O “BICO” VERSUS O TEMPO INTEGRAL E DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA EXIGIDOS DA
CARREIRA MILITAR E DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR
Wiilson Odirley Valla, Cel. PM ref.
1. INTRODUÇÃO
Há alguns anos atrás, por iniciativa de um Parlamentar paranaense foi apresentado um projeto de lei cujo
objetivo era abrir a possibilidade de policiais-militares fazerem “bicos” no setor privado, fardados e com as armas
que a eles são entregues pelo poder público. Caso fosse viabilizada essa decisão, estaria implantada, no Estado
do Paraná, a privatização da polícia, com reflexos irreparáveis na já depauperada profissionalização da polícia.
A consequência, disso tudo, só pode ser traduzida por uma inversão devastadora de valores tornando a
atividade policial militar, para muitos, como se fosse um “BICO”, enquanto a atividade principal passaria a ser considerada justamente aquela concorrente ao dever profissional, situação que infelizmente já acontece em muitos
casos e com a condescendência da Administração.
A gravidade da infausta iniciativa, na realidade, consiste na desestruturação dos ditames deontológicos de
uma profissão típica de Estado, contrariando preceitos estabelecidos na legislação específica, a qual desvela a
verdadeira pedra angular em que está alicerçada a atividade policial militar, mas que infelizmente, não é levado
com seriedade por muitos e, na época, inclusive pelo Poder Legislativo paranaense.
Felizmente, com muita propriedade, houve vários pronunciamentos contrários, unânimes em afirmar que a iniciativa era absurda ou fora de propósito. Além disso, enfatize-se, num ato evidente de desrespeito a uma Instituição
mais que secular, a exemplo da Polícia Militar, a qual confunde-se com a própria história paranaense. No mesmo diapasão e na mesma época, o Governador recém-eleito por um dos Estados da Federação veio a público afirmar que estava
autorizando os integrantes da Polícia Militar a fazerem segurança particular fardados, gerando, com essa iniciativa,
maior sensação de segurança à população, até como maneira de compensar o atraso de mais de três meses de vencimentos. Com o devido respeito, isto chega aos limiares da insensatez ou da própria irresponsabilidade.
2. EXIGÊNCIAS E LIMITAÇÕES DE ORDEM LEGAL E JURISPRUDENCIAL
A atividade ou profissão destinada àqueles brasileiros que integram a carreira militar não se resume ao serviço diário. Ela se revela durante as vinte e quatro horas do dia, ainda que, no jargão castrense, não se encontre o
militar em serviço. Convém lembrar que as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares se enquadram
entre as organizações totais, característica ou condição própria dessas organizações, pela qual os seus integrantes, com base em disposições legais de âmbito federal e estadual, devem dedicar-se integral e exclusivamente à profissão.
No âmbito federal, o artigo 22, do decreto-lei nº 667/69, veda ao pessoal das Polícias Militares, em serviço
ativo, fazer parte de firmas comerciais de empresas industriais de qualquer natureza ou nelas exercer função ou
emprego remunerados.
Nesse sentido, transcendendo a esfera doutrinária, o artigo 16, do decreto federal nº 88.777/83 (R-200),
regulando as disposições da norma acima citada, expressamente determina que a carreira policial militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Polícias Militares, denominada Atividade Policial Militar. O mesmo vale para os Corpos de Bombeiros Militares.
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No âmbito estadual, o artigo 107, da Lei no 1.943, de 23 de junho de 1954, praticamente reproduz o texto
contido no artigo 22, do decreto-lei nº 667/69. Enquanto isso, na condição de subsidiário ao Código da Polícia
Militar do Estado do Paraná, o Regulamento Disciplinar do Exército, no inciso III, § 1°, artigo 8°, considera como
uma das manifestações essenciais da disciplina a dedicação integral ao serviço. Portanto, a sua inobservância,
além de atentar contra um dos princípios fundamentais das instituições militares, constitui transgressão disciplinar.
Na esteira do Regulamento Disciplinar acima citado, como dever ao militar estadual, com clareza meridiana, o inciso XV, artigo 7°, do decreto estadual nº 5.075, de 28 de dezembro de 1998 (Regulamento de Ética
Profissional dos Militares Estaduais do Paraná), impõe a dedicação em tempo integral ao serviço policial militar
e de bombeiro militar. Na continuidade, o preceito exorta o militar a buscar, com todas as energias, o êxito do
serviço, o aperfeiçoamento técnico-profissional e moral.
Não obstante a todas as imposições no plano administrativo, o artigo 204 do Código Penal Militar considera
crime militar o exercício do comércio pelo oficial da ativa, ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade comercial, ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista em sociedade anônima, ou por
quota de responsabilidade limitada. Por não estar definido como crime, em se tratando de praças, tal prática constitui-se em transgressão disciplinar e punível de acordo com o Regulamento Disciplinar.
Assim, por tais vias legais, o militar não pode exercer qualquer outra atividade profissional, o que o torna
dependente de seus vencimentos. Além disso, deve-se manter disponível para o serviço ao longo das 24 horas do
dia, sem direito a reivindicar qualquer remuneração extra, compensação de qualquer ordem ou cômputo de serviço especial.
A vedação legal ao exercício de outra atividade, segundo Antônio Fernando GUIMARÃES1, juiz togado do Tribunal do Trabalho da 3ª Região, é assim justificada:
Quando os regulamentos ou os estatutos vedam o exercício de atividade civil - no sentido de permanência, de outra profissão - porque se tem em mira aquela situação peculiar, militar é militar até na
reserva, de forma a não permitir que questões estranhas ao serviço militar possam influenciar, dificultar ou até mesmo distrair o vigor da profissão.
Por outro lado a Orientação Jurisprudencial nº 167, proferida pela Seção de Dissídios Individuais do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, definiu que não há empecilho à declaração da relação de emprego entre militar
e empresa privada, ainda que disso resulte, no âmbito militar, sanção para o policial. Tal sutiliza, como bem entendeu o referido Tribunal, não pode alcançar a Corporação militar na apuração e punição das infrações praticadas
que, a despeito da proibição legal, vem prestando serviços a particulares, em detrimento de suas obrigações para
com a sociedade.
Portanto, em relação ao assunto não há espaço para que os Estados possam legislar, concorrentemente
com a União, sobre garantias das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, particularmente no que
diz respeito à flexibilização quanto às exigências de tempo integral e dedicação exclusiva à atividade policial militar, ou de qualquer outra evasiva ou eufemismo para driblar tais responsabilidades.
Em razão disso, é fundamental que se tenha a nítida compreensão que, além da preocupação moral, as
responsabilidades junto à Corporação, à sociedade e à Nação estejam sempre na balança e o triunfo do princípio sobre a conveniência pessoal deve prevalecer. Daí, porque o serviço extracorporação, tolerado em muitas
corporações, inclusive aqui no Estado do Paraná, além de crimes contra o dever funcional previstos nos artigos
319 e 324 do Código Penal Militar, vem comprometendo não só a identidade das atividades policial militar e de
bombeiro militar, como também a eficiência da missão.
A eventual possibilidade, como pressionam alguns segmentos, para que militares exerçam a ocupação
extracorporação de segurança privada esbarra na lei nº 7.102/83, a qual tornou privativa de empresas de segurança, devidamente registradas, a atividade pretendida, inclusive com decisões da justiça em favor dessas empresas,
por ferir a CF e a legislação acima citada. Alguns, criminosamente, até agenciando serviços de segurança privada.
Com essas posturas ilícitas eliminam-se postos de trabalho na iniciativa privada, gerando desemprego na categoria dos vigilantes.
Com base na lei citada, em junho do ano de 2012, a Primeira Turma do TRT-10ª Região manteve e enalteceu
a sentença do juiz do trabalho, substituto da 14ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, José Gervásio Abrão Meireles, que
proibiu a maior rede de supermercados do Brasil de contratar policiais-militares para fazer segurança privada, violan1
GUIMARÃES, Antônio Fernando. O CONTRATO DE TRABALHO DO POLICIAL-MILITAR. Revista Direito Militar nº 17, AMAJME. Florianópolis, SC: maio/junho, 1999. p. 6.
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do o interesse da coletividade, além de tornar indisponíveis os postos de serviço para não policiais. A decisão da
Turma tem abrangência nacional e alcança os policiais dos estados em que há previsão de dedicação exclusiva ou
vedação expressa de trabalho em outra atividade. Foi estipulada multa no valor de R$ 20.000,00, se houver descumprimento da decisão. A empresa Pão de Açúcar ainda foi condenada a pagar indenização por danos morais coletivos
no valor de R$ 300.000,00, que deveria ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Por sua vez, os empregadores evitam a contratação de empresas regulares e especializadas para o serviço
de segurança patrimonial, recrutando pessoal qualificado sem ônus com treinamento, armamento e uniforme.
Frise-se, tudo pago pelos cofres públicos, isto é, pelos contribuintes e, como retorno, recebem um serviço de
segurança pública de qualidade baixa qualidade.
Pelo inciso IV, artigo 9º, da lei federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992, utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades, constitui Ato de Improbidade Administrativa que Importa em
Enriquecimento Ilícito.
Ora, a previsão de dedicação exclusiva para todos os integrantes das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, conforme já mencionado, está fixada na legislação federal específica, da qual a legislação estadual não pode se afastar sob hipótese alguma.
Também, para os menos informados, é bom saber que o militar das Forças Armadas ou das Forças Auxiliares, além de não dispor de uma jornada de trabalho semanal fixada pela CF, a exemplo dos servidores públicos, não tem folga e sim apenas horas de descanso, uma vez que tão logo exija o serviço ou a missão ele, automaticamente, entra em atividade. Ao contrário do empregado regido pela CLT e do servidor público, como se diz
no jargão de caserna, o militar está de serviço vinte e quatro horas por dia.
3. RAZÕES DE ORDEM MORAL E ÉTICA
Afora aquelas de ordem jurídica, as razões que desautorizam pretensa legalização ou a própria tolerância
de atividade extracorporação em favor dos policiais-militares - “bico” - e contrariam os princípios da moralidade e
da ética, dentre de outras, merecem destaque:
a. normalmente, ao cumprir os serviços de escala, após uma jornada paralela, apresenta-se para o trabalho
já cansado e estressado. “O estresse na tropa é devastador”, afirma o cel. PMSP RR José Vicente da Silva, do
Instituto Fernand Braudel, um dos mais dedicados estudiosos da segurança pública no Brasil;
b. ao descobrir que pode ganhar mais fora do expediente, pelo desgaste físico e emocional, torna-se um
profissional relapso e insatisfeito, pouco se empenhando no serviço, e quando o faz é de má vontade ou eivado de
arbitrariedade, agravando a violência contra os próprios cidadãos que deveria proteger;
c. embora remunerados pelo conjunto da sociedade, realizam a atividade extracorporação nos horários de
folga, quando deveriam estar se recompondo para o retorno ao trabalho, reconhecido como altamente estressante;
d. ao fazer “bico” como segurança privada, acumula dois períodos. Em ambos, é submetido ao estresse de
quem coloca a vida em risco. Segundo os levantamentos divulgados pela mídia, a maior parte dos policiais morre
fazendo esses serviços paralelos, situação que os deixa menos protegidos, incluindo os familiares;
e. além do mais, tornam-se vulneráveis ao assédio e ao recrutamento para as ações criminosas, em particular, do crime organizado, quando, então, se cria uma simbiose enlameada onde o que menos existe é o “fazer
polícia”. Basta observar o que está acontecendo com os militares, nestas condições, pelo país afora, mesmo sendo tal prática vedada por lei. Imagine-se com a liberação pretendida;
f. mesmo que o “bico” seja praticado por muitos, como tem sido a justificativa, não diminui a ilicitude de
quem o pratica. O maior culpado é quem permite tal prática e contribui para a desprofissionalização de atividade,
que de tão importante que é desfruta de tutela constitucional;
g. o engajamento em atividade extracorporação afeta o princípio da isenção e a indispensável projeção da
equidistância da polícia, gerando aquilo que se conhece como conflito de interesses. Como poderá agir com imparcialidade e impessoalidade em ocorrência em que uma das partes esteja envolvida, no caso a contratante do militar,
sem gerar desconfiança em relação às atitudes adotadas? Caso a balança favoreça o contratante, além de gabar-se,
vai aproveitar da situação e atingir o decoro de toda a classe.
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O cel. PM José Francisco PROFÍCIO2, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, ao
falar de disciplina e legislação penal militar, assuntos comuns às forças militares federais e estaduais, insistiu
sobre a necessidade da inclusão de novos dispositivos disciplinares adequados aos reclamos sociais e à própria
ampliação de funções que o momento histórico, mais recente, tem reservado às corporações. Por isso, segundo o
oficial em destaque, além daqueles já consagrados, devem ser acrescentados, dentre outros sugeridos: “Os
aspectos éticos (deontológicos) e de exclusividade no exercício profissional, para combater as novas
formas de desvios de finalidade e coibir atividade extracorporação, verdadeira praga a corroer o profissionalismo policial militar”. (Grifou-se).
4. CONSEQUÊNCIAS PARA O PROFISSIONAL E PARA AS CORPORAÇÕES
Alem do que foi exposto, agora o contraria a razão e ao mínimo de bom senso, é a pretensão de algumas
associações de legalizar a atividade extracorporação para que os policiais de folga trabalhem na segurança das
cidades, com a complementação do salário a ser proporcionada pelas prefeituras. Sinalizando nesse sentido, temse como exemplo a Operação Atividade Delegada regulamentada por uma das coirmãs que, por meio de delegação de atribuições municipais, permite fiscalizar o comércio ambulante irregular em regiões críticas, empregandose militares que estariam de folga. Ora, folga é o tempo reservado ao descanso do militar entre uma jornada
e outra, propiciando-lhe condições de recompor-se para o retorno ao trabalho, reconhecido, conforme já enfatizado, como altamente estressante. Neste caso, não estará a própria corporação, sob suposto manto de legalidade,
induzindo o profissional a acumular dois períodos de trabalho contíguos e com todas as implicações já postas?
Sendo o militar um agente público, na hipótese absurda de autorizado legalmente a exercer atividade paralela no setor privado ou, ainda, no setor público municipal, como visto atrás, fardado e com arma a ele entregue
pela Corporação, não estaria o Estado, conforme dispõe o § 6º, artigo 37, da CF, assumindo, também, a responsabilidade civil pelos danos que seu agente causar a terceiros, mesmo que fora de sua atividade principal? No
caso de acidente ou morte, quem assumiria tais responsabilidades?
Desafia-se alguém identificar apenas uma profissão honesta, honrada, prestigiada e de relevância social,
pública ou privada, em cuja regulamentação também seja autorizado o exercício concomitante de atividade extracorporação. Não se está referindo aqui ao acumulo de cargos públicos assegurados pela CF para algumas classes de profissionais. A bem da verdade, o que se pretende não passa de uma atitude desvairada, considerando
que a Polícia Militar é considerada como uma instituição de Estado, e não um mero instrumento destinado a atender às conveniências conjunturais, quer de profissionais, quer de governantes.
Com relação ao que as organizações investem para alcançar a eficiência e a produtividade de seu capital
humano, as Polícias Militares vivem num paradoxo: se de um lado, a atividade policial militar é concebida
como essencial à segurança e ao bem-estar da sociedade, que a ela deveriam estar vinculadas a competência e a eficiência, de outro lado, tais iniciativas se contrapõem aos compromissos de fidelidade à profissão, aumentando a sensação de AMADORISMO de MUITOS.
A consequência, disso tudo, só poderá ser devastadora. Para muitos, a atividade policial militar - por ser
estável e segura - desce a um papel de atividade secundária, servindo de capa ou cobertura para as atividades
particulares. Qual a pessoa de bom senso consultaria um médico sabendo de que nas horas de folga, para completar sua renda, faz “bico” como mecânico ou atende no balcão de sua lanchonete? Talvez pelo desconhecimento
da situação esse profissional até poderá ser consultado por alguém. A bem da verdade, aquele profissional que
não consegue sobreviver mercê de sua atividade deverá ser encorajado a procurar outra alternativa de trabalho.
5. CONCLUSÃO
Como se procurou demonstrar, as funções inerentes a esta ocupação são absorventes e impõem como
dever o tempo integral e a dedicação exclusiva – portanto plenas – excluindo todas aquelas próprias de outras
profissões ou empregos remunerados, públicos ou privados. Reforçando o que já foi dito, é incompatível o exercício da atividade policial militar com outra de qualquer natureza.
Data venia, guardadas as proporções, seria o mesmo que permitir oficialmente a Juízes e Promotores, nas
horas de folga, defenderem causas vinculadas aos seus deveres de ofício para complementar os salários, eventualmente baixos. Não obstante ao grave equívoco, tais iniciativas são aplaudidas por sugestiva fração da oficialidade e pela quase unanimidade da tropa. Entretanto, não estão interessados nas consequências, as quais já se
2 PROFÍCIO, José Francisco, cel. PM comandante-geral da PMSP. Revista A Força Policial - nº 2. Exposição aos Comandantes-Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares,
Auditório do Ministério do Exército, em Brasília, DF, no dia 18 de março de 1994. São Paulo: abr.-jun. de 1994. p.19.
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revelam graves, ainda que toleradas pelas vistas grossas da Administração. Em verdade, tais atitudes devem ser
encaradas, diante da lei, como crime de prevaricação, aliás, perfeitamente definido no artigo 319 do Código Penal
Militar: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de
lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Não é possível servir a dois senhores. A primeira consequência desses equívocos paternalistas e/ou populistas só poderá agravar, ainda mais, a INDISCIPLINA e a INSUBORDINAÇÃO, resultantes, em última análise, da
superficialidade da adesão e do tênue envolvimento com as exigências da vida castrense. A segunda, como resultado da primeira, além de criar um profissional cada vez mais sem vínculos com a Instituição, vivendo unicamente
para si próprio e suas prioridades, conduz a uma superficialidade que compromete a identidade da Corporação,
diante do governo e da sociedade.
Com a legalização ou com a leniência para as atividades extracorporação “bico” violam-se os princípios da
legalidade, da moralidade e da eficiência esculpidos no caput do artigo 37, da Constituição Federal. Infringe-se o
princípio da legalidade na medida em que a Administração do Estado desconsidera, além da norma constitucional,
toda a legislação infraconstitucional, a doutrina e a jurisprudência referentes à atividade militar estadual. Esta,
como instrumento de preservação da ordem pública - dever do Estado - e, como atividade jurídica que lhe é própria e condição necessária de sua existência. Atenta-se contra o princípio da moralidade na medida em que a
empresa particular conta com a participação de agentes públicos, pagos pelo contribuinte, autorizados a fazer
serviços privados com arma, treinamento e fardamentos fornecidos pela Corporação, comprometendo a imparcialidade e a neutralidade, com todas as implicações decorrentes. Contamina, também, o princípio da eficiência pela
repercussão negativa nos resultados, à medida que o homem torna-se um profissional relapso e insatisfeito, pouco
se empenhando no serviço, e quando o faz é de má vontade ou eivado de arbitrariedade, agravando a violência
contra os próprios cidadãos que deveria proteger. Por último, a transparência dos atos de polícia, verdadeiros
escudos para a sociedade proteger-se da corrupção, do suborno e do tráfico de influências.
Se, na realidade, em razão dos baixos salários, em grande parte das Corporações, o objetivo é tocar na
autoestima do profissional, que o poder público estadual deixe a hipocrisia de lado e atribua remuneração condizente aos seus agentes, em particular aos responsáveis pela segurança pública, aliás, como se faz nos países em
que a segurança pública é solução e não um problema como tem sido no País.
Finalmente, a privatização oficial ou oficiosa dos serviços da polícia ostensiva é o reconhecimento da incapacidade do Estado de prover segurança e cumprir seus deveres constitucionais básicos.
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