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Artigo da revista Farmácia Saúde do número 66 de Março de 2002
Imagine uma pessoa que se sente sempre no limite das suas forças, que não consegue dar rendimento a 100%, que se
deita e acorda cansada, como se vivesse sempre cansada. Cansada até de estar cansada. Essa pessoa provavelmente sofre
da chamada síndrome da fadiga crónica.
Foi só nos anos 80 que a doença mereceu alguma atenção, na altura apelidada de "gripe dos yuppies", por afectar
sobretudo pessoas brancas, de meia idade e bem instaladas profissionalmente, aquelas que - daí o nome - duas décadas
antes tinham protagonizado o movimento yuppie. Chamavam-lhe gripe por semelhança dos sintomas - dores de cabeça,
dores musculares e na garganta, entre outros.
Durante anos foi ignorada e menosprezada e nem mesmo os médicos a consideravam doença. Em consequência, os
doentes eram vistos como preguiçosos incuráveis - queixavam-se de estar sempre cansados - ou então como apresentando
problemas psicológicos e tratados à base de antidepressivos.
Foi só em 1988 que a síndrome da fadiga crónica foi reconhecida e seriam precisos ainda mais alguns anos para ser
publicada uma definição aceite pela classe médica e que actualmente ainda persiste. Assim, os cientistas entenderam que
para se fazer um diagnóstico é preciso que a fadiga acentuada se mantenha durante seis meses acompanhada de pelo
menos quatro dos seguintes sintomas: inflamação na garganta, dores musculares, dores nas articulações, lapsos de
memória, sono pouco reparador, enxaquecas e exaustão durante 24 horas seguidas após um determinado esforço.
Apesar disso ainda subsiste quem duvide de que esta é realmente uma doença e os próprios doentes habituaram-se a
conviver com estes sintomas anos a fio, renunciando a procurar um médico e combatendo cada manifestação isoladamente,
muitas vezes à base de analgésicos, já que a dor é o denominador comum da fadiga crónica.
A síndrome de fadiga crónica é, efectivamente, uma doença complexa, que acaba por interferir com a qualidade de vida
dos indivíduos, afectando-os mesmo a nível familiar e socio-profissional. Viver ou trabalhar com uma pessoa que está
sempre cansada não é - há que reconhecê-lo - estimulante, nomeadamente porque a depressão é uma das suas
manifestações mais severas.
Uma bola de neve.
A fadiga intensa aparece de forma inesperada e instala-se lentamente, sobretudo em mulheres de raça branca e com
idades entre os 25 e os 50 anos, se bem que homens e indivíduos de outras raças e idades possam também ser afectados.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, estima-se que a incidência desta síndrome seja de 75 a 250 casos por
cada 100 mil pessoas. Calcula-se ainda que a prevalência de mulheres afectadas é três vezes superior à de homens.
Desconhece-se uma causa exacta, mas sabe-se que há factores orgânicos e psicológicos implicados e que mesmo a
hereditariedade tem uma palavra a dizer. Assim, quando um indivíduo começa a sentir indícios de fadiga crónica muito
cedo, apresentando sintomas intensos mas poucos factores causadores de stress, é bem provável que haja uma
intervenção dos antecedentes familiares.
O stress é uma das principais fontes geradoras de fadiga crónica, porquanto obriga o organismo a adaptar-se. Nesse esforço
- que tanto pode ser de resistência como de compensação - o organismo corre o risco de ficar debilitado, desencadeando
sintomas que podem terminar em exaustão.
Quando se trata da síndrome de fadiga crónica, a verdade é que o stress é como uma bola de neve, ou, se quisermos, uma
pescadinha de rabo na boca: o stress contribui para o cansaço extremo e este por sua vez gera mais stress.
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Mas há igualmente alterações orgânicas que intervêm na fadiga crónica, pelo menos é o que acreditam os investigadores
que relacionam esta síndrome com glândulas como a hipófise e a tiróide e com a insuficiente produção das respectivas
hormonas.
E a depressão?
Assim, enquanto 2,5% da população já sofreu, pelo menos uma vez na vida, de um episódio depressivo, essa taxa aumenta
para 25% entre as pessoas com fadiga crónica.
Não se pode, apesar disso afirmar, que a depressão seja a causa da síndrome. Provou-se que está relacionada e que nestes
doentes a falta de entusiasmo e a dificuldade em lidar com a rotina podem evoluir para uma depressão. Convém, no
entanto, salientar que estas pessoas não apresentam distúrbios psíquicos, apesar do abatimento que advém dos sintomas
da fadiga crónica. Não devem, pois, ser vistas como tendo apenas problemas depressivos e muito menos como arquitectos
de queixas imaginadas e falsas. Ainda assim, e porque a depressão acompanha a síndrome da fadiga crónica, a terapia
pode passar também pela toma de antidepressivos leves, que ajudam a estabilizar o sono, por exemplo.
Dada a diversidade de sintomas não existe uma medicação específica. Para aliviar as dores são propostos analgésicos e
anti-inflamatórios. É igualmente frequente que sejam administrados fármacos para revitalizar as funções supra-renais e
regular a produção de hormonas.
Para relaxar os músculos, um banho de água morna é um bom aliado, massagens também ajudam. E para melhorar o
estado físico em geral nada como praticar exercício.
O diagnóstico também é feito por parcelas, ou melhor, por exclusão de partes, já que os sintomas da fadiga crónica são
comuns a muitas outras doenças. A diferença reside na conjugação desses sintomas por um período de tempo prolongado
numa pessoa que anteriormente não os apresentava e com tal gravidade que provoca alterações significativas na sua rotina
de vida.
É precisamente no quebrar dessas rotinas que pode estar uma ajuda para minorar as consequências desta complexa
doença. Não se trata de uma mudança radical de vida, mas médicos e terapeutas propõem que as pessoas se
disponibilizem a levar uma vida mais calma, evitando expor-se a situações geradoras de grande stress físico ou psicológico,
equilibrando os momentos de actividade com os de repouso.
A verdade é que a síndrome da fadiga crónica pode ser incapacitante, embora o doente pareça estar bem. Os sintomas
podem não parecer graves, mas são. E muitos doentes sofrem em silêncio, sujeitos à incompreensão que advém do facto
de a doença ainda ser pouco divulgada. Assim, quando nos deparamos com alguém que pareça viver sempre cansado, o
mais provável é que essa pessoa não seja preguiçosa, mas que sofra de fadiga crónica sem supeitar.
Sintomas
A depressão anda de facto associada à fadiga crónica. Estudos efectuados concluíram que pessoas com esta síndrome têm
uma taxa muito maior de depressão do que o resto da população. Não se conhece uma causa única para a síndrome da
fadiga crónica, mas antes um conjunto de sintomas que, manifestando-se em simultâneo e prolongadamente, permitem
concluir que se está perante esta doença. Conheça-os, pois:
lapsos de memória
dificuldade de concentração
garganta inflamada
dores musculares
dores nas articulações
enxaquecas
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perturbações gastro-intestinais
alterações de sono e sono não reparador
depressão
ansiedade
Estes são os sintomas primários, mas há outros sintomas que podem aparecer na fadiga crónica, a saber: tosse, diarreia,
tonturas, olhos e boca secos, dores de ouvido, batidas cardíacas irregulares, náuseas, suores nocturnos, irritabilidade,
dificuldade em respirar, formigueiro nas mãos, perda de peso.
O que fazer?
relaxar os músculos, através de massagens e banhos mornos
praticar exercício, de modo a activar a circulação e a estimular as articulações
fugir das situações geradoras de stress
guardar tempo para o descanso, fazendo uma gestão mais equilibrada dos momentos de actividade e de repouso
aligeirar a rotina diária
e, naturalmente, consultar um médico, pois só ele saberá fazer o diagnóstico e recomendar a terapia, que, além de
uma vida mais calma, pode passar por fisioterapia e pela administração de medicamentos (analgésicos,
anti-inflamatórios, relaxantes musculares, anti-depressivos).
Dores sem razão.
A síndrome da fadiga crónica coexiste em muitos doentes com outra patologia, igualmente sem razão aparente: a
fibromialgia. Doença crónica, manifesta-se através de cansaço generalizado e dores em várias partes do corpo,
concentradas sobretudo nos pés, ombros, coluna e pernas. Sente-se como um ardor que invade o corpo, acompanhado de
espasmos musculares.
Ainda por identificar estão as causas desta doença que - calcula-se - afecta entre 4 a 15% da população, dela sofrendo mais
as mulheres entre os 35 e os 50 anos. Aliás, em dez pessoas atingidas nove são do sexo feminino.
Os diversos estudos efectuados tendem para relacionar a fibromialgia com o défice das substâncias que normalmente
protegem os seres humanos da dor: a noradrenalina e a serotonina. Assim se explica que estas pessoas apresentem
também quadros depressivos, já que aquelas duas substâncias são igualmente reguladoras do humor.
Na ausência de uma causa específica, também não há um tratamento exclusivo, mas sabe-se que há factores de risco a
evitar, nomeadamente a obesidade e a ansiedade.
Quanto às várias opções de terapia, são muito semelhantes às da síndrome da fadiga crónica, até porque há sintomas
comuns: exercício físico para fortalecer a massa muscular, massagens, nadar em piscinas de água morna, medicamentos
que aumentam os níveis de serotonina. Sublinhe-se que o exercício funciona como um analgésico natural, na medida em
que estimula a produção de endorfina, uma substância "dois em um", já que reduz a dor e proporciona uma boa noite de
sono. Mexa-se, pois: só tem boas razões!
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