DeROSE
Doutor Honoris Causa, Comendador e Notório Saber
por diversas entidades culturais e humanitárias.
Conselheiro da Ordem dos Parlamentares do Brasil.
T RECHO
SELECIONADO DO LIVRO
QUANDO É P RECISO
SER FORTE
P ARA
DIVULGAÇÃO DA OBRA
Contém parte do capítulo As Viagens à Índia.
SOB A CHANCELA DA
UNIVERSIDADE DE Y ÔGA
registrada nos termos dos artigos 45 e 46 do Código Civil Brasileiro
Al. Jaú, 2000 − Tel.(00 55 11) 3081-9821 − São Paulo
Endereços nas demais cidades encontram-se no website:
www.uni-yoga.org
PORQUE ESTE LIVRO FOI IMPRESSO
EM PAPEL RECICLADO
Quando penso nos milhares de livros, jornais e revistas que
são impressos todos os dias, muitos dos quais não têm a
menor relevância e que vão para o lixo comum sem sequer
poderem ser reaproveitados, não posso deixar de imaginar a
quantidade de árvores abatidas inutilmente.
Qualquer pessoa com um mínimo de consciência ambiental
preocupa-se com a destruição das florestas para a produção
de papel. Mas, não são só as árvores. Na produção industrial
do papel consome-se água, poluem-se os rios, suja-se o ar,
gasta-se energia e contribui-se para o aquecimento global. O
próprio solo do qual são retiradas as árvores deixam de
receber de volta os elementos nutritivos que foram extraídos
dele para o crescimento da madeira, agora retirada do seu
local de origem e levada aos milhões de toneladas para as
indústrias. Solo esse que poderia ter sido usado no plantio de
alimentos suficientes para aplacar a fome no mundo.
Reciclar é preciso. Trata-se de um indício seguro de
civilidade e constitui a única saída para um planeta
superpovoado, poluído e padecendo de uma crescente
escassez de recursos naturais.
Não importa se o custo de edição vai me sair mais caro.
Meus leitores fazem parte de uma tribo engajada,
responsável, com a consciência de que vale a pena um
pequeno esforço de cada um em prol da proteção ambiental,
em benefício de todos.
Temos a certeza de que outros autores e editoras seguirão o
nosso exemplo e logo passarão a imprimir suas obras com
papel reciclado, sem desmatar e sem destruir tantos milhares
de árvores.
AS VIAGENS À ÍNDIA
A primeira emoção foi sobrevoar o deserto de Thar. O avião
voava a 900 km por hora e já havia quase meia hora de areia,
às vezes clara, às vezes avermelhada, mas, por certo, sempre
escaldante. Num dado momento, um oásis! Que sensação
indescritível. Reagi quase como se estivesse caminhando lá
embaixo, sedento. Era só um tufo de pequenas palmeiras e
grama verde, mas... que imagem bonita e tão rica em vida,
comparada com aquelas areias estéreis e inclementes.
Às vezes aparecia um povoado em torno de um oásis, outras
vezes sem ele. Dava para enxergar as trilhas de camelos,
marcadas na areia mais dura, como verdadeiras estradas, tão
longas que perdiam-se no horizonte sem um cruzamento
sequer. Todos já vimos isso em fotos ou filmes, mas estar ali
em cima era outra coisa. Nas rarefeitas aldeias, aquela gente
isolada do mundo, vivia de quê? Se não havia agricultura,
água, matérias primas? Viveriam só de pastorear cabras, a um
calor de 50oC de dia e 10 negativos à noite, e nunca pensaram
em sair dali?
Começaram, então, a aparecer nacos esparsos de vegetação
desértica, amarelada. Ao longe, uma visão inesquecível: o fim
do deserto. Eu imaginava que os desertos fossem acabando
pouco a pouco, com a modificação gradativa do tipo de solo.
No entanto, visto lá de cima era impressionante. Aquele
deserto acabava de repente, numa linha bem demarcada, onde
as areias bruscamente paravam. Vegetação verde, estradas
asfaltadas e uma incrível multiplicidade de vilarejos, marcava
o início da, assim chamada, civilização.
O oposto dessa experiência foi um outro vôo, sobre os
Himálayas. O avião estava poucos metros acima das geleiras.
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QUANDO É PRECISO SER FORTE
Que coisa linda! Milhares de quilômetros de montanhas
cobertas de neve, enrugadas, comprimidas umas contra as
outras, algumas altivas, destacando seus picos majestosos. De
um lado batia o sol e do outro havia sombra, num contraste de
cores enriquecido pela dinâmica da aeronave, proporcionando
um espetáculo inimaginável. E saber que, tal como no
deserto, não havia quase ninguém lá embaixo, a não ser o Yeti
e uma ou outra aldeia encravada num vale. E estes, como será
que sobreviviam ali? O ser humano é mesmo obstinado!
Outra grande emoção foi quando os trens de aterrissagem do
avião tocaram o solo da Índia. Senti-me comover. Eu estava
mesmo na Índia, aquele país legendário do qual ouvira falar
desde criança. A Índia dos filmes de aventura, dos contos
fantásticos e dos livros de Yôga. A Índia dos faquires e dos
marajás, dos elefantes e dos templos. E eu estava lá!
Dali para frente foi um misto de surpresas e decepções,
alegrias e tristezas. Afinal era como devia ser, pois a Índia
tornou-se conhecida como o país dos contrastes.
Primeiro, fiquei um pouco embaralhado com a confusão à
saída do aeroporto. Todos os indianos são tão solícitos que
um quer levar a mala, outros querem providenciar o táxi e
mais uns quantos disputam para indicar o hotel. Dei azar.
Aceitei a indicação do mais simpático e acabei num hotel tão
distante do centro de Nova Delhi que parecia outra cidade.
Adorei a comida da Índia desde o primeiro instante e, como
eu, todos quantos a conheceram. Além de saborosíssima,
pode-se aceitar o que vier, pois o país é vegetariano e não há
perigo de a comida vir com carne de boi, de peixes ou de
aves. Por outro lado, se o paladar é superlativo, precisei me
adaptar a um pormenor. Tudo vem hipercondimentado com
gengibre, cominho, cravo, canela, cardamomo, coentro, curry
e chili. Este último é mais ardido que a própria pimenta
baiana. Como ainda não estava habituado a comidas tão ricas
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em especiarias, no segundo dia pedi uma salada de vegetais
crus, pois assim, pensava eu, viriam seguramente sem
tempero. De fato, recebi uma salada sem sal, sem azeite e sem
tempero algum. Comecei a comer e gostei, apesar da falta
total do paladar exacerbado dos condimentos. Com apetite,
localizei, lá no meio, uma pequena vagem verde. Simpatizei
com a cara daquela vagenzinha tão inocente. Mastiguei e
engoli. Era o próprio chili! Nunca na minha vida tinha tido
uma sensação igual... parecia que ia morrer. Imaginei que
beber ácido sulfúrico não devia ser pior. Salvou-me uma
garrafa de refrigerante, que sorvi de uma só vez.
Tendo passado por esse batismo de fogo (literalmente de
fogo), segui no meu curso de Índia. Nos primeiros dias, era
pôr o pé na rua e constatar que mais uma falsa imagem ruía.
A primeira fora a alimentação, pois os livros de Yôga, em
geral, aconselham usar pouco condimento. Mas mesmo as
escolas e mosteiros mais espartanos serviam a comida com
um paladar bem requintado e forte. Aí, entendi: para eles,
aquilo é que era pouco condimentado. A culinária ocidental
seria considerada “à moda de isopor”.
Outra fantasia da nossa desinformação é supor que todo
indiano entenda de Yôga. No entanto, um número relativamente pequeno de indianos dedica-se a essa filosofia. No
Brasil temos proporcionalmente muito mais instrutores de
Yôga do que na Índia, com mais de um bilhão e tanto de
habitantes espremidos num território cerca de três vezes
menor que o nosso.
Primeiramente tinha que me ambientar e conhecer a cidade.
Assim, perfiz o indefectível roteiro de qualquer turista
comum. Tão logo me familiarizei com o território, saí à
procura dos bons Mestres. Em Delhi não fui feliz.
Certamente, há boas escolas por lá, mas nessa primeira
investida não encontrei nenhuma que satisfizesse as minhas
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QUANDO É PRECISO SER FORTE
expectativas. Comecei então a colher indicações dos próprios
indianos e verifiquei um consenso. A esmagadora maioria
declarava que determinado professor era o melhor. No
entanto, quando eu questionava:
– O que leva você a considerá-lo o melhor?
Todos, unanimemente respondiam:
– É que ele vai à televisão(!).
Ora, também estou sendo seguidamente entrevistado pela TV,
mas seria um demérito se o povo dissesse que sou bom
Mestre somente por essa razão.
Em vista disso, preferi não conhecê-lo. Cansei de procurar na
capital e decidi seguir para os Himálayas.
Chegando ao meu destino, a cidade de Rishikêsh, fiquei
apaixonado pelo lugar. O rio Ganges corre límpido e
caudaloso nessa região montanhosa, relativamente próxima da
nascente. Pode-se meditar às suas margens, banhar-se em suas
águas, cruzar o rio de barco ou pela ponte pênsil. Rishikêsh é
uma cidade muito bonita e imantada com a magia dos séculos.
Era uma emoção simplesmente estar ali e saber que aquele
solo foi pisado por alguns dos maiores iluminados dos últimos
5000 anos. Ainda hoje, swámis (monges) e saddhus
(ermitões) são vistos com freqüência. Há dezenas de
mosteiros, templos e Mestres de Yôga, de Vêdánta e de outras
disciplinas. Os curiosos geralmente deixam-se seduzir pela
multiplicidade de escolas e começam a agir como crianças à
solta numa loja de chocolates. Misturam tudo, fazem uma
bruta confusão e não aprendem nada.
Eu sabia o que queria. Estava indo para o Sivánanda Ashram
(pronuncie Shivánanda Ashrám), um dos mais conceituados
mosteiros da Índia. Nenhum outro chamariz iria me desviar
da meta. Lá encontrei coisas realmente muito boas, tanto que
voltei a essa entidade quase todos os anos a partir de então.
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Nesse ashram tive a oportunidade de aprimorar mantras,
conhecer mais variedades de pújá, melhorar o sânscrito
(especialmente a pronúncia), desenvolver Karma Yôga,
Bhakti Yôga, Rája Yôga, sat sanga, meditação, teoria Vêdánta
e travar contato com o verdadeiro Hatha Yôga.
Uma coisa que me chamou a atenção nas práticas de Hatha
Yôga da Índia, foi o fato de não encontrar lá aquela insistente
repetição dos estribilhos comuns nas aulas de Hatha do
Ocidente, recitados com voz doce e de impostação hipnótica,
tais como: "calma... não force... suavemente... ótimo, muito
bem... cuidado... isso é perigoso..." Ao invés, encontrei ordens
severas: "Força! Você pode fazer melhor do que isso! Quero
ver mais empenho nessa execução! Agüente mais!" Eu era
jovem, desportista e praticava muito bem os ásanas. Não
obstante, às vezes ficava com o corpo todo dolorido depois de
uma aula, coisa que no Ocidente não se admite. Mais tarde
concluí que a maneira deles era mais coerente, pois Hatha
significa força, violência.
Na minha primeira prática de Yôga no Sivánanda Ashram, o
instrutor mandou-me executar exercícios adiantados, como
padmásana, nauli, sírshásana, vrishkásana, mayurásana e
outros. E isso sem pedir nenhum exame médico, o que
denota um espírito muito mais descomplicado da parte
deles. Falou-se livremente sobre a kundaliní (pronuncie
sempre com o í final longo), sem o professor assustar
ninguém nem exagerar seus eventuais perigos.
Outra demonstração da descontração reinante no Yôga da
Índia é o fato de as aulas serem dadas num clima informal,
no qual está aberta a possibilidade do diálogo e até mesmo a
de uma anedota posta por um aluno em classe, como ocorreu
nesse inverno de 1975. Havia um monge velhinho, cuja
função era a de tocar o sino a cada hora certa. Estando muito
frio às cinco da manhã, ele se refugiou na nossa sala de
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QUANDO É PRECISO SER FORTE
prática, onde o calor dos corpos de muitos yôgins aquecera o
ambiente. No meio da aula ele começou a cochilar e pender
a cabeça. Um aluno não perdeu a oportunidade de brincar:
– Olhe lá, professor! O swámiji entrou em samádhi!
O professor riu, todos riram e, em seguida, retomaram a aula
com muita disciplina. Aliás, só conseguem essa descontração por existir simultaneamente um profundo senso de
disciplina, respeito e hierarquia que nos falta no Ocidente.
Em suma, gostei do Hatha Yôga e do Rája Yôga experimentados no Sivánanda. Para dar uma idéia do quanto esse
mosteiro me agradou, basta dizer que ele é de tendência
Vêdánta e, apesar disso, recebi lá boas aulas de Sámkhya, o
que constitui um raríssimo exemplo de tolerância. Outro
forte exemplo é o fato de que um dos melhores livros de
Tantra Yôga foi escrito pelo fundador Sri Swámi Sivánanda,
sendo ele de linha oposta (brahmáchárya). Tudo isso
contribuiu para, em minhas viagens posteriores à Índia,
acabar freqüentando muito mais essa instituição do que
qualquer outra.
Depois do Sivánanda Ashram, tive o privilégio de visitar e
participar de aulas no Kaivalyadhama, de Lonavala; Iyengar
Institute, de Puna; Yôga Institute de Sri Yôgêndra, em
Bombaim (atualmente denominada Mumbai); Muktánanda
Ashram, de Ganêshpuri; Aurobindo Ashram, de Delhi; todas
muito boas escolas, de renome mundial, mas cada qual
apresentando uma interpretação, um método e até mesmo
uma nomenclatura completamente diferente das outras. Isso
me foi tremendamente educativo e ampliou minha tolerância
em 360 graus. Nessas viagens conheci pessoalmente e recebi
ensinamentos diretamente de grandes Mestres como
Chidánanda, Krishnánanda, Nadabrahmánanda, Turyánanda,
Muktánanda, Yôgêndra e outros. Segundo os hindus, eles
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foram os últimos Grandes Mestres vivos, os derradeiros
representantes de uma tradição milenar em extinção.
O MESTRE DA MONTANHA
Um dia resolvi procurar os saddhus, sábios eremitas que
vivem em cavernas, nas montanhas geladas dos Himálayas.
Para ter mais certeza de encontrá-los e também por medida
de segurança, contratei um guia, Pratap Sing. Era minha
primeira viagem àquela região, eu era novinho e ainda não
conhecia nada de Índia.
Acordamos cedo e começamos a subir a montanha ao nascer
do sol. Uma densa neblina cobria a floresta, mas o guia dava
passos seguros morro acima.
– Sir, vou levá-lo para conhecer um grande yôgi, sir!
– Como é o nome dele? – Perguntei. O guia me disse o
nome de um conhecido guru, muito famoso no Ocidente.
Então, retruquei-lhe que não estava interessado em conhecêlo e se esse tipo de mestre era o que ele considerava um
grande yôgi, podíamos voltar dali mesmo, pois iria
dispensar os seus serviços. Ele sorriu e abriu o jogo:
– Sir, o senhor entende mesmo de Yôga. Vamos, então,
para o outro lado, sir.
– Mas, se você sabia que esse não é um verdadeiro yôgi,
como ia me levar lá?
– Sir, eu ganho uma gratificação para cada turista que
encaminhar. Mas vou levá-lo para conhecer saddhus de
verdade se me pagar dobrado, sir.
Bem, o fato é que subimos a montanha durante mais de
quatro horas. Durante a caminhada surgiram vários saddhus,
mas dessa vez o guia cumpriu o trato e seguiu em frente sem
se deter em nenhum deles. Eu já estava exausto quando fui
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QUANDO É PRECISO SER FORTE
surpreendido por uma figura que parecia saída dos contos de
fadas. Era um saddhu, realmente, daqueles que não se
encontram mais nas aldeias, nem em ocasiões especiais.
Uma imagem impressionante. Completamente nu, pele
curtida pelo frio e pelo sol, quase negro, todo coberto de
cinzas, o que lhe conferia um tom violáceo, semelhante ao
da representação da cor da pele de Shiva nas pinturas.
Cabelos e barbas completamente brancos e muito longos.
Um olhar forte e penetrante, olhos injetados de poder.
Recordou-me Bhávajánanda.
Não tive tempo de falar nem fazer nada e ele já estava me
dando ordens, passando instruções em língua hindi, num
tom marcial, com o guia traduzindo apressadamente.
Ensinou-me novos mantras, mudrás, ásanas e meditação.
Se eu não acertasse em executar o exercício exatamente
como ele queria, o Mestre rugia uma admoestação
intraduzível.
Por vezes, o guia tentava falar com o saddhu, mas ele o
ignorava. Não respondia e ainda dava-lhe as costas. Falava só
comigo, porém, eu não entendia o idioma hindi e precisava do
cicerone para traduzir. Apesar desse inconveniente, foi a
ocasião em que aprendi o maior volume e a melhor qualidade
de técnicas em tão pouco tempo. Foram umas poucas horas de
aprendizado, umas sete ou oito, e o guia já estava inquieto,
insistindo para irmos embora imediatamente. Depois de uma
certa insistência, concordei, muito a contragosto. Levara a
vida inteira para encontrar um saddhu de verdade e, no
melhor da festa, precisava largar tudo e ir embora! Cheguei a
aventar a hipótese de passar lá a noite, mas o guia ficou
histérico com a possibilidade. Mais tarde descobri a razão.
Então, agradeci ao saddhu e cumprimentei-o da forma
tradicional, fazendo o pronam mudrá, curvando-me até o
chão e tocando-lhe os pés. Deixei-lhe minha sacola como
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pújá. Dentro havia uma manta, um livro meu (Prontuário de
SwáSthya Yôga) e alguma comida.
Começamos a descer a montanha e logo compreendi o
motivo da preocupação. Nas outras quatro horas que durou a
descida, danou a esfriar e, no final da caminhada, começou a
escurecer. Segundo o guia, se escurecesse conosco na
floresta, nem mesmo ele conseguiria encontrar o caminho de
volta e morreríamos devido ao frio. Numa viagem posterior
à Índia, descobri que aquela região inóspita ainda tinha
elefantes selvagens os quais atacavam quem se aventurasse
por seus domínios, além de tigres e serpentes para viajante
nenhum botar defeito. Como é que o saddhu conseguia
sobreviver lá? E pela aparência já devia ter muitos anos de
idade vividos, quem sabe, ali mesmo.
Nessa noite fez tanto frio que tive de acordar algumas vezes
no meio da madrugada para praticar bhastriká, um
respiratório que eleva a temperatura do corpo, e, só assim,
consegui dormir de novo. Aí pensei: estou cá em baixo onde
a temperatura é mais amena, estou dentro de um alojamento
fechado, numa cama, com roupas de lã e cobertores. Como é
que sobrevive aquele velho saddhu lá em cima, onde é muito
mais gelado, sem roupas, dormindo no chão, dentro de uma
caverna de pedra úmida, que não tem nem portas para evitar
o vento gélido?
No dia seguinte partimos mais cedo, antes de amanhecer,
para dispormos de mais tempo com o Mestre. Pensei que
fosse encontrar um picolé de saddhu, mas qual nada. Logo
que chegamos, ele, super energético, começou novamente a
dar ordens e instruções. Achei interessante o fato de que ele
havia me ensinado certos ásanas no dia anterior e insistido
para que os executasse de uma determinada maneira. Neste
segundo dia, ensinara ásanas (pronuncie “ássanas”) novos e
revisara os do dia anterior, só que queria que eu os fizesse
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QUANDO É PRECISO SER FORTE
de outra forma. E no terceiro dia ia querer de uma outra
maneira. Talvez fosse para me tirar a imagem estereotipada
de que só há uma forma estanque de executar e mostrar-me
que diversas variações podem estar igualmente corretas. Ou,
possivelmente, seria sua intenção produzir um resultado
evolutivo, diferente a cada dia.
Mandou-me sentar à sua frente e repetir os mantras que
fazia. Quando não vocalizava exatamente igual, ele rosnava
alguma coisa em hindi, cuja tradução era perfeitamente
dispensável. Depois fez o mesmo com a meditação. Assim
que me dispersava, ele grunhia, como se estivesse vendo o
que se passava dentro da minha cabeça.
Novamente o guia começou a ficar nervoso, só que desta
vez atendi logo. Deixei um pújá, despedi-me da forma
convencional e descemos.
O terceiro dia foi o melhor de todos. Dava para sentir a
energia no ar. Percebi que estava entrosado. O Mestre não
rugiu nem rosnou nenhuma vez. Em dado instante, enquanto
eu executava um ásana, ele me passou o kripá, um toque que
transmite a força e confere ao iniciado o poder de, por sua
vez, transmiti-la aos seus discípulos.
Após o kripá, o próprio saddhu considerou encerrada a aula
e, pelo visto, o curso. Mandou-nos embora como quem já
tinha feito o que devia e entrou na caverna.
Na manhã seguinte, subimos outra vez, só que não
encontramos mais o Mestre. Não estava na caverna nem nas
imediações. Esperamos até tarde. Ele não voltou. Assim,
compreendemos que havia considerado completa a iniciação
que me conferiu nos três dias. Descemos e não subimos
mais.
c
UMA VIAGEM AOS HIMÁLAYAS
"1975. Estou sozinho na Índia. E sozinho subi às montanhas
para sentir a neve e ficar um pouco comigo mesmo, avaliando as experiências vividas neste país meio mágico.
É um silêncio impressionante. Tudo branco. Rapidamente
entrei em meditação e nunca antes tinha ido tão fundo. Houve
um momento em que meus olhos e aquilo que eles enxergavam, tornaram-se uma só coisa. A tênue luminescência da
tarde que se extinguia, tornou-se um oceano de luz indescritível. Eu não era mais eu; nem estava mais confinado a este
corpo, a este lugar ou a este tempo. Percebia, num clarão, o
pulsar das moléculas e o palpitar das galáxias. Percebia, de
uma forma libertadora, a minha própria pequenez e, ao
mesmo tempo, a incomensurável grandeza do Ser. Compreendia, de uma forma impossível de descrever, que toda a
matéria é ilusória como ilusória é a vida e a própria morte. E
entendi que não poderia haver outra razão para o nascimento,
senão a da aquisição deste bem-aventurado estado de consciência.
Permaneci algumas horas assim. Quando, desafortunadamente, retornei à consciência limitada das formas, já era noite
e eu estava banhado em lágrimas que congelavam meu rosto.
Lembrei-me de que tinha um corpo e notei que estava no
meio da neve, à noite, sem comida, sem lanterna, sem bússola... Olhei em volta, mas não enxerguei nada. A escuridão
era total. Mesmo que não o fosse, minhas pegadas haviam
sido cobertas pelo gelo que se acumulou à minha volta. Achei
que ia morrer nessa noite.
Várias vezes questionei-me sobre esse momento e quis saber
como reagiria. Pois foi uma sensação de imensa paz, como se
houvesse terminado uma tarefa assaz árdua. Foi descontração,
leveza e um sorriso. Recostei-me para sentir a sonolência do frio
que apaga a chama da vida. E fiquei esperando pelo último compromisso, do qual ninguém escapa. Foi quando surgiram ima-
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QUANDO É PRECISO SER FORTE
gens na minha mente, recordando minha infância, desde fatos
que eu já não lembrava mais, até os últimos dias na Índia, nos
quais aprendera tanta coisa boa. Gostei de rever aquilo tudo: deu
um saldo positivo. Só que... a missão não tinha sido cumprida.
Tudo aquilo tinha sido só a preparação para algo maior que deveria ser feito por mim e começando pelo Brasil. Vi, em detalhes,
tudo o que deveria fazer ao voltar ao meu país.
Então, decidi viver. Resolvi caminhar. Mas o meu corpo,
habituado a temperaturas tropicais, não se movia mais.
Mentalizei a cor vermelha e fiz respiratórios yôgis. Melhorou bastante. Senti o coração bater forte, a adrenalina no
sangue e consegui caminhar. Porém, de que adiantaria caminhar na neve, no escuro? Surpreendi-me por estar me preocupando com isso depois das vivências a que tinha sido
submetido! Cheguei à conclusão de que era preciso viver.
Que a vida é uma dádiva sagrada e que eu tinha algo a realizar na Terra. Concentrei-me em Shiva e estabeleci que se
isso não fosse uma ilusão minha, se de fato fosse importante
a realização dessa missão, eu intuísse o caminho.
Segui na direção intuída e não foi preciso caminhar muito
tempo. Percebi uma luzinha. Era a caverna de um saddhu que
só falava um dialeto incompreensível. Ele me serviu uma beberragem muito quente que sorvi com avidez. Não sei o que
era. Não tinha álcool, mas era muito forte como se contivesse
gengibre e outras especiarias. A bebida e o fogo aceso fizeram a
minha cama e deixei-me adormecer imediatamente.
Fui acordado pelo milagre da vida que fazia renascer a luz, à
medida que os raios de um sol gelado rasgavam as nuvens
em minha direção.
Olhei em volta. Não havia ninguém, não havia caverna.
Teria sido tudo um sonho, afinal, muito bonito?"
DeROSE
DeRose é Doutor Honoris Causa, Comendador e Notório Saber
por várias entidades culturais, Conselheiro da Ordem dos
Parlamentares do Brasil e Conselheiro da Academia LatinoAmericana de Arte. Tem quase 50 anos de carreira e 24 anos de
viagens à Índia, freqüentando durante estas estadas no país
inúmeras escolas, ashrams e outras entidades culturais, nas quais
buscou aprimorar seu conhecimento da Filosofia Hindu.
Em 2001 recebeu da Sociedade Brasileira de Educação e
Integração a Comenda da Ordem do Mérito de Educação e
Integração.
Em 2003 recebeu outro título de Comendador, agora pela Academia
Brasileira de Arte, Cultura e História.
Em 2004 recebeu o grau de Cavaleiro, pela Ordem dos Nobres
Cavaleiros de São Paulo, reconhecida pelo Comando do Regimento
de Cavalaria Nove de Julho, da Polícia Militar do Estado de São
Paulo.
Em 2006 recebeu a Medalha Tiradentes pela Assembléia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro e a Medalha da Paz, pela ONU Brasil.
No mesmo ano, recebeu o reconhecimento do título de Doutor
Honoris Causa pela Câmara Brasileira de Cultura e por várias
outras instituições culturais e o Diploma do Mérito Histórico e
Cultural no grau de Grande Oficial. Foi nomeado Conselheiro da
Ordem dos Parlamentares do Brasil.
Em 2007, recebeu o título de Sócio Honorário do Rotary e a
medalha Paul Harris da Fundação Rotária do Rotary International.
No mesmo ano foi agraciado com a Medalha da OEA (Organização
dos Estados Americanos das Nações Unidas). Nesse mesmo ano
recebeu a Cruz Acadêmica da Federação das Academias de Letras
e Artes do Estado de São Paulo “por ações meritórias e
enaltecedoras ao desenvolvimento da Nação”. Em 30 de Janeiro de
2007, recebeu Moção de Votos de Júbilo e Congratulações da
Câmara Municipal de São Paulo (RDS 3059/2006). Em Dezembro
de 2007 recebeu a Medalha Marechal Falconière, do Exército
Brasileiro.
Por lei estadual a data do aniversário do educador DeRose, dia 18
de fevereiro, foi instituída como o Dia do Yôga em ONZE ESTADOS:
São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará,
Goiás. E também no Distrito Federal.
O AUTOR COM SUAS OBRAS
Mais de um milhão de livros vendidos.
Gostou do que leu?
Se você gostou do extrato que lhe oferecemos
neste livreto de divulgação, certamente
apreciará muito mais o livro inteiro.
O livro Quando é Preciso Ser Forte encontrase nas livrarias para que você o folheie e
conheça mais capítulos interessantes.
Você pode adquiri-lo nas melhores livrarias
ou pelos telefones da Universidade de Yôga,
em São Paulo:
(11) 3081-9821, 3088-9491 ou 9312-6714.
Os telefones nas outras capitais do Brasil,
Portugal, Argentina, França, Inglaterra e
demais países você encontra no site:
www.DeRose.org.br
Teremos muita satisfação em lhe atender.
Comissão Editorial
Quando é Preciso Ser Forte
A obra aborda história, filosofia, romance, drama,
ocultismo, orientalismo, profissão, cultura e poesia. O
autor flui com facilidade e harmonia de um tema para
o outro, deixando o conteúdo bem equilibrado e prendendo a atenção do início ao fim da leitura. Alguns
leitores não conseguem parar de ler enquanto não
chegam ao final. Muitos relêem o livro outra e outra
vez, pois, embora não seja a proposta do autor, a obra
acaba se tornando uma boa conselheira para a vida.
Em suas 430 páginas, este livro instrui e distrai com
um refinado senso de humor, descrevendo de maneira
impecável as boas e más experiências de vida no colégio interno, no exército, nas sociedades secretas, na
família, nas relações afetivas, relatando viagens, descobertas e percepções proporcionadas por mais de
duas décadas de contato com monges nos Himálayas.
No texto de Quando é Preciso Ser Forte encontramos passagens que nos fazem dar boas risadas e outras que nos arrancam lágrimas sentidas.
A utilização de um precioso amálgama entre a linguagem coloquial e a norma culta, entre o vocabulário existente e algumas alquimias bem sucedidas com
neologismos aplicados na hora certa, os inteligentes
jogos de palavras temperados com alguma irreverência, tudo isso constitui uma maneira nova e inusitada
de escrever que torna a leitura muito agradável.
Trata-se de um estilo literário diferente, em que o
leitor é colocado dentro do livro, ao lado do autor,
enquanto este toma-o pelo braço e vai contando sua
história.
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