PLANETA
CONSUMO
Não basta
matar a
sede. Tem
de ter grife
Alice Lobo
ESPECIAL PARA O ESTADO
Autor de Fine Waters - A
Connoisseur's Guide to the World's
Most Distinctive Bottled Waters, um
guia de águas sofisticadas para
consumo, o americano Michael Mascha calcula que existam
mais de 3 mil marcas no mundo.
Só um punhado delas faz parte
do clube das águas de grife, símbolos de status equivalentes aos
grand crus de vinícolas renomadas. Para chegar a esse posto, o
marketing é vital, mas também
pesam fatores como tradição e,
segundo especialistas como Mascha, qualidade.
E qualidade, nesse caso, está
ligada à composição. O nível de
carbonatação (a presença de gás
carbônico) determina o quanto a
água é gaseificada – em entrevista
à revista Time, Mascha afirmou
que 75% da experiência de consumir uma água premium está
ligada ao tamanho e à quantidade
das bolhas. O pH também conta:
as alcalinas são adocicadas, as ácidas puxam para o amargo. Outro
fator é a concentração de minerais. Águas com baixo índice de
minerais são mais neutras, leves.
Se fossem associadas ao mundo
dos vinhos, seriam vinhos brancos. Alto índice de minérios dá
origem a uma água mais encorpada, um vinho tinto.
E, é claro, a tradição pesa. Tida
como a “champanhe das águas”, a
S. Pellegrino é engarrafada desde
1899, mas já era conhecida como
“água milagrosa” desde a Idade
cem hoje à Nestlé, líder mundial
de água engarrafada com mais de
70 marcas e 19% do mercado. Em
2008, teve faturamento de R$ 16
bilhões. A segunda maior produtora é a francesa Danone, que detém 11% do mercado e faturou R$
7 bilhões em 2008.
Parte do sucesso da Danone se
deve à Evian, que vem de um aquífero abastecido por neve derretida
dos Alpes franceses. Em 2007, a
marca lançou uma edição limitada
assinada por estilistas que custava
o equivalente a R$ 25. Mas o valor
de nenhuma dessas águas se compara à americana Bling, que custa de R$ 60, a garrafa fosca, a R$
4.500, a cravejada de cristais.
• COM BAIXA quantidade
de sódio, é uma água leve e
costuma ser muito usada por
sommeliers para acompanhar a
degustação de vinhos
GASEIFICADA naturalmente,
passa por um processo no qual
a água e os gases são retirados
separadamente e combinados
antes do envase
Até R$25
R$ 89
•
FEITA DE ALUMÍNIO, a
famosa garrafa reutilizável
suíça tem versões coloridas ou
com frases em defesa do meio
ambiente
• A quantidade de gás
COM FONTE na Lombardia, na
Itália, vem de um aquífero a 400
metros de profundidade, onde
entra em contato com pedras
calcárias e rochas vulcânicas
carbônico na água determina
se ela é gaseificada ou não.
•
A alta concentração de cálcio
e magnésio é responsável pela
“dureza” da água.
• A forte presença de nitrato
•
acusa se ela vem de solo
contaminado
R$ 4.500
•
Bling tem uma edição limitada, em que a garrafa é cravejada com 10
mil cristais Swarovski
• QUERIDINHA das celebridades de Hollywood, a água americana
A classificação “mineral”
varia conforme o país
"É HORA DE FUGIR DO
ENGARRAFAMENTO"
por garrafas, como a água passou a ser vendida e por que nós
a compramos). Sua inspiração
veio do fato do mercado de água
engarrafada ser o que mais crescia
entre as bebidas. "Comecei a pensar como a gente chegou ao pon-
to de ter 50 bilhões de garrafas
descartadas por ano nos EUA”,
disse Elizabeth em entrevista
ao Estado.
Ela explica que antes do uso
de cloro no sistema de tratamento público, fazia sentido
TORNEIRA
comprar garrafas de água. Mas
com a chegada de água tratada
nas casas das grandes cidades, o
mercado mudou. "Foi nos anos
80 que criaram a ideia de que era
fundamental para a saúde beber
muita água - uma ação esperta do
marketing desta indústria."
Com a cultura de beber tanta
água durante o dia veio a importância de portabilidade da mesma. “Nos anos 90 a Coca-Cola e
a Pepsi perceberam que estavam
perdendo espaço para este mercado e na época elas vinham sendo
criticadas por estimular consumo de refrigerantes. Decidiram,
então, entrar neste mercado. E
elas tinham muito dinheiro para
"Chegamos
ao ponto de
ter 50 bilhões
de garrafas
descartadas
todos os anos
nos EUA"
Elizabeth Royte,
escritora americana
CLAYTON DE SOUZA/AE
Projeto estimula o uso de água filtrada
em bares e restaurantes de São Paulo
Foi com a ideia de reduzir o impacto ambiental do consumo de
água engarrafada em mente que a
economista Letycia Janot e a administradora de empresa Maria
Fernanda Franco criaram o projeto Água na Jarra. O objetivo é
promover a mudança cultural de
consumo da bebida em bares e
restaurantes, além de implementar o uso de água da torneira tratada, filtrada e purificada no maior
número possível de estabeleci-
•
QUÍMICA
Livro explica por que compramos água
E
Até R$ 20
Bilhões. Essas três grifes perten-
Entrevista: Elizabeth Royte
u me sinto uma idiota
comprando água engarrafada”, diz a jornalista
americana Elizabeth Royte, autora do livro Bottlemania - How
water went on Sale and Why We
Bought It (algo como Loucos
Até R$ 25
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Marketing, tradição,
acidez e quantidade de
bolhas transformam
garrafinhas d'água em
um mercado bilionário
Média. Em 1957 a empresa San Pellegrino comprou a Acqua Panna,
cuja fonte fica nas colinas da Toscana. Sem gás, a Acqua Panna é
rica em minerais, mas tem baixa
quantidade de sódio.
Outra premium, a Perrier passa
por processo em que gases vulcânicos encontram a água e emergem numa nascente de bolhas em
Vergèze, no sul da França, usada
para banhos termais desde o tempo dos romanos.
mentos. “Ela já é um produto que
consumimos em nosso dia a dia,
seja para a preparação da comida,
em cafés, sucos ou gelo de bebidas.
Por que não bebê-la?”, pergunta
Letycia.
A iniciativa, que tem o apoio da
Prefeitura e do Governo de São
Paulo, ainda não foi lançada oficialmente, mas já tem adeptos. É o
caso do restaurante Fred Frank, em
Moema (zona sul de São Paulo), e
a casa de eventos Eco House, em
Pinheiros (zona oeste).
Pelo projeto, os interessados
precisam ter um filtro com selo
de qualidade e se comprometem a
servir água tratada e purificada em
uma jarra de vidro.
Servir água da torneira é uma
prática comum na Europa, onde
ela muitas vezes nem é cobrada.
Alguns restaurantes em São Paulo fazem o mesmo, como o Café Suplicy, o Ici Bistrô e o Le Jazz
Brasserie.
investir em propaganda. Foi aí
que a água engarrafada ganhou
um grande empurrão”, revela
Elizabeth.
A jornalista conta que bebe
a água da torneira de sua casa
e aconselha todos a fazerem o
mesmo. Para quem fica inseguro com essa opção, ela sugere
levar uma amostra da água para
um laboratório. Se a qualidade
não for comprovada, a americana defende o uso de um filtro.
“Aí, basta comprar uma garrafa
reutilizável. Lembre de pegá-la
sempre, assim como seu celular e suas chaves. Não é preciso
comprar água privatizada em
pequenas garrafas de plástico.”
COSMÉTICOS
R$ 27 e
R$ 50
• A ÁGUA TERMAL da
La Roche-Posey tem ação
cicatrizante e antioxidante
R$ 25 a
R$ 47
•
A DA MARCA Vichy acalma
peles irritadas e estimula suas
defesas naturais
Água na Jarra. Entra o filtro e saem as garrafinhas de plástico
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Não basta matar a sede. Tem de ter grife