projetos pessoais e coletivos. (RAMALHO, 2004, p. 23)
Abraçar essas mudanças é estar aberto ao processo inovador. Que instigue às
motivações/renovações na efetivação do fazer pedagógico, participando das ações
educativas no espaço da escola para juntos (direção – supervisão – alunos –
funcionários e pais) possam adquirir autonomia. Esse exercício se faz com
competências e responsabilidade no ofício de professor.
3.2. PROFISSIONALIZAÇÃO: novo perfil do professor
Ao retomarmos as colocações anteriores referentes à figura do professor
descritas no processo evolutivo da história, observamos com clareza os diferentes
conceitos de modelo e profissionalidade do professor, que ao longo do tempo
modificou-se adequando e atendendo às exigências da mobilidade social, política e
econômica.
Com isso, a nossa preocupação é discutirmos e refletirmos sobre esse
profissional que está presente nas salas de aulas, que ainda tem indício de uma
prática pedagógica como sendo uma transposição direta de preceitos teóricos, de
métodos de trabalho e de receitas didáticas, mas tem formação adequada, ou melhor,
na área de conhecimento específico a qual exerce o seu ofício. E ainda, encontramos
muitos profissionais com cursos de pós-graduação Latu Senso – especialização –
conhecedores de aportes teóricos que estão neste patamar. Mas, não podemos
generalizar, temos muitos professores que estão lutando por um ensino de qualidade,
preocupados com a situação educacional do país. Neste sentido, então, nos
perguntamos: O que estará acontecendo com esses profissionais? O que é formar
professor no contexto da profissionalização? Os padrões estabelecidos pelas reformas
estão incomodando o professorado?
Na tentativa de responder a tais questões, podemos afirmar que a formação
não é algo meramente precedente ao fazer pedagógico. Ela, sem dúvida, acontece
nos cursos de formação, nos cursos de Licenciatura, mas o local no qual ela se
11
configura e no qual o profissional cria forma definitiva é no próprio trabalho. A
configuração do profissional da Educação se dá, portanto, no seu cotidiano e é, a
partir dos conflitos que vivencia na sua prática diária, que o professor elabora e
reelabora teoria, constrói novos saberes e novos saber-fazer. Ou seja, saímos da
lógica do “estar preparado” para o preparando-se a partir do surgimento das
mudanças determinadas pelas reformas educacionais, não somente para cumpri-las,
“mudar” por mudar, mas ser sujeito ativo, que constrói o seu saber pedagógico com
competência, com atitude de pesquisador para buscar a produção do conhecimento.
Mas, é nesse cenário de lutas, conflitos e desafios que o professor edifica sua
identidade
profissional,
como
já
apresentamos;
e
paralelamente
busca
a
profissionalização docente. Para entendermos o termo Profissionalização, Ramalho
contribui ao afirmar:
Desenvolvimento sistemático da profissão, fundamentada na prática
e na mobilização/atualização de conhecimentos especializados e no
aperfeiçoamento das competências para a atividade profissional. É
um processo não apenas de racionalização de conhecimentos, e sim
de crescimento na perspectiva do desenvolvimento profissional.
(RAMALHO, 2004, p. 50)
Compreender esta conceituação de Ramalho (2004) sobre a profissionalização
é complicado no meio a uma tempestade de descrença por parte dos professores,
quando muitos vão ficando acomodados por estarem “às portas” da aposentadoria,
desacreditados com as propostas das políticas públicas que não são cumpridas, ou
ainda, por excesso de trabalho, assumindo dupla e/ou tripla jornada para garantir a
subsistência da família, condições de trabalho que não são favoráveis para oportunizar
o pensar em redes com o grupo profissional, além da desvalorização salarial e outros
fatores que afetam o profissional. Tudo isso é um problema para garantir a
profissionalização docente.
Será que todos esses motivos justificam o estado de acomodação dos
professores? O que será que está ocorrendo com eles? Quando se fala em reforma
educacionais, é certo que muitas delas não realizam suas dimensões políticas, seu
discurso. Mas se tratando de projetos, programas para formação docente, temos
bastante. Paulo Freire já falava de Conscientização do professor, precisamos levar
essa discussão para todos os cantos da sociedade, com participação coletiva para que
todos nós, professores, estejamos organizados na luta para a profissionalização da
docência, sendo que o professor esteja fortemente qualificado para torna-se
responsável do papel da cidadania para o povo.
12
Neste sentido, acreditamos que somos capazes de modificar esse quadro,
mudar é possível (PAULO FREIRE). Para isso acontecer, necessário se faz também
“mudar os contextos em que ele (professor) intervém” (RAMALHO, 2004 apud
NÓVOA, 1992, p. 28), pois à luz do pensamento novo do professor mobilizar suas
forças, interesses, e conseqüentemente, seu agir em busca das dimensões da
profissionalização: a profissionalidade e o profissionalismo para o novo perfil do
professor.
Com as reformas educacionais neste século XXI, o papel do professor no plano
das práticas e das organizações, nas maneiras de gestão do trabalho docente,
adquiriu um movimento de renovação didático-pedagógico como construtor de sua
docência e re-construtor dos saberes docente e discentes num processo dialético de
construção de identidade em busca da Profissionalidade (processo interno), segundo
RAMALHO (2004) é “o processo de construção do agir profissional baseado em
saberes, competências específicas, e que identifica uma identidade da categoria
enquanto grupo profissional”, e ainda, Profissionalismo (processo externo)
(RAMALHO, 2004) é “o processo que leva ao crescente reconhecimento social da
profissão baseado no status da categoria que se sustenta na ética, no agir profissional,
ligado à profissionalidade”.
Sendo que a Profissionalização busca uma legitimidade da profissão na
medida em que haja o equilíbrio destes elementos – profissionalismo e
profissionalidade – para exercer o trabalho docente; implicando numa mudança
qualitativa que se expressa em uma nova identidade profissional dos docentes e no
desenvolvimento
profissional
permanente.
Daí
a
preocupação
no
nosso
questionamento: SER PROFESSOR: que PROFISSIONAL é esse? Um professor
arraigado às velhas pedagogias, sem juntar as novas para uma transformação da
prática educativa, tentando se justificar por motivos que levam um processo de
desqualificação do ensino-aprendizagem em pleno século XXI? Ou um professor novo,
disposto a compreender o fenômeno da mudança, “a construção de uma nova
identidade”, (RAMALHO, 2004), que não se reduz somente a prática, centrada no
professor, mas no coletivo, com caráter de complexidade da totalidade, havendo o
equilíbrio entre as dimensões: profissionalidade e profissionalismo?
O novo perfil do professor parte do princípio de aceitação em estabelecer a
relação entre o “velho” e o “novo” de todo o processo ensino-aprendizagem obtido na
formação continuada e permanente do educador, em que esteja aberto às mudanças
para destruir o “velho” que fracassou e nascer o “novo”, na negação dialética e surgir a
nova “identidade profissional” que se constrói na base das identidades anteriores, que
supera suas limitações (RAMALHO, 2004).
13
Nesta perspectiva, o desafio está lançado e consiste em conceber a escola
como um ambiente educativo, no qual trabalhar e formar não sejam atividades
distintas. A formação deve ser encarada como um processo permanente rumo à
profissionalização com mudanças no processo ensino-aprendizagem, num espaço de
formação capaz de possibilitar aos seus profissionais a aquisição de novos
conhecimentos, a partir da discussão e da análise das próprias ações educativas. Uma
mudança no terreno das atitudes e valores, implicando desenvolvimento nos aspectos
social, político, cultural e cognoscitivo, ressignificando o pensamento e as práticas
docentes, o papel da escola, das políticas, da sociedade e do próprio profissional, para
compreender-se
como ser humano, crítico, reflexivo e transformador do ato de
ensinar e aprender.
4. DESAFIO POSSÍVEL... E ESPERANÇOSO
Diante de todas as transformações pelas quais o processo ensinoaprendizagem passou, mais especificamente, a figura do professor, que ao longo da
história da educação obteve conotações diversas para atendimentos de políticas
educacionais, mais uma vez nos deparamos com desafios: construir o novo professor
do século XXI – o professor profissional – novo agir, novas atitudes, novas práticas no
contexto de uma nova cultura escolar. O professor que queremos formar deve estar
inserido num ciclo de construção e reconstrução da identidade docente. Este ciclo
nasce do caráter questionador, crítico e reflexivo que o professor deve assumir. Isto
implica em levar as escolas do novo século a transformar-se em instituições de
desenvolvimento profissional, procurando relativizar o saber, em busca de novos
saberes, que também devem ser questionados e refletidos para que este ciclo não
tenha fim.
Pensamos que, partir do pensamento crítico, podem ser traduzidas
contribuições para essa reinvenção da escola e do profissional em educação no
começo deste século.
Ressignificar
a
identidade
do
professor,
transformando
esse
SER
PROFESSOR: que PROFISSIONAL é esse, implica em profissionalizar a agência
formadora, em garantir recursos e aporte legal explicitados pelas reformas
educacionais, em criatividade na gestão, numa luta a ser assumida pelo coletivo
docente e demais sujeitos da educação (RAMALHO, 2004).
Esta é uma tarefa intelectual, mas não será frutífera se for elaborada na solidão
ou por meio de esforços individuais. Requer atores coletivos, capazes não só de
14
elaborar um novo discurso, mas também de consolidá-lo hegemonicamente e de
globalizá-lo.
Nesse sentido, não para concluir, mas convocar muitas e diversas pessoas do
mundo da escola para adentrar na discussão da profissionalização docente para levar
o debate já consolidado na academia para as organizações sindicais, organizações
não-governamentais e políticas, enfim, aos lugares do trabalho docente. E toda essa
discussão deve ser concretizada em sólidas propostas de políticas ajustadas, e não se
esvaziar no discurso. Só assim, poderemos vislumbrar, construir e instigar utopias
possíveis, como esperanças e sonhos realizados... e celebrá-los.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. trad. Alfredo Bosi / Ivone C. Benedetti.
4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ARAÚJO, Marta Maria de. O Debate sobre a Escolarização Primária organizada
pela Lei Imperial de 1827 e Reorganizada pelo Ato Adicional de 1834. Natal, 2001.
Anais Communications Scientifiques. Natal, 11 a 14 de setembro de 2001. (CD-ROM).
AZEVEDO, Fernando. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, V.65, n.150, p. 407-425, maio/agosto.
1984.
BRASIL. Lei nº 9.394: diretrizes e bases da educação nacional: promulgada em
20/12/1996. São Paulo: Editora do Brasil, 1996.
COMENIUS. Didática Magna. trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
ESPINOSA, C. I. y BARRIGA, Angel Díaz. El docente en las reformas educativas:
Sujeto o ejecutor de proyectos ajenos. Revisto Iberoamerica de Educación, n.25.
Enero-abril, 2001. http://www.campus-oeirevista. Acesso dia 12/09/2006.
FERNANDEZ ENGUITA, M. A. A la busca de um modelo profesional para la
docencia: ¿ liberal, burocrático o democrático? Revisto Iberoamericana de Educación,
n.25. Enero-abril, 2001. http://www.campus-oeirevista. Acesso dia 27/11/2006.
FERREIRA, A. B. de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
FREIRE, Paulo Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1997. (Coleção Leitura).
GASPARIN, João Luís. Comenius ou da arte de ensinar tudo a todos. CampinasSP: Papirus, 1984. (Coleção Magistério, formação e trabalho e trabalho pedagógico).
15
GAUTHIER, Clermont ... [et. al.]. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas
contemporâneas sobre o saber docente. trad. Francisco Pereira. Ijuí: Editora UNIJUÍ,
1998. (Coleção Fronteiras da Educação).
LIMA, Nestor. Um século de ensino primário. Natal: Typ. d’ A República, 1927.
NÓVOA, António. As ciências da educação e os processos de mudanças. In:
PIMENTA. Selma Garrido. Pedagogia, ciência da educação? São Paulo, Cortez,
1996.
NUNES, C. M. F. Saberes docentes e formação de professores: um breve
panorama da pesquisa brasileira. Revista Educação & Sociedade, vol. 22, nº 74, p.
27-42, abril, 2001.
NUÑEZ, Isauro Beltrán; RAMALHO, Betânia Leite. A dispersão semântica na
pesquisa educacional: implicações teórico-metodológicas. Educação em Questão,
Natal, V.10 e 11, n.2/1. julho/dezembro. 1999 e janeiro/junho. 2000. p. 96-114.
OZMON, Howard A. Fundamentos Filosóficos da Educação. 6 ed. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. trad. Patrícia
Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
RAMALHO, Betânia Leite; CARVALHO, Maria Eulino P. de O. O magistério enquanto
profissão: considerações teóricas e questões para pesquisa. Caderno de Pesquisa
da Fundação Carlos Chagas. São Paulo: Cortez, 1994.
RAMALHO, Betânia Leite; NUÑEZ, Isauro Beltrán; GAUTHIER, Clermont. Formar o
professor – profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios. Porto Alegre: Sulina,
2004.
____________. Quando o desafio é mobilizar o pensamento pedagógico do
professor(a): uma experiência centrada na formação continuada. In: Anais da 23ª
Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG, 2000.
RIOS, Terezinha Azevedo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor
qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.
Download

Ser professor: que profissão é essa?