OPINIÃO
Virtual
Paulo Rudi Schneider1
Anaxágoras (500 AC) sugere que se possa entender a relação entre o todo e a parte
do universo como o infinito que se conjuga em cada detalhe e em cada suposição. O
infinito é o ilimitado imensurável em sua grandeza espacial e ao mesmo tempo
eternamente divisível em direção à pequenez. Além disso, é um universo em sempiterna
interconexão e metamorfose, supondo que tudo esteja em tudo, ou seja, que em cada
uma das suas partes o todo se reflita compondo-se e reconstruindo-se na emergência de
si mesmo. Todo acontecer é um detalhe emergente fazendo parte do devir infinito tanto
como sua expressão factual, como também compreensão noética ocorrente em
pensamento e linguagem.
O paradoxal infinito é logicamente indemonstrável, porque qualquer lógica sempre é
apenas uma das formas que a compreensão precisa supor num contexto finito. O infinito
em todas as suas expressões é o virtual pela abertura para a emergência latente do novo
em infinitas direções que a cada vez espreita. Por isso, o virtual não é só o possível, pois
este se limita apenas às oportunidades que a lógica oferece num determinado contexto
sistêmico que no todo é mero detalhe. O virtual é a potência total e infinita do devir. Ele
não é o cabresto da lógica do possível numa compreensão limitada, mas o novo
ilimitado sempre à espreita roçando a mente numa sugestão de interpretação inusitada e
inesperada. Qualquer movimento ou pensamento ressoa no todo universal; e não há
como prever a totalidade das metamorfoses de que eles fazem parte e promovem, pois
qualquer previsão é também mero detalhe que se agrega ao todo.
Expressões do virtual que hoje atualizam o esboço compreensivo do todo é a
comunicação que se dá pela linguagem oral, pela escrita e pela informática de suporte
maquinal, os quais são gestos humanos técnico-científicos em contínua elaboração
hermenêutica que se movimenta como tradução, metamorfose de sentido e interface
sobrevoando quaisquer limites. A comunicação que assim se dá indica a comum
participação de tudo em tudo, bem como a ressonância noticiosa de cada detalhe no
infinito ilimitado. A linguagem oral emerge fixando a compreensão de todos os saberes
em gestos, danças, ritos, mitos, habilidades técnicas e costumes de convivência, em que
o tempo é um manto sob o qual o eterno presente se abriga. A escrita, por sua vez,
parteja o tempo passado objetivo elaborando direitos e conhecimentos pretensamente
independentes de quaisquer contextos, favorecendo o surgimento do sábio individual
enquanto sujeito do saber.
Já a informática, com a sua velocidade de interconexão planetária em tempo real,
tende a liquidar com territórios teóricos como cartórios limitantes da compreensão
relacionada. Ela assim oportuniza uma forma de compreensão do virtual como acesso
instantâneo a qualquer informação sobre conhecimentos inusitados e como ingerência
participativa no desenvolvimento da inteligência. A indicação geral da informática é a
compreensão tendente à transparência de tudo, não como um movimento mental de um
indivíduo, mas como coletivos pensantes configurados por seres humanos, técnicas
incorporadas e máquinas. Quem pensa? É uma arquitetura cognitiva que, depois de
elaborada, nunca mais poderá confiar apenas em possibilidades logicamente
estabelecidas para contextos reduzidos. Assim, não alcançamos a compreensão do
infinito, mas vislumbramos e adivinhamos uma totalidade de saberes interconectados
por grupos humanos informatizados manipulando o total da memória dos
conhecimentos já produzidos e simulando modelos de possíveis modos de ser para si e
para os outros. O virtual é o imponderável que disso possa resultar, hipertexto sempre
presente, à espreita e à disposição. Os coletivos pensantes concentram-se no possível
tentando a sua articulação, mas o virtual é mais abrangente e sempre à volta e ao dispor.
Qualquer inovação técnica é fonte virtualmente criativa de infinitas significações.
Alguns profetas prognosticam que o desastre está perto e outros profetas adivinham um
mundo maravilhoso feito da simbiose de humanos e tecnologias pela qual o planeta
como um todo é que pensa, e não mais indivíduos ou até grupos isolados. O pensamento
depende, evolui e se metamorfoseia pela oralidade, pela escrita e pela informática, de
modo que desde o início ele está comprometido como essas técnicas, não apenas como
meio instrumental, mas como modo de ser. O virtual sempre esteve presente e, agora,
com o acúmulo de três tecnologias sobrepondo velocidades, ele esboça a radicalidade da
sua compreensão necessária. A origem das técnicas envolvendo pensamento e
linguagem não significa que o seu sentido esteja descoberto, mas, pelo contrário, aponta
para a necessidade de compreensão do seu sentido virtual encoberto, e, ao mesmo
tempo, imediatamente presente. Onde, então, afinal estamos? Onde nos reunimos?
Heráclito (500 AC) diz em grego: enkiklos, isto é, abrigados no seio maternal do ser
abissal. Em caso de dúvida, encontramo-nos no infinito ao lado, pois também o vizinho
é participante do infinito virtual.
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Filósofo, professor do DFP, doutor em Filosofia
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